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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA-UDESC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO-PPGT MESTRADO EM TEATRO PAULA CATALINA ROJAS AMADOR

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA-UDESC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO-PPGT

MESTRADO EM TEATRO

PAULA CATALINA ROJAS AMADOR

A INTERPRETAÇÃO NÃO-NATURALISTA NOS ESPETÁCULOSAAGGRREESSTTEEEEOO P

PUUPPIILLOOQQUUEERRSSEERRTTUUTTOORR

FLORIANÓPOLIS

(2)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA-UDESC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO-PPGT

MESTRADO EM TEATRO

PAULA CATALINA ROJAS AMADOR

A INTERPRETAÇÃO NÃO-NATURALISTA NOS ESPETÁCULOSAAGGRREESSTTEEEEOO P

PUUPPIILLOOQQUUEERRSSEERRTTUUTTOORR

Dissertação apresentada como requisito para a

obtenção do grau de Mestre em Teatro, Curso de

Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa Poéticas

Teatrais.

Orientador: Prof. Dr. Valmor Nini Beltrame

FLORIANÓPOLIS

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PAULA CATALINA ROJAS AMADOR

A INTERPRETAÇÃO NÃO-NATURALISTA NOS ESPETÁCULOS AAGGRREESSTTEEEEOO P

PUUPPIILLOOQQUUEERRSSEERRTTUUTTOORR

Esta dissertação foi apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Teatro,

Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa Poéticas Teatrais, nas dependências do

Programa de Pós-graduação em Teatro, no Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa

Catarina, em 19 de fevereiro de 2009.

Profa. Dra. Vera Regina Collaço Coordenadora do PPGT

Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores:

Prof. Dr.Valmor Nini Beltrame

Orientador

Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Jr.

Membro

Prof. Dr. Matteo Bonfitto

(4)
(5)

AGRADECIMENTOS

As pessoas responsáveis pelo convênio existente entre a Universidade Nacional de Costa Rica e a

Universidade do Estado de Santa Catarina, em especial ao Prof. Milton de Andrade (UDESC) e

Prof.a. Dora Cerdas (UNA) os quais fizeram possível minha permanência no Brasil;

Ao Programa de Pós-graduação que me deu a oportunidade de participar de congressos,

seminários, festivais e viagens de pesquisa.

Ao professor Valmor Nini Beltrame, orientador da pesquisa, pelo apoio, confiança e dedicação;

Aos professores Edélcio Mostaço, Vera Collaço, Antonio Vargas, Márcia Pompeo pelos seus

ensinamentos, apoio e estimulo;

Aos atores Paulo Marcello, João Carlos Andreazza do espetáculo Agreste, assim como aos atores

Leon de Paula, Nazareno Pereira e ao assistente de direção Jose Ronaldo Faleiro do espetáculo O

Pupilo quer ser tutor, pelas entrevistas e pela disponibilidade;

A minha família que mesmo a distancia me deu todo o apoio e amor incondicional;

A Fabio Wagner pela força e amor;

Ao Prof.Gerardo Bejarano e por sua amizade e apoio;

Aos amigos da turma 2006 e 2007 pelo carinho e solidariedade;

A Costa Rica pela oportunidade;

(6)

Un director que entiende todo lo que hace, puede ser un buen director, pero no un

gran director. Y esto vale para los artistas, para los actores, para los escritores. Debe quedar algo en la sombra. Uno debe hacer cosas que no sabe porqué.

(7)

RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto a análise da interpretação teatral em encenações

anti-naturalistas. Também estuda a existência de alguns dos princípios presentes no teatro de máscara,

no teatro de marionetes e no teatro nô, tais como: a economia de meios, o foco, a partitura de

gestos e ações, a neutralidade, a imobilidade e a relação do ator com seu centro energético,

também conhecido como centro de gravidade. O estudo centra suas análises em dois espetáculos

contemporâneos encenados no Brasil: Agreste dirigido por Márcio Aurélio e encenado pela Cia.

Razões Inversas, no ano de 2004 em São Paulo-SP; e O Pupilo quer ser tutor, peça do

dramaturgo austríaco Peter Handke encenado pela Cia. Teatro sim... Por que não?! no ano de

2007, em Florianópolis-SC, sob a direção de Francisco Medeiros. A pesquisa incorpora o

conceito de teatralidade e suas relações com a mimese como elementos concretos para discutir o

trabalho interpretativo que se distancia do modo naturalista de atuar.

(8)

ABSTRACT

This research has as its object the analysis of theatrical interpretation in anti-naturalists

performances. It also studies the existence of some principles in the mask theater; marionette

theater, and nô theater, such as: economy of means, focus, score of gestures and actions,

neutrality, immobility and the relation of the actor with his energetic center, also known as

gravity center. The study centers its analysis in two contemporaneous spectacles played in Brazil:

‘Agreste’ directed by Márcio Aurélio and played by ‘Cia. Razões Inversas’ in the year of 2004 in

São Paulo-SP; and ‘O Pupilo quer ser tutor´, written by the Austrian playwright Peter Handke

and played by the ‘Cia. Teatro sim... Por que não?!’ in the year of 2007 in Florianópolis-SC,

under the direction of Francisco Medeiros. The research includes the concept of theatricality and

its relations with the mimesis as concrete elements to discuss the interpretative work which

distances itself from the naturalistic way of playing.

(9)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIG.1Candeeiro. Paulo Marcello e João Carlos Andreazza em Agreste, da Companhia Razões

Inversas...35

FIG.2 Personagens I. Paulo Marcello e João Carlos Andreazza em Agreste...42

FIG.3 Narradores I Paulo Marcello e João Carlos Andreazza em Agreste...54

FIG.4. Lençol Paulo Marcello e João Carlos Andreazza em Agreste...58

FIG.5 Personagens II Paulo Marcello e João Carlos Andreazza em Agreste...63

FIG.6 Narradores II Paulo Marcello e João Carlos Andreazza em Agreste...70

FIG.7Felt Suit 1970, de Joseph Beuys ………...75

FIG.8 Tutor e Pupilo I. Leon de Paula e Nazareno Pereira em O Pupilo quer ser tutor, da Companhia Teatro Sim... Por Que Não? !!!...78

FIG.9Tutor e Pupilo II. Leon de Paula e Nazareno Pereira em O Pupilo quer ser tutor...83

FIG.10Tutor e Pupilo III.Leon de Paula e Nazareno Pereira em O Pupilo quer ser tutor.92 FIG.11Maça. Leon de Paula em O Pupilo quer ser tutor...101

FIG.12. Mesa I. Leon de Paula e Nazareno Pereira em O Pupilo quer ser tutor...106

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. A TEATRALIDADE, INTERPRETAÇÃO E MIMESE

1.1. O conceito de teatralidade...6

1.2. A teatralidade e sua relação com o encenador...10

1.3. Interpretação naturalista/simbolista...13

1.4. O conflito entre o real e o irreal...17

1.5. Mimese passiva e mimese ativa...20

1.6. Teatralidade e interpretação...25

2. A INTERPRETAÇÃO DO ATOR-NARRADOR NO ESPETÁCULO AGRESTE 2.1. O espetáculo Agrestee a Companhia Razões Inversas...35

2.2. A voz do autor...39

2.3. Principais fontes bibliográficas para a elaboração do espetáculo...42

2.4. Universalização do drama...45

2.5. A construção do prólogo (primeira parte)...48

2.6. Tratamento das palavras...50

2.7. Energia e imobilidade...55

2.8. Construção narrativa (segunda parte)...59

2.9. Eixo corporal...62

2.10. A neutralidade...65

2.11. A máscara...68

2.12. A partitura e suas referências...71

2.13. Objetos, cenografia e figurinos...74

(11)

