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CAPÍTULO 1 O DISCURSO POLÍTICO DAS CAPAS

1.8 COMEÇA O “MENSALÃO”

A estabilidade política do governo começou a mudar, de fato, em meados de maio de 2005. Uma matéria veiculada por Veja na edição do dia 18 seria o estopim da pior crise política enfrentada por Lula em seu primeiro mandato. Popularizado pela imprensa como "o escândalo do mensalão", o caso da suposta "mesada" paga pelo governo a

deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Executivo quase levou o presidente Lula a um impeachment, como analisaremos no capítulo 3. A matéria mereceu apenas uma pequena chamada na capa, sobre um funcionário de carreira dos Correios que foi flagrado recebendo propina. Marinho afirmava agir em nome do presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson. Lula e o governo foram poupados nesta primeira matéria.

Durante a semana, a imprensa publicou outras acusações de corrupção e atos ilícitos envolvendo Jefferson. Na edição seguinte, de 25 de maio, o caso da propina nos Correios já era o principal assunto da capa de Veja, com um rato de terno e anel de ouro simbolizando os políticos e a chamada em letras garrafais: “Corruptos”. Numa única palavra, o enunciador consegue exprimir toda a realidade que enxerga em torno do governo. Ao contrário da primeira edição, desta vez a revista coloca os petistas no centro do escândalo. Ainda na capa, em letras menores, Veja assegura que o governo tem “pavor” de uma CPI. Falando na condicional, o enunciador diz que Delúbio Soares e Sílvio Pereira (tesoureiro e secretário-geral do PT) “não escapariam da investigação”. Era só a primeira semana de uma crise que ainda nem afetava o governo diretamente, mas o enunciador foi profético.

A edição da última semana de maio foi o início da principal campanha de Veja contra o governo Lula em seu primeiro mandato. A partir daí, o caso transformou-se na principal pauta da revista e foi assunto da capa e do editorial em todas as edições até o dia 21 de setembro, quando o “escândalo do mensalão” esfriou. Neste período, foram dezoito capas seqüenciais, todas noticiando os piores aspectos do governo e do PT.

Na edição de 1º de junho, Veja publica uma foto em close do rosto de Jefferson, com olhar de canto e de poucos amigos, e chama o deputado na manchete de “homem bomba”. Embora até agora só se tenha notícia do envolvimento do PTB no esquema de corrupção nos Correios, a capa da revista só fala do PT.

Na edição da semana seguinte, a palavra “corrupção” aparece estampada em letras garrafais na capa da revista, em que predominam as cores do Brasil. A manchete diz que a Amazônia está à venda, informando no subtítulo que “petistas presos aceitavam propinas de madeireiras que devastavam a floresta”. Como se vê, Veja continua sua estratégia discursiva de associar os petistas a bandidos.

Durante a semana, Jefferson deu uma entrevista para a Folha de S. Paulo, onde conta que Delúbio Soares, tesoureiro do PT pagava uma mensalidade de R$ 30 mil a alguns deputados do Congresso Nacional, para que eles votassem seguindo a orientação do bloco governista. Roberto Jefferson referiu-se a essa mensalidade como "mensalão", neologismo popularizado rapidamente pela grande imprensa.

A estratégia discursiva para consolidar o impeachment de Lula foi iniciada por Veja na mesma semana. Na edição de 15 de junho de 2005, a revista aposta que a crise, “no seu desdobramento mais dramático, pode afundar o governo junto”. Uma capa vermelha, a cor do PT, apresenta uma fileira de dominó, com a primeira pedra, representada por Jefferson, derrubando a segunda, Delúbio Soares, que empurra as demais pedras, cuja frente está oculta. A manchete pergunta: “Quem mais?” como se esperasse novos desdobramentos para as denúncias e a queda de mais membros do PT e do governo. O subtítulo é direto: “a pergunta agora é qual o rosto do próximo escândalo”.

15 de junho de 2005 22 de junho de 2005

Na semana seguinte, Veja estampa um rosto na capa, em 22 de junho de 2005. É o de Lula, numa ilustração que remete a um busto de estátua em ruínas. A manchete, em letras grandes, pergunta: “Tem conserto?”. Com um céu todo negro ao fundo e o clima sombrio da imagem o leitor certamente responderá que não. O escândalo ainda estava começando, não tinha qualquer sinal do envolvimento de Lula, mas a revista apostava no fim do governo.

