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CAPÍTULO 1 O DISCURSO POLÍTICO DAS CAPAS

1.10 A ESTRATÉGIA DE VEJA

Nos quatro anos do primeiro mandato de Lula, o governo e o PT foram os principais temas da capa de Veja, ocupando mais de um quarto das manchetes do período. Com 49 capas negativas, a revista lançou mão de uma estratégia discursiva que visava claramente dar a Lula o mesmo destino de Collor: o impeachment. Sem sucesso neste intento, o semanário passou a trabalhar para evitar a reeleição do petista.

A revista Veja não foi nada sutil em sua estratégia, pelo contrário, foi arrogante, agressiva, preconceituosa. O preconceito, aliás, foi uma das modalizações discursivas contra o governo mais utilizadas pela publicação, principalmente na capa.

Desde o primeiro ano do mandato, em 2003, a revista procurou tematizar sobre a ética no PT. O enunciador sempre deixou claro que ela não passava de discurso para chegar ao poder, mas, assim que os escândalos começaram, Veja tratou de provar que o PT era pior que os demais partidos neste quesito.

Entre os muitos preconceitos despejados pelo enunciador na capa está a associação entre o PT e bandidos; de traficantes a assassinos. A suposta falta de escolaridade e de atenção dos petistas com a educação também foram bastante exploradas, sendo que o enunciador não se intimidou para fazer alusão ao animal burro em diversas ocasiões. O esquerdismo do PT também foi apresentado negativamente e de forma preconceituosa. Veja mostrou aos leitores que a máquina pública foi tomada pelos petistas, que aparelharam o Estado como fizeram os soviéticos. Aliás, autoritarismo foi outro tema explorado por Veja, que procurou mostrar um PT stalinista e ditador.

A corrupção, entretanto, foi o tema mais explorado nas capas de Veja que retrataram o PT e o governo Lula. Com uma série de escândalos em pauta, a revista usou uma das estratégias mais controversas e criticáveis: a comparação entre Lula e Collor. Comparações são sempre complicadas, mas o enunciador de Veja, posicionado e ideológico, relacionou os dois presidentes de forma simplista e forçada. Com esta modalização discursiva, Veja pôde finalmente trabalhar pelo impeachment de um Lula sem moral, sem ética, corrupto, chefe de quadrilha, despreparado e que fez um primeiro mandato pífio, segundo as capas de Veja. Assim, a revista ousou também decretar o fim do PT.

Errou em todas as apostas. Para justificar suas derrotas, Veja encontrou uma explicação baseada e mais preconceitos. Na edição de 16 de agosto de 2006, quando as pesquisas apontavam vitória fácil de Lula na disputa pela reeleição, Veja veiculou uma capa com a foto de uma jovem negra segurando o título de eleitor. A manchete era: “Ela pode decidir a eleição”. O subtítulo explica quem é ela: “nordestina, 27 anos, educação média, 450 reais por mês, Gilmara Cerqueira retrata o eleitor que será o fiel da balança em outubro”. No título de eleitor, pode-se ver, entretanto, que a data de nascimento de

Gilmara é 01/12/1975. Ela tinha, portanto, 30 anos na época e não 27 como rebaixou Veja para enquadrá-la ao perfil do eleitor médio, que na verdade é o retrato do Brasil e não dos leitores da revista, que são das classes A e B. Para esses, que o enunciador de Veja aposta que sabem votar, resta a resignação, já que os negros, pobres, analfabetos e nordestinos é que vão decidir as eleições.

16 de agosto de 2006

Em 20 de julho de 2005, no auge da crise do “mensalão”, o editorial de “Carta ao Leitor”, com o título “A arte de facilitar a leitura”, apresenta a editoria de arte de Veja, composta por 21 designers. Ela é a responsável pelas capas, gráficos, tabelas e ilustração. Segundo a revista, é desses profissionais a “tarefa de transformar o importante em interessante”. O enunciador conta que no período da crise, a equipe trabalhou num ritmo “redobrado”, como se fosse um “jornal diário”.

Segundo Veja, para ser boa a capa precisa resumir a essência da reportagem escolhida para ser o carro-chefe da edição. “Além disso, a capa tem de ser atrativa – pela beleza, pelo impacto ou, sempre que possível, por ambas as qualidades. De três a quatro capas são feitas para cada número da revista. Elas podem ser de diferentes assuntos, caso haja várias reportagens concorrendo, ou opções para um mesmo tema. Com a atual crise, tornou-se comum que a capa de Veja seja inteiramente mudada nas derradeiras horas do fechamento de sexta-feira”.

