• Nenhum resultado encontrado

OBJETO DE TRABALHO

2.1.5 A Reforma Psiquiátrica em Fortaleza e o lugar dos CAPS

Embora o estado do Ceará seja considerado o precursor na interiorização dos CAPS no Brasil, Fortaleza iniciou tardiamente seu processo de Reforma Psiquiátrica. Essa demora em relação ao interior foi semelhante à de outras capitais, podendo ser atribuída tanto à concentração de hospitais psiquiátricos e maior resistência de seus proprietários em relação à reforma (SAMPAIO & SANTOS, 1996; PONTES & FRAGA, 1997; ROSA, 2006), quanto à falta de vontade política ao longo de várias gestões municipais.

instituição asilar, sendo congruente com as políticas de saúde do Brasil que vigoraram até a emergência/criação do SUS (FRAGA & SILVA, 1994). No início do processo colonial, desde 1603 até 1886, o Ceará não contava com nenhum tipo de assistência psiquiátrica. Os loucos circulavam pelas ruas, sendo presos na cadeia ou acolhidos em movimentos messiânicos.

Inaugurado em 1886, o Asilo dos Alienados São Vicente de Paula vinculado à Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza foi o primeiro hospital psiquiátrico do estado. Em 1938 o Dr. Vandick Pontes, professor de Neurologia da Universidade Federal do Ceará funda o primeiro hospital particular do Nordeste, a Casa de Saúde São Gerardo. Mais de 20 anos depois se segue a inauguração do primeiro (e único) hospital psiquiátrico público do estado, o Hospital de Saúde Mental de Messejana (HSMM), em 1962. Somavam-se assim, três hospitais psiquiátricos de pequeno porte, de caráter asilar, criados tardiamente em relação aos modelos originais nos quais se inspiraram.

A seguir outros seis (6) hospitais psiquiátricos privados conveniados com a Previdência Social foram criados, seguindo a lógica que caracterizou a política de saúde no decorrer da Ditadura Militar (ROSA, 2006). Dois destes hospitais estavam situados no interior, havendo também um Manicômio Judiciário em um município vizinho a Fortaleza. Com isto, a capital do estado passou a concentrar a maioria dos leitos psiquiátricos do Estado.

Nas décadas de 70 e 80 do século passado ocorreram também experiências ambulatoriais e treinamento em Psiquiatria via o Programa Integrado de Saúde Mental (PISAM), derivadas de influências norte-americanas como a Mental Health Law. Paralelamente a esses processos surgiu uma linha autônoma do Movimento Brasileiro de Reforma Psiquiátrica e uma experiência de reforma do HSMM.

Em 1991 é criado o primeiro CAPS do estado, no município de Iguatu, e em 1993 é aprovada a da Lei Estadual de Reforma Psiquiátrica (Lei 12.151/1993). Também em 1993 a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza cria a Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica, que apresenta um plano para implantar nove (9) CAPS em dois anos (SAMPAIO et al., 1998). Nesse período surgem dois hospitais-dia no município, um privado e outro público, praticamente sem causar impacto na desospitalização.

Segundo SAMPAIO et al. (1998), o tripé da ação política da Reforma Psiquiátrica nos municípios do interior do Ceará foi constituído por movimentos sociais

vinculados a núcleos do Movimento da Luta Antimanicomial, às Comissões Municipais de Saúde Mental e às Leis Orgânicas Municipais que introduziram os princípios da Reforma Psiquiátrica.

O primeiro CAPS de Fortaleza surgiu somente em 1998, 7 anos após o primeiro CAPS do Estado, quando já existiam sete (7) CAPS em municípios do interior. Ligado a uma instituição de ensino em convênio com o município, este CAPS surgiu muito mais pela pressão de um grupo pró-reforma vinculado a tal instituição e à Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica, do que pela vontade política dos gestores da época.

Diferente dos demais, este CAPS manteve historicamente maior vínculo com a instituição de ensino do que com a Secretaria Municipal de Saúde, contando desde seus primórdios com trabalhadores cedidos por um hospital vinculado à referida instituição. O município assumiu o aluguel de uma casa que sediava o serviço, mas não garantiu recursos materiais, nem mais trabalhadores, o que sujeitou os trabalhadores da época a péssimas condições de trabalho.

