Sim u la çã o & Sim u la dor e s
u m a n ov a e st é t ica on lin e
Pa u lo Fr ia s
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Re su m o
Num a cult ur a cont em por ânea de sim ulação, a pr esent e com unicação t em com o obj ect ivo pr incipal r eflect ir sobr e as m anifest ações de const r ução, r efor m ulação e com ut ação das novas ident idades: “ eus” ubíquos, plur ais, r eflex iv os e m ult ifor m es. Par a isso, são abor dados t em as com o espaço, pr esença e r econhecim ent o, na t ent at iv a de r epensar com o se m anifest a essa nova est ét ica de sim ulação em inst âncias online, e em par t icular nos w eblogs pessoais. Os t em as r efer idos ao longo da com unicação, conduzem à for m ulação de um a quest ão cent r al: num a cult ur a de sim ulação, não ser á o ut ilizador ( o da cult ur a do cálculo) o novo sim ulador por ex celência?
1 . I n t r od u çã o
Tendo com o r efer ência a exist ência de um a nov a cult ur a
cont em por ânea, a da “ sim ulação” ( Tur kle, 1995) const it ui obj ect ivo
pr incipal dest a com unicação a r eflexão sobr e as m anifest ações de
const r ução, ( r e) for m ulação e “ cycling t hr ough” ( Tur kle, 1995) do “ eu”
em w eblogs pessoais: um “ eu” ubíquo, plur al, reflexivo, m ult ifor m e,
“ capt ológico” ( Fogg, 2003) .
Nesse sent ido, pr et ende- se abor dar o t em a à luz de noções
t r ansdisciplinar es com o as de espaço, “ um espaço de fluxos” ( I nce,
2003) , de pr esença, t ele- pr esença e r econhecim ent o ( Heet er , 1992)
de m últ iplas aspir ações ( Dennet t , 1991) de um “ know ing self”
( Har aw ay, 1991) , de r eflexividade ( Br om ber g, 1994) , que cont r ibuam
par a a for m ulação de quest ões que t ent am ent ender os espaços
pessoais online enquant o m anifest ações de for t alecim ent o e de
sim ulação das m últ iplas ident idades cont em por âneas.
Num quadr o t eór ico que coloca em oposição a est ét ica do
cont em por ânea, par ece ser per t inent e a t ent at iva de ent ender as
m ot ivações e, sobr et udo, os m ecanism os de afirm ação das
ident idades no ciber espaço, onde a t ecnologia apar ent a assum ir - se
cada vez m ais com o um facilit ador de oper ações com plexas que se
j ogam na esfer a do pensam ent o individual sobr e o “ eu” . O
pensam ent o det er m iníst ico da er a m oder na, em que a invenção de
novas t ecnologias “ or ient adas par a o ut ilizador ” dit ava o sur gim ent o
de novas for m as de com unicar , par ece t er dado lugar a um quadr o de
r eflexividade e r et r o- alim ent ação, em que o suj eit o, fr uidor de
espaços m ent alm ent e const r uídos, det er m ina os avanços
t ecnológicos, e que pode ser ent endido com o o ver dadeir o sim ulador
da cont em por aneidade.
A m anifest ação dest as ideias t ent ar á ser det ect ada em w eblogs
pessoais, que se ent endem com o espaços pr ivilegiados par a a
confir m ação da exist ência de um a nova est ét ica online.
2 . Espa ço
Com o pont o de par t ida, ent ende- se im por t ant e a r efer ência à
const r ução m ent al de um espaço de fluxos, em oposição a um espaço
de lugar es, pr opost a por Manuel Cast ells ( I nce, 2003) , e que põe em
causa a validação do espaço enquant o t er r it ór io físico, car ent e de
noções de vizinhança e de pr oxim idade geográfica. Nessa nova r ede
de fluxos, a const r ução m ent al do espaço est á par a além das
definições quânt icas que car act er izam o pensam ent o m oder no, e
pr ocessa- se ant es num nov o “ t er r it ór io” nascido das r eflex ões de
cada um sobr e si m esm o.
Um espaço sem um r efer encial or t onor m ado, não
geo-r efegeo-r enciado, onde a geo-r epgeo-r esent ação m im ét ica da geo-r ealidade ent endida
à luz das leis da física per de sent ido e se r econfigur a de um a for m a
O indivíduo plur al, am bíguo e ubíquo ocupa, em cada m om ent o da
sua vivência online, um espaço m ent alm ent e elabor ado e
concor dant e com a( s) ident idade( s) assum ida( s) .
