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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES - CEART PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO - PPGT MESTRADO EM TEATRO

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES - CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO - PPGT

MESTRADO EM TEATRO

LAUDEMIR PEREIRA DOS SANTOS

(LAU SANTOS)

TELA E PRESENÇA:

O ATOR E A CÂMERA NA CENA CONTEMPORÂNEA

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TELA E PRESENÇA:

O ATOR E A CÂMERA NA CENA CONTEMPORÂNEA

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, Linha de Pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade, como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr.José Ronaldo Faleiro

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Ficha elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

S237t Santos, Laudemir Pereira dos

Tela e presença: o ator e a câmera na cena contemporânea / Laudemir Pereira dos Santos, 2011.

97p. : il. ; 30 cm

Bibliografia: p. 79-85

Orientador: Dr. José Ronaldo Faleiro

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Florianópolis, 2011.

1. Teatro. - 2. Atores. - 3. Fenomenologia - I. Faleiro, José Ronaldo. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Teatro. – III Título.

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(LAU SANTOS)

TELA E PRESENÇA:

O ATOR E A CÂMERA NA CENA CONTEMPORÂNEA

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, Linha de Pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade, como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre.

Banca Examinadora

Orientador: Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Membros: Prof. Dr. Marco Antonio Castelli

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Prof. Dr. Stephan Baumgärtel

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

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Para minha mãe Diva pelo amor, carinho e a confiança ao mostrar-me o caminho da arte.

Para minha avó por me fazer sonhar com suas estórias nordestinas.

Para meu Pai (em memória) por sua presença/ ausência na minha vida.

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à todos meus ancestrais, à todos os Santos, à todos Caboclos e à todos Orixás que sempre me guiaram na arte de viver! ao Pinho e Família (Carol,Vavá e Manuela) pelo carinho e amizade,

ao Guazelli (alemão) e família pela força na “domus”, ao meu orientador Prof.Dr.José Ronaldo Faleiro pelo incentivo e paciência, aos mestres Ariane Mnouckine, Cezar Bries e Iben Nagel Rasmusen, ao amigo Mario Amaro (em memória ) sua ausência /presente na minha vida, aos meus irmãos pela força na minha volta ao Brasil, à Cia Pã de Teatro pela generosidade em todos os sentidos.

AGRADECIMENTOS

aos Professores do PPGT,

às secretárias do PPGT: Mila e Sandra por serem generosas e eficientes, às professoras doutoras Fatima Lima, Brígida Miranda pela força,

aos alunos de graduação em teatro da (UDESC) turma da”esperementeação”, à grande amiga/irmã e atriz Solange Adão,

ao Adriano de Brito pela amizade,confiança e cumplicidade afrodescendente, à Dona Marlene por tudo e muito mais, ao pessoal do LED (U.F.SC),

à Milena Abreu pela amizade e imagens editadas, à Aldy Maingué pela amizade,

à Karlo Kardozo e Luisa Torres, pela recepção na casa de Fortaleza, à Renata Holanda por ser assim uma artista/peixe,

aos caciques Silvio Almeida e Adriana Oliveira pelas trocas,imagens e dendê, ao irmão mestre Pitanga por tudo que passamos juntos “baianando” a vida, ao Bigode (Luiz Carlos Lacerda) pela paixão pelo cinema,

à Marcelle Coelho, Sandra Mascarenhas e Dico (Esdras) , aos meus alunos de Teatro da Escola Riereta em Barcelona,

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“A presença é precisamente uma qualidade discreta que surge da alma.”

Charles Dullin

“...todos outros homens vivem como se nunca fossem morrer, mas o ator, em sua solidão, sabe que é mortal. Razão pelo qualoshomens vivem e o ator atua.”

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Esse estudo aborda algumas possibilidades da relação do ator com a câmera e as categorias de presença que identifico na cena contemporânea. Neste sentido, busco demonstrar a importância da presença cênica no espaço constituído a partir do encontro entre o tele/espectador e o ator/atriz. Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida tendo como fundamento o diálogo entre as reflexões filosóficas da fenomenologia de Martin Heidegger (conceito de Dasein) e as experiências dos atores Yoshi Oida e Ryszard Cieslak. Em um segundo momento será problematizado a forma como o ator/atriz se relaciona com a câmera e as categorias: tele/presença e co/presença, através da análise do espetáculo Somático. Para finalizar, apresento e analiso uma experiência audiovisual desenvolvida junto a Cia Pã de Teatro. O presente estudo é divido em 3 partes (capítulos), cuja intenção é que cada uma das partes seja vista como um fotograma, ou seja, um fragmento independente que encontre nas outras partes a razão de sua presença.

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This study broaches some possibilities about the actor relation with the camera and the categories of presence which I identify in the contemporary scene. In this sense, I search for demonstrating the importance of the scenic presence in the space formed by the encounter between the tele/spectator (the viewer) and the actor/actress. In order that, the research was developed fundamentally by the dialogue among the philosophical reflections of phenomenology by Martin Heidegger (the dasein concept) and the experience of the actors: Yoshi Oída and Ryszard Cieslak. In the second moment will be focusing the problematic about the relationship manner between the actor/actress with the camera, as well as, the following categories: tele/presence, co/presence, through the analyzing of the Somatic spectacle. To conclude, I submit and analyze an audiovisual experience developed together with the Cia Pã Theater. This study is divided in three parts (chapters) by the intention that each one has been looked as a photogram, an independent fragment, in order to find on the other parts, the reason of his own presence.

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INTRODUÇÃO ... 9

1. DA AUSÊNCIA SE FAZ PRESENÇA ... 19

1.1 FENOMENOLOGIA DA PRESENÇA CÊNICA ... 19

1.2 A IMPORTÂNCIA DA AUSÊNCIA NA PRESENÇA ... 23

1.3 O OLHO VORAZ DA CÂMERA ... 30

1.3.1 Tomada um: um jogo entre o ator, o olho mecânico e o tele/espectador ... 30

1.3.2 Tomada dois: dimensões desse jogo ... 32

2. A TELA NA CENA, A CENA NA TELA ... 35

2.1 A CÂMERA NO PALCO ... 35

2.1.1 As novas tecnologias no teatro, nada tão novo assim... ... 35

2.1.2 Vídeo: uma forma de ver e se dar a ver ... 38

2.2 O ATOR NA TELA: UM DIÁLOGO COM SI MESMO ... 45

2.2.1 Entre imagens e sombras ... 45

2.2.2 Eu ator, figura e fragmento ... 48

2.3 TELE-PRESENÇAS: MATERIALIDADE DA CENA E IMAGENS MIDIATIZADAS ... 52

2.3.1 A materialidade do invisível ... 52

2.3.2 O triangulo: a relação presencial em 3 categorias ... 57

3. UMA EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL COM A CIA PÃ DE TEATRO ... 63

3.1. BREVE INTRODUÇÃO SOBRE UM (RE) ENCONTRO ... 63

3.2 HISTÓRICO DA CIA. PÃ DE TEATRO ... 65

3.3 “VADIA” EM FRAMES ... 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 77

REFERÊNCIAS ... 79

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INTRODUÇÃO

Pus a vida

em minhas mãos e as mãos

no fogo.... - A vida ferveu.”

Alcides Buss1

Durante alguns anos tenho trabalhado e pesquisado as condições de presença do ator em cena. Devo dizer que tal preocupação inicia-se no início dos anos 80, entre 1982 e 1983. Nessa época, sem a existência da internet como uma fonte efetiva de informação, (às vezes esquecemos que o acesso às informações não eram tão velozes como nos tempos atuais) nossas buscas estavam centradas no universo acadêmico.

Como morador de uma ilha, Florianópolis2, não era fácil se manter bem informado, nós costumávamos dizer, que as coisas sobrevoavam a ilha e raramente pousavam ou então, caíam aqui de paraquedas. Entretanto, havia alguns jovens estudantes – amantes da poesia, das artes cênicas e do cinema - da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - que eram ávidos por conhecimento, sobretudo se fosse algo que nos mostrasse uma perspectiva diferente do que estávamos acostumados a ver. Como “seres parabólicos”, tentávamos ficar “antenados” em tudo que acontecia no campus dessa universidade: palestras, seminários, enfim, todo tipo de evento. Independente da área de conhecimento, nós marcávamos presença, éramos “figurinhas carimbadas” desde a engenharia ao jornalismo. Quero frisar que estávamos em um período de transição e sofríamos com as sequelas da ditadura militar. A

presença dos “fantasmas” de Generais Militares por todas as partes contribuía de certa maneira para esse isolamento cultural.

