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GOVERNO APARECE MAL EM METADE DAS CAPAS DE 2005

CAPÍTULO 1 O DISCURSO POLÍTICO DAS CAPAS

1.7 GOVERNO APARECE MAL EM METADE DAS CAPAS DE 2005

Em 2005, ano do “mensalão”, o governo se encontra no centro da pior crise política desde a queda do presidente Collor, em 1992. Como veremos com mais detalhes no capítulo 3, a chamada grande imprensa deflagrou uma verdadeira campanha para apear Lula do Planalto. Veja foi o veículo responsável por dar início ao escândalo do “mensalão” e sua densa cobertura sobre o tema levou o governo a figurar negativamente em quase a metade das capas do semanário durante o ano de 2005. Das 52 edições, Lula e o PT aparecem de forma negativa em 24 capas, sendo 18 delas classificadas pela própria Veja no tema escândalo.

Antes do “mensalão” começar, a revista veicula uma capa duríssima para o governo do PT, logo no início do ano, na edição de 26 de janeiro de 2005. No centro de um enorme par de orelhas de burro, a manchete de Veja pergunta, em letras pretas e grandes: “O PT deixou o Brasil mais burro?”. Não precisa de nenhuma análise de discurso para verificar qual resposta o enunciador pretende arrancar do leitor. Basta ler o subtítulo para obter a resposta da própria revista: “O obscurantismo oficial condena o inglês, quer tirar a liberdade das universidades e mandar na cultura”. A matéria “O risco da involução”, diz no olho que “será o triunfo do atraso se vingarem as tentativas petistas de oficializar a cultura, controlar a imprensa, barrar o inglês, asfixiar a universidade...”. Três pontos que mostram que o PT tem feito tantos ataques à educação e à cultura que nem se pode contar nos dedos. A imagem que abre a matéria é a famosa ilustração da evolução humana de Darwin, mas quando o macaco finalmente vira homem, começa a involução. Na ilustração, o macaco que “involuiu” do homem e lidera a fila segura uma bandeira vermelha com os dizeres “Marcha da Insensatez”. Insensatez está escrito com “c” e corrigido com um “s” que rasura a faixa. A palavra Marcha remete à história política do PT, que tem como uma de suas bases os movimentos

sociais. Com o erro de português na bandeira, Veja volta ao tema do preconceito contra Lula, que não tem curso superior e sempre foi motivo de críticas por falar errado. A matéria mostra que, uma vez no poder, o PT não dá a devida atenção à educação e está deixando o “Brasil mais burro”. A capa com essa dura crítica, entretanto, novamente não condiz com o momento que o país vive, com a economia indo de vento em popa e os índices de aprovação do governo lá em cima. Talvez seja por isso mesmo que, de novo, o enunciador de Veja começou a matéria assim:

“Depois de dois anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil é um país melhor. A economia vive seu mais longo período de estabilidade em tempos democráticos. O governo, num exercício de sensatez, já demonstrou a seriedade de sua adesão aos instrumentos universalmente aceitos de estabilização econômica. A política, depois da mais civilizada transição entre adversários políticos que Brasília já viu, foi exorcizada das fantasmagorias disseminadas contra o país e a moeda toda vez que um candidato de esquerda – Lula, em resumo – surgia com chance real de chegar ao poder. Deve-se ao governo petista o fato de que, hoje, o Brasil é um país com uma economia ainda mais estável e uma democracia ainda mais vigorosa. Mas, por trás desse panorama geral cuja tônica é o avanço, há sinais desconexos, que apontam para a aversão ao debate, a sovietização do conhecimento, o desprezo do mérito. Do embate entre esses dois vetores do governo resultará a direção pela qual o país vai seguir. Por enquanto, está-se no rumo evolutivo correto. Mas, dada a constelação de disparates que o governo anda produzindo, especialmente no que diz respeito à cultura e à educação, não é exagero dizer que o Brasil corre sério risco de involução”. (Veja, 26/01/2004. p. 46)

A matéria toda trabalha com perspectivas e suposições, nenhum dado concreto além de conjecturas. Poderia ser um editorial, não capa da maior revista semanal do país, com uma ilustração e uma manchete tão acusatórias.