Apesar disso, as m ais r ecent es pr opost as de “ const r ução” de
espaços online cont inuam a r evelar um a pr ofunda ligação às
const r uções m ent ais her dadas, não clar ificando quest ões t ão
essenciais com o a dicot om ia ent r e público e pr ivado.
Em alguns casos, por det r ás de um a propost a de const r ução de
um espaço pessoal e pr ivado, sur ge o apelo à cr iação de r elações
sociais am bíguas e exponenciais, que t êm com o obj ect ivo pr om over a
cr iação de um a r ede de cont act os onde o indiv íduo facilm ent e se
afir m a pelo r econhecim ent o aut om át ico da sua ident idade: salas de
conver sação, blogs, galer ias de fot ogr afias pessoais são alguns dos
inst r um ent os disponíveis par a um r ápido pr ocesso de r econhecim ent o
público. No ent ant o, a const r ução m ent al do espaço, do “ m eu
espaço” , não se afast a significat ivam ent e da for m a m ais com um de
cr iar r elações e r edes sociais, apenas alt er ando os m eios à disposição
par a a sua cr iação.
O m esm o se passa com os sist em as de “ r ealidade vir t ual” , um a
expr essão só por si pouco consensual e com m últ iplos significados de
acor do com quem dela se apr opria. St euer ar r isca m esm o afir m ar
que “ pr ovavelm ent e a solução m ais eficaz par a o problem a da
ut ilização act ual do t er m o “ r ealidade vir t ual” ser á abandoná- lo
int eir am ent e ( pelo m enos par a fins de invest igação) ” ( St euer , 1992) .
A for m a m ais com um de ent ender a “ r ealidade vir t ual” r em et e par a a
ideia de m im et ização de um a r ealidade espacial geo- r efer enciada e
com unicacional, agor a em supor t es digit ais, o que const it ui desde j á
um a r azão m ais do que suficient e par a que, no âm bit o dest e
t r abalho, a abandonem os em definit ivo.
Um espaço de fluxos e não um espaço de lugar es, pr essupõe a
sobr et udo vivendo de novas r epr esent ações super ficiais, de novos
par adigm as gr áficos e com unicacionais. Esse passar á a ser o
“ t er r it ór io” das novas sim ulações, os “ lugar es” das nov as ident idades
desm ult iplicadas, e que car ecem de out r as ident idades e de
am bient es que validem a sua pr esença.
3 . Pr e se n ça & Re con h e cim e n t o
A r eflexão acer ca de um espaço m ent al e ciclicam ent e
( r e) const r uído, apenas faz sent ido consider ando a noção de pr esença,
ou de r econhecim ent o de um a exist ência plasm ada num a superfície
opaca. A exper iência do indivíduo pode ser enr iquecida se out r os
ser es houver em e se apar ecer em par a r econhecer a sua ex ist ência.
Segundo Heet er , t r ês dim ensões da exper iência subj ect iva de
pr esença par ecem ser essenciais: a presença “ pessoal” , a “ social” e a
“ am bient al” ( Heet er , 1992) ; a pessoal pr et ende r eflect ir sobr e as
r azões que levam o indivíduo a sent ir que est á pr esent e num dado
am bient e; a social diz r espeit o à exist ência de out r os “ ser es” nesse
espaço e que par ecem acr edit ar que o indivíduo exist e, o que pode
ser suficient e para que est e se convença que t am bém exist e; a
am bient al, t al com o a social, pr oduz o m esm o efeit o de
r econhecim ent o da exist ência do indivíduo nesse espaço, em bor a
par t a de elem ent os espaciais e não de out r os ser es.
No ent ant o, há luz de um a cult ur a de sim ulação
cont em por ânea, com o ver em os m ais adiant e, a quest ão da pr esença
do indivíduo e do seu iner ent e r econhecim ent o par ece não const it uir
um dado fundam ent al para a const r ução de um “ eu” online,
cont r ar iam ent e ao que r efer ia Heet er em 1992. A visão m oder na de
um “ eu” unit ár io e coer ent e per de sent ido na cont em por aneidade,
onde a r epr esent ação super ficial do indivíduo se baseia pr ecisam ent e
m últ iplos “ eus” ) por via da sim ulação ( ou da ficção) , passa a t er a
m esm a validade da const r ução efect uada no m undo da vida.