Este momento inicial não chegou a representar a assunção de um processo de Reforma Psiquiátrica por parte da gestão do município. Esse primeiro CAPS não contava com o suporte de outros serviços, e rapidamente ‘inchou’ ao ter que atender qualquer tipo de demanda em saúde mental da população de todo o município e das circunvizinhanças.

O serviço conduziu-se assim, em direção a uma lógica mais ambulatorial médico-centrada, sem uma base territorial definida, com grande sobrecarga de demanda. Passados 3 anos, foram criados mais dois CAPS em 2001, estes totalmente vinculados ao município. O surgimento destes CAPS também se deu mais por pressão de movimentos sociais e pela comissão municipal de Reforma Psiquiátrica, em um momento subseqüente à grande repercussão da morte de Damião Ximenes, paciente internado na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral.

Contudo, a Reforma Psiquiátrica continuava fora da agenda política municipal, contando com uma coordenação de Saúde Mental vinculada à atenção básica que era praticamente inoperante. Isto deixou a organização de cada CAPS sob a responsabilidade única de seus próprios trabalhadores, muitos deles inexperientes. Cada um destes serviços funcionava de uma maneira distinta e administrativamente estavam mais vinculados cada qual à sua regional, sem nenhum tipo de integração entre os

mesmos.

Apesar da entrada dos técnicos nesses CAPS ter ocorrido via concurso público, apenas os psiquiatras e psicólogos sabiam e tinham optado por trabalhar em CAPS. Os demais profissionais fizeram um concurso geral para suas categorias, sendo que vários deles não pensavam na saúde mental como sua primeira escolha. Além disso, as equipes não contavam com supervisão clínico-institucional. Essas questões não diferem do descrito por OLIVEIRA & ALESSI (2005ª) sobre o processo de seleção e supervisão de trabalhadores nos CAPS de Cuiabá.

Quanto aos trabalhadores de apoio, na sua maioria terceirizados, a via de acesso através de influência política era a regra, o que também ocorria em relação á indicação das coordenações dos dois novos CAPS. Nesse último aspecto o CAPS mais antigo conseguiu se preservar neste aspecto, devido a seu vínculo anterior com a instituição de ensino.

Contando com três (3) CAPS em uma cidade de cerca de 2 milhões de habitantes, cada serviço ficou responsável por duas (2) regionais do município, abrangendo uma população entre 500.000 a 800.000 habitantes. Seguindo trajetória similar à do CAPS mais antigo, os 2 novos CAPS rapidamente ‘incharam’, tendendo também para uma lógica mais ambulatorial, sem ações territoriais.

Diversas questões contribuíram para reforçar essas tendências ambulatoriais, entre elas: a grande demanda reprimida associada a áreas de abrangência muito populosas; a inexistência de uma rede assistencial de saúde (SILVEIRA et al., 2006); e as dificuldades de organização interna dos serviços, que se conjugavam ao despreparo (técnico, político e administrativo) das equipes.

Nesse contexto, os serviços também se voltaram para o atendimento de pessoas com problemas leves e moderados, obtendo pouquíssimo impacto na desospitalização. Os hospitais psiquiátricos continuavam com ocupação plena de seus leitos, e esses CAPS assumiram o lugar de serviços complementares ao invés de substitutivos ao hospital psiquiátrico, caracterizando o que ROTELLI et al. (1990) designam de

Psiquiatria Reformada.

Foi a partir de 2005, com a mudança de gestão, que ocorreu uma inflexão a partir da qual se iniciou o processo de Reforma Psiquiátrica em Fortaleza. Assumida como compromisso político na agenda oficial, a Reforma começou a ser formulada

inicialmente por uma equipe do nível central que elaborou uma proposta de política de saúde mental discutida e aprovada em um fórum popular.

Iniciou-se também um processo de expansão de serviços e ações, tanto na atenção básica quanto na saúde mental. Entre 2005 e 2006 criaram-se mais onze (11) CAPS26

no município e foram implantadas 300 equipes de Saúde da Família. Os trabalhadores dos novos CAPS foram contratados por terceirização, visto ter sido priorizado concurso público para a atenção básica. Contudo, ainda são acenadas possibilidades de um concurso público para a Saúde Mental.

