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CAPÍTULO 4 MAIS ESCÂNDALOS EM 2006, É O ANO DA REELEIÇÃO

4.8 A GRANDE CHANCE DE IMPEDIR A REELEIÇÃO

Nas edições que antecedem as eleições, Veja mantém em sua pauta os casos da máfia dos sanguessugas e do “mensalão” e suas críticas ao governo e ao PT. Enquanto isso, o enquadramento de Veja ao PSDB é positivo.

Na edição de 6 de setembro, um mês antes das eleições, Veja publica a matéria “As verdades de Vedoin” sobre a lista de sanguessugas que “não pára de crescer”. Veja dá muito crédito ao empresário acusado de corrupção e no olho da matéria justifica que “cabe somente à Justiça definir suas eventuais imprecisões”.

“É certo que o dono da Planam decidiu contar o que sabia não por elevado sentimento de Justiça, mas para escapar da cadeia – afinal de contas, é o que prevê o benefício da delação premiada do qual resolveu fazer uso. É evidente ainda que, por sua ação corruptora e alto grau de envolvimento no esquema, suas declarações devem ser encaradas como um ponto de partida para as investigações. Mas é inegável também que todas as confissões que fez até agora se revelaram bastante robustas, tanto do ponto de vista documental como de testemunho. Essas confissões não podem, por obra daquela costumeira associação entre ingenuidade jornalística e malandragem política, ser descartadas por causa de eventuais fragilidades de outros depoimentos de Vedoin (...) Se o empresário está tentando jogadas desonestas para auferir benefícios, isso não pode servir de pretexto para poupar culpados. Cabe à Justiça – e não à imprensa ou ao espírito de corpo dos políticos – separar o joio do trigo” (Veja, 06/09/2006).

Duas semanas depois e esse mesmo Vedoin, cuja palavra merece tanto crédito de Veja, passa a ser um mentiroso sem qualquer qualificação. No dia 15 de setembro, a Polícia Federal apreendeu vídeo, DVD e fotos que mostram o candidato a governador em São Paulo pelo PSDB, José Serra, na entrega de ambulâncias da máfia dos sanguessugas em Cuiabá em 2001. O material, segundo a PF, seria vendido por R$ 2 milhões por Luiz Antônio Vedoin ao petista Valdebran Carlos Padilha da Silva, preso

pela PF de madrugada no aeroporto Congonhas (SP). A Polícia encontrou mais de R$ 1,8 milhão, em dinheiro (dólar e real) em um hotel de São Paulo. A quantia seria usada no pagamento do material. Praticamente toda a grande imprensa desencadeou uma campanha para incriminar o PT pela compra do dossiê que envolvia Serra e vários tucanos. O conteúdo dos documentos foi tachado de falso pela imprensa antes mesmo de qualquer investigação. Nos quinze dias que antecederam as eleições, os jornais Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo dedicavam praticamente o primeiro caderno inteiro para falar do assunto, sempre carregando nas tintas contra o PT. O dono da Folha, Otavio Frias Filho, chegou a escrever um artigo defendendo o voto em qualquer outro candidato menos em Lula, para que houvesse segundo turno e o PT pudesse se explicar melhor. A rede Globo foi acusada de esconder o acidente envolvendo o avião da Gol (até então o maior acidente aéreo da história do Brasil, que causou 169 mortes) na mesma edição do Jornal Nacional que apresentou as fotos de pilhas de dinheiro apreendido com os petistas para pagar do dossiê, que foi ao ar a partir de 20h, no mesmo dia do acidente, em 29 de setembro. Alguns observadores consideraram no mínimo curioso que a Rede Globo, a emissora tecnologicamente mais bem equipada do país, tenha sido passada para trás na notícia do desaparecimento do avião da Gol pelas demais concorrentes. Estranharam também a decisão editorial da Globo de dedicar oito dos 37 minutos do JN à divulgação das fotos. Para a revista Carta Capital, a Globo não quis noticiar o maior acidente da história da aviação brasileira na mesma edição em que foram exibidas as fotos das pilhas de dinheiro do dossiê por temer que a notícia do acidente da Gol viesse a "ofuscar" o efeito que se esperava obter, nas urnas, com a exibição de pilhas de pecúnia dos petistas.