As ideias de pr esença, ou de t ele- pr esença, t al com o as define
Heet er , assum em - se assim com o t em por alm ent e deslocados, pois
par t em do pr essupost o de que a pr esença online car ece de um a
análise par t icular e específica.
Um dos pr opósit os dest e t r abalho é pr ecisam ent e equacionar se
as ident idades online se const r oem por pr ocessos que não só não
difer em daqueles com que lidam os na nossa vida quot idiana offline,
com o se m ist ur am com est es últ im os, pr opondo ao indivíduo um
per m anent e m ovim ent o de “ com ut ação” , ou de “ cycling t hr ough”
( Tur kle, 1995) , ent r e as suas diver sas ident idades online e offline.
Mais adiant e, aludir- se- á de novo à noção de r econhecim ent o, por se
r evelar de ext r em a im por t ância par a a com preensão das ident idades
online.
4 . Sim u la çã o
Num a t ent at iva de cont ext ualizar o discur so, par ece ser de
par t icular im por t ância r eflect ir sobre o papel das novas t ecnologias na
vida quot idiana do indivíduo, e, acim a de t udo, com o t em ev oluído a
r elação de “ cum plicidade” ent r e hom em e m áquina.
A cult ur a m oder na que nos fez cr escer , sem pr e nos ensinou o
m undo com o um a const r ução lógica e r acional, onde é valor izado o
ent endim ent o cor r ect o do seu funcionam ent o. Mais que t udo, num a
per spect iva m oder na par ece ser fundam ent al a per cepção de causas
e efeit os, de r azões obj ect ivas par a com pr eender e explicar os
fenóm enos e os obj ect os que nos r odeiam . Est a é um a cult ur a
sist ém ica de m ét odo, de disciplina, de cálculo, validada por disciplinas
cient íficas.
As novas t ecnologias em er gent es em m eados do séc. XX,
out r as t ecnologias j á não t ão “ novas” nascidas do m oder nism o,
r eflect em a capacidade par a conceber e pr oduzir disposit ivos que
r epr oduzem a cult ur a do cálculo num cenár io de coer ência: o Hom em
enquant o cr iador , a m áquina enquant o pr odut o do act o cr iat ivo e da
descober t a das r elações m ais óbvias ent r e causas e efeit os, onde se
aplicam as leis univer sais da Física, da Mat em át ica ( ou de t odas as
disciplinas cient ificam ent e validadas) e as noções de m assa, dist ância
e t em po.
A nossa infância de const r uções de Lego, de puzzles, de
car r inhos de cor da, t em com o base a assim ilação dessa cult ur a
m oder na, onde se est im ula a com pr eensão do funcionam ent o das
coisas, onde se pr em eia a desconst r ução do car r inho apenas par a
t ent ar per ceber com o funciona. Nest e quadro, ao sur gim ent o dos
pr im eir os com put ador es ( ou das gr andes m áquinas de calcular )
associa- se a vont ade de r esolver problem as obj ect ivos: de velocidade
e de r igor de… cálculo. Esse pr agm at ism o que car act eriza a cr iação
das novas m áquinas, ou “ o t r adicional desej o m oder nist a de espr eit ar
por baixo da super fície par a per scr ut ar a m ecânica do sist em a
oper at ivo” ( Tur kle, 1995) , r evela um a for m a de ver o m undo físico
em t r ês dim ensões, onde não faz sent ido ut ilizar um com put ador sem
ent ender com r igor o que se est á a passar “ lá dent r o” . Um a est ét ica
de cálculo, de per m anent e com pr om isso com a ver dade absolut a dos
m at er iais, dos pr ocessos, dos lugar es, das m em ór ias: o m oder nism o
na sua m ais puj ant e expr essão nos m ais diver sos cam pos, das ar t es
e hum anidades à ciência. Dessa est ét ica r esult ou um a for m a
par t icular de nos relacionar m os com a t ecnologia, m ais cent r ada nos
pr ocessos do que nas for m as, aparent em ent e m ais t r anspar ent e e
m ais lógica: o ut ilizador do com put ador vist o com o especialist a, com o
um vir t uoso capaz de descodificar códigos binár ios e de ent ender o
As duas últ im as décadas m ar cam um a for m a difer ent e de
encar ar a t ecnologia e, em par t icular , a for m a de nos relacionar m os
com os com put adores. A cr iação de novos sist em as apelidados de
oper at ivos ( enquant o conj unt o de nor m as que r egulam novas for m as
de agir ) , elegem o ut ilizador com o o epicent r o da evolução do
conhecim ent o, em det r im ent o da visão m oder na cent r ada na
m áquina. O pós- m oder nism o, r ecém - chegado à t ecnologia, const r ói
novos par adigm as, novos códigos, novas equações, novos espaços.
