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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Fábio Jammal Makhoul

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fábio Jammal Makhoul

A cobertura da revista

Veja

no primeiro mandato do presidente Lula

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais (Política) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Vera Lúcia Michalany Chaia

(2)

Banca Examinadora

_________________________________________

_________________________________________

(3)
(4)

AGRADECIMENTOS

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RESUMO

Esta dissertação tem como objeto de estudo a cobertura da revista Veja sobre os escândalos do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de janeiro de 2003 a

dezembro de 2006. A maior revista semanal de informação do país foi um dos veículos de

comunicação mais criticados por vários setores da sociedade por sua cobertura nos episódios

que envolveram o governo Lula e o PT. Este trabalho tem o objetivo de verificar se o semanário

foi tendencioso e que imagem passou dos petistas no noticiário que cobriu os escândalos

políticos do governo.

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ABSTRACT

This dissertation aims the study the cover of the Veja magazine about the scandals of the

first term of president Luiz Inácio Lula da Silva January 2003 to December 2006. The largest

weekly magazine's information country was one of the vehicles of the most criticized by various

sectors of society by its coverage in the episodes involving the PT and the Lula government.

This work has order to verify that the weekly was biased and that image of the PT became No

news covering the political scandals of the government.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1 AFINAL, O QUE É ESCÂNDALO? ...10

2 ESTRUTURA DO TRABALHO...14

CAPÍTULO 1 - O DISCURSO POLÍTICO DAS CAPAS...18

1.1 VEJA ANTI-LULA...21

1.2 LULA PRESIDENTE...26

1.3 COMEÇA A COBRANÇA...31

1.4 O PT E SUA IRRESPONSABILIDADE...35

1.5 COMEÇAM OS ESCÂNDALOS...38

1.6 O PT STALINISTA...42

1.7 GOVERNO APARECE MAL EM METADE DAS CAPAS DE 2005...44

1.8 COMEÇA O “MENSALÃO”...47

1.9 EM ANO ELEITORAL, GOVERNO APARECE MAL EM 15 CAPAS...57

1.10 A ESTRATÉGIA DE VEJA...66

1.11 O QUE DIZ A JUSTIÇA...71

CAPÍTULO 2 - TUDO COMEÇOU EM 2004...73

2.1 MAIS ESCÂNDALOS EM 2004; É ANO ELEITORAL...88

CAPÍTULO 3 - 2005, O ANO EM QUE O GOVERNO QUASE CAIU...94

3.1 QUANDO A SUSPEITA VIRA ESCÂNDALO...99

3.2 A CRISE DO "MENSALÃO" E A POSSIBILIDADE DE IMPEACHMENT...104

3.3 E O BRASIL CONHECE O "MENSALÃO"...109

3.4 COMO VEJA TENTOU DERRUBAR O GOVERNO...110

... 3.5 PERTO DO FIM...132

3.6 AS IRONIAS DO ENUNCIADOR...140

CAPÍTULO 4 - MAIS ESCÂNDALOS EM 2006, É O ANO DA REELEIÇÃO...143

4.1 MANTENDO O “MENSALÃO” NA PAUTA...148

4.2 O PT e o PSDB ...155

4.3 A QUEDA DE PALLOCCI...158

4.4 LULA, O CHEFE DA QUADRILHA...164

4.5 JORNALISMO DE ILAÇÕES...172

4.6 MAIS ATAQUES A QUATRO MESES DA ELEIÇÃO...177

4.7 PRECONCEITOS PARA JUSTIFICAR A VITÓRIA DE LULA...180

4.8 A GRANDE CHANCE DE IMPEDIR A REELEIÇÃO...182

4.9 SEGUNDO TURNO E A CAMPANHA PARA ALCKMIN...188

4.10 REELEITO, APESAR DO MANDATO PÍFIO...194

CONSIDERAÇÕES FINAIS...198

O OUTRO LADO...202

PARCIALIDADE...204

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INTRODUÇÃO

Era quase meio-dia de quinta-feira, 11 de agosto de 2005, quando o publicitário Duda Mendonça entrou de surpresa no plenário da Câmara dos Deputados. Com o recinto lotado por políticos, assessores e jornalistas, o marqueteiro falou por mais de dez horas. Chorou e confessou ter recebido, em paraísos fiscais, dinheiro de caixa dois do Partido dos Trabalhadores (PT), na campanha que elegeu o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República quase três anos antes.

O depoimento espontâneo do marqueteiro de Lula para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, que investigava escândalos do governo, parou o Brasil. Com cobertura ao vivo da mídia, os eleitores assistiram ao pior dia do primeiro mandato de Lula. No plenário da Câmara, parlamentares do PT choravam, decepcionados, enquanto a oposição aumentava o tom e falava na possibilidade cada vez mais próxima de impeachment do presidente.

Aquele 11 de agosto de 2005 era o ápice da pior crise política vivida pela democracia brasileira desde a queda do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Quando a noite chegou, Lula parecia ter o mesmo destino. Com a base aliada em frangalhos e a queda dos principais nomes do primeiro escalão do governo, o PT enfrentou dias difíceis. Desde que completaram um ano no Planalto, Lula e seu partido foram alvos constantes de denúncias de corrupção e estiveram envolvidos numa série de escândalos que assolou o país em seu primeiro mandato.

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abateram sobre o Planalto neste período, o Partido dos Trabalhadores se notabilizou por uma aguerrida postura ética, construindo, assim, a imagem de ser uma agremiação diferente, que trata a coisa pública com moralidade.

Eleito com 52,8 milhões de votos em outubro de 2002, Lula e seu governo não conseguiram manter empunhados a bandeira da ética, reputação construída ao longo de duas décadas. Com denúncias que tiveram origem desde a oposição até a base aliada, sobraram escândalos – que foram amplificados pela imprensa com força jamais vista nos dois governos anteriores do sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 1995 a 2002.

A mídia – objeto de estudo deste trabalho – jamais teve no Brasil sua atuação tão questionada por diversos setores da sociedade quanto no mandato de Lula. A revista Veja esteve entre os protagonistas dos escândalos do primeiro governo do PT. Suas reportagens serviram tanto para iniciar um escândalo como para mantê-lo na pauta da mídia. Este trabalho tem o objetivo de estudar como um dos principais veículos de comunicação do país cobriu os escândalos do primeiro governo Lula.

Veja é a principal revista semanal do Brasil, líder de circulação com tiragem superior a 1,2 milhão de exemplares, uma das maiores do mundo. Como produtora de informação, um veículo como a Veja constitui uma das principais fontes geradoras de sistemas de representação da realidade, utilizados, segundo Vera Chaia (1997), para compreender a sociedade, acionar diferentes formas de ações ou “até colocar novos obstáculos à plena democracia”.

Neste jogo, o poder da mídia ganha mais força ao decidir se determinados acontecimentos devem ser publicados. “Publicizar ou não, eis então um dos momentos em que se instaura uma relação de poder: um poder da mídia para além das mensagens” (Rubin, 1994, p. 35).

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Tradicionalmente anti-petista, a revista Veja, da editora Abril, foi um dos principais algozes do presidente durante seu primeiro mandato. Foi nesta publicação que o pior escândalo do PT surgiu, o conhecido caso do "mensalão".

Ao todo, Veja publicou 206 edições entre 1o de janeiro de 2003 e o dia 31 de dezembro de 2006. Neste período, a revista produziu 621 reportagens sobre o primeiro governo do PT. Dessas, 252 trataram dos escândalos. Isto quer dizer que 40,6% da cobertura de Veja sobre o primeiro governo petista noticiou os escândalos do Planalto e, conseqüentemente, Lula e o PT de forma negativa. Este percentual é maior ainda se considerarmos só as capas produzidas pelo semanário sobre o governo. A gestão de Lula esteve na capa de Veja por 54 vezes entre 2003 e 2006, o que significa mais de um quarto das edições. Delas, 32 tratavam dos escândalos, ou 59,3% do total.