Entre os problemas relacionados à terceirização dos trabalhadores nos novos CAPS, encontra-se a maior insatisfação destes trabalhadores (GUIMARÃES, 2007) e persistência de certa ingerência política, sobretudo na seleção de trabalhadores administrativos e de apoio. Isto ocorre bem menos em relação aos profissionais de nível superior, cujo critério de seleção inclui a análise curricular. Entretanto, tal ingerência conseguiu ser evitada na indicação das coordenações dos CAPS, possibilitando a participação dos trabalhadores nessa escolha.

Outro avanço nos CAPS foi a instituição das supervisões clínico-institucionais, apesar de certa intermitência nesse processo. Além disso, todos os CAPS passaram a contar com artistas também vinculados ao Projeto Arte e Saúde, que estabelece interlocuções culturais entre a loucura na cidade.

A expansão dos CAPS também foi seguida de outras iniciativas, tais como: a reorganização da gestão em saúde mental, com a criação de coordenações regionalizadas e o estabelecimento das rodas de gestão; a criação da Comissão Municipal de Internação Psiquiátrica Involuntária; a adoção da política de redução de danos; a criação de uma residência terapêutica; a reativação do Programa de Volta para Casa (PVC); a regulamentação e obtenção de um espaço físico próprio de uma cooperativa de usuários, a COOPCAPS; e as ações de apoio matricial junto à atenção básica.

Foi criado também o bloco de carnaval “Doido é Tu” e surgiram 87 grupos de terapia comunitária, além de convênios com entidades como o Movimento de Saúde

26 Distribuídos da seguinte forma: Três (3) CAPS tipo II de adultos; 6 CAPS para álcool e drogas (CAPS AD), e dois CAPS para crianças e adolescentes (CAPSi). Cada regional de Fortaleza passou a contar com um CAPS tipo II de adulto e um CAPS AD. Os CAPSi ficaram responsáveis por três (3) regionais de Fortaleza cada um.

Mental Comunitária do Bom Jardim, que possibilitaram avanços rumo à construção da integralidade na atenção psicossocial.

Iniciou-se também uma política de educação permanente que efetivou a implantação de uma Residência Médica em Saúde da Família e Comunidade de grande porte, contando com preceptoria de Saúde Mental em uma das regionais e com estágios nos CAPS para todos os residentes. Também foram ofertados diversos cursos e capacitações para os trabalhadores dos CAPS27.

Em 2006 também ocorreu o fechamento de um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde São Gerardo, com a desativação de 160 leitos, concomitante à abertura de 25 leitos conveniados ao SUS em um hospital geral privado.

Segundo ANDRADE et al. (2007) o atual processo de Reforma Psiquiátrica de Fortaleza se caracteriza pela implantação de uma Rede Assistencial de Saúde Mental cujos eixos temáticos objetivam: incentivar a cidadania, promover os direitos em saúde mental, articular ações intersetoriais e interinstitucionais para melhoria da qualidade de vida das pessoas, além de garantir a participação dos movimentos sociais comprometidos com o ideário da Reforma Psiquiátrica e com os princípios do Sistema Único de Saúde.

Comparando os anos de 2005 com 2006 a partir dos registros do SIH-SUS, os autores observam uma redução de: 34% nas internações psiquiátricas por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, 11% nas de esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes. Os achados parecem indicar uma tendência a modificar aspectos do modelo de atenção relacionados às hospitalizações.

Apesar de todas essas mudanças, os desafios continuam. Fortaleza ainda conta com seis (6) hospitais psiquiátricos, perfazendo um total de 773 leitos psiquiátricos cadastrados pelo SUS e 32 leitos privados. Por outro lado, apesar da grande expansão dos CAPS, as áreas de abrangência destes continuam muito populosas, abrangendo de 300.000 a 600.000 habitantes. O mesmo acontece, proporcionalmente, em relação às equipes de Saúde da Família.

Este aspecto é relevante por dificultar uma atuação mais territorial, tanto dos CAPS, quanto das equipes de Saúde da Família. Isto se associa a uma sobrecarga de

27

Alguns cursos ofertados aos trabalhadores dos CAPS foram: Arteterapia, Terapia Familiar Sistêmica, Especialização em Saúde da Família e Comunidade, Terapia Comunitária, Auto-Estima, e outros.

atendimentos individuais herdados da grande demanda reprimida durante anos, além da orientação para que estes serviços também atendam usuários oriundos de áreas descobertas pelo processo de territorialização, pois apesar da grande expansão da Estratégia de Saúde da Família (ESF) no município, a cobertura atinge apenas cerca de 45% da população.

