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EM ANO ELEITORAL, GOVERNO APARECE MAL EM 15 CAPAS

CAPÍTULO 1 O DISCURSO POLÍTICO DAS CAPAS

1.9 EM ANO ELEITORAL, GOVERNO APARECE MAL EM 15 CAPAS

Em 2006, último ano de governo, Veja publicou 15 capas sobre Lula e o PT, todas desfavoráveis em pleno ano eleitoral. A primeira é de 18 de janeiro e traz uma foto do marqueteiro de Lula, Duda Mendonça. A manchete é: “Desvio de dinheiro – Duda fez, Duda faz”, uma alusão ao slogan de Paulo Maluf, criado por Duda Mendonça quando o publicitário trabalhava para o político que é símbolo da corrupção no país. O subtítulo diz que, “mais do que marketing político, a especialidade de Duda Mendonça é caixa dois”. A capa faz parte da modalização discursiva que associa Lula a outros políticos corruptos.

Em 8 de março, com a aproximação das eleições presidenciais de 2006, Veja tenta ressuscitar o escândalo do “mensalão” com Marcos Valério em primeiro plano na capa e o apresentador de televisão Ratinho ao fundo, como se fosse sombra do empresário mineiro. A manchete, em letras grandes e brancas, é o elemento que mais chama a atenção na capa escura, como se gritasse: “O mensalão II”. Abaixo, dois tópicos ilustrados com fitas cassetes têm a chamada: “fitas explosivas”. A combinação da capa remete ao período de bombardeio de poucos meses atrás, quando o governo passava pelo escândalo do “mensalão”. Os dois tópicos que acompanham as fitas chamam a atenção para um caso de “propina para perdoar dívida de Itaipu” e ao “dinheiro para Ratinho elogiar Lula na TV”.

Ainda em março, Veja veicula outra capa tematizando a falta de ética do PT. Naquela última semana do mês, a Câmara dos Deputados absolveu João Magno (PT-MG) do pedido de cassação por quebra de decoro parlamentar por conta do envolvimento no suposto esquema do “mensalão”. Assim que saiu o resultado, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) dançou no plenário da Câmara em comemoração que foi rapidamente apelidada pela oposição e pela mídia de “dança da impunidade” ou “dança da pizza”. A imagem da deputada esteve estampada nas primeiras páginas de todos os jornais, e Veja não seria diferente. A manchete de 29 de março, entretanto, foi bem mais dura e incisiva que a de qualquer outro veículo: “Moral Torta”, em letras garrafais e com uma bússola de ponta cabeça no lugar do “o” da palavra “moral”. No subtítulo, o enunciador de Veja diz que “o governo do PT perde a bússola ética e o senso do ridículo”. Ao fundo da imagem da deputada dançando, Veja faz uma montagem com a foto de Palocci como se fosse uma sombra. A segunda chamada fala dos “crimes da operação de acobertamento” do que Veja chama de “Paloccigate”. Mais uma vez, está usada na capa da revista a estratégia discursiva que mostra um PT sem ética, pior que outros partidos.

29 de março de 2006 5 de abril de 2006

O “Paloccigate” continua sendo tema da capa de Veja na edição da semana seguinte, 5 de abril de 2006. A ilustração remonta aqueles ambientes dos anos 30, vistos em filmes sobre a máfia, em que pessoas são torturadas. A manchete em letras grandes também parece nome de filme: “Golpe Sujo”. Também compõem a cena dois pequenos retratos, um de Palocci e outro do caseiro Francenildo Costa, que disse ter visto o ministro numa casa em Brasília onde lideranças petistas de Ribeirão Preto faziam festas e negócios. Abaixo da manchete, Veja promete contar a “história secreta da mais grave crise do governo Lula”: “Um milhão de reais para tentar convencer funcionários da Caixa a assumir a culpa pela quebra de sigilo do caseiro. Quem estava na casa de Palocci quando o ministro recebeu o extrato. O sigilo do pai do caseiro também foi quebrado. O famoso advogado convocado para forjar uma versão salvadora”. As chamadas também parecem anunciar as próximas cenas de um filme ou uma novela. O mais curioso da capa, no entanto, é que ela é escura, o que dá destaque a uma faixa amarela viva no canto superior esquerdo da revista, que anuncia: “Eleições – Como a candidatura de José Serra muda o jogo”. Com essa chamada seca, o leitor deve se perguntar: que jogo? Ou pode ligar diretamente aos escândalos e mais escândalos que o governo Lula protagonizou nas capas do semanário e concluir que Serra pode acabar com a corrupção e os desmandos do PT.