No quadro abaixo, como a revista trabalhou com o tema escândalo ao longo do primeiro mandato:

Ano Matérias sobre o governo

Escândalo s

Percentual

2003 109 2 1,8%

2004 112 23 20,5%

2005 198 122 61,6%

2006 202 105 52%

Total 621 252 40,6%

FONTE: Site da revista Veja, especial governo Lula

1. AFINAL, O QUE É ESCÂNDALO?

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revelação, por meio da mídia, de alguma ação ou atividade que antes estava oculta, mas que implicava na violação de certos valores e normas.

Para compreender o fenômeno e suas conseqüências para a vida política e social, o professor de Sociologia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, John B. Thompson, elaborou uma teoria social sobre o escândalo (2000). Uma curiosidade da pesquisa do professor inglês é que a palavra scandre, do francês do século XI, era derivada do termo em latim sacandalum e podia significar tanto escândalo como calúnia. Ou seja, desde a origem da palavra a linha que separa o escândalo da calúnia é tênue. (p.39)

Thompson explica que a palavra escândalo, em seu sentido atual, refere-se a ações ou acontecimentos que implicam certos tipos de transgressões que se tornam conhecidas de outros e que são sérios o suficiente para provocar uma resposta pública (p. 40). Segundo ele, “nessa sociedade moderna de visibilidade midiática, o escândalo é um risco que ameaça constantemente tragar os indivíduos cujas vidas se tornam foco da atenção pública” (p.31).

A pesquisa de Thompson mostra que os escândalos são, muitas vezes, acontecimentos confusos porque os desdobramentos costumam desviar o foco do caso inicial para outros lugares.

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Para que surja um escândalo, Thompson diz que é necessário que alguns expressem sua desaprovação a outros. Esse discurso moralizador deve censurar e reprovar, repreender e condenar, podendo, enfim, estigmatizar.

O objetivo é atingir a reputação dos adversários políticos. Para Thompson, na sociedade moderna, em que a ideologia vem perdendo peso na política, aumenta a importância de reputação acima de qualquer suspeita. A reputação se tornou um patrimônio de cada político e o alvo dos adversários para reduzir o seu capital. É aí que entram os escândalos, já que a reputação possui um “poder simbólico” e é um recurso que os indivíduos podem acumular, cultivar e proteger. É ela a primeira a ser afetada quando um escândalo estoura. (p. 50)

"A reputação é um desses recursos do qual podemos fazer uso a fim de conseguir desse modo nossos interesses e objetivos. É um recurso escasso que pode necessitar de muito tempo e de grandes esforços para ser acumulados; é também um recurso frágil que pode se exaurir facilmente (...) Os indivíduos que se descobrem envolvidos em escândalo sabem muito bem que o que está em jogo não é apenas seu orgulho, mas também seu poder, sua capacidade de fazer uso da reputação ou bom nome a fim de exigir respeito de outros e alcançar seus interesses e objetivos" (p. 51).

Embora os escândalos possam aparecer até mesmo nos regimes autoritários, é na democracia liberal que o fenômeno ocorre com maior freqüência. É que neste regime predomina um campo de forças em competição, organizadas e mobilizadas em torno de idéias, partidos e grupos de interesse.

"Isso cria uma atmosfera tensa, algumas vezes carregada, em que o conflito e a confrontação são a norma; partidos e outros grupos de interesse estão constantemente preocupados em atacar seus opositores, procurando tirar proveito dos possíveis pontos fracos existentes. Nessas circunstâncias, o escândalo pode ser uma arma poderosa. (...) minta, calunie, diz o antigo provérbio, que alguma coisa irá ficar" (p. 127-128).

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Se destruir os adversários é o objetivo principal dos políticos, o que ganha a imprensa com os escândalos? Afinal de contas, a mídia é a "arena central onde essa luta por poder simbólico é travada" (p. 139).

Para Thompson, há quatro objetivos principais na cobertura da imprensa. Em primeiro lugar, os escândalos "vendem" e são lucrativos, pois reúnem dois fatores que agradam a opinião pública (entretenimento e investigação) e atende bem aos objetivos dos meios de comunicação. Outra questão importante é o objetivo político da empresa de mídia. Ainda existem as autoconcepções profissionais e as rivalidades competitivas.

"Esses aspectos se sobrepõem de maneiras complexas, afetando alguns meios de comunicação e algumas organizações da mídia mais que outras. Mas juntos eles ajudam a criar um clima dentro da mídia que facilita – ou mesmo, em alguns casos, encoraja efetivamente – a produção de escândalos midiáticos" (p. 108).

Mas, escândalos não acontecem simplesmente. Eles passam a existir e se mantêm em contextos específicos, muitas vezes ligados a organizações particulares e sempre atuando dentro de finalidades e objetivos. Para o autor, “a visibilidade midiática foi um presente àqueles que estavam acostumados a usar os meios de comunicação para moldar sua imagem e favorecer seus objetivos. Mas sendo que a mídia tornou visíveis internas arenas de ação que estavam antes escondidas do olhar, e sendo que ela criou um campo complexo de fluxo de imagens e informação que era difícil de controlar, a visibilidade midiática transformou-se também em uma armadilha” (p.70). E "uma vez aceso, um escândalo midiático pode rapidamente se transformar em um incêndio incontrolável" (p. 117).

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de provas ou evidências asseguradas pela tecnologia e o fato de poder e reputação serem, cada vez mais, seres unos e indivisíveis" (p. 298).

Thompson acredita, entretanto, que existem assimilações diferenciadas conforme o nível de informação que a pessoa possui sobre determinado assunto e a importância dele em sua vida. Assim, os indivíduos não são manipuláveis facilmente, existindo um discernimento pessoal essencial para assegurar a liberdade deles.

"Para a maioria das pessoas, grande parte dos escândalos midiáticos irá desempenhar um papel relativamente periférico em suas vidas (...) Isso não significa que as pessoas comuns não possuam interesse em escândalos midiáticos ou que lhes atribuam pouca importância. Significa, isso sim, que as maneiras como as pessoas comuns assistem a escândalos midiáticos, e o tipo de importância que lhes atribuem, pode não coincidir com as maneiras como esses acontecimentos são vistos pelos indivíduos – inclusive os que trabalham na mídia – que, devido às circunstâncias concretas de suas vidas, têm neles um interesse mais direto" (p. 122).

Thompson ainda ressalta que podem ocorrer transgressões sem que elas se transformem em escândalos políticos assim como a simples suspeita pode desencadear um escândalo. É a mídia a responsável por torná-lo público e quando o faz tende a utilizar um discurso moralizador e reprovador. A força do escândalo, no entanto, depende do grau de conhecimento público, ou seja, é a imprensa quem define o tamanho do escândalo. Além das pessoas envolvidas terem sua reputação questionada e correrem o risco de encerrar suas carreiras políticas, em determinadas situações até as instituições podem perder a credibilidade. Isto ocorre porque a mídia, em alguns escândalos, tende a exagerar em suas observações e análises, o que acaba por generalizar certas atitudes como se todos os políticos agissem da mesma maneira.

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2. ESTRUTURA DO TRABALHO

Criada em 1968 pela Editora Abril – hoje um dos maiores conglomerados de comunicação da América Latina –, Veja atinge cerca de 5 milhões de leitores, conforme dados oficiais da própria editora. Segundo Kelma Jucá (2005, p. 85), o perfil do leitor de Veja é composto pelas classes mais abastadas. Dados de 2005, ano do “mensalão”, apontam que 68% dos leitores pertenciam às classes A e B; 47% dos leitores tinham entre 20 e 39 anos; 55% tinham nível superior; 80% casa própria; 80% automóvel; e 51% dos leitores tinham TV a cabo.