1Alcides Buss é poeta e professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Poema retirado do livro

“Poesia Jovem anos 70”, Heloisa Buarque de Hollanda e Carlos Alberto Messeder Pereira. São Paulo: Abril Educação, 1982. p. 87.

2 Cheguei nessa cidade em 1982 para estudar Letras na UFSC. Tive algumas experiências com teatro no

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O sentimento de ausência de informação era um fato discutido por nós. Os livros que nos chegavam às mãos, quase sempre, eram trazidos das grandes metrópoles: Rio de Janeiro, São Paulo ou mesmo de Porto Alegre. Outra fonte eram alguns professores que chegavam do exílio (os quais foram obrigados a se ausentar no período da ditadura), e que por vezes tivemos a oportunidade de escutá-los em palestras, ou em uma mesa de bar, onde nos contavam sobre as últimas experiências artísticas e culturais na Europa ou nos Estados Unidos. Esse era o nosso “Google”. O mundo cultural acontecia a partir do campus da Universidade Federal de Santa Catarina.

Pois bem, tentei localizar nos parágrafos anteriores, ou melhor, identificar como a relação entre presença e ausência começou a fazer parte da minha vida e das minhas reflexões acerca da noção de presença e suas possíveis consequências. Farei um breve relato sobre fatos, livros, andanças e algumas conexões que, acredito, direcionaram-me para o objeto desta pesquisa: a presença cênica e suas conexões com o universo audiovisual.

Minhas primeiras experiências, nessa direção, tiveram como base teórica, as reflexões proféticas feitas por Antonin Artaud no livro “O teatro e seu duplo”, que pude ter em minhas mãos em sua primeira edição no Brasil; um vídeo do Théâtre du Soleil, cujo contato foi por meio da Aliança Francesa de Florianópolis; e o livro de Jerzy Grotowski, “Em busca do teatro pobre” – trazido por um estudante paulista que fazia medicina na UFSC. Esses três fatores foram muito importantes para o surgimento de um grupo com muita intuição e disponibilidade formado por estudantes/atores que resolveram depois de vários encontros, regados a vinho e poesia, montar uma “nave louca” 3 chamada: “Imaginascendo”4. Nesse espetáculo dirijo os atores para uma

linguagem próxima da comédia dell’arte, ainda que meus conhecimentos sobre esta linguagem se restringisse ao vídeo que tínhamos visto sobre os trabalhos do Théâtre du Soleil. Os gestos, os movimentos, a presença dos atores dirigidos por Ariane

3 Forma como tratávamos o espetáculo infantil.

4 Espetáculo infantil criado junto com a Cooperativa de Atores Banco de Praça, no de 1984. O espetáculo

foi apresentado inicialmente na cidade de Florianópolis e depois viajou por algumas cidades do interior de

Santa Catarina, completando um total de 100 apresentações, fato inusitado para época. Imaginascendo

tinha como objetivo principal: despertar uma visão crítica sobre a forma “debilóide” como eram tratadas as crianças, por alguns realizadores de espetáculos infantis do Estado de Santa Catarina. Suas características mambembes e a valorização do imaginário dessas crianças faziam com que o ator

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Mnousckine marcaram-me e talvez, por isso, com “Imaginascendo” eu tenha feito meus primeiros passos rumo a uma percepção apurada do que aqui denomino como presença cênica.

Nos idos de 1984, com esse mesmo grupo de atores, fundamos a Cooperativa de Atores Banco de Praça5 (tentávamos seguir os moldes do Théãtre du Soleil, assumindo uma forma cooperativada6) resolvemos montar um espetáculo com a base dramatúrgica retirada do livro de Artaud, “O teatro e seu duplo”, que para o grupo era um manual profético. Nossas pretensões como grupo eram discutir as formas de atuação que aconteciam no momento em Florianópolis. De certa forma estávamos querendo entender as diferenças entre nossa compreensão da presença do ator em cena e o que percebíamos nos grupos locais ou mesmo nos espetáculos comerciais, que passavam pela cidade, recheados de atores Globais7.

Presenciávamos que algumas dessas formas estavam baseadas em propostas de Bertolt Brecht8 e utilizavam suas regras de atuação como referência básica. Outros grupos e/ou diretores tinham talvez encontrado no “Método” de Stanislavski - difundido por Eugênio Kusnet , Zbigniew Marian Ziembinski entre outros - , a solução para inquietações do tipo: razão x emoção.

Antonin Artaud, nessa época, não era muito difundido, sofria certo preconceito; para algumas personalidades do teatro, ele era apenas um louco marginalizado pelo extravagante teatro francês, representado pela comédie française9. Tal fato, fez com que as palavras desafiadoras do “nosso profeta” contra o textocentrismo no teatro burguês, tornar-se uma “arma” para o grupo . Para nós - jovens que estávamos descobrindo o teatro - Artaud nos trazia a esperança de algo diferente, que estava além

5 A Cooperativa de Atores Banco de Praça tinha em seu elenco base na época: Solange Adão, Hercules,

Jorge Krieger, Marisa Naspolini, Mami,Marcelo Schilindwein e Silvana Fortes. Alguns atores, poetas e músicos da cidade também tiveram passagens esporádicas por um desses dois espetáculos citados :Aldy Maingué, Fifo Lima, Fabio Brüggemann, Sergio Belozupko, Nara Sales e Mirta Ortega.

6 Nesse período, ainda perseguido pelo “fantasma” da ditadura, só agricultores legalmente podiam se organizar em Santa Catarina. Legalmente éramos um grupo de teatro como os outros da cidade, no entanto, mantivemos o nome de cooperativa.

7 Atores da Rede Globo de televisão.

8 È importante frisar que no inicio dos anos 80 estamos vivemos uma fase de transição pós-ditadura militar. Para alguns encenadores trabalhar com Brecht, ainda, significava fazer um teatro consciente, comprometido politicamente. Portanto, o ator deveria seguir as regras desse tipo de proposta.

9 Uma companhia permanente de atores, financiada pelo governo francês e com sede própria. A maioria

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do excesso de psicologismo, visto em alguns grupos que diziam trabalhar com o Método Stanislavski [sic] ou de uma esquerda “teatral” que nos cobrava um engajamento brechtiano. Nossa opção por um “teatro da crueldade”10 que ultrapasse

as fronteiras do texto e entrasse na esfera emocional do espectador por outros canais perceptivos e sensoriais, nos fazia acreditar na possibilidade de ser um grupo diferenciado entre os grupos existentes, até então, na ilha de Santa Catarina.

A criação e apresentação do espetáculo Tragos11 foi uma experiência que teve como objetivo a relação “sincera” dos atores com suas emoções e a troca dessas emoções com o espectador. Vislumbrávamos atingir níveis emocionais profundos, “desconcertantes”, “agonizantes” e ao mesmo tempo, prazerosos a partir dessa troca com o público. Como diretor do espetáculo “apostei” na proximidade com a plateia, como um dos elementos fundamentais para estreitar essas trocas sensoriais e abrir espaço, ou melhor, criar um ambiente propício para que se instaurasse, o que poderia ser a presença cênica.

Os atores e os espectadores ocupavam o mesmo espaço cênico — o palco do CIC12. A ideia era fazer com que o espectador saísse da sua posição passiva e pudesse interagir com os atores. Os deslocamentos do elenco, assim como sua gestualidade, tinham influência direta de alguns exercícios retirados do livro de Grotowski13. Esses

exercícios foram fundamentais para que os atores chegassem a um nível de “entrega” e comprometimento com a cena muito forte, foi uma experiência onde tocamos limites perigosos. O jogo entre ausência e presença nos perseguiu durante vários ensaios: desmaios, catatonias, crises nervosas etc., foram algumas de nossas “visitas” perigosas enquanto procurávamos a tal presença que traduzíamos como: “viver intensamente cada gesto/ palavra”, ou ainda, “trazer a verdade para cena”.