Duas semanas depois, a capa de 19 de abril volta a tematizar o PT e os bandidos. A denúncia da Procuradoria-geral da União de quarenta pessoas envolvidas no esquema do “mensalão” leva Veja a fazer uma alusão a Ali Babá. A manchete é “o bando dos 40”. A imagem que ilustra é composta pelas fotos dos envolvidos que, unidas, formam o rosto do presidente Lula. É a deixa para Veja dizer no subtítulo que “Lula é o sujeito oculto da ‘organização criminosa que tinha como objetivo garantir a continuidade do projeto de poder do PT’”. O enunciador tirou um trecho da denuncia e acrescentou que Lula é o sujeito oculto. Em outras palavras, o Ali Babá que comandou os quarenta ladrões do “mensalão”. Uma acusação grave, a menos de seis meses das eleições presidenciais.

19 de abril de 2006 10 de maio de 2006

Menos de um mês depois e Veja publica uma capa no mínimo indelicada com Lula. Na semana de 10 de maio, o presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou que nacionalizaria as unidades da Petrobrás em seu país. A foto que ilustra a capa é de Lula de costas com a marca de um pé na bunda, manchada por petróleo. Os tons predominantes na capa são o amarelo e azul, cores do PSDB. A manchete é “Essa doeu” e no subtítulo o enunciador diz que “Lula dormiu como o ‘grande guia’ da América Latina e acordou como mais um bobo da corte do venezuelano Hugo Chávez, que tramou o roubo o patrimônio brasileiro na Bolívia”.

Três semanas depois, em 31 de maio, o governo está na capa de Veja novamente, desta vez com o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, numa foto montagem em que aparece vestido com uma armadura de soldado medieval. A manchete é “O guerreiro de Lula”, e o subtítulo pergunta: “Pode o ministro da Justiça ser também advogado criminalista de governistas encrencados?”. Novamente a modalização discursiva do PT que tomou de assalto a máquina pública e confundiu o público com o privado.

31 de maio de 2006 14 de junho de 2006

Na edição de 14 de junho, Veja aproveita uma manifestação do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) no Congresso Nacional para atacar o PT e o governo. A capa, vermelha novamente, traz uma coleira de cachorro e no centro a foto de um manifestante quebrando um vidro do Congresso. A manchete é “Os PTbulls”, um trocadilho com o nome do feroz cachorro pitbull. O PT em vermelho da manchete se destaca pelo contraste com o branco das outras letras e por estar numa tipologia pelo menos duas vezes maior. No subtítulo, Veja diz que os manifestantes são “financiados pelo governo e chefiados por um dirigente do partido”. Enfim, “são apenas um dos grupos que se comportam como o braço armado do PT”. Está aí novamente a estratégia de associar o PT a bandidos.

Em 26 de julho, o governo volta a ser tema da capa de Veja, com a manchete “Lista da Vergonha”. Trata-se do caso conhecido como a Máfia dos Sanguessugas, que agia há décadas no Ministério da Saúde em todos os governos com pessoas de vários partidos. Embora haja 112 parlamentares e mais 60 prefeitos envolvidos, Veja só destaca na capa o nome do atual ministro da Saúde, Humberto Costa, que, segundo a revista, “ajudou a liberar dinheiro para os mafiosos”.

26 de julho de 2006 23 de agosto de 2006

Logo depois, começa a propaganda política eleitoral na televisão e no rádio. E Veja veicula uma capa, em 23 de agosto, em que aparece um corpo de terno com um broche de campanha no lugar da cabeça. No botom, está escrito “PB – Partido do Botox”. O subtítulo explica que “botox não tem ideologia nem programa. O cosmético é o preferido dos políticos que querem parecer mais jovens na campanha eleitoral”. Logo abaixo, uma pequena foto de Lula e a chamada: “Veja confirma que até Lula aderiu”. Fica a pergunta: Veja está falando do botox realmente ou de políticos que não têm “ideologia nem programa”, enfim, não têm conteúdo? Nas páginas internas, pode-se confirmar que o enunciador fala mesmo da “substância que puxa, estica e rejuvenesce”.

Às vésperas das eleições, Veja publica mais duas capas ruins para o governo. A mais sutil é de 20 de setembro, que veicula uma entrevista com o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). A manchete é “A utopia real de Fernando Gabeira”, o subtítulo diz

que o “deputado que foi guerrilheiro se tornou um paladino da ética e da lucidez na política brasileira”. Gabeira foi eleito pelo PT, mas deixou o partido logo após a posse de Lula disparando uma série de críticas contra a legenda e o governo. Durante os escândalos do PT, Gabeira foi um dos mais duros críticos e sua imagem é rapidamente associada à oposição a Lula. Na capa em que Veja fala de “ética e lucidez na política brasileira”, as cores predominantes são o azul e o amarelo, marcas do PSDB que aparecia como o único partido capaz de impedir a vitória de Lula no primeiro turno das eleições que ocorreria em poucos dias. Gabeira não disputava nada naquela eleição. Na matéria, que leva o mesmo título da manchete da capa, o subtítulo destaca que o “ex- guerrilheiro coroa uma carreira de rupturas radicais como o principal nome da luta pela recuperação da ética e da credibilidade da política brasileira”. O enunciador fala em recuperação, como se a ética e a credibilidade estivessem presentes na política brasileira, mas tivessem sido assassinadas pelo governo Lula.