Em 29 de junho, Veja publica na capa uma montagem que mistura o Brasão da República com a estrela do PT. A manchete da semana é “O grande erro”, frase sublinhada em vermelho. Em letras menores, a manchete completa qual seria o grande erro: “Confundir o partido com o governo”. O enunciado é afirmativo, não apresenta qualquer questionamento ou relativização. No Brasão, onde está escrito “República Federativa do Brasil”, Veja coloca uma rasura, que altera a frase para “República Federativa do Zé”, uma alusão pejorativa ao ministro José Dirceu. A data da proclamação da

República também é rasurada para a data da posse de Lula.

Na edição seguinte, de 8 de julho, Veja publica na capa uma chamada que se assemelha muito a outra veiculada treze anos antes, quando o presidente Collor passava pelo processo de impeachment. A revista novamente usa um fundo vermelho, simbolizando a cor do partido e a manchete: “O elo se fecha”. A foto da capa é de Marcos Valério, acusado de fazer tráfico de influências para o PT, e o subtítulo diz que o semanário tem documento que prova a ligação entre o empresário mineiro e o partido do presidente. Ou, nas palavras do enunciador de Veja: “Marcos Valério e o PT são um só quando o assunto é dinheiro”.

Uma semana depois, em 13 de julho, Veja produz uma nova capa que se assemelha a outra do período Collor. “Ele sabia?”, pergunta a manchete da revista. Em baixo da chamada, a publicação traz o resultado de uma pesquisa, em que “55% dizem que Lula sabia da corrupção” e “48% acham que o PT é um partido desonesto”. A foto que ilustra é o rosto de um Lula preocupado, coçando o queixo. Abaixo da foto do presidente, quatro maços de dólares e mais uma chamada na capa: “Dirigente do PT é preso com 100 000 dólares na cueca”.

Aquela altura da crise, Veja sustentava em suas matérias que se Lula sabia do “mensalão” deveria ser cassado. Na edição de 20 de julho, a revista garante que o presidente sabia, conforme apurou sua reportagem. A capa é uma silueta negra do rosto de Lula. Dentro da face do presidente, em letras amarelas, a palavra “mensalão”. A manchete diz que a reportagem vai mostrar “quando e como Lula foi alertado”. Na parte superior da página, outra chamada: “O ‘mesadão’ do PT – Valério ganhava contratos do governo e retribuía com depósitos para os petistas”.

Com Valério eleito pela grande imprensa o PC Farias da era Lula, a foto do empresário mineiro vai novamente para a capa de Veja na edição de 27 de julho. É a segunda vez em três edições. Na semana seguinte, 3 de agosto, é a vez de José Dirceu ser a foto da capa da revista. Com metade do rosto encoberto por uma sombra, que se mistura com o preto do fundo da foto, a manchete em amarelo e branco chama a atenção: “O Risco Dirceu”, uma alusão ao risco-país usado pelos economistas. Dois subtítulos dizem que ele manda “recados ameaçadores” ao governo e que “seu secretário particular foi autorizado a sacar dinheiro de uma conta de Valério”.

27 de julho de 2005 3 de agosto de 2005

É o auge da crise do “mensalão”. Por isso, Veja se sente a vontade para consolidar sua estratégia discursiva que vinculava Lula a Collor, na mais ousada ligação entre os

dois presidentes feita pela grande imprensa. Na capa da edição de 10 de agosto, toda preta, tem como destaque o nome do presidente Lula escrito em

branco com dois ‘L’ como no nome e na marca de campanha de Collor. A foto desfocada de um presidente cabisbaixo é bem pequena. O subtítulo diz que “Lula já está em uma situação que lembra a agonia da era Collor”. Pelo menos a cobertura da revista já lembrava – e muito – a da era Collor.