Ciber espaço, ícones, j anelas, a ópt ica do ut ilizador , vír us, chat s,
e-m ails, e- lear ning, e- coe-m e-m er ce, e- dee-m ocr acia, blogs, vlogs,
podcast s… são faces visíveis de um a nova cult ur a ou de um a nova
est ét ica. Um a est ét ica que se afast a da noção de pr ofundidade do
m oder nism o, e que pr ivilegia a superfície e as for m as em det r im ent o
do ent endim ent o pleno dos pr ocessos. Um a est ét ica de sim ulação,
apar ent em ent e m ais opaca. “ A sim ulação ofer ece- nos um a gr ande
esper ança de aceder m os à com pr eensão das coisas. Quando o nosso
m undo ( …) é t ão com plexo que a m ent e hum ana deixa de poder
r epr esent á- lo com o um a sínt ese m ent al baseada em pr im eir os
pr incípios, ( …) t em os que navegar dent r o dos lim it es desse m undo,
apr endendo as suas r egr as de for m a inst int iva, sent indo- o,
par t ilhando- o, usando- o. Se puser m os de par t e a nossa int eligência
analít ica, isso per m it e- nos por vezes lidar com esse m undo de for m a
m ais eficaz. O com put ador ofer ece- nos a esper ança de, at r avés da
sim ulação, ganhar m os um novo inst r um ent o analít ico.” ( Tur kle,
1995)
I nst int os, sent im ent os, par t ilha, passam a ser valor es com os
quais convivem os quando falam os de t ecnologia. Mas convivem os
t am bém com a per spect iva m or al her dada das nossas fant ást icas
const r uções de Lego, t al com o com dois t oques no bot ão do r at o
ligação com os par adigm as espaciais offline, quando “ ent r am os” num
sit e, ou quando “ navegam os” na I nt er net , qual “ hom em do lem e” .
As cult uras do cálculo e da sim ulação convivem , e “ o com put ador é
um act or na lut a ent r e as visões m oder na e pós- m oder na do m undo.”
( Tur kle, 1995)
Redescobr im os o pr azer de um puzzle, m as, com um a post ur a
r enovada, fazem os par t e desse puzzle, confer indo novos significados
ao act o da ( nossa) const r ução. Pr oduzim os “ conhecim ent o” e não
infor m ação. ( Or ihuela, 2006)
Sem per der de vist a o obj ect ivo dest a r eflexão, par ece ser
par t icular m ent e per t inent e r et er a co- exist ência cult ur al r efer ida, de
car áct er ger acional, m as que m ais adiant e t om a sent ido na
abor dagem que se far á à const r ução de nov as ident idades
em er gent es no início da er a da sim ulação em que vivem os, onde
pr edom ina um est ado de apat ia no qual j á não nos per gunt am os
com o som os m anipulados por sim ulações, ant es delas disfr ut am os.
Com o r efer e, desconcer t ant em ent e, Sanes “ Deixem - nos com er , beber
e t r ocar m ensagens car r egadas de sexo na I nt er net , por que, de
qualquer for m a, nunca vam os ent ender o que t udo isso significa.”
( Sanes, 2006)
5 . I de n t ida de ( s)
A sim ulação const rói um a r ealidade plasm ada na super fície,
bidim ensional e opaca. As per gunt as cr uciais sobr e a pr ópr ia
exist ência do “ eu” j á não se dir igem ao m undo com o ele é, ant es
passam a cent r ar - se num m undo r epr esent ado, sim ulado. Desej o e
consum ação fundem - se num a nov a r ealidade const it uída por
ident idades plur ais, por novas com unidades que par t ilham nov os
“ Com a passagem dos obj ect os às obj ect ivações, da r ealidade
às const r uções da r ealidade, cr uzam os a fr ont eir a que nos faz ent r ar
num m undo vir t ual de dúvida sobr e o “ eu” , j á que o pr ópr io fact o de
ent ender a m aneir a de com o se const r oem as coisas é descendent e
da dúvida - dúvida de t oda a aut or idade, de t oda a pr et ensão de
ver dade. Mas r esolvida a dúvida, enfr ent am os a hor r ível ir onia de que
as dúvidas que cada um alber ga est ão t am bém suj eit as a dúv idas.”