Sobre as capas de Veja, Scorsato e Quevedo (2003) dizem que os recursos estratégicos com fórmulas gráficas são utilizados pelos editores da revista para provocar reações emocionais e assim atrair a atenção do leitor, seguindo o princípio básico de toda propaganda: persuadir. “Por isso é que seu sucesso editorial também depende de uma boa composição da capa. A utilização de elementos verbais e não-verbais, figuras de linguagem ou pensamento, além de outros gêneros que acabam por muitas vezes aparecendo de forma implícita, para incrementar um trabalho provocativo e sensacionalista” (2003, p 5-6).

A construção de um novo cenário para cada capa, segundo os autores, legitima ainda mais o discurso da revista. Muitas vezes, esse cenário atinge o público antes mesmo do discurso e, dessa forma, faz com que os leitores encontrem e aceitem um lugar que lhes é consignado nesse cenário.

“Dessa forma é que podemos observar as vontades e verdades que o veículo quer nos mostrar, de certa forma guiando nosso olhar para uma única possibilidade de verdade (...) na tentativa de, ao mostrar-se contrário a tal governo, a revista procura fortalecer sua aliança com o leitor, na qualidade de defender seus anseios, aproximando a relação entre os interlocutores do discurso (enunciador e co- enunciador) e definindo o cenário de fala na maior parte das capas. No discurso o jornalista incorpora a figura de representante da opinião pública, ao qual incorpora uma tonalidade que divulga, argumenta explica e defende por meio de expressões ou elementos muitas vezes irônicos defendendo muitas vezes determinados interesses”. (Scorsato e Quevedo, 2003, p. 11-12).

E, dessa maneira, Veja constrói aos seus leitores uma imagem da realidade social e política do país, em que o PT deve ser expurgado para sempre da cena pública. Este enquadramento que a mídia faz da notícia aos seus leitores pode ser estudado por meio da hipótese do agenda-setting. A base da teoria é que as pessoas não possuem um

repertório próprio sobre determinado tema, apenas recebem esses conhecimentos e assimilam a realidade social por meio do prisma dos veículos de comunicação em massa.

Mauro Porto explica que no jargão jornalista, o enquadramento seria o “ângulo da notícia”, o ponto de vista adotado que destaca certos elementos de uma realidade em detrimento de outros. “O conceito de enquadramento permite entender o processo político como uma disputa sobre qual interpretação irá prevalecer na formação, desenvolvimento e resolução de controvérsias políticas. O conceito permite ainda ressaltar como estas controvérsias se desenvolvem não através da apresentação de 'fatos' ou 'informações', mas sim através de interpretações que são utilizadas para avaliar estes eventos ou temas políticos” (p13).

O pesquisador Mauro Wolf (2005) explica que o modo de hierarquizar os acontecimentos ou os temas públicos importantes, por parte de um sujeito, assemelha-se a avaliação feita pela mídia.

“Em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas” (Shaw apud Wolf, 2005, p. 143).

Segundo Fernando Antônio de Azevedo (2002, p.11), a idéia-força implícita na noção de agenda-setting é a de que: (1) a mídia, ao selecionar determinados assuntos e ignorar outros define quais são os temas, acontecimentos e atores (objetos) relevantes para a notícia; (2) ao enfatizar determinados temas, acontecimentos e atores sobre outros estabelece uma escala de proeminência entre esses objetos; (3) ao adotar enquadramentos positivos e negativos sobre temas, acontecimentos e atores constrói atributos (positivos e negativos) sobre esses objetos; (4) há uma relação direta e casual entre as proeminências dos tópicos da mídia e a percepção pública de quais são os temas (issues) importantes num determinado período histórico.

Na concepção de Azevedo, a mídia faz uma “construção social da realidade” e define o que e como pensar, por meio da noção de enquadramento, que é a ênfase no tom da notícia e o enfoque privilegiado pela matéria. Neste sentido, a opinião pública acaba se tornando basicamente como “uma estrutura temática configurada pela mídia” (Luhman apud Azevedo, p, 3). Essa tematização que o sociólogo alemão conceitua, reduz o universo temático da opinião pública essencialmente ao que a mídia publica ou veicula.

Luiz Gonzaga Motta (2002, p.125-126) diz que o processo de seleção de notícias vai além do ato de decidir o que vai e o que não vai ser publicado. Começa com a elaboração da pauta, passa pelas escolhas das fontes, pelos cortes e enquadramento que os repórteres fazem da realidade, pelas prioridades atribuídas, pelos ângulos de cada matéria, pela forma como o real é submetido ao texto, pela diagramação, pela edição, “num processo complexo e sujeito, em todo o seu percurso, a pressões e condicionamentos políticos, ideológicos e econômicos”.