Tanto é que na semana seguinte, 17 de agosto, Veja estampa na capa uma foto de Lula durante o pronunciamento que fez aquela semana em cadeia de rádio e TV para falar da crise, com a manchete: “A luta de Lula contra o impeachment”. A palavra impeachment aparece em destaque, pegando praticamente todo o rodapé da revista, do canto esquerdo ao direito. Quem passasse pelas bancas de revista aquela semana só lia a palavra impeachment em amarelo vivo. Sobre o depoimento, o subtítulo diz: “A defesa do presidente na televisão não convenceu e ele perde a chance de explicar o escândalo”.

Naquela semana, o ministro da economia, Antônio Palocci, até então blindado por Veja, é acusado de corrupção praticada quando ainda era prefeito de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Preocupada, Veja pergunta na manchete de 24 de agosto: “A economia agüenta sem ele?”.

24 de agosto de 2005 31 de agosto de 2005

Mas o escândalo do “mensalão” começa a esfriar e Veja faz de tudo para manter o governo na pauta. Na edição de 31 de agosto, o semanário veicula uma capa que lembra as embalagens de sabão em pó. A manchete: “Político artificial”. O subtítulo diz que “o Brasil tem as campanhas eleitorais mais caras do mundo. Isso torna a corrupção inevitável e ajuda a eleger nulidades”. O leitor que tem acompanhado atentamente a cobertura de Veja sobre a política naquele momento conclui que a nulidade é Lula. E é ele mesmo o foco da reportagem, como veremos com mais detalhes no capítulo 3.

Mesmo quando o assunto não rende mais capa, Veja não quebra a seqüência e mantém o governo na primeira página da revista por mais três edições: uma com o “mensalinho” de Severino Cavalcanti (07/09/2005), outra sobre a economia (14/09/2005) e a terceira sobre o partido (21/09/2005), no mais forte ataque contra o PT já lançado pela revista. Vale ressaltar que na capa sobre a economia, que não se abalava e, segundo a manchete é “mais forte que a crise”, o subtítulo diz que o “Brasil se blindou contra o populismo e as aventuras na economia”. Dá a entender, ao leitor, que o responsável pela blindagem é o governo anterior, pois esse que parece tão irresponsável nas páginas da revista não seria capaz de fazer um bem ao país. Pelo contrário, com todo o mal que está fazendo, a economia se mantém firme, graças ao PSDB.

7 de setembro de 2005 14 de setembro de 2005

Quanto ao PT, a capa de 21 de setembro decreta o fim da legenda, com manchete: “... Era vidro e se quebrou”. Com poucos elementos gráficos e um fundo preto, a capa é limpa, apresenta apenas uma estrela quebrada do PT e a manchete, com o subtítulo “a história de uma tragédia política”. Note que o enunciador diz com todas as letras que o PT é uma tragédia política.

Essa capa encerra o ciclo das dezoito consecutivas contra o PT, durante o escândalo do “mensalão”. Sem ter mais o que falar sobre o assunto, Veja só consegue colocar o governo novamente na capa quase um mês depois, na edição de 19 de outubro, com um assunto requentado: a suspeita morte do prefeito de

Santo André, Celso Daniel, do PT. Até hoje, o assassinato do petista gera dúvidas se foi ou não um crime político. Mas aquela capa, que lembra uma lápide de Daniel, traz como se fossem fantasmas vários rostos de pessoas ligadas ao governo. A

manchete é: “Um fantasma assombra o PT”, que dispensa subtítulo.

Em 2 de novembro, a revista Veja publica uma das capas mais polêmicas do primeiro mandato de Lula. Novamente em tom vermelho, a capa é ilustrada por uma nota de 100 dólares com a imagem de Fidel Castro, presidente de Cuba. A manchete, sem subtítulo ou qualquer outra explicação, diz: “Exclusivo – os dólares de Cuba para a campanha de Lula”. A matéria, cheia de furos como discutiremos no capítulo 3, não sustenta nem uma nota, muito menos a capa da revista.

A última edição do ano em que o governo é retratado na capa é de 30 de novembro de 2005. A crise sobre Palocci aumenta e o ministro tem sua foto estampada na primeira página do semanário. Na altura da boca, uma faixa, como se a revista estivesse rasgada, e nela a palavra “vulnerável”, escrita em preto. Na testa do ministro aparece em branco “imprescindível”, formando as duas palavras antagônicas a manchete da edição. Veja parece ainda estar em cima do muro com relação a Palocci.