10 Conceito difundido por Artaud no intuito de fugir de um teatro baseado no textocentrismo e despertar

uma força emocional diferenciada no espectador. Artaud vislumbrava um tipo de catarsis.

11 Tragos espetáculo adulto, baseado nos textos de Antonin Artaud, da Cooperativa de Atores Banco de Praça, apresentado no Teatro do CIC, no ano de 1984.

12 Centro Integrado de Cultura (CIC), espaço cultural recém-inaugurado na época, com capacidade para

1000 espectadores. Durante as apresentações de Tragos foram dispostos 300 lugares em pequenas

arquibancadas montadas no palco.

13 Enquanto Artaud com seus textos proféticos nos ajudava a buscar um teatro catártico, Grotowski com

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No ano de 1986, fui convidado para estudar em Paris, no Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática (CNSAD). Durante as disciplinas de máscara14 e câmera15 comecei a realizar insights sobre a forma de trabalhar o corpo com a máscara e as possíveis associações com o enquadramento feita por uma câmera. Os insights

ajudavam-me a estruturar com maior clareza a relação entre os conceitos de presença e tele/presença16. As limitações impostas pelo jogo da máscara mostraram-me a importância da relação do corpo com o espaço, ou seja, de que forma o ator tem que desenhar com seu corpo um fluxo vital, aproveitar o momento em sua totalidade, para fazer com que sua presença seja convincente aos olhos daquele que o está vendo. Descubro, então, a importância do domínio da relação tempo/espaço para que o ator possa “imprimir”, “tatuar” sua imagem na retina dos olhos de cada espectador. Friso aqui a individualidade do encontro espectador/ator, a fim de salientar as possibilidades relacionais que, a meu ver, acontecem em planos sensoriais que perpassam a formalidade imposta pela separação ator-plateia, ou, ator-câmera-plateia.

As descobertas feitas nas aulas de câmera davam-me a noção sobre o que é um enquadramento, ou seja, a importância de perceber quando o corpo do ator está dentro ou fora do quadro da câmera, enfim, ter habilidade técnica para trabalhar com o corpo fragmentado, torna-se um elemento primordial, na minha percepção, para a construção da tele/presença. Entretanto, a partir da experiência (com Tarak Hamman) passo a entender que presença cênica não é sinônimo de virtuosismo. Isto é, as habilidades técnicas devem servir com uma ponte para o ator construir um espaço que sirva como ”um buraco” (um vazio) onde se estabeleça outras dimensões para o jogo cênico.

Ao trabalhar com o ator/diretor Tarak Hamman, um ex-aluno da Escola de Etienne Decroux17, pude como ator elaborar fisicamente a noção de presença que vinha desenvolvendo com meus insights. Essa experiência com Tarak gerou a montagem do

14 Ministrada pelo professor/ator Mario Gonzalez.

15 Ministrada por Francis Girod.

16 Durante toda pesquisa usaremos o termo tele/presença com esta grafia para estabelecemos uma

diferença com o conceito de telepresença. O conceito de telepresença está diretamente ligado a um

tipo de performance em tempo real, que acontece por internet. A tele/presença é entendida nesta pesquisa como a presença do ator em experiências cênicas audiovisuais que não incorporem a internet.

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espetáculo Où va la vague18. Durante o processo de criação do espetáculo pude perceber as sutilezas que permeiam a noção de presença cênica em contraponto ao virtuosismo como instrumento que garantia a instauração da mesma. A maioria do elenco tinha formação em circo, dança e capoeira o que dava a montagem uma plasticidade baseada em nossas habilidade físicas, no entanto Tarak soube dosar essas habilidades e a carga dramática exigida por Oú va la vague. Com isso, o elenco pôde desenvolver ações muito precisas com doses de emoção muito fortes sem perder o fluxo entre espaço interior e espaço exterior. O espetáculo era apresentado para um público francês na língua portuguesa e em um dialeto africano. Consequentemente, este fato gerava uma troca em níveis mais profundos, as palavras funcionavam como melodia para “alimentar” nosso estado de presença.

Na incessante procura por novos conhecimentos sobre o ator e sua presença em cena, depois do Festival de Avignon, decidi fazer um estágio/visita ao grupo Odin Teatret19, dirigido por Eugenio Barba20. Durante minha estadia na sede do grupo em Holstebro, meu intuito foi aprofundar meus estudos sobre a presença cênica. Convivendo com os atores do Odin Teatret, vendo vídeos das palestras de grandes diretores e participando do treinamento21 com alguns membros do grupo, eu buscava

conexões entre aquilo que presenciava e os possíveis insights com a tele/presença. Eu adorava a forma como aqueles atores se comportavam em cena, mas ao mesmo tempo via um abismo imenso entre aquela forma de atuar e o que estava começando a se configurar como tele/presença em minhas reflexões. Ou seja, não conseguia imaginar os atores do Odin Teatret em um filme, a incessante luta para fugirem do “naturalismo” os distanciava, a meu ver, de qualquer manifestação cênica tendo a câmera como

18 Espetáculo apresentado no Festival de Teatro de Avignon no ano de 1987 pela Cia Caxangá, na qual

fiz parte do elenco. Uma proposta que reunia 6 brasileiros, 1 africano e o diretor era francês.

19 Grupo residente em Holstebro, Dinamarca. Considerado um dos grupos mais importantes da ultimas

décadas por suas experiências voltadas ao treinamento do ator. Grotowski e alguns de seus atores, como Cieslak, visitaram a sede do Odin e deram oficinas, palestras etc. Material que tive acesso através da videoteca do grupo.

20 Diretor do grupo Odin Teatret, fundador do conceito de Antropologia Teatral, foi assistente de Grotowski e principal difusor das técnicas do diretor polonês pelo mundo. Eugenio Barba é um dos diretores/pedagogos contemporâneos que escreveu sobre a presença.

21 É importante frisar que nessa época, 1987, a internet dava seus primeiros passos nos Estados Unidos

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elemento intermediário. Torgeir, um dos atores do Odin, registrava e organizava o material audiovisual do grupo. A câmera servia como registro. O “artificialismo” nas composições físicas dos atores, a meu ver, era o foco principal para alimentar o estado de presença que esse grupo aspirava.

Antes de deixar Holstebro, ministrei uma oficina de capoeira para alguns membros do Odin22 - mesmo sendo muito jovem23, tentei mostrar a capoeira como forma de treinamento para o ator. O domínio do espaço, da música, do canto e da dualidade entre dança e luta faz com que o jogador/capoeirista permaneça em um estado de prontidão constante. Jerzy Grotowski e Eugenio Barba também buscavam em “seus” atores o mesmo estado de prontidão na cena. Seria o estado de prontidão umas das condições básicas para atingir o estado de presença em cena? Parto de Holstebro com questões como essa, visando descobrir outros entendimentos acerca da presença do ator na cena.

Ariane Mnouckine24 abriu as portas do Théâtre du Soleil para um estágio com novos atores para sua nova montagem, L’Indiade (1987). Impulsionado pelo sonho - que começou no Brasil com a Cooperativa de Atores Banco de Praça - de conhecer a forma de trabalho desse grupo, fiz minha inscrição e passei no teste para participar do estágio. Durante o estágio fui compreendendo que poderia existir uma ponte entre o abismo visto nas técnicas desenvolvidas pelos atores do Odin e a câmera, elemento mediador da tele/presença. Essa ponte estava na maneira de conduzir os atores da diretora Ariane Mnouckine25. Por meio dessa experiência na cartoucherie26 tomo consciência que a fragilidade humana é uma evidência quando tratamos do corpo dos atores durante o fenômeno cênico. Em minhas reflexões não vejo mais a tela como um espaço distante e frio, onde exclusivamente imperava a técnica diretamente ligada à

22 Estavam presentes César Brie, Iben Nagel Rasmussen e Anna, recém-chegada da Argentina. Esse

vídeo está arquivado na videoteca do Odin Teatret.