Em artigo sobre O Surgimento da Revista Veja, Bernardo Kucinski (apud Villalta 2006, p.13) diz que as revistas semanais ilustradas preenchem no Brasil uma necessidade importante de leitura, devido à sua longevidade e alcance nacional, especialmente entre as classes médias, que não compram jornais diários. Ao contrário dos jornais, possuem um universo grande e próprio de leitores, distinto do universo dos protagonistas das notícias, e mantém com esse público um forte laço de lealdade. Nas funções de determinação da agenda e produção de consenso, as revistas semanais atuam, segundo Kucinski, “como usinas de uma ideologia atribuída às classes médias, inclusive no reforço de seus preconceitos”.

Embora os escândalos não tenham nem derrubado o governo e nem sido fortes o suficiente para impedir a reeleição de Lula, foi justamente nos eleitores de classe média-alta que o presidente encontrou em 2006 o maior índice de rejeição nas eleições. Desde que os escândalos no interior do governo começaram, as pesquisas mostraram um crescente aumento na avaliação negativa dos petistas entre os setores mais ricos da sociedade e com maior grau de escolaridade. São os potenciais leitores de Veja.

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Esta dissertação divide-se em quatro capítulos. O primeiro analisa as 54 capas de Veja em que o governo Lula foi retratado. As 252 matérias sobre escândalos são tratadas nos capítulos 2, 3 e 4, seguindo uma ordem cronológica na analise. Assim, o capítulo 2 aborda os escândalos de 2004 (quando começaram os problemas do governo), o 3 trata do ano de 2005 (o pior período dos petistas) e o capítulo 4 analisa os escândalos de 2006 (ano eleitoral, em que Lula, apesar dos problemas, conseguiu se reeleger).

Além das reportagens, foram analisados os editoriais da revista (“Carta ao Leitor”) que tratam do governo Lula. Eles foram de muita valia para entender as estratégias e os objetivos de Veja na cobertura do Planalto sob o comando do PT. Procuro, ao longo deste trabalho, estudar a construção da imagem de Lula, de seu partido e seu governo, nas páginas da revista e que valores seu enunciador agrega a eles, por meio da Análise de Discurso (AD).

"A proposta da análise de discurso é a da construção de um dispositivo da interpretação. Esse dispositivo tem como característica colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras. A análise de discurso não procura o sentido 'verdadeiro', mas o real do sentido em sua materialidade lingüística e histórica" (Orlandi, 2005, p. 59).

Há diversas formas de interpretar o que é dito e o que não é dito; a análise de discurso é uma vasta área de estudo que conta com pelo menos 57 variedades de teorias.

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Pela quantidade de textos e de capas que constituem o nosso corpus de análise, não pretendo seguir uma teoria específica ou fazer uma análise exaustiva dos textos. Foi feita, sim, uma leitura cuidadosa, lendo e relendo as reportagens. Este trabalho está calcado na concepção de que não há neutralidade na linguagem e no entendimento dela como instrumento de interação social e poder. A construção da mensagem está vinculada não apenas aos elementos lingüísticos, mas às condições de produção e às características dos meios que a veiculam.

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CAPÍTULO 1 – O DISCURSO POLÍTICO DAS CAPAS

Nenhum veículo da chamada grande imprensa brasileira tem seu posicionamento político-partidário declarado. A tão propalada imparcialidade é tida como objetivo por todas as principais publicações, que, em tese, perseguem a isenção e o ideal de objetividade. Esses princípios clássicos do jornalismo têm como pressuposto o poder da verdade dos fatos para esclarecer os cidadãos, conforme Moretzsohn apud Cardoso (2003). Essa idéia, segundo a autora, sobrevive em praticamente todos os manuais de redação. “É em torno deles (imparcialidade e objetividade) que se procura formular uma teoria do jornalismo” (Cardoso, 2003, p.117).

Com a profissionalização dos jornalistas, ao longo dos séculos XIX e XX, foram estabelecidos valores como a objetividade, a independência, a verdade, além de normas que constroem os contornos de representações profissionais bem definidos do “bom” ou “mau” jornalista. Segundo Traquina (2003, p.123), a ideologia jornalística e a sociedade fornecem igualmente um ethos que define para os membros da comunidade jornalística que o seu papel social é de informar os cidadãos e proteger a sociedade de eventuais abusos do poder, ou seja, ser um contrapoder. O ethos jornalístico tem sido determinante na elaboração de toda uma mitologia que encobre a atividade jornalística, que marca os próprios profissionais e é projetado no imaginário coletivo da sociedade.

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americanos de fazer reportagem que até hoje exercem grande influência no jornalismo

brasileiro” (Cardoso, 2003, p.117).

Traquina (2001, p.66) diz que o paradigma da notícia como informação tornou-se

“bíblia” da tradição jornalística. O papel do jornalista “é definido como o do observador

que relata com honestidade e equilíbrio o que acontece, cauteloso em não emitir

opiniões pessoais”.

Do discurso à realidade, entretanto, há uma longa distância. A objetividade e a

imparcialidade são problemáticas que o jornalismo não consegue resolver. Sousa (2002,

p.22) diz que, enquanto a ciência não perde de vista seus métodos “que permitem

reduzir distorções induzidas no processo de construção do conhecimento sobre a

realidade”, o jornalismo perde, na correria pela busca e pela produção de notícias.

Apesar da polêmica, os valores e as normas, segundo Sousa, funcionam como “árbitros”

e impedem a transgressão da fronteira entre o real e a ficção.

Tal imparcialidade, objetividade e veracidade cumprem freqüentemente a função reiteradora que a opinião manifesta já não consegue suprir, apresentando como equilibradas e, portanto, naturais, as perspectivas dadas como boas, eliminando como subjetivas ou mentalistas as disposições inconvenientes de análise crítica e estabelecendo, necessariamente a priori, critérios de aferição da verdade. Um jornalismo que fosse a um só tempo objetivo, imparcial e verdadeiro excluiria toda outra forma de conhecimento, criando o objeto mitológico da sabedoria absoluta. (Lage, 2001, p.34)

A objetividade e a imparcialidade, portanto, estão mais presentes nos dispositivos e

normativos técnicos da profissão do que propriamente no dia-a-dia do jornalista. Há

regras que podem deixar o texto objetivo, mas o enfoque será sempre subjetivo. Afinal,

ao escolher o ângulo mais importante para começar uma notícia, o repórter já está sendo

subjetivo.

Para Silva (2000, p.24), o pensamento do jornalista é humano e funciona a partir de

uma bagagem cultural e ideológica. O autor diz que desde a invenção do jornalismo a

objetividade é uma gangorra que sobe e desce de acordo com a filosofia do patrão e com

a moda profissional. Silva (p.35) acredita que “a sociologia expulsou o mito da

objetividade pela porta da frente (...) [mas], pragmático, ele voltou pela janela”,

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mais é do que o “nome que se dá à opinião que recebe o apoio de um grupo em condição de fazer valer as suas idéias em determinada situação”.

Mas, o posicionamento ideológico, segundo Nélson Jahr Garcia (1982), é sutil, com aparência de neutralidade, engendrado por emissores cuja autoria é de difícil identificação, motivados por interesses igualmente difusos. A propaganda ideológica, segundo o autor, tem a função de formar a maior parte das idéias e convicções dos indivíduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento social.

“Jornais e revistas, por informarem constantemente sobre os fatos regionais e internacionais, contribuem em alto grau para fornecer aos leitores uma determinada visão da realidade em que vivem. Dessa maneira transmitem os elementos fundamentais para a formação de um conceito da sociedade e do papel que cada um deve exercer nela. Por trabalhar com fenômenos apresentados de maneira aparentemente objetiva, como se fosse a mera e simples apresentação dos fatos puros, tais como realmente ocorreram, adquire uma aparência de neutralidade que assegura a confiança da maioria dos leitores. Mas essa neutralidade não é real”. (Garcia,1982, p.23)

Uma das condições básicas para o sucesso da propaganda ideológica, segundo o autor, é a ignorância do receptor de que está sendo alvo de uma tentativa de manipulação, acreditando receber uma informação como se ela fosse objetiva e desprovida de interesses.