3.2. Peter Handke e a obra O Pupilo quer se tutor...80

3.3. Indicações cênicas...82

3.4. Ausência de linearidade...84

3.5. Principais fontes bibliográficas para a elaboração do espetáculo...86

3.6. “Interpretação”...88

3.7. Criação das personagens...94

3.8. Preparação corporal e exercícios interpretativos...98

3.9. A neutralidade...100

3.10. A máscara...103

3.11. Economia de meios...105

3.12. Presença...107

3.13. Luz, música e figurino...123

3.14. A relação do espectador...115

CONSIDERAÇÕES FINAIS...117

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...122

APÊNDICE...129

Apêndice I - Entrevista concedida por João Carlos Andreazza (Joca), ator do espetáculo Agreste...130

Apêndice II - Entrevista concedida por Paulo Marcello, ator do espetáculoAgreste...137

Apêndice III - Entrevista concedida por José Ronaldo Faleiro, assistente de direção do espetáculo O Pupilo quer ser tutor...141

Apêndice IV - Entrevista concedida por Leon de Paula e Nazareno Pereira, atores do espetáculo O Pupilo quer ser tutor...148

ANEXO...161

Anexo I Gravaçãode Agreste. Texto de Newton Moreno. Direção de Márcio Aurélio, encenada pela Cia. Razões Inversas, em São Paulo-SP, 2004...162

(12)

INTRODUÇÃO

Na Costa Rica, meu país de origem, a formação acadêmica de atores acontece em dois

cursos superiores oferecidos na Universidade Nacional da Costa Rica (UNA) e na Universidade

da Costa Rica (UCR). Grande parte da formação oferecida nestes dois cursos de interpretação

teatral está ligada a um trabalho de natureza psicológica, no qual se utiliza o método de ações

físicas, a identificação da personagem e o subtexto, sendo que raramente se realiza um trabalho

expressivo corporal/vocal e experimental. Minha formação como atriz também se deu nesta

perspectiva e o estudo das mudanças ocorridas em relação à interpretação do ator em um teatro

não-naturalista, distante da mimese realista, se tornou interessante para a minha compreensão do

teatro contemporâneo.

A presente pesquisa investiga a interpretação em dois espetáculos contemporâneos

encenados no Brasil (Agreste, dirigido por Márcio Aurélio e encenada pela Cia. Razões Inversas,

no ano de 2004 em São Paulo-SP, e O Pupilo quer ser Tutor, peça do dramaturgo austríaco Peter

Handke, encenada pelo Grupo Teatro sim... Por que não?!, no ano de 2007 em Florianópolis-SC

sob a direção de Francisco Medeiros), e suas possíveis relações com alguns dos princípios do

teatro de marionetes, do teatro de máscaras e do teatro nô. Ambos os espetáculos apresentam um

trabalho interpretativo predominantemente corporal, sem afetação emocional ou identificação

com a personagem, com uma rigorosa partitura de ações, utilizando a neutralidade, a imobilidade,

os silêncios e as pausas como meios de expressão recorrentes na construção da cena.

O caráter de teatralidade cênica entendido como um teatro que expõe suas convenções,

suas técnicas e seus processos, reafirma-se no final do século XIX e começo do século XX com o

movimento simbolista, fortificando-se com a apresentação da peça Ubu Rei de Alfred Jarry, as

idéias de Gordon Craig, Vsevolod Meyerhold, Bertolt Brecht e Antonin Artaud, que procuram um

teatro distanciado do naturalismo, trazendo grandes mudanças ao trabalho interpretativo do ator.

Paralelamente ao surgimento do encenador, ocorrido praticamente no mesmo período, e ao

(13)

instrumento de expressão da cena, através de suas falas e gestos, ao lado de outros elementos

como a música, a luz, os figurinos, a cenografia entre outros elementos.

Estas mudanças na interpretação do ator são regidas principalmente por um trabalho

físico, visual e plástico, que vai substituir a interpretação de caráter psicológico. Este outro tipo de

interpretação, que fortalece a reteatralização, busca a artificialidade como meio de afastar-se do

realismo psicológico, expondo o jogo cênico e confrontando-se com o paradoxo de quanto maior

artificialidade maior a veracidade na interpretação. Esta luta por mostrar um teatro ao espectador

sem ocultar as suas convenções e a sua ilusão construída teve, entre outras fontes inspiradoras, o

trabalho com a máscara, a marionete, e o teatro nô.

A máscara nos distancia de maneira imediata do naturalismo cênico. Edward Gordon

Craig, Lugné-Poe, Willian Butler Yeats pensam a máscara como um instrumento útil para o

treinamento do ator. A máscara oferece ao ator uma valorização da expressão corporal, além de

incorporar a quietude, a calma e o silêncio como recursos cênicos. O trabalho com a máscara

oferece ao ator um estado de neutralidade, uma economia e limpeza de gestos e movimentos,

além de uma maior disponibilidade e presença cênica.

O estado de neutralidade no ator baseia-se na economia de movimentos e gestos, portanto,

num movimento preciso e sem desperdício de gestos e ações, utilizando somente a energia

necessária para executar a ação.

Já a marionete oferece ao ator uma referência em relação à decomposição e controle do

gesto, através do domínio do ritmo, da plasticidade, da limpeza e clareza de movimento. Tanto

Maurice Maeterlinck quanto Gordon Craig questionam a presença dos atores na cena:

Maeterlinck pensa na possibilidade de substituí-los por marionetes, bonecos de cera ou sombras,

enquanto Craig idealiza a Supermarionete inspirada nos movimentos claros e não precipitados ou

acidentais das estátuas dos ídolos de pedra em antigos templos que geram, através de sua

artificialidade, uma intensa impressão de vida. Para ele o ator teria que procurar uma outra

maneira de representar tendo como base os gestos simbólicos. Craig chega a indicar que o ator

deve estar inteiramente a serviço e disposição do encenador. Outro importante diretor para quem

o teatro de marionetes constitui importante referência é V. Meyerhold, sobretudo no que diz

respeito ao movimento, à forma, ao ritmo e a sua plasticidade.

William Butler Yeats, Gordon Craig e Meyerhold se interessam pelo teatro japonês,

principalmente pela codificação dos gestos que exprimem emoção prescindindo da emoção do

intérprete e pelo uso da máscara. O ator do teatro nô trabalha com economia de meios,

(14)

expressivos e criativos diferenciam-se do comportamento natural, do modo de agir cotidiano. A

contenção da energia, em momentos de imobilidade e dinamismo, possibilitam a expansão de sua

presença no espaço e um estado de prontidão que permite realizar rupturas rítmicas e inesperadas

que despertam o interesse do espectador.

O objetivo principal desta dissertação é analisar a interpretação do ator em encenações

distantes de uma proposta de teatro naturalista, nas quais se identificam os princípios presentes no

teatro de máscara, no teatro de marionetes e no teatro nô, tais como: a economia de meios, o foco,

a partitura de gestos e ações, a neutralidade, a imobilidade, e a conscientização do centro

energético ou centro de gravidade.

A partir da incorporação do conceito de teatralidade e sua relação com a mimese foi

possível encontrar elementos concretos para discutir o trabalho interpretativo distante do modelo

naturalista. Estudar a teatralidade foi muito importante para a pesquisa porque permitiu perceber

que o conhecimento é resultado de uma construção coletiva efetuada com a colaboração de

diversos pensadores e artistas que, com a sua prática, produzem saberes fundamentais para a

compreensão da arte teatral. Possibilitou perceber ainda que a criação da interpretação não

naturalista presente nos dois espetáculos analisados também resulta da apropriação desses saberes

produzidos historicamente. Em relação ao conceito de mimese se apresenta em duas vertentes,

uma chamada de mimese-passiva, correspondendo à imitação exata do modelo naturalista e a

outra a mimese-ativa, como uma criação a partir desse modelo. O conceito de mimese-ativa nos

encaminhou à definição de um trabalho interpretativo que se distancia do modo naturalista de

atuar e que poderia estar ligado às referências da máscara, da marionete e do teatro nô.