23 Minhas idéias sobre a possibilidade da capoeira como treinamento para o ator e para uma melhora do

efeito de presença nesse momento não tinha sido sistematizada. Pouco se falava dessa possibilidade, naquela época, 1987, no entanto Iben e Cézar já percebiam, por outras experiências do Odin com a capoeira, que esta arte marcial tinha algo especial no sentido de ajudar o ator em seu estado de presença.

24 Diretora francesa, fundadora do Théâtre du Soleil. Uma das grandes expressões do teatro mundial;

uma das bases da formação do ator chez Mnouchkine é o trabalho com máscaras.

25 Ariane fez algumas investidas na linguagem cinematográfica com seu grupo. Ver Molíére.

26 Lugar onde fica localizado o Théâtre du Soleil, em Paris . Este local fica no Bosque de Vincenne e foi

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construção de um set. Percebo que através da condução de suas emoções o ator pode tornar-se um elo entre o visível e o invisível que será plasmado na tela.

Sendo assim, como fazia o curso de interpretação com máscara, ministrado por Mario Gonzalez27, pedi para Mnouchkine, que tem uma forma particular de perceber a

presença do ator, para posicionar-me ao seu lado como um observador/diretor. A forma pela qual esta diretora percebe o ator buscando a presença em cena é impressionante e tem uma nomenclatura bastante particular: “música interior”, “estado emocional”, “desenho corporal” e etc. Nesse momento, vendo a maneira como ela conduzia os atores, percebi que mesmo sendo linguagens diferentes o teatro e o audiovisual podem ser potencialmente conectados pelo estado de presença dos atores. Tudo parecia uma questão de condução do diretor e a capacidade técnica dos atores perceberem como encaixar seu corpo no “olho mecânico”, na câmera.

Após todas essas experiências relatadas até aqui, volto ao Brasil, no final da década de 80 e começo a sistematizar os conhecimentos apreendidos durante esses anos. Foi nas aulas práticas, como professor28 de interpretação, e diretor de espetáculos29 na cidade do Rio de Janeiro, que experimento meu entendimento sobre presença cênica. Apliquei nas aulas e na preparação de minhas montagens, técnicas de máscara, capoeira, acrobacia, jogos rítmicos e vídeo no treinamento do ator. Em suma, traço as primeiras conexões que delineariam um caminho para futuras reflexões sobre as categorias de presença.

Em 1991, mudo com mala e alguns apetrechos circenses para passar sete anos no Nordeste, especificamente em Fortaleza (Ceará) para trabalhar no Projeto Barraca

27 Ator saído da Guatemala, com passagem pelo Théâtre du Soleil e meu professor de Interpretação com

máscaras no Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática de Paris. Durante as aulas com

Gonzalez trabalhamos: máscara neutra, meias máscaras (Commedia dell’arte) e uma série de máscaras

experimentais. Particularmente interessei-me pelas máscaras balinesas como jogo presencial no trabalho do ator.

28 Ministrei classes de interpretação com máscaras e acrobacia dramática na Escola da atriz Rosane Goffman,uma atriz da Rede Globo de televisão, com sede na Tijuca.

29 Dirigi o espetáculo “La Voix Humaine” de Jean Cocteau, apresentado na língua original, francês, pela

atriz Marisa Naspolini. Meu objetivo ao apresentar o espetáculo em francês, no Brasil, foi conseguir um estado de presença da atriz que transcendesse o texto. Era como retornar ao ensino de Artaud, depois de ter aprendido sobre a possibilidade técnica de tal façanha em terras estrangeiras. O segundo

espetáculo que montei foi Kirilov, baseado no romance: “os possessos”, de Dostoiéwski. A atriz Marisa

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da Amizade30, que tinha como público-alvo os jovens em situação de risco. Uma mudança radical que complementaria minhas reflexões sobre as categorias de presença e a importância de compreender sob a luz filosófica da fenomenologia a dualidade entre: aquele que é visto e aquele que vê. A situação de risco destes jovens é por mim percebida como um exemplo concreto da fragilidade do ser humano e a comprovação física da efemeridade da vida, em oposição, ao efeito de presença (cênica?) 31 utilizada por eles como uma “arma” contra o mundo. O binômio: vida e morte fazia parte do cotidiano desses garotos/as, é um jogo perigoso marcado pela presença e pela ausência. A noção de presença é parte desse jogo que oscila a cada segundo entre matar ou morrer. Tal experiência foi um fator determinante para a compreensão do que irei chamar nessa pesquisa de integridade do ator na cena. Em suma, esses jovens me demonstraram que ter presença em cena é muitas vezes compreender tal fenômeno como uma questão de vida e morte, como nos comenta Michel Bouquet na epígrafe desta dissertação.

No entanto, na continuidade, além desse trabalho com forte teor social elaborei com atores locais alguns projetos de teatro, intervenções (performances) urbanas32 e gravações audiovisuais33. È nesse ambiente repleto de locações e abismos sociais que

início algumas experiências audiovisuais como diretor. Anos depois, na cidade de Barcelona – onde residi por nove anos - começo a dar aulas de interpretação34; fundo um grupo de pesquisa35 com o propósito de experimentar a presença cênica e a tele/presença. A partir dessas pesquisas, realizamos dois espetáculos que, direta ou indiretamente, utilizaram os conceitos de presença e tele/presença durante o processo de suas montagens. Os espetáculos intitulavam-se: “Mujer sin nombre” e “La única cosa que recuerdo es ... La voz de Sarah Kane”, realizados no ano de 2004.

30 Projeto social financiado pela Cáritas Francesa, onde fui responsável por toda parte de criação cênica

e técnicas circenses. Com estes jovens montei o espetáculo “Na volta que o mundo dá”, um espetáculo acrobático que tinha como tema a violência, a morte e a banalidade da vida para os jovens que viviam nas ruas de Fortaleza.

31 Muitos desses jovens (de 13 a 17 anos) eram extremamente violentos na rua e dormindo chupavam os

dedos como bebês, desmascarando esse efeito de presença.

32 Foi criado o grupo Neo-Bufões: eu, Karlo Kardozo, Ana Aragão, Claudio Ivo, Eugenia Siebra e Chiara.

33 Foram feitos dois vídeos — “Cinderela” e “Neo-Bufões”. Todo o material audiovisual foi produzido por

mim. Nosso cinegrafista foi Edmar Junior.

34 Na Escola Victor Hernandez (Riereta), localizada no bairro do raval, em Barcelona.

35 Grupo formado por estudantes da Escola Riereta, cujo nome era CIRC (Centre de Investigació Ryszard

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Dito isso, meu interesse em aprofundar e sistematizar a relação do ator, a presença e a relação com a câmera na cena contemporânea ganha perspectivas acadêmicas. A possibilidade de uma pesquisa que problematizasse essa relação torna-se uma evidência. A falta de estudos do objeto em questão e a pouca referência bibliográfica na língua portuguesa se transformou em mais um estímulo. Além disso, em uma época onde as experimentações cênicas com suporte audiovisual são cada vez mais comuns na cena contemporânea, nota-se na grade curricular das Universidades de Santa Catarina36 ( curso de artes cênicas) a falta de disciplinas específicas que

preparem o ator para trabalhar com a câmera, embora muitas vezes apareçam no currículo como disciplinas optativas.

Esses três fatores associados ao histórico relatado são as razões que fundamentam a existência desta pesquisa. O presente estudo está dividido em três capítulos, a saber: (1) Da ausência se faz presença, (2) A tela na cena, a cena na tela, (3) Uma experiência audiovisual com a Cia Pã de Teatro - cada capítulo deve ser entendido como um fotograma, fragmentos independentes que se justificam em suas conexões.

36 As universidades que cito acima são: a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a

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1. DA AUSÊNCIA SE FAZ PRESENÇA

1.1 FENOMENOLOGIA DA PRESENÇA CÊNICA

“...ser ator não é gostar de aparecer, é gostar

muito de desaparecer.”