( Ger gen, 1991)
Um a vez r econhecido o ecr ã de um com put ador com o um a
super fície onde exist em sim ulações a ser explor adas, t am bém a
r ealidade pode ser vist a da m esm a for m a.
Daí r esult am novas concepções de espaços m ut ant es e
m ult ifor m es, de indivíduos que adquir em um a nova for m a de
conhecim ent o, que esquecem as desconfianças e que são absor vidos
pelo que se passa no ecr ã.
Um a vez im er so num m ar de super fícies, o novo “ eu”
cont em por âneo não confer e m aior legit im idade a nenhum a das
super fícies, sendo que nem a vida do dia- a- dia não é m ais nem
m enos r eal do que um RPG ( role- playing gam e) na I nt er net .
Com o r efer e Tur kle, “ … um ut ilizador de um MUD ( m ult i- user
dom ain) pode desenvolver um a for m a de pensar na qual a vida é
feit a de m uit as “ j anelas” e a “ vida r eal” é apenas m ais um a delas.”
( Tur kle, 2002)
Par a Tur kle, os ut ilizador es de MUD’s facilm ent e descobr em que
a ideia de que eles pr ópr ios são um “ eu” unit ár io é apenas m ais um a
ficção. Rapidam ent e per cebem que podem ser vár ios “ eus” e que
nenhum desses per sonagens é m enos r eal do que aquilo que eles
pensam ser o ver dadeir o “ eu” – t odos eles est ão aí par a ser em
explor ados. As novas exper iências do “ eu” cont em por âneo não são
apenas m odelos alt er nat ivos de ident idade, são t am bém a base par a
Tur kle r efer e ainda a pr esença const ant e do m odelo m oder no
de ident idade, em que o “ eu” unit ário m ant ém a sua unicidade
r epr im indo t udo o que não se adequar a esse m odelo. O “ eu”
cont em por âneo não se sent e com pelido a j ulgar os elem ent os da
m ult iplicidade. Não se obr iga a excluir as coisas que não se adequam .
At ingido esse est ado, a( s) ident idade( s) m últ ipla( s) dos dias de hoj e
est ão pr epar adas par a j ogar com t odas as fant asias, par a viver a vida
com o um j ogo de ficções, sem sent im ent os de culpa ou desconfor t o,
um a vez que aquilo que fazem via sim ulação t em exact am ent e o
m esm o valor daquilo que fazem no r est o da vida. Um est ado só
possível um a vez ult r apassadas as pr eocupações exist enciais de
aut or es dos finais do séc. XX: “ Talvez a ciência- ficção da er a
ciber nét ica e hiper - r eal se possa apenas basear na r essur r eição
“ ar t ificial” de m undos “ hist ór icos” , t ent ando reconst it uir in vit r o, ao
m ínim o det alhe, as per ipécias de um m undo ant er ior …” . ( Baudr illar d,
1981)
Pelo cont r ár io, diz Tur kle: “ …os MUD’s r eduzem as fr ont eir as
ent r e o “ eu” e o j ogo, o “ eu” e o seu papel, o “ eu” e a sim ulação.”
( Tur kle, 2002)
Dest a for m a, a em er gência de um a nova cult ur a
cont em por ânea de sim ulação r evela- se na t ent at iva de t r anscender
os lim it es da exist ência cr iando sim ulações que par ecem r eais, e
t or nando a r ealidade cada vez m ais par ecida com um a sim ulação.
Por out r o lado, o car áct er ficcional dos per sonagens cr iados
online, é validado da m esm a for m a que legit im a os indivíduos na vida
r eal: at r avés de pr ocessos de r econhecim ent o que conduzem à noção
de pr esença e de par t icipação act iva nos univer sos em que se
6 . Sim u la dor e s
Um a vez cont ext ualizada a discussão acerca da sim ulação
enquant o fenóm eno indissociável da cult ur a cont em por ânea,
nom eadam ent e na sua r elação m ais pr ofunda com a t ecnologia e com
a par t icipação individual online, pr et ende- se, com o conclusão,
apr esent ar algum as pist as par a a r eflexão sobr e o papel do “ eu”
cont em por âneo nest e quadr o.
Ret om ando a r eflexão ant er ior m ent e apr esent ada sobr e a
cult ur a de cálculo da er a m oder na e a da sim ulação que car act er iza a
cont em por aneidade, par ece per t inent e t ent ar ent ender com o, em
cada um a delas, se ent ende o sim ulador .