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1.1 VEJA ANTI-LULA

Desde o final dos anos de 1970, quando o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva surgiu para o cenário nacional liderando as grandes greves que pararam o ABC paulista, a revista Veja nunca foi simpática ao chamado “sapo barbudo”. Logo na primeira capa em que Lula é tema, de 28 de março de 1979, o metalúrgico aparece com uma expressão enfezada e preocupada, cercado por policiais e com um casaco jogado nas costas, como se estivesse sendo preso. A manchete é: “Confronto no ABC”, com chamada negativa para o futuro presidente: “greve, impasse e a queda de Lula”.

28 de março de 1979 9 de abril de 1980

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Menos de um ano depois, em 4 de abril de 1981, Lula está na capa de Veja novamente. A foto do metalúrgico, desta vez um close no rosto, lembra as anteriores em que aparece com cara de bravo. Mas agora ele está cabisbaixo, como se tivesse olhando para a manchete que diz: “Condenado”. Na capa, o enunciador não diz o tipo de condenação sofrida pelo sindicalista, que já era presidente do Partido dos Trabalhadores.

Quando Lula disputou a primeira eleição para presidência da República, em 1989, Veja colocou seu jornalismo para fazer campanha contra o ex-metalúrgico. Segundo pesquisa feita por Cristina Maranhão (2002) nas edições de Veja do período, o enquadramento recebido por Lula nas páginas da revista foi sempre negativo e em menor espaço que os demais candidatos.

A cobertura do semanário nas eleições de 1989 começa a esquentar em junho, mas só no final do mês Lula aparece pela primeira vez, numa matéria discreta e tendenciosa. Na edição de 21 de junho, a reportagem ironiza a classe social do petista, seus aspectos físicos e sua forma de se apresentar, que, segundo a pesquisa, são apontados de forma “preconceituosa” e com “sarcasmo”.

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Quatro eleições depois e Veja mantém o preconceito a Lula. O tom empregado pela revista na campanha de 2002, segundo Maranhão, pode ser resumido no editorial de 2 de outubro, quando o semanário comenta que os marqueteiros conseguiram deixar os candidatos como eles realmente eram. “José Serra é mesmo o político obstinado, demolidor de obstáculos (...) Ciro Gomes da campanha é o Ciro que os íntimos conhecem, uma pessoa que não leva desaforo para casa. A campanha de Anthony Garotinho não escondeu a alma leve”. A respeito de Lula, o editorial ressalta que ele mudou, mas não se poderia confiar plenamente nesta mudança: “no caso de Luiz Inácio Lula da Silva, a questão confirma um mistério. Lula, radical no passado, reapareceu conciliador e moderado. Diz que seu marqueteiro Duda Mendonça descobriu finalmente o verdadeiro Lula que os brasileiros não conheciam. O tempo dirá se é verdadeiro”.

Nesta eleição, o foco de Veja, segundo Maranhão, ficou restrito à real possibilidade de Lula chegar ao poder e à associação com a crise econômica que afligia o Brasil. A revista publicou diversas matérias sobra a alta do dólar e a possibilidade de o país quebrar e não honrar seus compromissos internacionais.

“As matérias referentes aos assuntos econômicos buscavam esclarecer os leitores a respeito dos fatores responsáveis pela crise, sempre associado o momento com a possibilidade de o PT governar o país. Foram excluídas a conjuntura internacional e as medidas tomadas pelo então governo do PSDB” (Maranhão, 2002, p.90)

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Em outra capa, de 25 de setembro, Veja traz uma estrela do PT com a faixa presidencial, questionando duramente se “o PT está preparado para a presidência”, destacando também a estratégia de Serra de atacar Lula para evitar sua vitória no primeiro turno.

Quando Lula finalmente ganha as eleições para a presidência da República, a revista espalhou nos outdoors de sua campanha de publicidade a foto de Lula acompanhada da seguinte frase: “Gostou? Foi você que escolheu”.

A edição de Veja, de 30 de outubro de 2002, exalta a democracia brasileira que elegeu “um homem do povo” ao cargo máximo da nação. Para mostrar como Lula “desafiou a história”, a revista relembra outra personalidade brasileira de origem humilde que se destacou: Machado de Assis, um “mulato, epilético, nascido pobre num morro carioca”.

“Lula não conquistou o mais alto posto da hierarquia do país alavancado por trunfos eleitorais. Jamais foi vereador e nunca administrou uma cidade. Também não se elegeu governador de Estado e nem foi ministro de nada. Construiu sua trajetória à base de derrotas. E, por meio delas forjou o que é hoje” (Veja, 30/10/2002)

Para Maranhão, a capa da edição pode servir de resumo para o tratamento dado ao Lula, que, como diz o subtítulo, pode “colocar em risco as conquistas da era FHC”. O nome da revista, seu título e subtítulo, segundo a autora, produzem uma moldura para o rosto embriagado de felicidade do presidente eleito. “Porém, o que se torna mais evidente na imagem são as cores escolhidas pela revista para compor o enquadramento. Optou-se por utilizar o azul e o amarelo da bandeira nacional. Não se pode ignorar que essas cores são as mesmas utilizadas pelo PSDB para sua representação e de seu mascote na figura de

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“A história recente da intervenção da mídia nos pleitos presidenciais, em especial no Brasil, deixou marcas profundas em nosso imaginário social e demonstrou como a mídia tem desempenhado um significativo papel político e eleitoral, em especial no período pós-ditadura, quando o país já se encontra estruturado em rede e ambientado pela comunicação midiática, vivendo em situação de Idade Mídia (...) As atuações da mídia têm sido marcantes. Todos lembram a já emblemática intervenção explícita da Rede Globo em favor do candidato Fernando Collor de Melo e das suas acintosas manipulações nas eleições de 1989. É fácil recordar também o alinhamento da quase totalidade da mídia brasileira no pleito de 1994, ao assumir e fazer propaganda, gratuita e paga, do Plano Real, passaporte de Fernando Henrique Cardoso para a vitória presidencial. E a reeleição em uma disputa que quase não existiu, inclusive na mídia, deixando exposta uma convergência de interesses entre o governo e as empresas de comunicação midiática” (Rubim, 2002, p. 44)

O comportamento da revista Veja durante as semanas anteriores à eleição presidencial de 2002 mostra, nas entrelinhas das edições, nas capas e nas páginas internas, inclinações ideológicas e escolhas políticas que ajudaram ou atrapalharam os candidatos. Pesquisa coordenada pelo professor Adolpho Queiroz (2003) revela que a revista Veja deu ao candidato José Serra uma maior visibilidade ou, em algumas edições, uma visibilidade mais positiva frente a seus adversários.

“Poderíamos perguntar se tais aspectos foram decisivos para os resultados das eleições. Ao analisarmos o público leitor, notamos que seu grande poder de influência se encontra nas classes A e B, que são minoria entre a população. Embora sejam lidas por formadores de opinião, podemos afirmar que muito dificilmente a eleição teve nas linhas editoriais das revistas um dos grandes motivos do seu resultado” (Queiroz, 2003, p.).

