• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 MAIS ESCÂNDALOS EM 2006, É O ANO DA REELEIÇÃO

4.5 JORNALISMO DE ILAÇÕES

Para provar sua tese de que o PT é o partido mais corrupto da história do Brasil, o enunciador de Veja mistura dados concretos com sua opinião para fechar a história que pretende contar. Em 17 de maio, a revista publica a matéria “A guerra nos porões”, sobre o controvertido banqueiro Daniel Dantas, que, segundo o semanário, “tem uma lista com contas em paraísos fiscais que seriam do presidente Lula e do resto da cúpula do PT”. Daniel Dantas sempre esteve envolvido em casos de corrupção. Seu nome começou a ganhar destaque na época das privatizações do governo Fernando Henrique, quando o banco Oportunity levou parte do sistema de telefonia de maneira controversa. Mas Veja jamais lembra da ligação de Daniel Dantas com os tucanos. O banqueiro parece ter sido uma criação do PT, que Veja continua lembrando ser “organização criminosa que se instalou no governo” e do “estrago causado por ela ao país”.

Segundo o enunciador, para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio, Dantas acumulou toda “sorte de informações que pôde coletar sobre seus algozes. A mais explosiva é uma relação de cardeais petistas que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais”. Entre eles estão o presidente Lula, os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda), Luiz Gushiken (Secom), o então titular da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e o senador Romeu Tuma (PFL-SP). A matéria parece bombástica, mas, assim como várias outras, o enunciador admite que não tem provas.

“Por todos os meios legais, Veja tentou confirmar a veracidade do material (...) Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos” (Veja, 17/05/2006).

Embora não tenha confirmado o papel que recebeu de Dantas, Veja publica a relação dos documentos com as contas dos petistas no exterior. E finaliza a matéria dizendo que, “como se vê, o obscuro Dantas daria uma ótima contribuição ao país se saísse de uma vez das sombras. Coragem, Dantas!”.

Apesar de encorajar o banqueiro a dar novas informações contra o PT, o enunciador de Veja, que é tão seguro e inteligente, foi enganado por Daniel Dantas. Na edição seguinte, de 24 de maio, teve de reconhecer que novos “documentos desmentem Dantas e derrubam suas versões sobre o dossiê que passou a Veja. Mas ele ainda conversa com o governo”. Em vez de reconhecer o erro e se desculpar, o enunciador tenta justificar e ainda consegue encontrar motivos para continuar atacando o PT.

“O fato de tê-la publicado (a lista com as contas dos petistas) causou várias reações. Uma delas foi a afirmação de que a lista não provava nada. De fato não prova – nem Veja pretendeu o contrário. Ao publicá-la, a revista quis tão-somente mostrar que tinha em seu poder papéis repassados por Dantas. Todos eles foram entregues ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza (...) A lista com as supostas contas de petistas não chegou à redação de Veja por acaso – versão divulgada por Dantas, em acordo com o governo, e comprada por jornalistas ingênuos. Foi oferecida pessoalmente pelo banqueiro à direção da revista e entregue por seus espiões. A operação deixou gravações e rastros (...) Como registrou em sua edição passada, Veja não dispõe dos meios legais necessários para conferir todas as informações do dossiê de Dantas. Por isso, remeteu tudo o que recebeu do banqueiro ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza – talvez a única pessoa hoje em Brasília isenta e confiável para analisar o material de 41 páginas, das