Quanto às tendências em relação ao modelo de atenção e aos processos de trabalho, vários CAPS de Fortaleza ainda apresentam dificuldades para superar perspectivas de cuidado ambulatoriais e centradas no médico28, havendo também dificuldades na integração e cooperação interprofissional (GUIMARÃES, 2007; SILVEIRA et al., 2007). Além disso, muitos CAPS são pouco operantes nas situações de crise. Estas são freqüentemente encaminhadas para duas emergências psiquiátricas vinculadas, respectivamente, a um hospital psiquiátrico público e outro privado, conveniado ao SUS.

Segundo SÁVIO & GULJOR (2004), essa tendência ambulatorial expressa um modelo de atenção centrado em consultas médicas e psicológicas individuais, sendo pautado por uma racionalidade médica predominante. Apesar de essa tradição ambulatorial vigorar em Fortaleza desde a implantação de seu primeiro CAPS (SILVEIRA et al. 2007), ela se perpetua por diversos motivos, sendo também observada em outros CAPS de diversos locais do Brasil (OLIVEIRA & ALESSI, 2005a; ANTUNES & QUEIROZ, 2007).

Alguns motivos podem ser apontados para a perpetuação dessa tendência ambulatorial. Um deles poderia relacionar-se a certa pressão dos próprios usuários e da

população, que se justifica pela maior valorização da consulta médica em detrimento de

outras atividades propostas, relacionada à legitimidade social alcançada pela medicina, bem como à expectativa de receber medicação e à preponderância de um modelo médico-centrado social e historicamente internalizado (OLIVEIRA & ALESSI, 2005a). Um segundo motivo também se associa à trajetória histórica do trabalho em saúde e à preponderância do trabalho médico sobre os demais. Por outro lado, essa lógica

28

A centralização do atendimento dos CAPS na figura dos psiquiatras parece ser predominante em todos os serviços, inclusive os novos. Os psiquiatras desempenham um leque de atividades distinto em relação aos demais colegas, pois geralmente não participam do acolhimento e nem de atividades grupais. As agendas psiquiátricas estão superlotadas, sendo este profissional o que realiza maior número de atendimentos por turno. A rotatividade de psiquiatras (não concursados) nos novos serviços tem sido grande, encontrando-se a intermitência de psiquiatras mencionada por autores como SCHMIDT (2007).

ambulatorial é reforçada não apenas pelos médicos, mas também por profissionais de outras categorias que contribuem, contraditoriamente, para atualizar esse modelo ambulatorial.

Um terceiro motivo poderia estar relacionado à grande demanda dos CAPS de Fortaleza (SILVEIRA et al., 2007), o que pode contribuir para gerar tendências de

massificação do atendimento. Neste sentido, resgatamos a reflexão de DESVIAT

(1999) sobre o nascimento da Psiquiatria já como uma proposta de reforma dos primeiros alienistas, otimistas e confiantes com a possibilidade de cura dos loucos.

Essa confiança foi esgarçada por dois acontecimentos: a massificação dos asilos e a vitória do organicismo. Um tratamento moral que se pretendia psicológico e individualizado tornou-se inviável de praticar quando cada médico atendia 400 a 500 pacientes. Além disso, as teses de Bayle29

reforçaram a organicidade associada à incurabilidade. Apesar de todos os limites e objeções ao tratamento moral, sua proposta inicial de maior personalização ilustra esse risco representado pela massificação que pode ser induzida por uma grande demanda. Tal risco merece ser considerado cuidadosamente em processos de reforma psiquiátrica ciosos na materialização de discursos de valorização da singularidade e da personalização do cuidado.

Assim, a questão da massificação ainda nos parece bem atual. Perguntamo-nos aqui, até que ponto serviços com grandes áreas de abrangência populacional dos quais se pretendem mudanças nos modelos de atenção não acabam sucumbindo ante a

massificação? Mudanças nos modelos de atenção pressupõem a possibilidade de um

trabalho reflexivo, a (re)invenção e o lidar com a imprevisibilidade, enquanto a

massificação contribui para estabelecer tendências opostas, levando à rotinização e

normatização dos procedimentos, induzindo a redução do tempo de consulta e uma pressão por produtividade.