1.2 LULA PRESIDENTE

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08/01/2003 Posse NEUTRA 15/01/2003 Início NEGATIVA 22/01/2003 Previdência NEUTRA 21/05/2003 Marisa POSITIVA 16/07/2003 Economia NEGATIVA 20/08/2003 Entrevista POSITIVA 10/09/2003 Aparelhamento NEGATIVA 15/10/2003 Alca NEGATIVA 25/02/2004 Caixa dois NEGATIVA 10/03/2004 José Dirceu NEGATIVA 31/03/2004 Waldomiro NEGATIVA 19/05/2004 Larry Rohter NEGATIVA 09/06/2004 Palocci POSITIVA 11/08/2004 Meirelles NEGATIVA 18/08/2004 Autoritarismo NEGATIVA 26/01/2005 Educação NEGATIVA 23/02/2005 Severino NEGATIVA 16/03/2005 Farc NEGATIVA 25/05/2005 Mensalão NEGATIVA 01/06/2005 Jefferson NEGATIVA 08/06/2005 Amazônia NEGATIVA 15/06/2005 Mensalão NEGATIVA 22/06/2005 Mensalão NEGATIVA 29/06/2005 Mensalão NEGATIVA 06/07/2005 Valerioduto NEGATIVA 13/07/2005 Mensalão NEGATIVA 20/07/2005 Mensalão NEGATIVA 27/07/2005 Mensalão NEGATIVA 03/08/2005 José Dirceu NEGATIVA 10/08/2005 Lula – Collor

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A primeira capa após o PT ter assumido a presidência, de 8 de janeiro de 2003, fala da posse e antecipa no subtítulo como a revista vai tratar o novo governo: “A partir de agora, começa a cobrança”. No título, Veja foi metafórica: “Lula-de-mel”, ressaltando em amarelo a letra “L” para que o leitor percebesse logo o trocadilho. Josi Paz (2003), ao analisar a posse de Lula nas capas das revistas semanais, diz que Veja faz uma alusão ao casamento, com o trocadilho da lua-de-mel, e explica que trata-se de:

“um conceito inusitado para ser associado à posse de um presidente da República, mas essa estratégia enunciativa, que parece causar um desvio, na verdade, transfere sentido. O deslize é significativo e deixa as marcas da possibilidade de outros sentidos (que sempre são) possíveis: é por meio dos deslizes de sentidos como efeito metafórico, que se define o trabalho ideológico, o trabalho da interpretação, que língua e história se ligam. A alusão ao casamento, portanto, desliza para a compreensão da festa da posse como um apaixonado encontro e enlace entre o presidente eleito e os seus eleitores, entre o presidente e seu povo. Como se, para além do voto obrigatório, se tratasse de um compromisso mútuo voluntário e afetivo na mesma medida para cada uma das partes. Nesse sentido, Lula teria assumido um compromisso de fidelidade com o povo brasileiro, fidelidade aos ideais e aos valores simbolizados na sigla do PT, porém, é o que sugere a capa da revista Veja, a ruptura desse compromisso viria em pouco tempo, como em um casamento cansado pelas demandas cotidianas. O arquivo da metáfora do ‘casamento’ evoca outras palavras: traição, separação, decepção, fim, divórcio. São representações imaginárias que os sujeitos podem fazer do passado histórico de Lula: será mesmo que o poder, seu protocolo e sedução, não roubarão o bom coração do homem do povo? Será mesmo que ele, ex-torneiro mecânico, resistirá aos encantos do poder em Brasília? Está dito que partido e candidato eleitos não serão capazes de honrar a confiança dos cidadãos brasileiros, o que justificaria que, em breve, começasse a cobrança, como afirma o subtítulo. De acordo com a capa da revista Veja, a escolha do povo por Lula, como todo amor, teria sido cega. Lula teria sido uma escolha mais passional, por meio do voto inconseqüente” (Paz, 2003, p. 6).

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reportagem principal, “Um dia para a história”, o enunciador de Veja abusa de palavras como “povo”, “manifestantes”, “multidões”, “onda humana”, “desequilibrados”.

O enunciador, no entanto, destaca para os leitores, que “logo depois da cerimônia de posse, Fernando Henrique e dona Ruth embarcaram na primeira classe de um vôo de carreira para Paris, onde passarão dois meses de férias. Dentro do avião, o cenário era o oposto da festa em Brasília” (Veja, 08/01/2003, reportagem “Um dia para a história”).

No editorial, a revista Veja qualificou o discurso de posse do presidente Lula no título: “um bom começo”. Para o enunciador, a memória do PT como um partido de esquerda teria ficado restrita a mera “concessões retóricas” feitas aos muitos petistas que “andavam se sentindo desamparados com o choque de realismo sofrido pela cúpula da agremiação com a perspectiva de exercer o poder em um país moderno e democrático”. Em outras palavras, a cúpula da agremiação foi representada como líderes antiquados e despreparados para a regência do Brasil.

Segundo Josi Paz, a postura moderada do partido, tônica da campanha eleitoral de 2003, certamente se reproduziu no discurso de posse. No entanto, para além de reconhecer um PT diferente, a revista reconhece no governo Lula a continuidade do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. No editorial, a revista diz com todas as letras:

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Na reportagem principal, Veja também acalma seus leitores que pudessem eventualmente estar insatisfeito com a eleição de Lula: “Deixando de lado as concessões aos lugares-comuns do esquerdismo, compreensíveis em um político com a trajetória de Lula, o discurso do novo presidente foi uma reafirmação dos princípios que nortearam o governo de Fernando Henrique Cardoso. Deixou claro que existe uma linha de continuidade entre ambos (Veja, 08/01/2003).

Para Josi Paz, as eleições de 2002 trouxeram um acontecimento radical: o maior partido de esquerda brasileiro, um dos mais fortes e tradicionais da América Latina, assumiu o governo do Brasil. Como presidente foi eleito um homem excluído das rodas burguesas com mais de 50 milhões de votos, simbolizando um ato de resistência e protesto aos efeitos perversos da globalização, aos desmandos do mercado de capitais e à pauta política que prioriza reflexões sobre a inserção econômica do Brasil no mundo, em detrimento de uma profunda atenção ao projeto social nacional.

(31)

frame de realidade que é destinado para a capa de uma revista de informação deve resumir o supra-sumo das intenções comunicativas daquele veículo de comunicação e a

representação mais completa dos interesses dominantes, tendo em vista que os leitores

das revistas semanais possuem alto poder aquisitivo e pertencem a grupos sociais

formadores de opinião. “Portanto, a capa de uma revista semanal de informação é

sempre um retrato hegemônico destinado a elite brasileira. Nos exemplares que

chegaram às bancas na primeira semana de janeiro, ostentando a já esperada matéria de

capa, Veja, IstoÉ e Época trouxeram especiais combinações de imagens e texto cujos traços ideológicos deixaram exposto o seu recado sobre a posse de Lula” (Paz, 2003,

p.4)

1.3 COMEÇA A COBRANÇA

O recado dado por Veja no subtítulo da primeira capa do governo Lula (“A partir de

agora, começa a cobrança”) é levado a sério

pelas edições seguintes. Uma semana depois,

em 15 de janeiro de 2003, o semanário

estampa nova capa sobre o início do governo

com a manchete: “Trapalhadas na

decola-gem”. No subtítulo, o enunciador resume

essas trapalhadas como um “show de

factóides”. A revista procura representar

aquele início de governo com uma charge em

que Lula está num avião teco-teco e diversos

membros do primeiro escalão de sua equipe,

todos muito atrapalhados, tentam colocar a pequena aeronave no ar. O Brasil, com suas

dimensões continentais, sempre considerado um gigante mesmo que adormecido, agora

não passa de um teco-teco sob o comando de Lula para o enunciador de Veja.

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aposentadorias privilegiadas. A imagem da capa é um enorme osso, uma alusão à

manchete: “ninguém quer largar o osso”. A capa, em si, é neutra para o governo, mas

Veja, no subtítulo, deixa clara a sua posição: “Sem a reforma, o Brasil quebra”, sugerindo que Lula deva resistir à pressão e mudar as regras da Previdência de forma a

preservar o país, e não para favorecer grupos. Posição que parece não ser a mesma do

governo, já que o título da matéria nas páginas internas de Veja é: “Começou mal a reforma da Previdência”. No olho, abaixo do título, o enunciador da revista, bem

informado, diz que o “Palácio do Planalto já fala em abrir exceção” e manter os

privilégios nas aposentadorias públicas.