Quase um mês depois e o Congresso Nacional elege seus novos presidentes. Na Câmara uma surpresa: um deputado do chamado baixo clero, Severino Cavalcanti, do PP pernambucano, foi eleito com 300 votos da oposição ao governo, liderada pelo PSDB e PFL. Deputados das duas legendas comemoraram efusivamente a vitória junto com Severino, mas a irresponsabilidade de eleger um deputado sem compromisso e sem plataforma política para a Câmara não é criticada pela imprensa. O PT é responsabilizado pela vitória, mesmo tendo candidato próprio, e Veja estampa mais uma capa negativa para o governo, em 23 de fevereiro de 2005.

Uma foto montagem de Severino com uma coroa de rei, com o candidato do PT à Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh, desolado no fundo, ilustra a capa. A manchete, “O susto Severino”, vem acompanhada do subtítulo, em que o enunciador diz que a eleição do “rei do baixo clero” é uma “derrota do PT, de Lula e um golpe na imagem do Parlamento”.

A matéria “Abrindo a caixa vermelha” faz no título um trocadilho com as cores do PT. Caixa preta é um instrumento da aeronáutica, mas também é sinônimo de algo escuso e ilegal. No subtítulo, o enunciador diz que a “extravagante vitória de Severino, o ‘rei do baixo clero’, mostra o desprezo do PT pelo Legislativo e revela que a experiência de poder está esfacelando o partido”. Na verdade, a revista poderia falar do desprezo do PSDB e do PFL, que elegeram Severino. Mas prefere atacar o PT, que tinha candidato próprio, por sinal um petista histórico. A revista justifica que a culpa é do partido de Lula por lançar como candidato “um advogado de longa militância esquerdista que sempre fez questão de dizer que escolhe as causas que defende por preferência ideológica (...) uma candidatura pouco palatável para a maioria dos deputados federais, um conjunto de pessoas que representa a média da população brasileira, cuja posição política é bem mais conservadora do que ‘o perfil avançado do companheiro Greenhalgh’, como definiu o deputado José Genoino, presidente do PT”, definiu Veja aos seus leitores.

Passada a eleição no Congresso, o governo federal segue sem maiores problemas políticos. Na imprensa, o noticiário é morno até que, em março, a revista Veja tenta

iniciar uma crise para os petistas, com uma reportagem que prometia ser “bombástica”. O escândalo fabricado por Veja foi noticiado na capa da edição de 16 de março de 2005. A manchete era “Tentáculos das Farc no Brasil”. Em letras menores, a revista diz que “espiões da Abin gravaram representantes da narcoguerrilha colombiana anunciando doação de 5 milhões de dólares para candidatos petistas na campanha de 2002”.

A capa é chamativa, cheia de dólares ao fundo e uma foto do militante petista que teria recebido dinheiro das Farc. Embora a revista tenha considerado a reportagem forte o suficiente para ser a capa da edição, no corpo da matéria o enunciador por três vezes ressalva que não tinha como comprovar as acusações. Aí começa uma outra estratégia discursiva que vai ser ampliada nos meses seguintes, com o “mensalão”: a tematização

que liga o PT a bandidos armados e perigosos, não apenas aos criminosos do colarinho branco. A reportagem “Laços explosivos” abre com uma foto de dezenas de membros das Farc armados e enfileirados. Na legenda: “Guerrilheiros e traficantes - fileiras das Farc: um controvertido amontoado de guerrilheiros, terroristas e narcotraficantes”. É com esse grupo que o enunciador de Veja afirma - sem qualquer prova - que o PT tem ligações, como veremos com mais detalhes no capítulo 3.