Em decorrência, os trabalhadores podem sentir-se impelidos a adotar tendências pautadas por abordagens mais objetivadoras, favorecendo a predominância de uma prática psiquiátrica tradicional em detrimento de outras abordagens psicossociais. Esta reflexão aponta para a necessidade de repensar os critérios de distribuição populacional dos novos serviços, levando em consideração os riscos da massificação que podem

induzir a reprodução de modelos de atenção que se pretendem superar30

.

Outro desafio importante no processo de consolidação do SUS e da Reforma Psiquiátrica em Fortaleza se relaciona à efetivação de uma política de gestão compartilhada e participativa. A gestão municipal de saúde tem investido em um processo de gestão compartilhada a partir da criação de espaços coletivos intra e extra- institucionais que ainda precisam avançar para uma maior democratização das relações, tanto com os trabalhadores quanto com a população (GUIMARÃES, 2007; JORGE et

al., 2007).

No caso dos CAPS, a participação dos trabalhadores na escolha da coordenação não parece garantir automaticamente a possibilidade de uma boa relação entre ambos. O estudo de GUIMARÃES (2007), realizado em alguns CAPS de Fortaleza assinala como uma das causas de insatisfação no trabalho os conflitos entre trabalhadores e coordenação, o que denota a necessidade de consolidar os espaços coletivos intra- institucionais.

Além disso, a perspectiva de gestão compartilhada se depara com a contradição de ter que lidar com a verticalização de relações institucionais historicamente constituídas, inseridas em um processo de descentralização administrativa que ainda possibilita grande ingerência política. Por outro lado, a constituição de espaços

coletivos31 intra-institucionais nos serviços de saúde é recente, remontando aos anos de 2005/2006. Há assim, pouca tradição na democratização dessas relações, o que acaba por repercutir nas relações extra-institucionais, com grandes variações na atuação de cada CAPS no que diz respeito à mobilização e ao estímulo da participação de usuários e familiares.

Assim, embora o avanço da democratização institucional não possa ser garantido apenas com a criação de alguns espaços coletivos intra-institucionais como as reuniões de equipe, o apoio institucional e a supervisão, estes são dispositivos fundamentais para

30 No último relatório de gestão do Ministério da Saúde (2003-2006) há indicativos de que um CAPS de tipo II seria adequado para uma cobertura de áreas com até 100.000 habitantes, o que reduziria para a metade a atual abrangência populacional deste tipo de CAPS (BRASIL, 2007).

31

CAMPOS (2000a: 147) define o espaço coletivo como:“um arranjo organizacional montado para estimular a produção/construção de sujeitos e de coletivos organizados. Representam espaços concretos (de lugar e de tempo) destinados à comunicação (escuta e circulação de informações sobre desejos, interesses e aspectos da realidade), à elaboração (analise da escuta e das informações) e tomada de decisão (prioridades, projetos e contratos).”

desencadear um processo político-pedagógico que permita avançar na democratização das relações entre os trabalhadores e destes junto à população.

A questão da gestão participativa e compartilhada também deve ser contextualizada historicamente, já que Fortaleza não tem consolidada uma tradição de participação popular. Diversos governos municipais tradicionalmente se caracterizaram pela reprodução de práticas assistencialistas e político-clientelistas nos serviços públicos.

Apesar de uma regulamentação municipal ter criado os conselhos locais de saúde há duas gestões anteriores, esta participação não se institui por decreto. A isto se soma o fato de que uma tradição participativa não faz parte da história da maioria dos usuários, familiares e trabalhadores.

Apesar de a nova gestão municipal ter tentado minimizar alguns desses aspectos a partir da construção de novas instâncias de participação como o orçamento participativo, ela permite, contraditoriamente, certa ingerência política nos serviços, visando garantir a governabilidade e o apoio da base aliada e seus vereadores.

Passando do contexto local para o âmbito singular dos serviços, a efetivação de novos modelos de atenção em saúde pressupõe o exercício dialógico e maiores negociações entre as necessidades, desejos e interesses da população e dos trabalhadores. Consta assim, entre as atribuições dos trabalhadores de saúde sua atuação no sentido de facilitar a participação dos usuários.

Isto caracterizaria uma participação provocada (BORDENAVE, 2002), pela