No desenvolvimento dos estudos bibliográficos sobre a teatralidade e a mimese

recorremos ao trabalho de Josette Féral. Também foram importantes as análises sobre a crise da

personagem efetuadas por Robert Abirached, enquanto os estudos de José A. Sanchez sobre a

dramaturgia da imagem contribuíram de modo significativo para as questões conceituais desta

pesquisa. Tais estudos nos remeteram obrigatoriamente a análise dos aportes dados por Gordon

Craig, Alfred Jarry, Adolphe Appia, Constantin Stanislavski, Vsevolod Meyerhold, Bertolt

Brecht e Antonin Artaud à construção da interpretação do ator contemporâneo.

Como unidades de análise optamos por duas montagens: Agreste da Companhia

Razões Inversas da cidade de São Paulo; e O Pupilo quer ser tutor, do Grupo Teatro sim...

Por que não?! sob a direção de Francisco Medeiros. Agreste se manteve em cartaz durante

(15)

teatro pelo Brasil obtendo amplo reconhecimento da crítica e do público. O Pupilo quer ser

tutor, estreou em Florianópolis no ano de 2007 e tem se apresentado em cidades como

Recife, Fortaleza, São Paulo, Porto Alegre, Salvador entre outras, recebendo críticas muito

positivas que ressaltam a singularidade do trabalho interpretativo. São, portanto, espetáculos

com uma sólida trajetória.

A escolha desses trabalhos se justifica porque em ambas as encenações o processo de

criação pautou-se por um tratamento não-naturalista no qual se destaca o trabalho

interpretativo; os textos das duas montagens correspondem a autores contemporâneos; nas

encenações os atores passaram por um treinamento físico que exigiu a busca da economia de

meios expressivos, a neutralidade, a conscientização do movimento e a identificação de seu

centro energético; o processo de criação dos dois espetáculos estimulou os atores a pensar

num novo modo de se relacionar com a encenação levando-os a renunciar a seu ego e a atuar

com o conjunto dos elementos expressivos como a música, a iluminação, a cenografia e o

texto.

A coleta de dados para a análise dos dois espetáculos se deu pela observação direta em

apresentações e através de filmagens dos mesmos. O uso da filmagem dos espetáculos foi

importante porque permitiu rever, retornar a uma cena específica, ver o trabalho inteiro ou em

partes. A observação de fotos que ilustram a pesquisa também constituiu importante fonte de

observação e coleta de dados. Destacam-se ainda as informações obtidas através de entrevistas

com os atores dos dois elencos e o auxiliar de direção de O Pupilo quer ser tutor. Outra importante fonte de dados para a análise foram as críticas e notícias de jornais sobre os

espetáculos. Confrontar as informações e reflexões dos participantes diretos das encenações com

as críticas publicadas sobre as peças e os aspectos teóricos que nortearam a pesquisa exigiu um

permanente ir e vir entre a teoria e a prática. Foi possível perceber que a teoria, por vezes ilumina

a prática e que a prática alimenta e refina a teoria.

A dissertação está assim estruturada: no primeiro capítulo, TEATRALIDADE,

INTERPRETAÇÃO E MIMESE, apresenta-se o conceito e a origem da teatralidade, assim como

sua relação com a mimese e as mudanças ocorridas no modo de interpretação. No segundo

capitulo, A INTERPRETAÇÃO DO ATOR-NARRADOR NO ESPETÁCULO AGRESTE,

analisa-se o processo de criação deste espetáculo, as ferramentas ou referências utilizadas para a

elaboração da interpretação, como: a imobilidade, a partitura de ações, a teatralidade vocal, a

(16)

INTERPRETAÇÃO DO ATOR NUM TEXTO SILENCIOSO, reflete-se sobre o processo de criação de O Pupilo quer ser tutor, assim como sobre os principais elementos ou referências

utilizados no trabalho de interpretação, entre eles: a neutralidade, a partitura de ações, a

(17)

1. TEATRALIDADE, INTERPRETAÇÃO E MIMESE

1.1. O Conceito de teatralidade

O termo teatralidade pretende definir o que é especificamente teatral, distinguindo assim o

teatro de outras artes. A teatralidade é um conceito dinâmico que se transforma de acordo com a

evolução histórica e cultural. Num primeiro momento, por exemplo, o termo teatralidade era

utilizado para adjetivar, de maneira pejorativa, um certo tipo de interpretação como era o caso da

proposta por Stanislavski. Atualmente o termo é adotado no teatro sem este tipo de juízo de valor.

Segundo Josette Féral “a teatralidade implicaria em que o teatro comece a não esconder

suas convenções, suas técnicas, seus processos, não quer ocultar que se trata de ilusão, que não

é realidade” (2003:49) 1. A origem da palavra teatralidade é creditada a Nicolas Evreinov

(1879-1953) diretor associado ao simbolismo russo, que a teria utilizado inicialmente nos seus textos

Apologia da Teatralidade de 1908 como “teatralnost”.

Evreinov tem uma noção de teatralidade muito particular que nos remete à relação

teatralidade e vida, inspirada no primitivismo, na imitação, na arte popular e nos jogos infantis.

Para ele, todo ser humano tem o instinto de teatralidade que faz com que o homem se transforme

conseguindo se afastar da realidade e como conseqüência experimentar a sensação de alegria.

Segundo Evreinov, o uso de tatuagem, as perfurações na pele, nos lábios, nos dentes, os enfeites

com penas, anéis ou até a pintura facial evidencia a necessidade da transformação do ser humano

para se sentir e imaginar diferente do que é na realidade. Evreinov, como os poetas simbolistas,

se opõe ao naturalismo por seu tratamento cênico da realidade, que não deixaria espaço ao

imaginário do espectador. Para Evreinov todo teatro é uma mentira, uma ilusão, sendo a ilusão

uma importante razão para se viver neste mundo. Segundo ele (1956: 143), sob o ponto de vista

da vida, todo o teatro é absurdo por diversas razões, entre elas, a existência da quarta parede, os

atores que falam com uma voz artificial, não se interrompendo e passando a palavra um ao outro

em ordem estrita, além de recitar largos monólogos, versos, rimas e metáforas, etc.

1

(18)

Existe uma noção de teatralidade vinculada ao olhar do espectador, remetendo-nos ao

conceito de “theatron”, que significa literalmente o lugar de onde se vê. Encontramos neste

sentido o jogo da construção e a capacidade do espectador em perceber o espaço ficcional e o

real, e sua capacidade de ver algo, desconstruí-lo, decodificá-lo e construí-lo segundo sua

percepção, sendo o sujeito quem determina a existência de teatralidade ou não.

Também outra definição bastante atual de teatralidade, aplicada ao teatro moderno, é

concedida por Barthes, para quem a teatralidade é:

O teatro menos o texto é uma espessura de signos e de sensações que se edifica em cena a partir do argumento escrito, é aquela espécie de percepção ecumênica dos artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luzes, que submerge o texto sob a plenitude de sua linguagem exterior (BARTHES apud PAVIS, 1999:372).

É importante, neste sentido, trazer à memória a ruptura com o textocentrismo, fato que

favorece em grande parte a reteatralizaçao2 da cena, isto porque, nas tendências naturalistas, a

existência ou a inexistência de teatralidade era geralmente creditada ao texto. Portanto, a

teatralidade era medida pela complexidade das personagens, a qualidade da escrita, o conflito

proposto e até o discurso proposto pelo dramaturgo. Sem se negar a teatralidade do texto

dramático, o que vem à tona é a discussão do lugar que este elemento ocupa no teatro e sua

relação com os demais elementos cênicos como a música, as luzes, o som, a cenografia, os

figurinos e a interpretação. A discussão do papel ocupado pelo texto dramático na representação

surge junto ao nascimento da figura do encenador, abrangendo ao mesmo tempo a interpretação

do ator e modificando-a.