A primeira matéria de Veja sobre o dossiê foi discreta, na edição de 20 de setembro. O título diz que “O alvo era Serra”. O olho informa que “Vedoin, o empresário dos sanguessugas, é preso pela PF. Ele é suspeito de participar com petistas de uma armação contra o candidato tucano”. Ao ligar Vedoin aos sanguessugas, o enunciador já desqualifica o empresário. Na legenda da foto de abertura, o semanário diz que “petistas que negociaram com o corruptor foram presos com o equivalente a 1,7 milhão de reais em dinheiro vivo”. Veja, por enquanto, não tem coragem de chamar o dossiê de falso.

Mas, na edição seguinte, de 27 de setembro, o enunciador não só tem coragem de classificar os documentos como fajutos, como leva o tema para a capa e dedica trinta páginas para atacar Lula e o PT. A matéria principal chama-se “um tiro no pé às portas

da eleição”. Na legenda da foto principal, o enunciador diz: “Lula e a corrupção: Cercado de pessoas sem escrúpulos no Palácio, nos churrascos de domingo, no seu partido, o PT, o presidente colhe os frutos amargos da complacência com malfeitores”.

O enunciador parece se deliciar com o fato de não ter conseguido derrubar Lula todo esse tempo e agora, “às portas da eleição”, ele corre o risco de perder por besteiras feitas pelo próprio PT.

“Com seus métodos criminosos, o PT lançou o país em uma grave crise política. Às vésperas da eleição presidencial, o partido cometeu uma violência ao tentar influir nos resultados do pleito estadual paulista pela compra e divulgação de um dossiê falso sobre adversários. O crime foi descoberto. Pela proximidade dos seus autores confessos e dos suspeitos com a campanha de reeleição do presidente Lula e com a própria instituição da Presidência da República, as conseqüências legais podem ser severas. Entre os trágicos resultados potenciais do crime está até a impugnação da candidatura de Lula. Se isso vier a acontecer, o PT terá feito algo inédito em sua rica trajetória de delinqüências. O próprio partido de Lula terá conseguido impedir a manifestação da vontade popular dos brasileiros que, nas pesquisas, brindam o presidente-candidato com 50% das preferências de voto. Na terminologia do próprio Lula, o PT terá conseguido ‘melar’ as eleições. Que melancólica ironia! O episódio é fruto de desgoverno, da colonização do aparelho de estado por militantes petistas contaminados pela notória ausência de ética e moral da esquerda quando esquadrinha a chance de chegar ao poder – e, depois, de mantê-lo a qualquer custo. Sobre essa delituosa sopa primordial paira a figura complacente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva” (Veja, 27/09/2006).

O enunciador volta apostar no impeachment ou na queda de Lula pela via judicial. Na matéria “o vôo cego do petismo”, Veja aponta que “o escândalo do falso dossiê revela que os petistas envolvidos fazem parte do círculo íntimo de Lula – e abre uma crise cujo desfecho é imprevisível”.