20 de setembro de 2006 27 de setembro de 2006

Na semana das eleições, em 27 de setembro, Veja veicula uma capa com uma caricatura de Lula com os olhos vendados pela faixa presidencial. A manchete é “Um tiro no pé às portas da eleição” e a matéria de capa começa assim: “Com seus métodos criminosos, o PT lançou o país em uma grave crise política. Às vésperas da eleição presidencial, o partido cometeu uma violência ao tentar influir nos resultados do pleito estadual paulista pela compra e divulgação de um dossiê falso sobre adversários. O crime foi descoberto”. Tratava-se de um negócio mal armado pelo PT paulista, que

comprara um dossiê sobre o candidato ao governo do Estado pelo PSDB, José Serra. Assim como toda a imprensa, Veja explora o crime cometido pelo PT, sem questionar em nenhum momento o conteúdo do dossiê, taxado pela grande mídia como “fajuto” ou “falso” como preferiu Veja.

O caso, bastante repercutido pela mídia sempre de forma negativa para o PT, impediu que Lula ganhasse a eleição no primeiro turno, probabilidade captada pelas pesquisas de então. O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, prosseguiu na disputa com Lula e logo na primeira edição após o pleito, o tucano foi brindado com uma capa favorável de Veja.

A edição de 11 de outubro traz um Alckmin em pose que parece foto de campanha. A imagem, em preto e branco, contrasta com o vermelho da manchete e do nome da revista. A chamada é: “O desafiante”, numa alusão ao boxe, em que um lutador desafia o campeão. Geralmente nos filmes eles ganham. O subtítulo destaca que o candidato tucano teve “40 milhões de votos no primeiro turno. Agora ele é uma ameaça real à reeleição do presidente Lula. Como funcionaria a economia se Alckmin fosse eleito”. O enunciador quer dizer claramente aos leitores que a vitória dada como certa para Lula não se consolidou e que a chance de Alckmin vencer é “real”. Ou seja, os leitores podem comemorar, há chance de o PT finalmente deixar o poder.

Na edição seguinte, 18 de outubro, em vez de produzir um perfil de Lula como fez com o candidato do PSDB, Veja opta por voltar com o caso do dossiê para a capa. Com a manchete “Limpeza de alto risco”, o enunciador diz no subtítulo que a “operação para encobrir a origem do dinheiro pode ser ainda mais devastadora para o governo”.

11 de outubro de 2006 18 de outubro de 2006

Uma semana depois e a cartada final de Veja, às vésperas do segundo turno. A edição de 25 de outubro traz na capa o filho de Lula, Fábio Luiz da Silva, requentando um escândalo de um ano e três meses atrás. No início de julho de 2005, durante a crise do “mensalão”, o filho do presidente se viu envolvido em denúncias de que teria feito tráfico de influências para conseguir um investimento para sua empresa de R$ 5,2 milhões da Telemar, a maior operadora de telefonia do país. A reportagem não traz nada de novo, apenas aproveita uma entrevista que Lula dera ao jornal Folha de S. Paulo naquela semana. Ao responder a pergunta de um leitor sobre o caso envolvendo seu filho, o presidente disse que Fábio Luiz teve sorte e que deve haver um milhão de pais reclamando: por que meu filho não é o Ronaldinho? Veja aproveitou a deixa para estampar na capa, na véspera do segundo turno, a manchete: “O ‘Ronaldinho’ de Lula”, com uma foto do filho do presidente em primeiro plano e o Lula ao fundo como se fosse um fantasma. A expressão de ambos é de preocupação. O subtítulo fala da comparação feita pelo presidente, mas pondera que os “dons fenomenais de Fábio Luiz, o Lulinha, só apareceram depois que o pai chegou ao Planalto”. O escândalo do filho de Lula foi uma das vertentes do “mensalão” que mais afligiu o presidente na época.

25 de outubro de 2006 8 de novembro de 2006

Mas a maioria dos brasileiros não deu bola para os escândalos do governo noticiado pela imprensa e Lula foi eleito para um segundo mandato com praticamente a mesma proporção de votos que levou para o primeiro governo. Na edição seguinte às eleições, Veja mantém o presidente na capa, com a manchete: “A última chance”. A foto de um Lula desanimado e torto é divida ao meio. A metade de cima é em preto e branco, passando a impressão de uma foto velha. O subtítulo começa nessa parte da página dizendo que “o primeiro mandato de Lula foi pífio”. Na parte colorida da foto, o enunciador completa seu raciocínio, destacando que “agora ele tem mais quatro anos para deixar um legado de grandeza”.