A teatralidade é a essência do teatro, e poderíamos dizer que ela se configura no momento

em que se percebe uma ruptura ou um distanciamento com o real ou, em outras palavras, quando

um objeto encontra-se no lugar de. Como bem ilustra Meyerhold “O palco é arte. Pegue um bom

retrato, corte-lhe o nariz e introduza no buraco um nariz verdadeiro. O efeito será real, mas o

quadro estará estragado” (apud ROBINE, 1998:38). Apesar da complexidade do termo,

poderíamos afirmar que a mimese como elemento essencial do teatro encontra-se na base da

noção de teatralidade.

Em algumas propostas artísticas estão ocultos todos os traços da construção teatral e em

outras a teatralidade é exposta e é evidenciada. A cena passa a expor e reafirmar sua teatralidade

2

(19)

a partir do momento em que surgem diversas manifestações e proposições artísticas que reiteram

o teatro como uma estilização não realista, propondo uma interpretação mais artificial e menos

emocional. Além da sua oposição a uma mimese-passiva3no teatro, dando lugar a uma

mimese-ativa4.

No final do século XIX e começo do século XX houve grandes mudanças no teatro

favorecendo a reteatralização, entre elas a recolocação da função do texto dramático na

encenação, o surgimento do encenador e a necessidade de uma especificidade teatral.

A proposta do teatro naturalista, bem estabelecida naquele tempo, serviu como ponto de

referência para o surgimento do movimento simbolista, que tinha como objetivo restabelecer o

teatro como um lugar de estilização, além de outras propostas artísticas. Entre os artistas

apontados como responsáveis pela redescoberta da teatralidade encontramos: Maurice

Maeterlinck (1862-1949), Gordon Craig (1874-1966), Alfred Jarry (1873-1907) e sua obra Ubu

Rei, Vsevolod Meyerhold (1874-1940), Constantin Stanislavski (1863-1938), Bertolt Brecht

(1898-1956) e Antonin Artaud (1896-1948).

No que diz respeito à interpretação do ator passou-se a exigir um trabalho mais plástico,

visual e físico. A introdução da idéia de imagem na interpretação é resultante, entre outros

aspectos, da inserção das artes visuais no espaço teatral promovida pelo poetas simbolistas. Estes

propuseram um novo conceito de cor, com função simbólica, assim como um signo teatral que

passe a sugerir o fazer, o sonhar, suscitando uma participação imaginária do espectador. A

consequente estilização no trabalho de interpretação do ator faz com que ele se distinga da

interpretação naturalista, de caráter psicológico. Esta interpretação estilizada irá em busca de uma

linguagem física deslocando as palavras e dando valor ao signo corporal. Entre as referências

encontradas para a construção desta nova maneira de interpretar, distinta da naturalista,

encontram-se a marionete, a máscara e o teatro nô.

As propostas artísticas que se opõem ao naturalismo, que “apaga ao máximo os rastros da

produção teatral para dar a ilusão de uma realidade cênica verossimilhante e natural”

(PAVIS:1999:341), buscam o desvendamento da produção teatral. Por outro lado, se entendemos

a teatralidade como distância do real e que algumas propostas escondem o jogo cênico e outras o

expõem, identificamos o teatro grego e a commedia dell´Arte como manifestações artísticas que

sempre fortaleceram a exposição do caráter teatral da cena, dada a utilização da máscara e a

presença do canto e da dança, por exemplo.

3

A mimese passiva diz respeito à imitação, cópia do real.

4

(20)

A commedia dell`Arte, por exemplo, é uma das primeiras manifestações que não oculta os

meios com os quais os atores conseguem criar, junto com a platéia, um espaço cênico, de ficção.

Na commedia dell`Arte mostram-se as características das personagens-tipos, as suas possíveis

maneiras de agir, além de não se ocultar o fato de os atores improvisarem em cena, condição que

atrai o espectador desejoso de ver a capacidade criativa do ator. Lembremos que foi o dramaturgo

Carlo Goldoni (1707-1793) com seu desejo de “fazer do teatro um espelho do mundo e tornar as

personagens e seus problemas o mais semelhante possível à realidade dos homens” (RINA apud

Goldoni, 1987: VII) o primeiro a propor a união da commedia dell`arte com uma dramaturgia

baseada na observação dos costumes. Portanto, em vez dos roteiros básicos conhecidos como

“canovacci” nos quais se encontrava o esboço do que seriam a situação e o jogo entre os

personagens-tipos da commedia dell`Arte, para facilitar a improvisação; Goldoni fixaria os

diálogos. As personagens não teriam monólogos, falas longas, diálogos em versos com

entonações cantadas, já que, segundo a proposta de Goldoni, “o teatro é imitação da vida, as

personagens deviam falar no palco como as pessoas falam normalmente” (RINA apud Goldoni,

1987: XVI). Desta maneira a teatralidade da commedia dell`Arte iria se transformando até se

(21)

1.2. A teatralidade e sua relação com o encenador

No sentido moderno, o encenador é definido como: “o gerador da unidade, da coesão

interna e da dinâmica da realização cênica. É ele quem determina e mostra os laços que

interligam cenários e personagens, objetos e discursos, luzes e gesto” (ROUBINE, 1998:41). O

encenador impulsionado pela sua intenção criadora faz da cena uma unidade orgânica e estética.

Antoine é o primeiro a quem se atribui o título de encenador no sentido moderno, já que

ele foi o primeiro a sistematizar suas concepções e teorizar a arte da encenação. Ao desenvolver

as propostas do teatro naturalista, Antoine rejeita os painéis pintados e traz para a cena objetos

reais, revelando desta maneira, segundo Roubine “a teatralidade do real”. Antoine, junto com

Émile Zola (1840- 1902), é um dos principais precursores da estética naturalista. Eles

procuravam “uma teoria mimética da representação. Um mimetismo radical, que exclui qualquer

idealização, qualquer estilização” (ROUBINE, 2003:110) e na qual a fotografia converte-se

numa ferramenta ideal.

O texto na época mantinha um papel privilegiado em torno do qual o diretor articularia

todo o espetáculo a fim de destacar o discurso proposto pelo dramaturgo no seu texto, e que o

naturalismo realizava muito bem. A arte e o sucesso da obra teatral estariam ligados ao texto

dramático e não ao diretor. A fidelidade do diretor para com o autor era inquestionável,

respeitavam-se as falas, as indicações cênicas e até mesmo o autor poderia participar da

montagem verificando assim se seu pensamento fora levado à cena tal qual ele e o concebera. A

ruptura entre o conceito de diretor e o conceito de encenador se dá no momento em que o diretor

toma o texto dramático e lhe dá sua própria perspectiva, distinta daquela proposta pelo

dramaturgo. O encenador dá um sentido global acompanhado de uma visão teórica, que abrange

todos os elementos expressivos da encenação (espaço, texto, espectador, ator) e não apenas a

marcação de entradas e saídas ou a determinação de gestos e inflexões dos atores, tal como era

concebido o papel do diretor. Portanto, começa-se a valorizar os possíveis significados contidos

na música, nas luzes, nos objetos e nos demais elementos que compõem a cena convertendo-a

numa totalidade semântica. Neste sentido, vale a pena ressaltar o valor da contribuição simbolista

ao atribuir a todos os elementos da cena um significado, como afirma Balakian, referindo-se a

(22)

Nenhum objeto é decorativo; ele está ali para exteriorizar uma visão, sublimar um efeito, desempenhar um papel na subcorrente de acontecimentos imprevisíveis. A interação de luzes e sons enfatiza as correspondências entre o físico e o espiritual, a fim de que a hora do dia, o bater de um relógio, a sugestão de ventos, as variações de cor inundando o palco, constituam uma linguagem para cada diferente espectador, como a música que comove cada ouvinte de uma maneira diferente de acordo com seu temperamento e suas experiências. O poder de evocação no palco aproxima-se muito do desejo mallarmeano de evocar apenas através das palavras o clima espiritual da música. Com ajuda dos gestos e das variações do diálogo, as repetições e os silêncios eram muito mais capazes de provocar a imaginação e ajudar o espectador a atingir o estado onírico do que apenas as palavras impressas no papel, não importando quão diversificada fosse à forma métrica (1997:100).