22 de janeiro de 2003 21 de maio de 2003

Depois das três capas consecutivas no início do mandato, o governo sai da primeira

página de Veja por quatro meses. Volta na edição de 21 de maio de 2003, com destaque para uma entrevista da primeira-dama, Marisa Letícia. A capa é uma foto em que a

primeira-dama aparece bem, fazendo pose, sorrindo com a mão no queixo, e a

manchete: “A presença de Marisa”. As três chamadas menores mostram uma

primeira-dama presente e atuante, mas também destacam a diferença dela para as anteriores, com

sua “autenticidade” e “estilo de vida simples”. Autenticidade, no caso, remete a “algo

exótico”. O curioso é que, na parte superior da capa, tem uma chamada para uma

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Na matéria principal da edição que trata de Marisa, “A sombra de Lula”, o enunciador diz logo no primeiro parágrafo que a primeira-dama “tem rompido velhas barreiras” e aparecido muito em público.

“Com a estampa recauchutada e o figurino escolhido por uma especialista, foi uma estratégia de marketing eleitoral, concebida pelo publicitário Duda Mendonça. O bruxo do marketing petista queria explorar o fato de que Luiz Inácio Lula da Silva mantinha um sólido casamento de 29 anos – e isso poderia ter um triplo efeito eleitoral: transmitir a imagem de um homem confiável, humanizar a figura de um político conhecido pela barba e pela carranca e, por fim, amenizar a resistência do eleitorado feminino ao candidato. (...) As pesquisas à época mostraram que o eleitor passou a vê-lo como um nome confiável e a rejeição entre as mulheres, em seis meses, caiu de 47% para 31%” (Veja, 21/05/2003, p.40) A capa que a princípio parece positiva, torna-se negativa ao ler logo o primeiro parágrafo da matéria. Para o enunciador de Veja, a “nova” Marisa não passa de um truque de marqueteiro. A revista faz um pequeno apanhado histórico sobre as primeiras-damas no mundo, nos últimos duzentos anos, e destaca que “a figura da primeira-dama tradicional, que cuida dos assuntos domésticos e reforça a imagem de homem de família do marido, continua a prevalecer, em mulheres como Marisa ou a menos visível das primeiras-damas americanas em décadas, Laura Bush. Ao mesmo tempo, já surgiram as primeiras representantes das mulheres com carreira própria, como Hillary Clinton ou Ruth Cardoso. Muitas vezes, elas formam uma espécie de sociedade política com o marido, em favor da qual renunciam a suas atividades profissionais, pelo menos temporariamente”, diz o enunciador, pontuando a diferença entre o conteúdo político de Marisa e Ruth Cardoso.

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mas o metalúrgico insistiu tanto que acabou levando-a para jantar, justamente no frango-com-polenta dos Demarchi. Casou-se com Lula em 1973 e criou os quatro filhos – um dela, três do casal. Em sua rotina doméstica, Marisa habituou-se a lavar, passar, cozinhar e carregar sozinha as sacolas de supermercado. Guarda marcas desse passado – e elas não passaram despercebidas em Brasília. ‘Marisa é simpática e elegante, mas tem as mãos estragadinhas’, diz uma socialite da capital federal. Detalhe: esta senhora tentou atrair a primeira-dama para uma festa em sua casa e não conseguiu convencê-la a comparecer”, conclui o enunciador.

A cobertura do início do governo Lula destoa muito das duas únicas capas que Veja produziu no começo do primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Enquanto as “trapalhadas” dos petistas são o tema das capas de agora, no início da era tucana as duas capas são positivas e mostram um FHC de mangas arregaçadas disposto à trabalhar ou de soldado combatendo os irresponsáveis da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, fundada justamente por Lula e outros companheiros do movimento sindical.

11 de janeiro de 1995 31 de maio de 1995

(35)

Em meados do primeiro ano de governo, a revista Veja começa a trabalhar uma outra estratégia discursiva, agora para mostrar que o PT e Lula já estão colocando em risco as conquistas da era FHC. A primeira capa deste tema foi publicada em 16 de julho de 2003, com uma manchete bem afirmativa: “O Brasil apagou”. Um palito de fósforo apagado lembra uma pessoa, cabisbaixa e jogada numa poltrona com as cores do país. No subtítulo, um enunciador bem posicionado e sabido dispara: “A economia do país está parada e não haverá o ‘espetáculo do crescimento’ tão cedo. Mas é possível reacender a chama do desenvolvimento. Veja como”. O enunciador sabe mais que o governo, que já tropeça na área econômica, enquanto a revista tem a solução. A matéria de capa tem um título também apocalíptico nas páginas internas: “No fundo do poço”.

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16 de julho de 2003 20 de agosto de 2003

Menos de um mês depois, e Lula volta à capa, em 20 de agosto de 2003, dessa vez ele mesmo, numa foto em close do seu rosto sorrindo e a chamada entre aspas, sinalizando ser uma fala de Lula: “Quem apostar contra o Palocci vai perder”. Trata-se da “primeira entrevista” exclusiva do presidente, como assinala em letras maiores a capa da edição. O título da entrevista nas páginas internas é “O fim do começo”, um decreto do enunciador de que o período de transição acabou e agora é o início real do governo. Para explicar melhor do que se trata, o enunciador usa as “palavras do presidente, que adora uma comparação futebolística, é como se o ministério tivesse encerrado o aquecimento e entrasse em campo”.

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Vinte dias depois e o governo volta à capa da revista, na mais séria denúncia feita por Veja contra o governo Lula até então. Na edição de 10 de setembro de 2003, a capa traz a manchete em letras garrafais e com um trocadilho de gosto duvidoso: “Brasilha da fantasia”, com “Bras” em preto e o “ilha da fantasia” em vermelho para o trocadilho ficar mais claro. A ilustração da Praça dos Três Poderes deslocada para o céu, com a terra do subsolo ainda grudada, mas se desfazendo, como uma planta que é tirada do vaso com raiz e tudo, dá uma sensação de decadência da capital federal. No subtítulo, Veja garante que o PT infiltrou a máquina administrativa do Estado com seus militantes e “cai a casa na velha ilusão de que, ao perseguir seus objetivos partidários, está servindo o país”.

Essa estratégia discursiva de que o PT tomou de assalto os cargos públicos será maximizada dois anos depois, com o escândalo do “mensalão”. Esta primeira matéria também marca o início de outra estratégia, a de provar que o PT é igual a qualquer outro partido, ou até pior. O título da reportagem nas páginas internas, “A praga do fisiologismo”, mostra que o PT está fazendo a mesma coisa que criticava em outros partidos. É o que diz o enunciador no subtítulo: “PT abre as portas dos cargos públicos para seus militantes e aliados, partidariza a burocracia federal e instala um radical e voraz aparelhamento ideológico do Estado”. Logo no primeiro parágrafo da matéria, o enunciador já causa náuseas ao mostrar do que o PT é capaz:

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radical e voraz partidarização da estrutura burocrática do Estado já vista em sua história. É um fisiologismo radical devido a sua extensão (Veja, 10/09/2003, p. 40)

10 de setembro de 2003 15 de outubro de 2003

Um mês depois e Veja mostra nova irresponsabilidade do PT no comando do governo federal. Na capa da edição de 15 de outubro de 2003 o enunciador pergunta em letras

enormes: “Coragem ou estupidez”, para o fato do Brasil “peitar” os Estados Unidos no

que diz respeito à proposta dos americanos de criar uma área de livre comércio no

continente, a Alca. A ilustração, de um gavião enorme representado os EUA que de tão

grande nem cabe na página e um pequeno pintinho representando o Brasil que quase

desaparece no canto inferior esquerdo da capa, responde a pergunta do enunciador:

claro que é estupidez.