quais constam 27 supostas contas de sete autoridades – com seus números, bancos, saldos e supostos caminhos utilizados pelos espiões de Dantas para localizá-las (...) O simples fato de um cidadão com o histórico policial de Daniel Dantas deter uma lista com supostos segredos financeiros da cúpula do governo deveria causar uma reação enérgica do Estado contra o banqueiro. Estranhamente, Lula e seus principais ministros decidiram poupá-lo. Em vez de apurarem o conteúdo da mensagem, insurgiram-se contra o mensageiro. Lula fez a Veja o mais destemperado ataque verbal já desferido por um presidente contra um órgão de imprensa desde a redemocratização. Enquanto isso, e não por coincidência, Dantas admitia conhecer os documentos, mas negava, em entrevistas que deveriam ingressar no anedotário da ingenuidade jornalística, tê-los encomendado à Kroll e os entregado a Veja. Não foi uma boa estratégia (...) Dantas aliou-se ao governo na tentativa de desmoralizar Veja. É uma estratégia arriscada, considerando o volume de conversas gravadas e de outros registros feitos durante os nove meses em que a revista esteve em contato com o banqueiro e seus espiões. (...) Veja divulgou apenas um dos 41 papéis que recebeu dos espiões de Dantas e, mesmo assim, tomou o cuidado de apagar o nome das instituições financeiras e os supostos números de contas (...) Outros criticaram a revista por publicar informações ainda não comprovadas, lembrando ser essencial, num jornalismo com pretensões éticas, confirmar as informações antes de publicá-las. Veja concorda com a premissa, mas não aceita a crítica. Está confirmado e provado que foi o banqueiro Daniel Dantas quem pagou 838.000 dólares pelo dossiê” (Veja, 24/05/2006)

Para Renato Rovai (in Lima, 2007, p 123), um procedimento que às vezes costuma ser utilizado como expressão para generalizar o mau jornalismo é o da manipulação. Em geral, guarda relação com o fato de o veículo extrair frases (e às vezes até imagens) do contexto em que elas foram ditas ou adaptá-las ao que parece mais apropriado para o que busca comprovar com a reportagem.

“O furor acusatório da mídia tradicional, principalmente quando se trata de investigar políticos e partidos vinculados com o campo progressista, está acabando com o que era mais caro a um jornalista: evitar que, por conta de um erro seu, alguém viesse a ser prejudicado. Para que isso não ocorresse os jornalistas em geral se cercavam de uma série de cuidados, entre outros o de ter todos os documentos, e se possível os originais deles, quando forem acusar alguém. E, em geral, como não atribuíam saberes que não tinham, encaminhavam esses documentos a especialistas. Se possível a mais de um, para que emitissem seu parecer a respeito da denúncia” (Rovai, in Lima, 2007, p 124)

Apesar dos erros que tem cometido e das críticas que tem recebido de vários setores da sociedade, Veja não arreda o pé da sua estratégia de acabar com o PT. Na mesma

edição, publica uma matéria que leva o título de “Na mala, na meia, na cueca”. Depois do “mensalão”, Veja explorou muito essa estratégia discursiva de mostrar que os petistas roubam a nação em “dinheiro vivo” e transportam somas milionárias “na mala, na meia, na cueca”. Praticamente todas as edições de 2006 abordam o tema.

A matéria de agora tratava da máfia dos sanguessugas – o esquema por meio do qual parlamentares de vários partidos apresentavam emendas ao Orçamento da União, solicitando a compra de ambulâncias para as suas regiões em troca de propina paga pela empresa Planam, que vendia os carros a preços superfaturados. Isso ocorria desde o governo de Fernando Collor passando por todos os outros, mas Veja só centra fogo no PT, um dos partidos com menos parlamentares envolvidos. Mas o enunciador tenta ligar um escândalo que não é do PT para o partido e dispara com a sua já tradicional ironia:

“Ganha uma estrelinha dourada do PT quem adivinhar onde os donos da Planam transportavam o dinheiro da propina para os deputados. Ora, ora – na cueca, claro. E também nas meias, em maletas e nos bolsos do paletó, conforme relatou à PF a delatora premiada Maria da Penha Lino, ex-assessora especial do Ministério da Saúde e tida como peça-chave no esquema” (Veja, 24/05/2006).

Veja continua abordando os aspectos negativos do governo em mais de cinco matérias por edição, com cerca de 15 páginas em média. Mais do que fatos, o jornalismo de Veja trabalha com ofensas. Ainda na edição de 24 de maio, a revista publica uma matéria que leva o título de “Banditismo e podridão”. Naquela semana, por conta do caso envolvendo Daniel Dantas, Lula reclamou de Veja e disse que a revista faz um jornalismo de banditismo e podridão. Como se fosse uma criança magoada, o enunciador de Veja diz que esse adjetivos “seriam mais indicados para qualificar o seu governo”.