Valére Novarina

Ao escolher fazer uma reflexão sobre o que caracterizo como ‘fenomenologia da presença cênica’ problematizarei a concepção de presença através da fenomenologia – embasado nos estudos do filósofo Martin Heidegger (1889-1976) 37 sobre a pre-sença

[sic] – em diálogo com os relatos dos atores Ryszard Cieslak (1937-1990) e Yoshi Oida(1933-) com o intuito de refletir sobre a presença cênica em si e outras categorias de presença como: a tele/presença e a co/presença, escopo deste trabalho de pesquisa. Contudo, não cabe aqui desenvolver um “tratado filosófico” sobre os conceitos de presença apontados por Heidegger. Utilizo esses conceitos de forma introdutória para criar conexões entre a efemeridade da existência humana e sua representação no fenômeno cênico.

Entendo como presença cênica38 a relação de integridade39 que um ator/atriz estabelece com o espaço cênico ainda que ele aconteça através de um elemento

37 Filósofo alemão polêmico por seu envolvimento e apoio ao regime nazista. Assumiu como Reitor da Universidade Freiburg, no ano de 1933 (se demitiu 10 meses depois), com intuito de participar da renovação da cultura alemã o que acabou sendo um grande equívoco. Voltou à cena acadêmica nos idos de 1950 e morre em 26 de maio de 1976. Seus estudos, sobretudo no campo da fenomenologia e da ontologia são de grande relevância para o cenário filosófico mundial. Embasado nas informações

retiradas do site

http://www.webartigos.com/articles/25893/1/HEIDEGGER-E-O-NAZISMO-verdades-e-equivocos/pagina1.html, dia 10 de março de 2011, às 16h34min.

38 Segundo Gérard-Dennis Farcy a utilização do termo presença, entendido com presença cênica é

relacionado de forma definitiva, ao ator de teatro, assim como o de cinema, um pouco antes de 1950.Ainda que se tenha notícias da utilização do termo por Sartre, relacionando tal termo com seus personagens(1938/1940); o crítico Francis Ambrière também utiliza o termo em seus artigos entre os anos de 1945 e 1948.(2001,p.14)

39 A palavra integridade é usada aqui no sentido de inteireza, ou seja, daquele, que está pleno para se

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mediador, a câmera40, e as possibilidades de interpretação e afetação que este ser/observado é ou será submetido aos olhos do ser/observador. A compreensão de integridade, por sua vez, está diretamente ligada à admissão da vulnerabilidade humana que se põe evidente durante o fenômeno cênico, ou seja, estar presente é admitir as fragilidades de “ser humano”, ou ainda assumir o risco eminente da morte, latente à condição humana.

Diante disso, Enaudeau (1998, p.39) aponta: “a questão é saber que tipo de morte atingirá o ator para mantê-lo vivo, presente. Podemos dizer que é o sentimento da efemeridade41”. Portanto, a presença cênica se configura como um brevíssimo

momento de incandescência, ela é justamente a duração do acontecimento (ENAUDEAU, 1998, p.39). Nesse mesmo sentido, Michel Bouquet (1925-)42 afirma: “todos os outros homens vivem como se nunca fossem morrer. O ator, em sua solidão, sabe que é mortal - razão pela qual os outros vivem e o ator atua (BOUQUET, 1997, apud ENAUDEAU, 1998, p.39)43.”

Para ilustrar essa reflexão, o ator polonês Ryszard Cieslak (1937-1990), que trabalhou com o diretor também polonês Jerzy Grotowski (1933 -1999), em entrevista ao diretor americano Richard Schechner (1934-) nos relata de forma bastante coerente a angústia da busca dessa integridade, ou seja, de que forma ele se esvazia a cada noite para aceitar o fenômeno cênico de simplesmente estar presente:

a partitura é como um recipiente de vidro com uma vela acesa dentro. O vidro é sólido, está ali, tu podes confiar nele. Ele contém e guia a chama. Ele não é a chama em si. A chama é meu processo interior, cada noite. A chama é o que ilumina a partitura, aquilo que o espectador ver através da partitura. A chama é viva! Da mesma forma que a chama varia seus movimentos dentro do recipiente de vidro, aumentando, baixando, quase apagando, brilhando com força, reagindo a cada sopro de vento, minha vida interior varia cada noite a cada instante... Cada noite eu começo sem antecipar nada. É a coisa mais difícil de aprender. Eu não me preparo para provar alguma coisa. Eu não digo pra

40 Mesmo sabendo da existência do termo câmara para designar o aparelho óptico, que serve para captar

raios luminosos e transformar em imagem, optamos por utilizar a palavra câmera ( aceita em alguns dicionários) por ser a forma como é utilizada popularmente no meio audiovisual.

41 Tradução livre minha do original em francês: “La question est de savoir quelle est cette mort que doit

toucher l’acteur pour être vivant, Présent. On peut dire que c’est le sentiment de l´èphémere.”

42 Ator francês. Foi meu professor no Conservatório Nacional Superior de Artes Dramáticas, em Paris 1986/1987.

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mim: ‘ A ultima vez, esta cena estava extraordinária, da próxima vez vou tentar

refazê-la.’ Eu quero simplesmente estar preparado para o que possa

acontecer. Sinto-me seguro do que possa acontecer, se estou seguro de minha partitura, mesmo que não sinta quase nada, sei que o recipiente de vidro não vai quebrar e que a estrutura objetiva, trabalhada durante meses, me ajudará. Então, quando aparece o momento onde posso incendiar-me, aparecer, revelar-me com total profundidade, estou pronto porque não criei nenhuma expectativa antes de entrar em cena. A partitura continua a mesma, mas cada coisa é diferente, porque estou diferente cada noite (TAVIANI, 1992, p.50-51, grifos meus). 44

Ao nos compartilhar sua intimidade para criação de uma integridade que se abre a partir do encontro com aquele que vai vê-lo, o ator Cieslak talvez queira nos dizer, ou melhor, nos demonstrar que para estar presente cenicamente devemos assumir nossa condição paradoxal de ser no “todo” e ser “único”. Para enfatizar essa contradição Heidegger, em o “Ser e tempo”, propõe uma análise preparatória de pre-sença, afirmando que

a presença se constitui pelo caráter de ser minha, segundo este ou aquele modo de ser. De alguma maneira, sempre já se decidiu de que modo a pre-sença é sempre minha. O ente, em cujo ser, isto é, sendo, está em jogo o próprio ser, relaciona-se e comporta-se com o seu ser, como sua possibilidade mais própria. A pre-sença é sempre sua possibilidade. Ela não ‘tem’ a possibilidade apenas como uma propriedade simplesmente dada. E é porque a

pre-sença é sempre essencialmente sua possibilidade que ela pode, em seu

ser, isto é, sendo, ‘escolher-se’, se ou perder-se ou ainda nunca ganhar-se ou só ganhar-ganhar-se ‘aparentemente’ (Heidegger, 2005, p.78, grifo do autor).

Heidegger nos mostra que o jogo, no qual se encontra Cieslak , é visto como um campo de objeção entre “ser” (marcado em sua temporalidade) e o “ente”(aquilo que é, pre-sentificar45), ou ainda, entre estar habitado por um vazio que servirá como uma

44 Tradução livre minha do original em francês: “La partition est comme um vase em verre qui contient

une bougie allumée.Le verre est solide, Il est lá, tu peux compter sur lui.il contient et guide la flamme.Mais Il n’est pas la flamme.la flamme est mon processus intérieur, chaque soir. La flamme est ce éclaire la partition, ce que le spectateur voit à travers la partition.La flame est vivante.De même que la flamme qui bouge derrière le verre fluctue,grandit, baise, va s’étendre,soudain brillhe avec froce, réagit á chaque souffle du vent, de même ma vie intérieur varie de soir em soir, d’instant em instant...chaque soir je commence sans rien anteciper.C’est la chose la plus difficile à apprendre.Je ne prepare pas à prouver quoi que ce soi. Je ne me dis pas: “ La derniére fois, cette scéne etait extraordinaire, j”essaierai de la refaire”. Je veux seulement être prêt pour ce qui pourra arriver. Et jê me sens prêt à saisir ce qui pourra arriver si je me sens sur dans ma parttition, si je sais que, même quand je ne sens presque rien, le verre ne se cassera pas, que la structure objective, travaillé pendant des móis, m’aidera. Mais quand vient le moment ou je peux brûler, luire, vivre, révéler, alors jê suis prêt car je n’ai pas anticipé. La partition reste la même, mais chaque chose est différent, car je suis différent.”