“O escândalo do dossiê, no qual uma dupla de petistas foi flagrada comprando por quase 2 milhões de reais um conjunto de denúncias contra tucanos que não valia um centavo, abriu uma crise gravíssima e imprevisível. Gravíssima porque logo se descobriu que os envolvidos têm laços com a campanha reeleitoral do presidente Lula e com a própria instituição da Presidência da República (...) A crise é também imprevisível nos seus desdobramentos porque, ao revelar laços de tamanha gravidade com a mais alta autoridade da República, joga uma sombra sobre o futuro. O caso está sendo investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral e, teoricamente, pode resultar na impugnação da diplomação de Lula, caso seja reeleito, ou estimular a instalação de um processo de impeachment pelo Congresso Nacional – na hipótese de se

comprovar que a campanha do presidente cometeu abuso de poder econômico ou político na compra ou montagem do dossiê contra os tucanos (...) Os partidos aliados foram acionados para dar apoio público ao presidente e os movimentos sociais, nunca antes tão claramente atuando como linha auxiliar do governo e do petismo, fizeram um manifesto em defesa de Lula. A tática – de novo, de novo – é dizer que Lula não sabia de nada e que, estando com folgada vantagem nas pesquisas, também não teria interesse algum em atacar adversários. Na lógica petista, portanto, tudo aconteceu por obra de maus perdedores. ‘Temos de levar em conta a quem interessa, a essa altura do campeonato, melar o processo eleitoral no Brasil’, disse Lula, durante viagem a Nova York. Respondendo: 1) Um dossiê devastador contra José Serra interessaria ao PT em São Paulo. Seria ótimo para Lula ter um governador petista em São Paulo em um segundo mandato. 2) Disparar um tiro de morte contra Serra significaria exterminar praticamente o PSDB em nível nacional. 3) ‘Melar’ o processo eleitoral não interessa a nenhum democrata, mas sobre essa questão seria mais útil perguntar aos seus colaboradores íntimos que entraram na fria de comprar um dossiê com dinheiro sujo (...) O problema do discurso oficial é a afronta aos fatos. O castelo – de Lula, do PT, da reeleição – começou a tremer num episódio cujos autores são todos petistas (...) O escândalo do dossiê comprova que a ‘organização criminosa’, para usar as palavras do procurador-geral da República, refinou um método para reagir aos flagrantes da bandidagem. Assim como no escândalo do mensalão, agora também a primeira reação foi de negar qualquer envolvimento com o caso (...) Além de se cercar de tantos suspeitos, Lula parece afastar-se deles quando são pilhados em alguma malandragem apenas de forma protocolar. No caso do mensalão, justificou a existência de caixa dois no PT. Passado o auge do caso, chegou a receber os mensaleiros no Palácio do Planalto, aos quais recomendou que não se sentissem culpados porque não haviam feito nada de essencialmente errado. Despediu-se de seus principais ministros caídos com afagos, elogios e promessas de irmandade eterna. Com esse comportamento, Lula acaba servindo como sinal verde, como autorização tácita para que atos clandestinos e irregulares sejam cometidos. Desde o primeiro rombo no casco ético de seu governo, quando se soube que o braço-direito do então ministro José Dirceu fora flagrado achacando um empresário de jogos, o presidente Lula teve todos os meios para limpar seu governo, higienizar seu palácio e promover uma faxina no PT. É lamentável que nunca tenha feito nem uma coisa nem outra. Deixou, assim, que o PT, mais uma vez, mergulhasse seu governo e o país nos recônditos de uma crise sem solução fácil”. (Veja, 27/09/2006).

O enunciador também volta à mesma estratégia discursiva utilizada no caso que envolvia Palocci: relacionar o escândalo do dossiê ao caso Watergate, que forçou a renúncia do presidente americano Richard Nixon. Na mesma edição publica uma matéria com o título "Pior do que o Watergate". O enunciador diz que Lula pode ser

absolvido no processo do TSE. “Mas, se eleito, assumirá um governo que dará a largada sob o peso de um monumental passivo ético – resultado da soma de escândalos que pontuaram toda a segunda metade do seu mandato. Para especialistas, esse desgaste terá reflexos diretos na governabilidade”. Veja não publica falas dos especialistas e nem aponta quem são. Conclui essa matéria dizendo que “atiçar a população mais carente, beneficiária direta da bilionária caridade oficial, é uma saída a que Lula poderá recorrer para tentar blindar-se contra uma eventual ameaça de impeachment – fantasma que continuará a assombrá-lo em um provável segundo mandato. A ele e ao país, infelizmente”. Numa outra matéria da mesma edição de 27 de setembro, Veja diz no título que “Perdemos o sentido da civilização”. A frase é do entrevistado da matéria, o jurista Célio Borja, que tem 78 anos e “testemunhou ou participou de momentos de grave crise institucional, como o golpe militar de 1964 (quando era deputado pela UDN) e o impeachment de Fernando Collor de Mello (quando era ministro da Justiça)”.