A proposta de união das artes é creditada a um dos inspiradores dos poetas simbolistas, o

músico, compositor e teórico musical alemão Richard Wagner (1813-1883), considerado um dos

expoentes do romantismo, e uma importante referênçia no surgimento do encenador e de sua

capacidade de fundir os diversos elementos expressivos na cena, sendo uma de suas grandes

contribuições ao teatro a idéia de obra total (Gesamtkunstwerk). Esta tinha como objetivo buscar

uma síntese das artes (música, a literatura, a pintura, a escultura e a plástica cênica) criando um

conjunto harmônico entre o teatro e a vida.

Para Wagner, por exemplo, a palavra e os elementos masculinos fecundam a música, elemento feminino; o espírito e a afetividade, a visão e o ouvido encontram-se reunidos mediante sinestesias. Para a realização de um fim comum, qual seja: oferecer ao homem a imagem do mundo. “A dança, a música e a poesia são três irmãs nascidas com o mundo. Assim que começaram a se formar círculos, as condições para a aparição da arte estavam estabelecidas. As três são por sua mesma natureza, inseparáveis” (apud PAVIS, 1999:183).

Outro artista que ampliou a visão do encenador mostrando diversas maneiras de expressão

com a luz e o espaço foi Adolphe Appia (1862-1928), arquiteto e encenador suíço, que formulou

teorias sobre o campo interpretativo da luz, como por exemplo: lançar sombras e criar espaços

para produzir profundidade e distância, concretizando as proposições de Wagner e dos poetas

simbolistas.

(23)

Para Appia, nem o ator, nem o cenário devem interferir na informação: haveria um

cenário para cada tipo de encenação e o ator vivo seria mais um elemento de representação. A

proposta da “Uber-Marionette”, de Gordon Craig dialogara diretamente com as idéias de Appia.

É importante lembrar que o surgimento dos avanços tecnológicos, como a fotografia, as

luzes e o cinema, cumpriram um papel importante oferecendo à cena diversas possibilidades de

expressão, sendo aproveitadas segundo os interesses dos artistas. Segundo Roubine, “O

naturalismo explora apenas uma pequena parte, aquela que permite reproduzir o mundo real.

Restavam a verdade do sonho, a materialização do irreal, a representação da

subjetividade...”(1998:27). Aquela outra parte rejeitada pelo naturalismo foi assumida pelos

poetas simbolistas, propondo o signo teatral que passa a sugerir o fazer, o sonhar, suscitando uma

participação imaginária do espectador. Segundo Edgar Ceballo, alguns encenadores:

...entendem por teatralidade a representação na qual o público não se esquece nem por um instante que se encontra no teatro. Enquanto outros procuram exatamente o contrário “que o público esqueça que está num teatro, que sinta que vive a atmosfera na qual as personagens da obra vivem”. Como se pode observar, as duas posições se parecem num aspecto, não buscam a teatralidade, mas uma experiência psicológica, não concatenam proposições para chegar a outras posições, mas procuram um estado de ânimo, uma fusão do conceito mental com o estado físico do corpo que leve a um estado psicossomático novo. (CEBALLOS, 1992:24) 5.

Stanislavski, tanto quanto André Antoine (1858-1943), era partidário de levar o

espectador, através do ilusionismo cênico, a esquecer que se encontrava no teatro, enquanto que

os poetas simbolistas, assim como Jarry, Meyerhold, Brecht e Artaud propunham o contrário,

fazendo com que o espectador não fosse simplesmente para ver e ouvir a representação, mas que

ele participasse ativamente, tendo plena consciência de presenciar o jogo teatral, o real e a ficção.

Para isto, o movimento simbolista propõe um novo conceito de cor, assumindo uma função

simbólica no cenário e inserindo assim o pintor no espaço teatral. Segundo Roubine: “Com a

chegada dos pintores ficam formuladas duas questões que atravessarão toda a história da

encenação do século XX: como romper com o ilusionismo figurativo ou, melhor falando, com

inventar um espaço especificamente teatral?” (1998:31).

5

(24)

1.3. Interpretação naturalista/simbolista

A interpretação do ator naturalista pretende uma exata imitação da realidade e busca

“eliminar os artifícios para fazê-lo atingir um “natural”, uma “cotidianidade” de acordo com a

verdade dos modelos levados à cena” (ROUBINE, 2003:115). Este tipo de interpretação também

é explorada por Stanislavski, na tentativa de criar no ator mecanismos que lhe permitam vivenciar

as emoções exigidas pelo papel, vivendo-as intensamente, mas mantendo o auto-controle durante

a representação, ou seja, “combinar sempre uma profunda sensibilidade com um extremo

domínio de si mesmo” (CEBALLOS, 1992:24) 6. Stanislavski procura eliminar na interpretação

os estereótipos e a mecanização com freqüência utilizada pelos atores da época, explorando seu

ego e suas experiências pessoais, aplicando nos seus trabalhos interpretativos “a memória

emotiva”. A “memória emotiva” seria uma ferramenta com a qual o ator poderia trazer emoções

ou sentimentos pessoais similares aos que a personagem, naquela situação específica da peça,

encontra-se vivenciando, com o objetivo de conseguir no palco uma interpretação sincera,

orgânica e crível. Para Stanislavski, uma interpretação carregada de exagero, falsidade,

banalidade, exibicionismo e excesso de efeitos em cena seria considerada teatral demais, ou seja,

aqui a noção de teatralidade é considerada por ele como um aspecto negativo da interpretação.

No que diz respeito à interpretação no teatro simbolista, é possível ter-se uma vaga noção

de como era através de algumas críticas, impressões e idéias de seus precursores. Entre eles

encontramos Maeterlinck, poeta e dramaturgo belga, que propõe o teatro estático, no qual a vida

interior se expressa através das palavras e não das ações físicas. O ator focaliza a tensão em seu

interior e a revela através dos meios mais simples. No seu ensaio O cotidiano trágico [Le

tragique quotidien] de 1896 apresenta uma proposta cênica. Marvin Carlson, em Teorias do

Teatro, apresenta uma das passagens famosas desse ensaio:

Vim a acreditar - disse ele - que um velho sentado em sua poltrona, simplesmente esperando junto à sua lâmpada, ouvindo inconscientemente todas as leis eternas que reinam em torno de sua casa... vim a acreditar que esse velho imóvel está vivendo na realidade uma vida mais profunda, mais humana e mais universal do que o amante que estrangula a sua amada, o capitão que conquista sua vitória ou o “marido que vinga sua honra”. (MAETERLINCK apud CARLSON, 1997:288)

6

(25)

A imobilidade, a quietude e o silêncio são elementos em jogo na encenação desse tipo de

proposta cênica. Apesar das tentativas do teatro estático, Maeterlinck afirma que a ação é a

essência do teatro e interessa-se pela harmonia da revelação interna através dos meios mais

simples. A ação seria o gesto estilizado.