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forma de alimentar a integridade e suas possibilidades estabelecidas pela partitura (in)aparente na construção da presença cênica. O entendimento dos conceitos “ser” e “ente” - dentro dessa reflexão sobre presença cênica – atêm-se ao fato fenomenológico proposto por Heidegger de que o “ser enquanto presença é determinado pelo tempo”46

(1989, p.206). Consequentemente, a apropriação do tempo feita pelo ator Cieslak, caracteriza-se no aqui e agora do jogo cênico em relação ao mundo e experimentado em sua intimidade na passagem do tempo, no pacto de morte compartilhado com os espectadores47, justificado pelo ser-aí - conceito que veremos em seguida. Pelo que

precede, vemos que o ator se apropria da presença cênica como uma possibilidade efêmera e inerente ao fenômeno cênico que se dá no encontro com o imprevisível e na construção de uma relação com a alteridade.

Vejamos agora a questão relativa ao conceito de Dasein. É importante salientar que tal conceito possui grande complexidade filosófica, portanto, será abordado de maneira a facilitar a conexão entre o leitor desta dissertação e o universo filosófico proposto por Heidegger, tendo como objetivo fundamental a analogia entre o pensamento heideggeriano e a experiência cênica do ator – com ênfase na presença cênica.

O conceito de Dasein, traduzido por "ser-aí", é cerne dessa ligação entre pensamento filosófico e fenômeno cênico, representado aqui pela presença cênica. Conta-nos Michael Inwood48 para nos explicar etimologicamente a palavra Da-Sein:

Mark Twain queixou-se do fato de que certas palavras alemãs parecem significar tudo. Uma destas palavras é da. Ela significa “lá”( “lá vão eles”) e “aí”

(aí vêm eles”), assim como “então’,”desde” etc. Como prefixo do sein, “ser”, ele

forma dasein “ ser aí, presente, disponível, existir”. No século XVII, o infinitivo

era substantivo como (das) Dasein,originalmente no sentido de presença (2002,

p.29).

Assim, percebe-se que Dasein é compreendido como pre-sença, nas palavras do autor

[...] pre-sença não é sinônimo nem de homem, nem de ser humano, nem de

46 Tal declaração foi feita em um conferência “Tempo e Ser” em 31 de janeiro de 1962, no Studium Génerale da Universidade de Freiburg im Breisgau.(Heidegger,1989,p.203).

47 Uso aqui espectador para fazer referência a recepção (plateia). Em alguns momentos oscilo o termo

para tele/espectador, ou seja, aquele que vê o ator e/ou sua imagem em tela.

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humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de homem, ser humano e humanidade. É na presença que o homem constrói o seu modo de ser, a sua existência, a sua história (HEIDEGGER, 2005, p.309).

Dessa maneira, resgato o relato do ator Cieslak, ao afirmar que está diferente a cada noite, porque cada coisa é diferente a cada momento, enfim, na denominação de Heidegger, esse ator se perceber como um ser-no-mundo49. Não seria através dessa consciência ontológica em sua plenitude, que se instaura, no ator, um estado afetivo e comunicativo que transita entre a pre-sença (Dasein) apontada por Heidegger e a presença cênica? Nesse sentido, só o homem, nos afirma ainda Martín Heidegger, é capaz de "ser-aí", só o homem se assume de forma clarividente como um ser que acontece com o tempo.

Portanto, deduzo que é nesse estado de presença cênica onde o ator descobre a sua “mundanidade”50 que surge, então, o espaço para uma relação hermenêutica entre aquele que é observado e seu(s) observador(es), isto é, um canal sensório-afetivo51 que transita de forma paradoxal entre a ausência e a presença como será

demonstrada no subcapítulo seguinte, através de outro ator/exemplo, o japonês Yoshi Oida52.

1.2 A IMPORTÂNCIA DA AUSÊNCIA NA PRESENÇA

Certa vez percebi a forma como os atores/alunos, de uma escola de teatro espanhola, onde eu lecionava, jogavam, o que denominei de “escondite”53 durante a

49 Heidegger faz uma análise sobre o ser-no-mundo valorizando o espaço circundante e a espacialidade

da presença no intuito de conceber este ser-no-espaço. E diz: “Enquanto ser-no-mundo, a pre-sença já descobriu a cada passo um “mundo”(HEIDEGGER,2005,p.159)

50 Conceito aqui interpretado por mim como a percepção do homem em relação à imensidão do universo

e a efemeridade de sua condição como ser humano.

51 É importante salientar que ao fazer tal dedução, trabalho com a hipótese da abertura de canais sensoriais e perceptivos que se instauram durante o fenômeno cênico.

52 Ator japonês que junto com o diretor Peter Brook foi um dos fundadores do Centro Internacional de Pesquisa Teatral no ano de 1970, com sede em Paris.

53 Utilizei esse termo da língua espanhola para denominar uma forma específica de atuação. Nessa forma os atores simulam revelar sua intimidade emocional, mas não atingem uma coerência consigo

mesmo capaz de se tornarem críveis. A palavra escondite foi livremente interpretada por mim, na época,

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apresentação de suas cenas para uma avaliação. O que mais me chamava atenção era o fato de que por trás desse jogo de esconde-esconde eles queriam aparecer, ter presença em cena. Todas as ações, ou sua maioria, tinham como objetivo “cativar” a atenção do público, ou seja, como diria Pavis (2002, p.270) provocar “uma identificação imediata” 54 no espectador. Esses jovens atores/atrizes “suavam suas camisas” sem perceberem, no entanto, a importância da sensação da ausência para a construção da presença cênica.

Eles, esses atores aprendizes, estavam plenos de informação, mas vazios do entendimento sobre integridade cênica - questão problematizada nesta pesquisa. “Vomitavam apaixonadamente”: gestos, palavras, sons, experiências pessoais etc., entretanto não se ouviam, não abriam e nem tinham aberto um espaço para o: devir55. Desfilavam seu virtuosismo sem permitirem que se instaurasse um espaço/ tempo no qual eles pudessem degustá-los, mas como se tornar “íntegro” nessa relação espaço/tempo? Jacques Copeau nos responderia que “[...] para entregar-se se faz necessário ser dono de si mesmo” (COPEAU apud VILLIERS 1959, p.20.). Durante o tempo que estive - como professor dessa escola - observei, outras vezes, esse mesmo tipo de postura em algumas apresentações de esquetes ou mesmo peças que tinham como objetivo encerrar o período letivo. Dentro desse panorama, surgiram algumas reflexões que me levaram a desenvolver uma pesquisa sobre os fundamentos da presença cênica.

Em minhas peregrinações, digo, em conversas com livros, pesquisadores, diretores, críticos e atores descubro que a expressão presença cênica que se incorpora de forma definitiva no início de 1950 ao vocabulário dos atores, diretores, cineastas, críticos e pesquisadores das artes cênicas adquiria pseudônimos, “apelidos”, dependo a

para simularem um estado de presença cênica. No Brasil, assim como na Espanha o termo escondite é

relacionada ao jogo infantil onde jogamos nos esconder do outro (esconde-esconde).

54 Insisto no fato de que a presença cênica problematizada aqui transita em níveis sensório-afetivos que

estão além da “simples” identificação entre ator/personagem e espectador. Desse modo, entendo que tal definição vai de encontro ao conceito de “identificação imediata” ou “imposta pelo ator ao público”, apresenta por Patrice Pavis (2002, p.270), no “Dicionário do teatro”. A meu ver tal conceituação torna-se limitada, ou melhor, anacrônica quando transitamos por outras categorias de presença cênica, existentes na cena contemporânea como: a tele/presença e/ou a co-presença – questão abordada no Capítulo 2 (A tela na cena, a cena na tela).

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época. Para Gerard- Dennis Farcy (2001, p.17) “[...] cada forma de teatro repudia a concepção de presença anterior [...]”. Ao (re)inventarem outras formas de presença, ou melhor, ao tentarem entender de que forma um humano (ser-aí) é capaz de transformar-se em uma flor incandescente56 (como nos ensina Zeami57) não estariam esses “personagens da cena universal”, buscando se interrogar sobre o único fato inerente a condição humana: a morte ou rito de passagem? Ou seja, como aceitar a fragilidade do homem em relação ao tempo?

