JPediatr(RioJ).2016;92(4):325---327
www.jped.com.br
EDITORIAL
What
is
causing
anemia
in
young
children
and
why
is
it
so
persistent?
夽
,
夽夽
O
que
causa
anemia
em
crianc
¸as
mais
novas
e
por
que
ela
é
tão
persistente?
Alida
Melse-Boonstra
∗e
Martin
Ndegwa
Mwangi
DivisãodeNutric¸ãoHumana,WageningenUniversity,Wageningen,PaísesBaixos
Estima-sequeaprevalênciamundialdeanemiaemcrianc¸as com menos de cinco anos seja 42,6%.1 Não
surpreenden-temente,aanemiaéencontradamaisfrequentementeem
paísesdebaixaemédiarenda.OsdoSudestedaÁsiaeda
África sãoos mais afetados.As consequênciasda anemia
infantilvariam deaumentona susceptibilidade a doenc¸as
infecciosas,fadigaemenorcapacidadefísicaa,caso
persis-tente,menorfunc¸ãocognitivae produtividadeeconômica
navidaadulta.2---5Quandoumagrandepartedapopulac¸ãoé
afetada,issopodeterconsequênciasemgrandeescalapara
aprodutividadeeconômicadeumpaís.6
Aanemiaéraraemrecém-nascidos,poissuasmães
for-necemumaquantidade generosadeferro nonascimento,
principalmentequandoháclampeamentotardiodocordão
umbilical.Háevidênciasdequeasuplementac¸ãodeferro
pré-natal, conforme recomendado pela OMS, aumenta a
quantidade deferro no recém-nascido e posterga, assim,
aidadeemqueumaanemiapordeficiência deferropode
sedesenvolverduranteainfância.7Emboraoleitematerno
nãosejaumafontericaemferro,suaabsorc¸ãoémelhorada
pelapresenc¸a delactoferrina. A alimentac¸ão por fórmula
normalmentecontémumaquantidademaiordeferropara
compensar a falta de lactoferrina. Portanto, a anemia
normalmente surgeapós aidade deseismeses.Isso
coin-cide aproximadamente com a introduc¸ão de suplementos
DOIserefereaoartigo:
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2016.04.001
夽 Comocitaresteartigo:Melse-BoonstraA,MwangiMN.Whatis
causing anemia in young childrenand why is it so persistent? J Pediatr(RioJ).2016;92:325---7.
夽夽VerartigodeZuffoetal.naspáginas353---60.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:alida.melse@wur.nl(A.Melse-Boonstra).
alimentares,mastambémcomoperíodoemqueascrianc¸as
comec¸amaexplorarseu mundoe ficamexpostasa
conta-minantes com mais frequência. Na idade escolar, o risco
de anemia normalmente é muito menor, porém chega a
seupiconovamentedurante apuberdade, principalmente
emmeninas,apósamenarcaeduranteagravidez,devido
ao aumento acentuado na necessidade de ferro no 2◦ e
3◦trimestres.8
Ascausasdaanemiasãomultifatoriais,poréma
defici-ência de ferro é a mais comumdelas e explica cerca de
metade dos casos.1 A carne é uma importante fonte de
ferro, pois contém ferro heme, absorvido de forma mais
eficienteem comparac¸ãocomoferronãoheme,principal
formadoferroemalimentosvegetais.Oferronãohemeé
absorvidonaformaferrosa(Fe2+)pormeiodo
transporta-dordemetaldivalente1(DMT1).Oúnicotransportadorde
ferrohemereveladoatéagoraéaproteínatransportadora
deheme 1(HCP1),9 embora seespecule quedevem
exis-tiroutrasproteínastransportadoras.Abiodisponibilidadedo
ferrohemevariade15a35%,aopassoqueadeferronão
hemegeralmenteéinferiora10%.Emboravegetaisdefolhas
verde-escuras sejam ricos em ferro, a absorc¸ão é menor,
e, portanto, essesvegetais nãosão fontes muitoboas de
ferro.10,11 Damesmaforma,legumessãoricosemfitatose
polifenóis,queprejudicamaabsorc¸ãodeferro.12
O metabolismo do ferro e a resposta imune inata a
infecc¸õespodemexplicarasinter-relac¸õesentreanutric¸ão
eanemiaemcrianc¸asmaisnovas.Devidoàsuacapacidade
deexistiremumdedoisestadosdeoxidac¸ão,ferroso(Fe2+)
ou férrico (Fe3+), o ferro é um nutriente fundamental,
mastambémtóxico,parao corpohumano. O ferro
funci-onacomoumdoadordeelétronsnoestadoferrosoecomo
receptor de elétrons no estado férrico.13 O potencial de
reduc¸ãodoferropoderesultaremespéciesreativasde
oxi-gênioque,emúltimainstância,levamàgerac¸ãoderadicais
326 Melse-BoonstraA,MwangiMN
livresquedanificamlipídios,oDNAeproteínas,
principal-menteemcondic¸õesdeexcessodeferro.14 Dessaforma,a
concentrac¸ãoedistribuic¸ãodeferronocorpohumano são
altamentecontroladas.