1.5 COMEÇAM OS ESCÂNDALOS

Logo no início do segundo ano de mandato, o governo Lula passa por seu primeiro

grande escândalo, o caso Waldomiro Diniz, que veremos com mais detalhes no capítulo

2. Waldomiro era um subordinado do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e

foi flagrado pedindo propina ao agenciador de casas de jogos, Carlos Augusto Ramos,

(39)

gravado antes do governo Lula, em 2002, quando Waldomiro Diniz presidia a empresa

de loterias estaduais do Rio de Janeiro, a Loterj. O escândalo foi publicado com

exclusividade em meados de fevereiro de 2004, pela revista Época, da editora Globo e principal concorrente de Veja.

Na semana seguinte, o escândalo já está

estampado na capa de Veja, na edição de 25 de fevereiro de 2004. A revista inicia aí outra

estratégia discursiva que será aprofundada no

escândalo do “mensalão”, e que mostra um

PT ávido pelo poder, capaz de fazer as piores

coisas para tomar a máquina pública. A

manchete da edição, em letras grandes,

antecipa o assunto de forma sucinta e direta:

“O vale tudo do PT”.

A matéria principal é uma entrevista com o ex-diretor de loteria gaúcha, em que

conta “como foi pressionado a intermediar encontros de empresários do jogo com

políticos do PT em busca de dinheiro para o caixa dois na campanha de 2002”. O

objetivo é mostrar que o flagrante de Waldmiro aconteceu em outro governo, mas que

nas administrações sob o comando do PT ocorre a mesma coisa.

Essa primeira capa sobre escândalos, aliada às anteriores que também tratam o PT de

forma negativa, consolida a impressão para os leitores de que o partido realmente não é

diferente de outras agremiações. Nesta edição de 25 de fevereiro, Veja também inicia outra tematização na capa que vai perseguir Lula nos anos seguintes: a comparação

entre ele e o presidente deposto por corrupção, Fernando Collor de Mello. Desta vez,

Veja ainda não faz uma ligação direta entre os dois. Mas na mesma capa em que estampa a foto do ex-diretor da loteria gaúcha confessando ter se envolvido em

corrupção por pressão do PT, Veja dá destaque no canto superior esquerdo da primeira página para a “rotina de Fernando Collor, que paga 38 mil reais de aluguel por mês.” Na

capa, toda em tom pastel, salta os olhos o nome do ex-presidente em destaque num

vermelho forte e em tamanho levemente maior sobre um fundo amarelo. Contrasta com

o branco do “Vale-tudo do PT”, sendo natural a vinculação entre Collor e o partido de

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O caso Waldomiro Diniz é repercutido na capa mais duas vezes nas semanas seguintes. Na edição de 10 de março de 2004, uma foto em close de um José Dirceu com ar de arrogância e abatimento toma toda primeira página da revista. A matéria principal é uma entrevista exclusiva do ministro para Veja, em que o semanário destaca uma única frase na capa, que também é a manchete: “não vou sair do governo”. A frase soa como teimosia e provocação, diante da campanha que a revista estava fazendo para apear Dirceu do comando da Casa Civil.

10 de março de 2004 31 de março de 2004

Na edição de 31 de março, a capa mostra uma montagem em que um Lula cansado carrega uma espécie de boneco do ministro José Dirceu. Na manchete, o enunciador pergunta: “Como sair dessa?”. No subtítulo, a revista diz que o governo está paralisado, Lula tem caído nas pesquisas e “ainda tem de carregar o peso morto do ex-homem forte do Planalto”. A combinação entre a ilustração, a manchete e o subtítulo passa a sensação de que a demissão do ministro seria a solução para sair da crise. Veja aposta que a queda é iminente, apesar do José Dirceu continuar forte no governo por mais um ano e meio, até o auge do escândalo do “mensalão”.

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Veja de 19 de maio de 2004, que trata da expulsão do jornalista do New York Times, Larry Rohter. A ilustração é de um furacão num copo d’água e o subtítulo diz que o “governo transformou uma questão trivial criada por uma reportagem do New York Times em uma crise de grandes proporções”. Em outras palavras, mesmo quando não há encrenca o PT arruma.

19 de maio de 2004 9 de junho de 2004

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uma certa blindagem em Veja, até que sua situação fica insustentável, no olho do furacão do “mensalão”, um ano depois.

1.6 O PT STALINISTA

No segundo semestre de 2004, Veja arrumou outros dois motivos para retratar o governo de forma negativa na capa. Na edição de 11 de agosto, em matéria baseada em

informações não confirmadas, o semanário estampa o presidente do Banco Central,

Henrique Meirelles na capa, a terceira sobre escândalos do governo Lula, todas em

2004. A ilustração é praticamente uma charge do presidente do BC afundando, com

água até o pescoço e uma bóia do PT. Na manchete, em letras garrafais, o enunciador

pergunta: “Tem salvação?”. Questão que, unida à imagem, leva leitor a responder que

não, embora até hoje, no meio do segundo mandato, Meirelles ainda esteja no cargo.

Aposta errada do enunciador de Veja, como veremos com mais detalhes no capítulo 2.

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Sem muita repercussão, o tema jamais volta a ser tratado na capa de Veja. Mas na semana seguinte, na edição de 18 de agosto de 2004, a revista volta a investir no enquadramento temático que liga o PT ao velho e totalitário socialismo soviético. A capa, predominantemente vermelha, traz a estrela do PT enorme em preto e branco no centro da página com um olho assustador e vigilante. A manchete, em letras brancas, destaca-se com uma frase curta e direta: “A tentação autoritária”. O subtítulo diz que o governo do PT quer vigiar e controlar a imprensa, a televisão e a cultura. A matéria “O fantasma do autoritarismo”, diz logo no olho que “Lula se deixa enganar por uma associação de assessores de imprensa de empresas estatais que se fazem passar por jornalistas e manda para o Congresso um projeto de lei que representa o mais sério ataque à liberdade de expressão no Brasil desde o regime militar”.

Aquela altura, um ano e meio depois da posse, o governo Lula tinha uma ótima avaliação e uma série de avanços que não ganhavam destaque em Veja. Aliás, sequer eram noticiados. Uma capa dura como aquela em meio a um festival de boas notícias que o governo produzia no período até destoava daquele momento político. Por isso mesmo, o enunciador de Veja achou por bem abrir a matéria assim:

“Ao entrar em seu vigésimo mês de governo, o PT tem trunfos importantes para comemorar. A economia finalmente começou a dar sinais de recuperação, com a inflação sob controle e o desemprego em queda. Lá fora, o risco-país permanece baixo e os investidores estrangeiros mantêm sua atenção no Brasil. O presidente Lula, que segue como um dirigente prestigiado no exterior, acaba de recuperar 10 pontos em sua popularidade, voltando a ter 38% de aprovação do eleitorado brasileiro. A dois meses do primeiro teste do governo petista nas urnas, sua principal candidata, a prefeita Marta Suplicy, aparece pela primeira vez na liderança das pesquisas. Nesse cenário, tudo parecia sob controle e bem encaminhado, com o país entrando num sereno período de prosperidade – mas o governo resolveu disparar um tiro de bazuca no próprio pé ao revelar um incontrolável tique autoritário. Primeiro, divulgou um projeto de controle ditatorial da produção de cinema e televisão, que incluía até intromissão na linha editorial da programação. Em seguida, despachou ao Congresso uma proposta que, em resumo, consiste no mais severo ataque à liberdade de imprensa no país desde o regime militar” (Veja, 18/08/2004, p.40).

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ministro da Secretaria de Comunicação, Luiz Gushiken, é chamado na legenda da foto de “China”. Frei Betto é o “sacerdote de si mesmo”, além de ser “padre quando lhe convém, jornalista quando lhe convém e assessor especial do presidente quando lhe convém”. As vésperas das eleições municipais de 2004, aquela edição de Veja cai como uma luva para os adversários que disputam as prefeituras contra o PT.