I ndelevelm ent e m ar cada pela em er gência de novas t ecnologias
nas últ im as décadas do século passado, a cult ur a do cálculo ent ende
a sim ulação e os sim ulador es com o a t ent at iva de r eplicar , em
plat afor m as t ecnológicas inovador as, a r ealidade do “ m undo da vida”
( a “ r essur r eição “ ar t ificial” de m undos “ hist ór icos” de Baudr illar d) . O
encant am ent o pr ovocado pelas sucessivas conquist as t ecnológicas,
fez com que as pr evisões m ais fut ur ist as e inim agináveis
pr olifer assem num t er r it ór io espar t ilhado por um a cult ura de saber es
const it uídos e cient ificam ent e validados.
É nest e quadr o que se ent ende com algum a nat ur alidade o
ent usiasm o cr iado pelo desenvolvim ent o de har dw ar e e soft w ar e sob
a capa das novas t ecnologias. Acr escido a est e fact o, a at it ude
her dada do passado que faz depender do ent endim ent o de causas e
efeit os a validação das novas “ conquist as t ecnológicas” . No ent ant o,
o r it m o de desenv olvim ent o de novos pr odut os acolhidos por um a
sociedade ávida de consum o, r apidam ent e fez com que o “ ut ilizador
com um ” ( e a sua “ ópt ica” ) se afast assem cada vez m ais da r efer ida
t ent at iva de ent endim ent o de funcionam ent o das m áquinas,
Se o t r abalho com sist em as operat ivos com o o DOS, em linhas
de com ando, exigia, m ais do que um esfor ço de m em or ização, um a
com pr eensão da lógica das oper ações efect uadas e das diver sas
par t es do sist em a, m uit o r apidam ent e essa at it ude se m anifest ou
ineficaz dado o gr au de conhecim ent o exigido par a ent ender t udo o
que se passava nas “ caixinhas m ar avilhosas” .
Est e t er á sido o m om ent o de inflexão, onde é per m it ido ao
ut ilizador colocar - se num a posição cada vez m ais afast ada da lógica
de funcionam ent o das m áquinas. Dum r efer encial t r idim ensional onde
er a possível conceber a pr ofundidade com o o eixo que per m it ia
“ ent r ar ” na m áquina e ent endê- la, passa o ut ilizador a r epensar as
fer r am ent as t ecnológicas dum a for m a bidim ensional, t r anspor t ando a
vida par a o ecr ã.
Daí r esult a, do pont o de vist a cognit ivo, o ent endim ent o da
t ecnologia com o algo t r anscendent al, sem pr e j ust ificado com o m uit o
com plexo: sim ulador es da vida r eal, int eligência ar t ificial, m áquinas
com plexas quase hum anas.
A m áquina, o sim ulador por excelência, per m it e ao m ais com um
dos m or t ais fazer viagens fant ást icas por cenár ios par adisíacos,
conduzir aut om óveis em cor r idas fascinant es, par t icipar em guer r as
sider ais com im punidade. E t udo sem linhas de com ando, apenas
m anipulando um disposit ivo ( o r at o) que sim ula ( um a v ez m ais) as
apt idões m anuais do ut ilizador .
No ent ant o, e vividas décadas de exper iências fant ást icas com
m áquinas int eligent es na m esa de t r abalho, o ut ilizador de ant es
com eça a confundir - se com o pr ópr io sist em a, im er gindo na sua
lógica, e fundindo- se com a sua m at ér ia.
Do pont o de vist a exist encial, o suj eit o j á não se r evê no papel
de ut ilizador , ant es sent e que faz par t e de um nov o sist em a
com plexo que não se lim it a a facult ar - lhe fer r am ent as im pensáveis,
Nesse pr eciso m om ent o, o da confluência ent r e hom em e
m áquina, os papéis r epensam - se e r efor m ulam - se. As const r uções
m ent ais associadas t êm im plicações sociais e espaciais pr ofundas.
Gr aças ao desenvolvim ent o de novos par adigm as
com unicacionais, com o vim os ant es, const r ói- se um espaço fluído,
int angível por vezes, e não geo- r efer enciado. O novo “ eu” m ult ifor m e
desm ult iplica- se e assum e diver sas ident idades, por vezes em
sim ult âneo.
Her dadas as m et áfor as espaciais ( j anelas, por t ais, sít ios,…) as
ident idades cont em por âneas com elas convivem , enquant o novas
figur as de est ilo são cr iadas.