Na edição seguinte, de 4 de outubro, Veja continua explorar o tema, a dois dias das eleições. A matéria “Tensão e dinheiro na chegada”, diz que “a poucas horas do primeiro turno, o partido do presidente Lula tenta impedir na Justiça a divulgação das imagens do dinheiro com que petistas pretendiam comprar o dossiê contra o tucano José Serra”. Na legenda da imagem que ilustra a matéria, o enunciador reforça a queda na intenção de votos do presidente e a probabilidade cada vez maior do segundo turno acontecer.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Vox Populi encerrada às 18 horas de sexta-feira, o presidente Lula mantém a dianteira na corrida presidencial, mas nas duas últimas semanas perdeu boa parte da vantagem que tinha sobre os outros candidatos. Em 15 de setembro, Lula tinha 17 pontos a mais do que a soma das intenções de voto de seus adversários. Agora, está apenas 4 pontos à frente

Todos os principais veículos de comunicação divulgaram as fotos com o dinheiro apreendido com bastante destaque. O volume de dinheiro chama a atenção e foi suficiente para levar a eleição ao segundo turno. Veja não seria diferente e o enunciador diz que “Lula amargou o dissabor de ver divulgadas as imagens que seus subordinados no governo tão cuidadosamente haviam conseguido esconder por duas semanas: as das pilhas de dólares e reais com que petistas pretendiam comprar um falso dossiê com o intuito de incriminar o tucano José Serra. O PT ainda tentou evitar que se divulgassem as fotos”.

Os reais e os dólares (à esq.) que estavam com os petistas presos e que foram entregues a eles por um assessor do candidato ao governo de São Paulo Aloizio Mercadante (abaixo). O PT tentou esconder as imagens por meio de liminar

Clayton de Souza/AE

A revista lembra que só nos últimos quarenta dias a imagem de Lula foi atingida por sucessivos escândalos e que “a enxurrada de revelações sobre corrupção que envolveu o governo Lula desde junho de 2005 arrastou nada menos do que quinze pessoas próximas ao presidente, incluindo três de seus homens fortes no governo (José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken, este último ainda no poder, mas rebaixado de posto); três altos dirigentes de seu partido (José Genoíno, Delúbio Soares e Silvio "Land Rover"

Pereira); e três chefes de sua campanha à reeleição (Ricardo Berzoini, Osvaldo Bargas e Jorge Lorenzetti)”.

“Até sexta-feira passada, nada disso havia sido suficiente para abalar Lula. Em comício realizado em São Bernardo do Campo, na quinta-feira, o presidente voltou a afirmar que será reeleito no primeiro turno. Ainda que isso ocorra, Lula terá um desafio muito maior pela frente do que vencer o tucano Geraldo Alckmin: o de evitar que um eventual segundo mandato seja, como foi o primeiro, manchado pela nódoa da corrupção – que, ao contrário do que parecem querer o presidente e seus assessores, não se apaga com liminares nem com operações abafa”. (Veja, 04/10/2006).

Finalmente a imprensa ganha uma e consegue impedir a vitória de Lula. Com pouco mais de 48% dos votos válidos, o petista não conseguiu a maioria absoluta necessária para se reeleger no primeiro turno. Alckmin ficou com 41% e teria quatro semanas para tentar reverter a vantagem do presidente. E a mídia mais quatro semanas para bombardear Lula.