1.7 GOVERNO APARECE MAL EM METADE DAS CAPAS DE 2005

Em 2005, ano do “mensalão”, o governo se encontra no centro da pior crise política desde a queda do presidente Collor, em 1992. Como veremos com mais detalhes no capítulo 3, a chamada grande imprensa deflagrou uma verdadeira campanha para apear Lula do Planalto. Veja foi o veículo responsável por dar início ao escândalo do “mensalão” e sua densa cobertura sobre o tema levou o governo a figurar negativamente em quase a metade das capas do semanário durante o ano de 2005. Das 52 edições, Lula e o PT aparecem de forma negativa em 24 capas, sendo 18 delas classificadas pela própria Veja no tema escândalo.

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sociais. Com o erro de português na bandeira, Veja volta ao tema do preconceito contra Lula, que não tem curso superior e sempre foi motivo de críticas por falar errado. A

matéria mostra que, uma vez no poder, o PT não dá a devida atenção à educação e está

deixando o “Brasil mais burro”. A capa com essa dura crítica, entretanto, novamente

não condiz com o momento que o país vive, com a economia indo de vento em popa e

os índices de aprovação do governo lá em cima. Talvez seja por isso mesmo que, de

novo, o enunciador de Veja começou a matéria assim:

“Depois de dois anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil é um país melhor. A economia vive seu mais longo período de estabilidade em tempos democráticos. O governo, num exercício de sensatez, já demonstrou a seriedade de sua adesão aos instrumentos universalmente aceitos de estabilização econômica. A política, depois da mais civilizada transição entre adversários políticos que Brasília já viu, foi exorcizada das fantasmagorias disseminadas contra o país e a moeda toda vez que um candidato de esquerda – Lula, em resumo – surgia com chance real de chegar ao poder. Deve-se ao governo petista o fato de que, hoje, o Brasil é um país com uma economia ainda mais estável e uma democracia ainda mais vigorosa. Mas, por trás desse panorama geral cuja tônica é o avanço, há sinais desconexos, que apontam para a aversão ao debate, a sovietização do conhecimento, o desprezo do mérito. Do embate entre esses dois vetores do governo resultará a direção pela qual o país vai seguir. Por enquanto, está-se no rumo evolutivo correto. Mas, dada a constelação de disparates que o governo anda produzindo, especialmente no que diz respeito à cultura e à educação, não é exagero dizer que o Brasil corre sério risco de involução”. (Veja, 26/01/2004. p. 46)

A matéria toda trabalha com perspectivas e suposições, nenhum dado concreto além

de conjecturas. Poderia ser um editorial, não capa da maior revista semanal do país, com

uma ilustração e uma manchete tão acusatórias.

(46)

Quase um mês depois e o Congresso Nacional elege seus novos presidentes. Na Câmara uma surpresa: um deputado do chamado baixo clero, Severino Cavalcanti, do PP pernambucano, foi eleito com 300 votos da oposição ao governo, liderada pelo PSDB e PFL. Deputados das duas legendas comemoraram efusivamente a vitória junto com Severino, mas a irresponsabilidade de eleger um deputado sem compromisso e sem plataforma política para a Câmara não é criticada pela imprensa. O PT é responsabilizado pela vitória, mesmo tendo candidato próprio, e Veja estampa mais uma capa negativa para o governo, em 23 de fevereiro de 2005.

Uma foto montagem de Severino com uma coroa de rei, com o candidato do PT à Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh, desolado no fundo, ilustra a capa. A manchete, “O susto Severino”, vem acompanhada do subtítulo, em que o enunciador diz que a eleição do “rei do baixo clero” é uma “derrota do PT, de Lula e um golpe na imagem do Parlamento”.

A matéria “Abrindo a caixa vermelha” faz no título um trocadilho com as cores do PT. Caixa preta é um instrumento da aeronáutica, mas também é sinônimo de algo escuso e ilegal. No subtítulo, o enunciador diz que a “extravagante vitória de Severino, o ‘rei do baixo clero’, mostra o desprezo do PT pelo Legislativo e revela que a experiência de poder está esfacelando o partido”. Na verdade, a revista poderia falar do desprezo do PSDB e do PFL, que elegeram Severino. Mas prefere atacar o PT, que tinha candidato próprio, por sinal um petista histórico. A revista justifica que a culpa é do partido de Lula por lançar como candidato “um advogado de longa militância esquerdista que sempre fez questão de dizer que escolhe as causas que defende por preferência ideológica (...) uma candidatura pouco palatável para a maioria dos deputados federais, um conjunto de pessoas que representa a média da população brasileira, cuja posição política é bem mais conservadora do que ‘o perfil avançado do companheiro Greenhalgh’, como definiu o deputado José Genoino, presidente do PT”, definiu Veja aos seus leitores.

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iniciar uma crise para os petistas, com uma reportagem que prometia ser “bombástica”.

O escândalo fabricado por Veja foi noticiado na capa da edição de 16 de março de 2005. A manchete era “Tentáculos das Farc no Brasil”. Em letras menores, a revista diz que

“espiões da Abin gravaram representantes da narcoguerrilha colombiana anunciando

doação de 5 milhões de dólares para candidatos petistas na campanha de 2002”.

A capa é chamativa, cheia de dólares ao fundo e uma foto do militante petista que

teria recebido dinheiro das Farc. Embora a revista tenha considerado a reportagem forte

o suficiente para ser a capa da edição, no corpo da matéria o enunciador por três vezes

ressalva que não tinha como comprovar as acusações. Aí começa uma outra estratégia

discursiva que vai ser ampliada nos meses seguintes, com o “mensalão”: a tematização

que liga o PT a bandidos armados e

perigosos, não apenas aos criminosos do

colarinho branco. A reportagem “Laços

explosivos” abre com uma foto de dezenas de

membros das Farc armados e enfileirados. Na

legenda: “Guerrilheiros e traficantes - fileiras

das Farc: um controvertido amontoado de

guerrilheiros, terroristas e narcotraficantes”.

É com esse grupo que o enunciador de Veja

afirma - sem qualquer prova - que o PT tem

ligações, como veremos com mais detalhes

no capítulo 3.

1.8 COMEÇA O “MENSALÃO”

A estabilidade política do governo começou a mudar, de fato, em meados de maio de

2005. Uma matéria veiculada por Veja na edição do dia 18 seria o estopim da pior crise política enfrentada por Lula em seu primeiro mandato. Popularizado pela imprensa

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deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Executivo quase levou o presidente Lula a um impeachment, como analisaremos no capítulo 3. A matéria mereceu apenas uma pequena chamada na capa, sobre um funcionário de carreira dos Correios que foi flagrado recebendo propina. Marinho afirmava agir em nome do presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson. Lula e o governo foram poupados nesta primeira matéria.

Durante a semana, a imprensa publicou outras acusações de corrupção e atos ilícitos envolvendo Jefferson. Na edição seguinte, de 25 de maio, o caso da propina nos Correios já era o principal assunto da capa de Veja, com um rato de terno e anel de ouro simbolizando os políticos e a chamada em letras garrafais: “Corruptos”. Numa única palavra, o enunciador consegue exprimir toda a realidade que enxerga em torno do governo. Ao contrário da primeira edição, desta vez a revista coloca os petistas no centro do escândalo. Ainda na capa, em letras menores, Veja assegura que o governo tem “pavor” de uma CPI. Falando na condicional, o enunciador diz que Delúbio Soares e Sílvio Pereira (tesoureiro e secretário-geral do PT) “não escapariam da investigação”. Era só a primeira semana de uma crise que ainda nem afetava o governo diretamente, mas o enunciador foi profético.

A edição da última semana de maio foi o início da principal campanha de Veja contra o governo Lula em seu primeiro mandato. A partir daí, o caso transformou-se na principal pauta da revista e foi assunto da capa e do editorial em todas as edições até o dia 21 de setembro, quando o “escândalo do mensalão” esfriou. Neste período, foram dezoito capas seqüenciais, todas noticiando os piores aspectos do governo e do PT.

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