[...] Maeterlinck chegou a declarar que “a lei soberana, a exigência essencial do teatro será sempre a ação, embora no drama moderno, ao lidar com a psicologia e a vida moral, essa ação seja normalmente a do conflito interior, como o que se dá entre o dever e o desejo. A filosofia de Maeterlinck nos anos posteriores, baseada na busca da harmonia interna que fortificaria o homem contra as forças do destino e da morte, era, em última análise, incompatível com sua visão inicial do teatro: quando a harmonia for finalmente alcançada, todo conflito desaparecerá e com ele o drama, que é a expressão do conflito. (CARLSON, 1997:289)

A harmonia de conjunto pode ser alcançada através do gesto preciso, limpo e claro. A

linguagem corporal seria responsável pela comunicação não verbal com o espectador. Os poetas

simbolistas com freqüência propunham que o teatro fosse, para o espectador, “... um teatro

santuário, mais um lugar para meditação do que para predicação” (LUGNÉ-POE apud

BALAKIAN, 1997:101) e, para consegui-lo, a presença das luzes, a música, os sons e até odores

foram utilizados.

Para Paul Fort (1872-1960), poeta e diretor francês, fundador do Teatro da Arte, em 1890,

que reuniam aficionados e que produziu um total de 10 espetáculos em menos de dois anos, “O

teatro é a palavra. O cenário não existe [...] É preciso falar e é preciso não ter medo de falar

longamente” (apud ASSLAM, 1994:93). A voz do ator, para Fort, devia acompanhar a música,

dando-lhe qualidade de emoção. Fort como outros, criticou os atores de sua época pela sua falta

de delicadeza e pelas hesitações freqüentes para dizer poemas:

Deformados pelo hábito de interpretar o papel num contexto dramatizado, pareciam incapazes de limitar-se a sugerir a essência poética de um texto. Eis como Paul Léautaud, que não é gentil, julga a dicção dos membros da Comédie-Française, por ocasião de uma noitada poética em 1917:

[Essas senhoras] declamam, nenhuma tem o senso de poesia. De um simples poema, de uma pura expressão da alma, de um devaneio apenas formulado por palavras, elas fazem uma peça em cinco atos, tantas são as ações que aí inserem, tantos são os movimentos, os gestos, os jogos fisionômicos (ASSLAM, 1994:94).

(26)

l`Oeuvre em 1893, defendia um teatro simbolista, mais vívido e cheio de cor. Lugné-Poe não

pretendia tirar o ator vivo do palco, mas experimentava alternativas “como figuras-sombras,

talvez maiores que as naturais, marionetes, a pantomima inglesa, a pantomima clown, macabra

ou engraçada...” (CARLSON, 1997:284). Sua primeira produção foi Pelléas et Mélisande de

Maeterlinck, posteriormente L`Intruse e Intérieur.

William Butler Yeats (1865-1939), poeta e dramaturgo irlandês, era admirador do teatro

nô e da máscara. Toda sua obra reflete sobre a maneira como o drama pode tornar-se

espiritualmente significativo,

O teatro de sua época, ou melhor, de sua própria tradição sacrificara, segundo ele, a visão às complexidades do estudo de caráter e à realidade superficial. A rejeição dessa tendência tornou-se parte importante de sua busca do que ele chamava “o teatro do anti eu” (CARLSON, 1997:297).

Arthur Symons (1865-1945), crítico inglês, foi um dos poucos que escreveu sobre as

idéias simbolistas. Ele considerou três tipos de atores:

Os do tipo Réjane7, que buscam a realidade e parecem retratar as pessoas reais em situações reais; os do tipo Bernhardt8e Irving9, que se afastam da natureza com soberba habilidade e técnica, e os tipo Duse10, que não “atuam” em absoluto, mas simplesmente refletem o caráter essencial ou a alma do drama. (CARLSON, 1995:295).

7

Gabrielle-Charlote Réjane famosa atriz francesa, fez sua primeira aparição em 1875 no Vaudeville Theatre em Westminster e em Londres, em 1894. Abriu seu próprio teatro em Paris em 1907.

8

Sara Bernhardt (1845-1923). Famosa atriz francesa de voz charmosa e linda figura. Sua primeira apresentação foi na Comédie-Française, em 1862. Em Londres apresenta-se pela primeira vez em 1879 e em New York em 1880. Alguns dos personagens que representou foram: Cordélia no Rei Lear, Fedra, na obra de Racine, Rainha e Doña Sol em obras de Hugo, entre outras. Escreveu um livro titulado Minha doble vidapublicado em uma edição americana em 1907, e uma segunda em 1968, com o titulo de As memórias de minha vida.

9

Henry Irving (1838-1905) Ator e produtor inglês teve uma sociedade com Ellen Terry (mãe de Gordon Craig). Realizou muitas produções de obras de Shakespeare, entre elas: O Mercador de Veneza, Romeo e Julieta, O Rei Lear, e obras de outros autores. Irving realizou várias turnês pelo Canadá e América, sua primeira apresentação em New York foi em 29 de outubro de 1883, no Star Theatre, e a última em 25 de março de 1904, no Harlem Opera House. “Craig considerou Irving o seu mestre, o homem que o introduziu na exatidão da arte teatral. De acordo com Craig, Irving era particularmente importante porque limpou o campo da falsa oposição naturalidade/artificialidade

(apud BARBA,1995:145).

10

(27)

Para esse autor, os atores como Duse são os maiores artistas e funcionam no texto como

marionetes. O autor afirma ainda que: “Duse pensa no palco, cria a partir da própria vida uma

arte que ninguém antes havia jamais imaginado: não o realismo, não uma cópia, mas a própria

coisa, a evocação de uma vida ponderada” (CARLSON, 1995:295).

É possível evidenciar a ruptura no trabalho interpretativo do ator a partir das propostas do

movimento simbolista, sendo este choque entre dois tipos de interpretação o que marca o início

da redescoberta da teatralidade ao procurar negar o modelo real. Uma interpretação mais contida,

um tempo – ritmo do ator distinto do cotidiano, um gesto limpo evitando qualquer tipo de

excesso da expressão do seu rosto e do seu corpo, além de explorar sua voz propondo a

monotonia e a declamação e renúncia do ego faz com que percorramos um caminho de mudanças

na história do teatro que influencia notoriamente o trabalho interpretativo do ator contemporâneo.

(28)

1.4. O conflito entre o real e o irreal

O choque entre as propostas artísticas naturalista/simbolista são ressaltadas de maneira

emblemática na obra A Gaivota de Anton Tchekhov (1860-1904), escrita em 1895. Neste texto

Tchekhov mostra um jovem escritor (Trepliov) com uma visão de teatro distinta do naturalismo.

Trepliov organizava uma apresentação de teatro na qual Nina é a personagem principal. A mãe de

Trepliov (atriz famosa) assiste à apresentação desaprovando-a. Um dos fragmentos da cena que

gira em torno da apresentação de Trepliov é a seguinte:

Trepliov: Cada um ocupe seu lugar. Está na hora. A lua já está nascendo? ..

Iakov: Sim, senhor. ---Trepliov: Tem álcool? E enxofre? Quando aparecerem os olhos rubros, é preciso que haja cheiro de enxofre! (Para Nina) Vá, já está tudo preparado. Está nervosa? Nina: Sim, muito. De sua mãe não tenho medo, mas Trigorin está aqui... e me dá muito medo representar diante dele... Um escritor famoso... Ele é jovem?--- Trepliov: Sim. ---

---Nina: Que contos maravilhosos ele escreve!

-Trepliov: Não sei, não li. --- Nina: É difícil trabalhar sua peça. Ela não tem personagens vivos. --- Trepliov: Personagens vivos! A vida precisa ser representada não como é nem como devia ser e, sim, como aparece em nossos sonhos. --- Nina: Sua peça tem pouca ação, toda ela é pura declamação. E na minha opinião numa peça não deve faltar o amor.. (1994:12).