Os am bient es sociais , com o os w eblogs pessoais, passam a
const it uir os novos espaços vivenciados por … sim ulador es.
Os act or es de novos espaços com unicacionais num a cult ur a
cont em por ânea de sim ulação, ser ão afinal, os pr ópr ios sim ulador es?
A fr uição de espaços m ult ifacet ados e r ecicláveis em cada
inst ant e, pot enciam a for m ação de ident idades plur ais,
com pr eensivas, que aceit am as difer enças e a diver sidade. Mas,
acim a de t udo, que pr et endem gozar a faculdade de ser em aquilo que
quer em e que event ualm ent e não podem ser no m undo da vida. Esse
m esm o m undo que, pr ogr essivam ent e, se t r ansfor m a em apenas
m ais um a inst ância de sim ulação.
7 . W e blogs pe ssoa is
Num a abor dagem em pír ica a inst âncias online que ilust r em as
ideias at é aqui expost as, par ece int er essant e a análise dos w eblogs
pessoais, onde par ece clar o um obj ect ivo pr im eir o: com unicar .
E, à luz da r eflexão ant er ior m ent e expost a sobr e a exist ência
de um novo “ eu” cont em por âneo plur ifor m e, com o se explica, do
com unicar com pulsivam ent e? Ant es do m ais, par ece ser fundam ent al
par a a const r ução dessas ident idades plur ais o r econhecim ent o de
cada um a delas por par t e de out r as ident idades igualm ent e fluídas,
que conduz à sensação de “ pr esença” num dado espaço, sej a ele qual
for .
Nos w eblogs pessoais, o r econhecim ent o e noção de pr esença
car ecem de validação inst ant ânea por par t e de out r os, sem as quais
per de sent ido a sua função, um a vez que não exist e com unicação. A
sobr evivência de w eblogs pessoais sem a par t icipação de t er ceir os
est á sem pr e vot ada ao fr acasso, um a vez que faz par t e da sua função
a pr esença e a colabor ação de out ros indivíduos. Par a um ut ilizador
que cr ia, pela pr im eir a vez, um w eblog pessoal, o m om ent o em que
r ecebe o pr im eir o com ent ár io de alguém é inesquecível, e significa
apenas: eu “ exist o” , alguém “ r epar ou” em m im , est ou finalm ent e
online.
Mas se a com unicação par ece ser o fio condut or , por quê
associá- la a um a est ét ica de sim ulação, de m últ iplos “ eus” , por vezes
at é de logr o? Por que passam os ut ilizador es dest es espaços a
const it uir os ver dadeir os ( ou únicos) sim ulador es?
Apar ent em ent e, t odo o pr ocesso com unicacional nest es
am bient es se pode pr ocessar da m esm a for m a que se pr ocessa
offline, pr esencialm ent e. E aí r eside pr ovavelm ent e a difer ença m ais
im por t ant e: num univer so plasm ado na super fície, que apela à
sim ulação e dela depende, o “ eu” cont em por âneo encont r a o
t er r it ór io m ais adequado à m anifest ação de t oda a sua plur alidade.
Ou sej a, pela inexist ência de confr ont ação física, a possibilidade de
const r uir m últ iplas ident idades e de “ salt ar ” ent r e elas em segundos
par ece ser a m aior vant agem .
Em m uds, chat s ou w eblogs, o suj eit o desenvolve um pr ocesso
sist em át ico de t r ansfor m ações sucessivas, em função das
pr ocesso com unicat ivo. Const rói- se com o indivíduo fluído,
m ult ifacet ado e polivalent e, capaz de t rocar de géner o ou de possuir
em sim ult âneo géner os difer ent es, livr e par a sim ular sem m ent ir ,
um a vez que os j uízos de v alor se alt er am . É lícit a e assum ida por
t odos a t r ansfor m ação, o desej o de cada um quer er ser aquilo que,
na r ealidade, não é por que não pode.
Esse dom da ubiquidade que visa a per suasão par a o
est abelecim ent o de âncor as de r elacionam ent o social pr ofícuo, par ece
for t alecer a aut o- confiança de cada um dos indivíduos par t icipant es,
sem se t or nar , com o afir m am alguns agent es m ais conser vador es,
algo de obssessivo e doent io. E apenas por um a r azão: cada um dos
suj eit os que act ivam ent e par t icipam nest es “ espaços” de afir m ação
pessoal e de com unicação t em a consciência per feit a da r elat ividade
da infor m ação que r ecebe, j á que o seu pr ópr io pr ocesso de
const r ução e r efor m ulação do “ eu” é idênt ico.