Na matéria, Veja retoma a modalização discursiva sobre o autoritarismo do PT e abre o texto dizendo que “o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, desferiu contra Veja o pior ataque já feito por uma autoridade pública a um órgão de imprensa desde a redemocratização do país”. Um exagero que, com certeza, não é verdade. Também retoma a estratégia de qualificar o PT como um bando de analfabetos: “Lula afirmou que não havia lido a reportagem contra a qual vociferara. Típico. (...) Mas os fatos estão aí, ainda que Lula tente ignorá-los. Se ele quiser estender-se sobre ‘banditismo’ e ‘podridão’, é preciso que olhe para seu próprio governo”.

O mês de maio termina com mais uma capa negativa para o PT. A edição veiculada no dia 31 estampa o ministro da Justiça na capa, retomando a estratégia de desqualificar Márcio Thomaz Bastos como se atuasse mais como advogado dos petistas que como ministro. A matéria intitulada “O escudo de Lula” diz que ele já “livrou o governo de várias crises. No caminho, confundiu suas atribuições legais com a missão de advogados criminalistas”, novamente mostrando que o PT aparelhou o Estado e mistura o público com o privado.

“Thomaz Bastos não é o primeiro advogado criminalista a ocupar o mais antigo ministério do Brasil. Vários o fizeram desde o Império. Thomaz Bastos, no entanto, exibe uma peculiaridade incômoda: é o primeiro ministro da Justiça a agir como advogado criminalista do governo a que pertence. Pode ele transportar para a administração pública cacoetes e missões típicas de sua profissão? Pode um ministro da Justiça tornar mais difícil o trabalho de investigação da Polícia Federal que chefia? A história sugere uma resposta negativa às duas perguntas. Pegue-se um exemplo de contexto semelhante ao atual: o da crise anterior ao impeachment de Fernando Collor de Mello, no início da década de 90. Ao contrário de Thomaz Bastos, o então ministro Célio Borja conduziu seus trabalhos com isenção e transparência invejáveis. Defendeu o governo sem defender a corrupção governamental. Permitiu que a Polícia Federal investigasse Paulo César Farias sem se encontrar com o ex-tesoureiro de Collor e pivô do escândalo que levaria ao impeachment presidencial. Por que Thomaz Bastos não segue a cartilha constitucional? Por que insiste em agir como advogado de petistas encrencados, ditando rumos e estratégias de defesa e até indicando causídicos aos meliantes? Muito provavelmente isso se deve ao fato de ele ter em seu currículo inúmeras prestações de serviço advocatício a Lula e outros próceres petistas durante o regime militar (...) Thomaz Bastos transformou-se num guerreiro que defende, ao preço da própria dignidade, o seu senhor. Seu modo de agir obedece a um padrão: toda vez que estoura um escândalo envolvendo membros do governo ou do PT, o ministro Bastos informa o presidente Lula da gravidade da situação, monta uma tese de defesa para que os danos sejam os menores possíveis e, por fim, escala advogados de sua confiança para acompanhar os envolvidos (...) Mas o Brasil vive um tempo sombrio, em que a ética e a moral são diariamente sufocadas por interesses políticos e políticos interesseiros. Quando se inaugurar o quadro a óleo de Márcio Thomaz Bastos na galeria dos ex-ministros da Justiça, ele estará manchado pela dúvida: foi defensor da justiça como manda a Constituição ou mero advogado de poderosos pegos com a mão na cumbuca?” (Veja, 31/05/2006).

A matéria também mostra que o governo Lula é pior que o de Collor quando o assunto é corrupção. O enunciador não tem provas de nada do que diz, apenas junta uma série de denuncias que já fizera anteriormente, nada provada senão o ministro não

continuaria no cargo, e ainda usa um linguajar chulo ao falar dos poderosos “pegos com a mão na cumbuca”.