Nesse texto a necessidade de um outro tipo de interpretação, distinta da naturalista,

evidencia-se no momento em que a atriz sentiu dúvidas para abordar a interpretação de sua

personagem. Lembremos que os atores da época foram muito criticados pelos simbolistas devido

ao fato de que a interpretação naturalista não se encaixava com as novas formas teatrais,

chegando a pensar-se na eliminação do ator e na sua substituição por sombras, marionetes,

máscaras e fantoches. Os poetas simbolistas pretendiam um teatro sagrado, em que os odores

ajudariam a incorporar o espectador no espetáculo e a criar uma atmosfera ritualística, sendo o

enxofre a simbolização disto. Também encontramos no texto a luta contra a realidade na

afirmação de Trepliov ao dizer “A vida precisa ser apresentada não como é nem como devia ser

e, sim, como aparece em nossos sonhos”. Pode-se dizer que existe uma ruptura com o conceito

(29)

de personagens que habitam uma outra dimensão distinta do real, onde a caracterização do

mundo real tal como, idade, profissão, estado civil, espaço e tempo definido são desnecessários.

Como afirma Abirached:

Se, como queriam os poetas simbolistas franceses, a personagem é um ser vindo de outro mundo, feito do material dos sonhos, e subtraída das contingências práticas, ela não se prestaria à mais mínima caracterização: individualizá-la significa, pouco ou muito entregá-la à psicologia, à sociedade, à história, e situá-la num cenário figurativo equivale a assinalar seu pertencimento à vida cotidiana. A rigor, teria que se lhe proibir tomar corpo, que é o primeiro traço de semelhança com o homem da rua, expurgar sua voz de qualquer ressonância conhecida ou, ao menos, reduzir sua trajetória a uma série abstrata de planos: para restituir à personagem sua pureza integral o mais seguro é protegê-la do ator (1995:173) 11.

Apesar de que os simbolistas houvessem pensado e tentado afastar o ator da cena, ele continua

sendo o vínculo com o real. Também devemos ressaltar a não ação como um dos aspectos

desenvolvidos por Maeterlinck na sua proposta de teatro estático no qual o ator expressa a vida

interior através das palavras e não das ações físicas. O texto também se torna um elemento

fundamental e, apesar de que os simbolistas se oponham ao naturalismo pela sua proximidade

com a realidade, num primeiro momento, o texto continuou sendo o pilar fundamental na obra

artística, tanto para os naturalistas como para os simbolistas, assim como o discurso proposto

pelo dramaturgo naquele momento. O deslocamento do texto como elemento central do teatro irá

se definir posteriormente. O confronto entre ambas as tendências estaria, portanto, no fato de que

os simbolistas procuram despertar o imaginário do espectador através do significado das palavras,

da cor, dos odores, da poesia, da música e do ritualístico, enquanto os naturalistas continuam

levando o texto dramático tal qual o dramaturgo propôs, com uma interpretação mimética, o que,

segundo os simbolistas, não deixava espaço para que a imaginação do espectador pudesse

intervir.

Um outro fragmento da obra A Gaivota, que nos mostra a opinião dos atores da época

acostumados com o teatro naturalista, relata o momento após a apresentação da peça, que foi

11

(30)

interrompida pelo mesmo Trepliov, zangado com os comentários impróprios de Arkádina (mãe

do escritor) durante a apresentação.

Arkádina: Agora descobriremos que ele escreveu uma obra-prima! Digam, por favor! Então ele organizou esse espetáculo e empestou-o de enxofre não por brincadeira, e sim para dar exemplo... Pretendia ensinar-nos como se deve escrever e o que se deve representar. Enfim... Estou começando a me aborrecer. Esses contínuos ataques contra mim, essas alfinetadas, vocês perdoem, qualquer um se cansaria disso! Um rapazinho caprichoso e cheio de si, isso é o que ele é!

Sorin: Ele queria apenas lhe agradar.

Arkádina: É mesmo? No entanto não escolheu uma peça normal, e sim nos obrigou a escutar essa mixórdia decadente. Como brincadeira até estaria disposta a escutar o delírio, ma ele se apresenta com pretensões de uma nova forma, quer marcar época nas artes. E, na minha opinião, aqui não há nenhuma forma nova, apenas ele tem mau gênio. Trigorin: Cada um escreve como quer e como pode.

Arkádina: Pois escreva com quer e como pode, mas que me deixe em paz.

Nesse texto evidenciam-se os confrontos em relação às opiniões sobre como deveria ser

ou deixar de ser o teatro, mostrando-se o texto dramático como elemento central do teatro, além

do papel do ator como vedete, com grande ego e senhor do palco. A razão certa por que

Tchekhov introduz em A Gaivota o conflito entre as visões do teatro que surgiam na época é

difícil de se saber com certeza, mas poderíamos supor que ele já apontava a transformação do

teatro em decorrência da mesmice e superficialidade correntemente exibidas na época, onde se

dava a reprodução dos “valores” e das “aspirações” da classe burguesa que ganhava cada vez

(31)

1.5. Mimese passiva e ativa

O conceito de mimese é um dos elementos que utilizamos para a análise das repercussões

da reteatralização do teatro sobre a interpretação do ator. Isto porque a discussão de uma

interpretação naturalista tem como parâmetro a aproximação ou distanciamento com a realidade e

conseqüentemente com o conceito de mimese. A mimese, colocada na base do teatro, é entendida

inicialmente como a imitação de uma coisa, uma idéia, um ser humano ou um deus por meios

físicos e lingüísticos. Esta definição é encontrada no livro III da República de Platão.

Sócrates: Aproximar-se de alguém na voz e na aparência não significa imitar aquela pessoa com quem queremos nos assemelhar?

Adimanto: Sem dúvida (1997:85)

Sócrates: Portanto, tenho a impressão de que tanto este quanto os outros poetas realizam sua narrativa por intermédio da imitação,

Adimanto: Exatamente

Sócrates: Contudo, se o poeta jamais se ocultasse, seus versos e suas narrativas seriam criados sem imitações. [...] Compreende, então, que existe também uma espécie de narrativa oposta a esta, quando se retiram as palavras do poeta no meio das falas, e permanece apenas o diálogo.

Adimanto: Também compreendo que se trata da forma própria da tragédia (1997:85-86).

É possível notar que neste texto a mimese como a imitação de uma coisa é utilizada como uma

ferramenta do ator com a qual ele pode se aproximar ou se referir à realidade enquanto estiver

narrando uma história. Portanto, a mimese para Platão era um dos instrumentos do poeta utilizado

nas obras descritivas para se referir à realidade. A mimese, portanto, acrescentaria as capacidades

histriônicas do poeta no momento da narração. Sendo assim é possível corroborar com a

afirmação de Erick Havellock, para quem a palavra mimese se emprega “Em primeiro lugar

como uma classificação estilística para definir a obra dramática em oposição à descritiva”

(1996:37). Já que uma obra só feita com imitação corresponderia à tragédia, como Aristóteles

afirmará na Poética. Posteriormente segundo Havellock, Platão retomará o conceito de mimese

no livro X ampliando-o ao perceber a capacidade da mesma de criar aparências e não objetos

reais. Platão diz:

(32)

desenhará uma aparência de sapateiro, sem nada entender de sapataria, para pessoas que, não percebendo mais do que ele, julgam as coisas segundo a aparência?

Glauco: Sim

Sócrates: Diremos também que o poeta aplica a cada arte cores adequadas, com as suas palavras e frases, de tal modo que, sem ser competente senão para imitar, junto daqueles que, como ele, só vêem as coisas segundo as palavras, passa por falar muito bem, quando fala, observando o ritmo, a métrica, e a harmonia, quer de sapataria, quer de arte militar, quer de outra coisa qualquer, [...] o criador de imagens, o imitador, não entende nada da realidade, só conhece a aparência”(1997:328).