Por out r o lado, pode ainda fom ent ar um a t endência egocênt r ica
ou at é nar cisist a pela facilidade em j ust ificar a difusão de opiniões
pessoais cont r adit ór ias. “ O m eu pr oblem a não são os blogs escr it os
por pessoas est úpidas. O m eu pr oblem a são os blogs escr it os por
gent e int eligent e, quando est es possuem egos que funcionam com o
com boios de alt a velocidade ( …) Desconfio que não é int eir am ent e
um a coincidência que os blogs e os egos andem t ant as v ezes j unt os.
Por out r as palavr as, não é culpa m inha…o m eu blog fez- m e escr ev er
ist o! ( …) Par ece exist ir algo no for m at o dos blogs que par ece
encor aj ar um aum ent o quase cancer ígeno dos nossos egos.” ( Hiler ,
2006)
As r eflex ões cont em por âneas acer ca da blogosfer a, e em
par t icular dos w eblogs pessoais, indiciam a exist ência de um a fase de
par t icular pr eocupação sobr e a m ot ivação dos blogger s indefect íveis.
LiveJour nal, na sua página de apr esent ação, pr opõe aos fut ur os
pr ivado ou a m anut enção de um j or nal público par a t odos ver em .” ( ! )
Mais ainda, “ LiveJour nal é um local onde t u podes ser t u. Podes
per sonalizar o aspect o do t eu j or nal exact am ent e com o desej ar es, e
expr im ir o t eu est ado de espír it o e qual a m úsica que est ás a ouvir
em cada um dos t eus ar t igos. Nós sabem os que t u és único, e
gost am os de t i assim .” ( LiveJour nal, 2006)
As pr opost as de LiveJour nal par a a cr iação de blogs pessoais,
são, à luz das r eflexões ant er ior es, cur iosas.
Por um lado, confir m am a necessidade do suj eit o
cont em por âneo de const r ução de um espaço / lugar pessoal, at é
“ único” . Por out r o, confir m a a vont ade de cada um em expr essar - se
em liber dade, e de acor do com a sua m ot ivação num dado m om ent o.
A unicidade pr opost a cont r ast a com a m ult iplicidade disponibilizada e
com a pr edisposição cada vez m ais evident e dos blogger s em
const r uír em “ per sonagens” plur ifor m es, por vezes at é ant agónicas. O
“ aum ent o quase cancer ígeno dos egos” na blogosfer a r efer ido por
Hiler , par ece r esult ar ant es da necessidade de com ut ação do suj eit o
( “ cycling t hr ough” ) ent r e as suas m últ iplas ident idades com o int uit o
de com unicar per m anent em ent e. E a necessidade de r econhecim ent o
com o sobr evivência faz com que essa com ut ação se pr ocesse a
velocidades alucinant es.
Em 30 de Agost o de 2006, LiveJour nal cont abilizava a cr iação
de 11.031.454 blogs e com unidades desde 1999, e de 247.238 novas
ent r adas no dia ant er ior !
Da list a de int er esses m ais popular es ( cer ca de 448) , só os 20
pr im eir os cont abilizavam j á um t ot al de 9.121.977 blogger s.
( LiveJour nal, 2006)
A declar ação de “ int er esses” nos “ per fis” dos blogger s par ece
const it uir um pr ocesso de ident ificação com os t em as m aior it ár ios, na
t ent at iva de um r econhecim ent o m ais aceler ado e pot enciador da
cont em por âneo, o sim ulador por excelência, é ( ou declar a ser ) aquilo
que m ais lhe int er essa num dado m om ent o par a com unicar , ou aquilo
que nunca conseguiu ser na r ealidade.
Num a análise super ficial da blogosfer a na er a da ger ação
m yspace e hi5, par ece evident e a per da sucessiva do espaço ant es
ocupado por opinion m aker s em favor de um a nova ger ação de
opinion shaker s. Os blogs pessoais enquant o espaços edit or iais e de
divulgação de ideias ou ideologias par ecem t r ansfor m ar - se
pr ogr essivam ent e em “ espaços de fluxos” de infor m ação disper sa,
desconexa e com cont or nos difusos. Assem elham - se a não- lugares
onde o “ eu” cont em por âneo encont r ou a fluidez necessár ia par a
expr im ir pensam ent os cont r over sos, assum indo ident idades díspar es.
Essa ser á a m elhor cont r ibuição par a um univer so de liber dade, t ão
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