Talvez nessas perguntas estejam “penduradas” as repostas para minhas observações em relação aos jovens atores da escola espanhola onde fui professor. Talvez eles, os alunos, com uma vontade egoísta em aparecer, ou melhor, de criarem, o que eu denominaria de “uma ilusão de presença” tenham esquecido, simplesmente, de ausentar-se, isto é, de aceitar a fragilidade humana do encontro. Não seria esse o fundamento principal para que os espectadores pudessem descobrir o prazer do encontro e quiçá da presença cênica?

O ator Cieslak nos explica que Grotowski, o preparou para cena e para a vida ao abri-lo “lentamente como se abre uma ostra” (1992, p.124) levando-o ao encontro de sua plenitude. Eugenio Barba58 nos ilustra tal fato, quando comenta seu encontro com

Cieslak depois de alguns anos:

Quando deixei o Teatro de Grotowski, Ryszard Cieslak já era um bom ator, no entanto se o via racional. Era como se um grande cérebro envolvesse esse corpo cheio de vida e o achatasse para limitar a manifestação da vida. Eu o reencontrei dois anos depois, quando esteve em Oslo para apresentar o espetáculo: Prince constant [sic].

Desde o início, nos primeiros segundos do espetáculo, era como se todas as minhas recordações e as bases que elas se apoiavam, caíssem sob meus pés,

56 Zeami em seus tratados milenares para formação do ator utiliza uma flor como metáfora para a

compreensão de presença. As 3 fases da flor são: hana: a beleza visível, yûgen: a beleza

invisível(secreta) e rôjarku: a beleza da maturidade (GODEL, 2004, p.118).

57 Grande mestre do Teatro Nô japonês , deixou escrito alguns tratados para formação do ator, baseado

na arte milenar do Teatro Nô.

58 Diretor de teatro, italiano, que conviveu com Cieslak durante sua estadia, na Polônia, com o

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eu via um outro ser, eu via um homem que havia encontrado sua plenitude, seu

destino, enfim, sua vulnerabilidade59 (BARBA apud TAVIANI,1992,p.46).

A construção desse lugar se faz de forma diferente para cada um de nós “[...] para Stanislavski a grande arte começa precisamente quando o ator se torna capaz ‘de se desfazer de noventa e cinco por cento dele mesmo’“60 - nos menciona Farcy (2001, p.29).

Seria interessante refletir sobre a dualidade entre o interior e o exterior do corpo, enfim, de ficar atento ao processo orgânico do diálogo entre os espaços de dentro e de fora do ator61, que se encontra separado pela “casca-pele” que deve ser “aberta” e/ou “rasgada” como nos exemplificou Cieslak. Trata-se, aqui, de perceber que ao elaborar “estratégias expressivas” que revelam “verdades” em prol de uma suposta “presença” - como fazem os jovens alunos citados acima - são escondidos sentimentos, possibilidades sensoriais e perceptivas, em suma, corta-se de forma abrupta o fluxo de um diálogo que deveria surgir de um “lugar-vazio”, um local secreto onde habita a morte, a condição absoluta de reconhecimento da ausência para o ser humano. Não seria esse o instante, misterioso para muitos, que necessita a presença cênica para aparecer?

Portanto, por mais que nos pareça paradoxal, não podemos pensar presença sem a noção equacional da ausência. Valére Novarina (1942-) ao dar voz ao ator Louis de Funés diz: “O verdadeiro ator que atua aspira ao nada com tanta violência quanto não estar ali” (NOVARINA, 1999,p.30). Nesse sentido Valére Novarina parece ecoar as palavras do ator, japonês Yoshi Oida que no livro “Um Ator Errante”, apresenta exemplos que me parecem de grande relevância para uma reflexão pragmática sobre o processo desencadeador de possíveis estados sensoriais que propiciam uma

59 Tradução livre minha do original: Quand j’ai quitté le théãtre de Grotowski, Ryszard Cieslak était dejà

un bon acteur, mais qui se voulait intelectuel. C’etait comme si um grand cerveau enveloppait ce corps plein de vie,l’aplatissait,en limitait la vie. Je l’ai revu deux ans après,quand il est venu à Oslo et a presente le Prince constant(sic).Dès le début,dès premières secondes du spetacle,ce fut comme si tous mês souvenirs,les catégories sur lesquelles jê m’appuyais, se dérobaient sous mes pieds, et je vis un autre être,je vis l’homme que avait trouve sait plenitude,sa destine, sa vulnérabilidade.

60 Tradução livre minha do original:[...] pour Stanislavski, le grand art commence prècisement quand l’acteur devint capable “ de se défaire quatre-vingt-quinze pour cent de lui même”.

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atmosfera “fértil” para a aparição62 da presença cênica. Para demonstrar a complexidade desse fenômeno cênico, Oida utiliza-se das palavras do Mestre Tenshin Okakura63:

a vacuidade é toda poderosa porque ela pode conter tudo. Somente no vazio o movimento torna-se possível. [...] Todo ser capaz de fazer de si mesmo um vazio onde os outros possam livremente penetrar, pode transformar-se no mestre de todas as situações. (OKAKURA apud OIDA, 1999, p.52).

Vejo nessas palavras, do mestre japonês, apresentado por Oida, uma relação direta com o que nos afirma Cieslak sobre a necessidade de está aberto para o jogo, para a situação que se apresenta no encontro com os espectadores. Por isso, qualquer possibilidade de certeza transforma-se em probabilidade. A vacuidade se reforça nas conexões sensoriais entre aquele que vê e aquele que se dar a ver. Notemos, então, o que nos afirma o ator japonês na continuidade: “Para chegar a fazer com que aconteça essa ligação invisível entre os homens, o teatro revela-se precioso, exatamente como a comunicação irracional [...]” (OIDA,1999,p.142) e complementa:

a verdadeira comunicação entre os homens não se dá somente pelo contato físico ou através das palavras. Ela vem de um nível mais profundo, e poderíamos descrevê-la como o encontro entre duas almas (OIDA,1999,p.142).

As declarações de Yoshi Oida, a meu ver, conectam-se com as de Ryszard Cieslak , embora esses dois atores sejam de culturas diferentes (um japonês e o outro polonês) e possuam formações técnicas diferentes. Compreendo que tanto Cieslak quanto Oida traçam descobertas importantes que revelam princípios básicos para supostas noções fundamentais de presença cênica.

Ressalto ainda, que tais relatos fazem parte da história de vida desses atores e de seu métier64, em suma, eles experimentaram essas percepções, essas sensações através do corpo, ou melhor, no seu próprio corpo. Vejamos o que nos diz Oida sobre tais percepções:

62 O termo aparição é aqui utilizado de forma proposital por trazer em seu peso semântico: o caráter divino, de aparecimento repentino, de visão etc.

63 Mestre Japonês que escreveu: O livro do chá, 120 anos atrás quando saiu do Japão para visitar a Europa, onde acabou morrendo.

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[...] o ator consegue estabelecer um fio invisível entre seu próprio sentido do sagrado e o do público. E é preciso, ao mesmo tempo, que o ator consiga, trabalhando nesse nível, interligar cada um de seus espectadores (OIDA, 1999, 121).

Para ilustrar as percepções acima faço aqui uso das palavras de Sandra Meyer Nunes, que tendo como suporte teórico as ciências cognitivas diz:

enquanto o ator age, outras informações, em tempo presente, atravessam o corpo proveniente dele mesmo, das relações com seu partner, o ambiente, e das conexões que o agente ( ou ator) busca estabelecer a partir de dados e

objetivos traçados a priori. Das relações entre essas variáveis emerge a

percepção e ação (entendidas como operações cognitivas do homem em sua relação com o meio), que passam a ser entendidas como processos vivos em constante elaboração e não o resultado causal final destes acordos. [...] O processo cognitivo pressupõe estabilidade, mas, a cada informação que adentra o organismo ,o estado corporal se modifica. Devido a sua natureza co-evolutiva, corpo e ambiente articulam o pré-existente e o adquirido em tempo presente (NUNES, 2009, p.154, grifos da autora).