O ator, portanto, parece evidente, não precisaria ser médico para fazer no teatro uma

personagem de médico, ele criaria sua personagem através da imitação. Neste sentido, o conceito

de mimese empregado inicialmente por Platão como um elemento próprio do estilo dramático

torna-se um elemento presente na representação poética. Sendo assim, a mimese, afirma

Havellock: “é agora o nome da identificação pessoal ativa mediante a qual o público estabelece

uma empatia com a representação” (1996:43).

Segundo Pavis, o termo se torna problemático na Poética de Aristóteles, onde “a

produção artística (poesis) era definida como imitação (mimese) da ação (práxis)” (1999:305).

A interpretação do ator, neste sentido, daria uma valorização maior ao diálogo propondo uma

identificação do ator com a personagem. Mas, segundo Josette Féral o conceito de mimese

proposto por Aristóteles indica ao menos dois sentidos: a representação da realidade e a

expressão livre desta mesma realidade. Sendo assim, existiria no teatro: a mimese imitativa ou

passiva e mimese não-imitativa ou ativa.

A mimese imitativa ou passiva refere-se à representação ou imitação da realidade. Este

tipo de mimese estaria restrito à reprodução, à cópia, à duplicação do que é apresentado pela

natureza. Por outro lado, a mimese não imitativa ou ativa não reproduz nada, ela é produtiva, ou

seja, artística, ela transforma a natureza e a completa. Ela cria a obra de arte. E as duas noções de

mimese correspondem a representações.

Féral, respaldando as duas vertentes da mimese, recorre a Aristóteles e diz que “Para

Aristóteles “A arte imita a natureza” (194ª, he téchnè mimeitai ten phusin) e “a téchnè conclui

(faz, aperfeiçoa, épitéleí) o que a phusis é incapaz de realizar (apergasasthaí); por outro lado,

ela imita” (199ª)” (2002:73). Segundo Féral a arte por um lado imita então a natureza e por outro

a melhora. Ela afirma que na poética, “o conceito de mimese abrange, portanto, ao menos dois

sentidos: a representação da realidade e a expressão livre desta mesma realidade” (2002:73) 12.

Na Poética de Aristóteles encontramos alguns textos que nos levam a pensar na proposição de

12

(33)

Féral, como, por exemplo: “Dado que o poeta, assim como o pintor ou qualquer outro criador

de imagens, é um imitador, necessariamente imitará sempre de uma destas três maneiras: ou

como as coisas eram ou são, ou como se diz ou se supõe que sejam, ou como devem ser”

(2002:126). É possível deduzir-se daí a introdução da subjetividade do artista para com o objeto

que irá imitar, ou seja, Aristóteles propõe diversos modos de “como” pode ser realizada a

imitação oferecendo certa flexibilidade para isto. A mesma idéia pode ter maior contundência

quando Aristóteles se refere aos pintores e a proximidade ou distância de suas obras ao pintar os

caracteres13. Aristóteles nomeia a Polignoto, considerado o melhor pintor de caracteres por sua

capacidade de imitação, enquanto que Dioniso, menos famoso que seu contemporâneo Polignoto,

tentava refletir nas suas pinturas os caracteres e as paixões. Pausón, considerado um dos piores

pintores e que, segundo Salvador Mas “provavelmente, a pintura de Pausón era de caráter

caricaturesca”(apud ARISTOTELES: 2002:67) 14 e, portanto sua arte distanciava-se do objeto

real tal como a de Zeuxis, famoso por suas pinturas nos murais que representavam enormes

figuras humanas e temas mitológicos. Evidenciam-se, desta maneira, as diversas perspectivas que

um pintor teria sobre um objeto, neste caso sobre os caracteres, de um lado, tal como era

concebido no modelo real e do outro tal como era concebido pelo pintor com ajuda do modelo

real. Desta maneira é possível reconhecer, num primeiro momento, a presença de duas vertentes

dentro do conceito da mimese como propõe Féral.

Poderíamos dizer que até o momento encontramos uma noção de teatralidade que oculta o

jogo cênico e se aproxima da realidade, como é o naturalismo e outra que procura estilizar a

realidade, como aconteceu com os simbolistas, Alfred Jarry, Craig, Meyerhold, entre outros. As

duas propostas estão ligadas ao conceito de mimese e pode-se dizer que algumas propostas

cênicas têm mais teatralidade que outras, mas, isto sem deixar-nos levar por juízos de valor sobre

qual seria mais teatral que a outra. Féral diz que:

A teatralidade aparece então englobando a mimese. Ela a necessita em seu ponto de partida, sendo a mimese uma das modalidades da teatralidade. Mas a teatralidade trata de desmontar a mimese, na medida em que ela desmonta o processo, mostrando o jogo de transformação, a diferença, as divisões que instala [...] A teatralidade insiste sobre o lúdico ali onde a mimese tende mais bem a colocar o acento sobre sua relação com o

13

฀O caráter pode ser definido como os conjuntos de rasgos físicos, psicológicos e morais da personagem. Aristóteles define carácter como “aquello por lo que los hombres que actúan son de una e otra manera” (2002: 78). Existiriam caracteres bom ou ruim, segundo Aristóteles e que se diferenciam entre pelo vício ou a virtude.

14

(34)

real. A teatralidade se aproximaria, portanto, do que os pesquisadores definem como imitação ativa (2003:87) 15.

A interpretação que expõe sua construção teatral, portanto, corresponderia à mimese ativa.

É importante analisar por um lado que apesar de que a teatralidade é associada à mimese ativa

propondo maior ilusão, aparências, construção e desconstrução da cena e, portanto, da

interpretação, a teatralidade não exclui a mimese passiva, e isto porque a base da mimese ativa é

a mimese passiva e é ela o ponto de referência para distanciar-se do real.

A teatralidade imitativa, como é o caso do naturalismo, cria uma imitação e o espectador

reconhece a sua semelhança com a realidade. Da mesma maneira que reconhece o ator no jogo da

ficção, o espectador reconhece que por detrás desta ficção existe um trabalho artístico, uma

construção prévia. Enquanto na teatralidade não-imitativa, poderíamos dizer que os espectadores

se sentem atraídos pelo prazer do jogo das aparências, no qual se evidencia a distância e

descolamento com o real. O conceito de teatralidade não-imitativa é uma das formas de descrever

o que é teatralidade no teatro contemporâneo. O espectador assiste à peça com a tarefa de

construir e transformar sua própria leitura através dos símbolos e signos que lhe estão sendo

comunicados; não se trata de um simples reconhecimento ou identificação com a peça, como

aconteceria numa teatralidade que tenha com base a mimese passiva, ele a constrói junto com a

encenação.

A teatralidade surgiria da própria revelação da ilusão cênica e de sua oposição com o real

ou com a mimese passiva. O olhar do espectador é o que cria inicialmente o surgimento da

teatralidade, e é aqui onde a teatralidade se pensa como processo. O espectador vê, cria um

espaço outro, distinto do cotidiano sobre o objeto e permite a ficção. Sendo assim, poderíamos

afirmar que o naturalismo não se encontra excluído do conceito de teatralidade, mas são

necessárias determinadas regras teatrais para que um ou outro tipo de estado seja suscitado no

espectador. Regras que são propostas pelo encenador, segundo a utilização da expressão física e

emocional do ator, o dizer das palavras, os movimentos expressivos, a utilização da música, das

cores, da iluminação, a aproximação de referências miméticas ou de sugestões destas referências

miméticas. Em outras palavras, é possível dizer que a proximidade ou a distância que teria a

15

(35)

encenação com a realidade, dependeria do tratamento e função que o encenador dá ao conjunto

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Fig. 1 Agreste Foto: Leopoldo de Léo Jr.
Fig. 2 Agreste Foto: Leopoldo de Léo Jr.
Fig. 3 Agreste Foto: Leopoldo de Léo JR
Fig. 4 Agreste Foto: Leopoldo de Léo Jr.
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Referências

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