Diante disso, recordo daqueles alunos/atores citados no início do presente subcapítulo. A postura deles, como foi descrita em parágrafos anteriores, não trazia a generosidade que constato na declaração de Oida e que me parece de fundamental importância para a abertura desse processo cognitivo, ou como descreve Nunes, desse campo vivo de comunicação.

Para concluir voltemos, para Heidegger, o qual a meu ver complementa - por meio do pensamento fenomenológico - a evidência de que a todo instante estamos “carregando”, a ontológica sombra da hermenêutica65, nas palavras do autor supracitado “a fenomenologia da pre-sença é hermenêutica, no sentido originário da palavra em que se designa o ofício de interpretar” (HEIDEGGER, 2005, p.68). Pelo que precede vemos que “o espaço das possibilidades”, o campo interativo, dos alunos/atores, tornou-se restrito, “falho”; pela falta de generosidade consigo mesmos e consequentemente com o público. Isto nos leva a deduzir que os canais sensoriais não foram valorizados como um campo de comunicação, que ultrapassa a fronteira da racionalidade.

65 Hermeneuein é a palavra grega para “interpretar”; e hermeneia corresponde interpretação. Heidegger

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A abordagem que fiz até agora teve como objetivo ilustrar o sentido de presença cênica, mesmo sabendo do perigo e da fragilidade de qualquer tentativa de definição de um conceito que oscila entre a complexidade da própria existência humana e a manifestação de supostos fenômenos sobre/naturais de aparição66 - o que durante anos

tem acompanhado o “mistério” da presença em cena67. Diante disso, estabeleci conexões entre a práxis (ilustrada pelos relatos de dois atores emblemáticos Yoshi Oida e Ryszard Cieslak), minha experiência com jovens atores na Espanha e o pensamento filosófico proposto por Martín Heidegger. O intuito é abrir espaço para uma reflexão, a posteriori, onde outras categorias de presença - que envolva a câmera como elemento mediador da presença em cena - possam também ser discutidas. Meu foco é o ator e sua percepção do estado de presença, independente do espaço ou do meio utilizado para execução desse exercício existencial.

Nesse sentido transito entre o teatro e o audiovisual e busco as possíveis relações entre as expressões francesas: brûller les planches (“incendiar o palco”) e

crever l’écran (“furar a tela”) que tentam constatar fenômeno da presença cênica no teatro e no audiovisual. Na tentativa de construir uma conexão entre essas duas linguagens - que pode encontrar-se na manifestação daquilo que problematizo como presença cênica - utilizo as palavras de Renato Ferracini ao citar Peter Pal Pelbart:

[...] somos um grau de potência, definido pelo poder de afetar e ser afetado. Mas jamais sabemos de antemão qual é nossa potência. É sempre uma questão de experimentação. Não sabemos ainda o que pode o corpo, diz Espinosa, só descobrimos no decorrer da existência. Ao sabor dos encontros (PELBART apud FERRACINI, Urdimento, n.13, p.123).

É nessa relação entre ser afetado e afetar que o ator experimenta sua presença em cena, a meu ver, a compreensão dessa tensão - tanto no teatro como no audiovisual – são de grande relevância para a existência do que traduzo nessa pesquisa como uma presença cênica. Entretanto, saliento que essa relação quando mediada pela câmera, pode ser vista como uma invasão microscópica que evidencia os pequenos detalhes

66 Para os ciganos espanhóis ter presença cênica é estar com o “duende”. A expressão” tener el duende

é corriqueira nas rodas ciganas de dança, canto e música. Pude conviver em algumas delas durante minha estadia na Espanha.Utilizei e utilizo tal expressão algumas vezes quando estou dirigindo espetáculos.

67 Para Charles Dullin a presença é um “fantasma” misterioso que o visita de vez em quando

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comportamentais e físicos do ator.

Dessa maneira, levanto algumas questões como: Quais fatores influenciam o estado de presença cênica, sabendo que, o ator terá que encaixar seu corpo em um quadro determinado pela câmera? Como construir uma relação orgânica entre o todo e o fragmento? Antes de ampliarmos essa discussão, faz-se necessário dissertar sobre a funcionalidade da câmera como instrumento de dilatação e fragmentação do corpo do ator – assunto a ser discutido, em sequência, no subcapítulo: “O olho voraz da câmera”.

1.3 O OLHO VORAZ DA CÂMERA

“No cinema, posso ver tudo de perto, e bem visto, ampliado na tela, de modo a surpreender detalhes no fluxo do acontecimento dos gestos.”

Ismail Xavier

1.3.1 Tomada um: um jogo entre o ator, o olho mecânico e o tele/espectador

O corpo que se encontra na frente da câmera é enquadrado, colocado dentro do “olho mecânico”, está delimitado de forma explícita pela relação dialética entre a presença e ausência. Aquilo que é visto na tela é diretamente conduzido pelo olhar selecionador de quem está atrás da câmera, ou seja, a intencionalidade do recorte é uma evidência. É nessa perspectiva que Jacques Aumont afirma “o cinema é ‘uma máquina simbólica de produzir ponto de vista’” (AUMONT apud MARTINS, 2010, p.227). Portanto, uma experiência audiovisual pode produzir possibilidades que impulsionam um jogo entre presença e ausência, identificação e distância, aqui e lá. Segundo Arlindo Machado, a arte cinematográfica tem como objetivo principal “produzir um efeito de continuidade sobre uma sequência de imagens descontínuas” (MACHADO, 2008, p.22), consequentemente cada indivíduo estabelece com as imagens uma espécie de conversação, de experiência singular e subjetiva.

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fundamentais para gerar uma relação de afeto no encontro do tele/espectador com a tela. É pertinente pensar sobre as condições relacionadas ao encaixe desse corpo no quadro determinado pelo “buraco infinito” dessa máquina de imagens. Deve-se lembrar de que inicialmente o corpo do ator está fragmentado, dilatado, (re)cortado pelo olho mecânico da câmera. Além disso, é importante problematizar a “superação” da artificialidade tecnológica para a impressão das emoções do ator na tela. A natureza invasora desse olho mecânico mede o grau de intimidade entre o corpo do indivíduo exposto e o olhar do indivíduo que descobre esse corpo. Assim, por meio da “máquina de imagem” inicia-se um jogo entre: alguém que recorta o que deve ser visto desse corpo, o corpo que é visto e o corpo daquele que vê o que foi determinado para ser visto. A meu ver, o estado de presença (tele/presença) do ator plasmado na tela, está diretamente relacionado com o “esquartejamento” de seu corpo feito pela câmera e a forma como ele se deixa revelar. Segundo Sophie Lucet (2001, p.92) “a presença é, então, primeiramente, uma luta contra a fixação de formas pré-estabelecidas, um ato de resistência em favor do processo vital que está por trás da forma” 68. É nesse conflito, entre estar dentro de uma moldura e manter a vitalidade, que se encontra o ator dentro do enquadramento.

Ao considerar tal fato, qual seria o grau de consciência que tem o ator sobre a existência do “olho mecânico” e a maneira pela qual essa máquina de imagens “scaneia” o seu corpo? Seus gestos, seus comportamentos, enfim, seus movimentos nos mínimos detalhes acusam suas fragilidades. Sua intimidade é revelada dando visibilidade no que existe de mais frágil na condição humana: o medo da sua própria imagem – e isso configura, a meu ver, um estado de tele/presença. A humanização da imagem representada na tela e associada à descoberta das fragilidades do tele/espectador em outro ser humano (ator/atriz), implica no reconhecimento de um canal perceptivo e sensorial – o que por sua vez “consagra” a existência da tele/presença.

Nesse sentido, Vincent Amiel (2001, p.263) afirma: “a presença é então esta realidade que, apesar de tudo, que apesar das necessidades do papel, é transparente como a

68 Tradução livre minha do original em francês: “La présence est donc d’abord une lutte contre la fixation

Imagem

Figura 3: Os diretores Lau Santos  e  Karlo Kardozo.

Referências

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