Ahepcidina,hormôniopeptídeocirculante,éatualmente
conhecidacomoprincipalreguladoradahomeostase
sistê-mica do ferro em seres humanos.13 A hepcidina reduz a
absorc¸ãoalimentardoferroe,consequentemente,o
trans-portedoferropelamucosaintestinal;reduzasaídadeferro
dosmacrófagos,principallocaldearmazenamentodoferro;
ereduzasaídadeferrodofígado.Emtodosostrêscasos,
isso é feito por meio dareduc¸ão da proteína
transporta-dora de ferro transmembrana ferroportina.13 A síntese e
asecrec¸ãodehepcidinapelofígado sãocontroladaspelos
estoquesdeferronosmacrófagos,porinflamac¸ão,hipóxia
eeritropoiese.Medirahepcidinaseriabenéficopara
esta-belecer o tratamento ideal da anemia por deficiência de
ferro,porém,comonãoestáamplamentedisponível,a
pro-teínaCreativa(PCR)éusadacomomarcadorsubstituto.Em
vistado conhecimentocada vez maiorsobreo transporte
e a regulac¸ão do ferro, é necessário estudar o
metabo-lismodoferroemrelac¸ãoaoutrosprocessosfisiológicosem
condic¸õessaudáveisededoenc¸a.
Osmecanismosdahomeostasedoferrona saúdeenas
doenc¸ashumanassãoemgrandepartedependentesdofato
dequeoferroéumnutrienteessencialtantoparaosseres
humanosquantoparaosmicróbiospatogênicos.14 A
imuni-dade nutricional (também conhecida como ‘‘retenc¸ão de
ferro’’),processopormeiodoqual osistemaimunológico
humano limita a disponibilidade do ferro para micróbios
invasorescomo um sistema de defesaimune inato, pode
explicar por que a anemia em crianc¸as maisnovas é tão
persistente.Além disso,existem vínculos diretose
indire-tosentreinfecc¸õesparasitáriaseahomeostasedoferroem
sereshumanos.Porexemplo, osancilostomídeosinfectam
maisde700milhões depessoasem todoomundoesãoa
principalcausadaanemiapordeficiênciadeferroempaíses
debaixaemédiarenda.15
Nesta edic¸ão do jornal, Zuffo et al.16 descrevem os
fatores relacionados à anemia entre 334 crianc¸as de
6-36 meses selecionadas aleatoriamente que participam
de Centros Municipais de Educac¸ão Infantil (CMEI) em
Colombo−PR,Brasil.Elesacreditamqueaprevalênciade
anemia é de 34,7% e a prevalência é significativamente
maiorentremãesmaisjovens(<28anos),crianc¸asdosexo
masculino,crianc¸asmaisnovas(<24meses)ecrianc¸asque
nãoconsumiamalimentosfontesdeferro,comocarne,
legu-minosasevegetaisdefolhasverde-escuras.NoBrasilcomo
umtodo,estima-sequeaprevalênciadeanemiaemcrianc¸as
commenos decinco anosé de 24%.1 Embora a
prevalên-cianessepequeno estudo parec¸aser muitomaior doque
aestatística nacional, issopode serexplicado, em parte,
pelafaixaetária menor (6-36meses em comparac¸ão com
6-59meses).
A ingestão deferro pelas crianc¸as pareceu baixa, com
ingestãomédiade3mgpordia.Issoémuitoabaixoda
inges-tãodeferro recomendada, de7,7mgpara crianc¸as de
6-12 meses e 4,8mg para crianc¸as de 13-36 meses. A
composic¸ão alimentar deficiente das refeic¸ões fornecidas
nascreches podeser acausa, porém a baixaingestão de
ferrotambémpodeserdevidaàfaltadeapetitedascrianc¸as
poralimentosricos emferro.Sejaqualforo motivo,está
claroquea baixaingestãodeferroéumaexplicac¸ão
pro-vávelparaaaltaprevalênciadeanemiareveladaporesse
estudo. Contudo, não deve ser ignorado que há muitos
outros possíveis fatores causais que podem desempenhar
umpapel. Além doferro,deficiênciasdevitamina Ae de
vitaminasdocomplexoBpodemserimportantes,mas
tam-bémfatoresnãonutricionaispodemseracausadaanemia,
comoinfestac¸ãoparasitária,doenc¸asinfecciosas,diarreia,
destruic¸ãodeeritrócitos(porexemplo,pormalária),perda
gravedesangueefatoresgenéticos.Noestudofeitono
Bra-sil,quasemetadedascrianc¸astevefebree22%dascrianc¸as
tiveramdiarreianos15diasanterioresàmedic¸ãoda
hemo-globina.As crianc¸ascomfebreoudiarreiamostraramuma
prevalênciamaisaltadeanemiadoqueasquenãotiveram.
Aestratégiaglobalmaiscomumparatrataraanemiapor
deficiência deferro é a fortificac¸ão de alimentos básicos
com ferro. A fortificac¸ão dafarinha semostrou eficaz no
aumentodoníveldeferro,porémemmenorgraunareduc¸ão
daanemia.17 NoBrasil,afortificac¸ãodafarinhadetrigoe
demilhocom4,2mgdeferroe150gdeácidofólicoacada
100gtornou-se obrigatóriaem2004.Contudo,aavaliac¸ão
doprogramadefortificac¸ão10anosdepoisdeseuiníciopor
um levantamento nacional demonstrou que a fortificac¸ão
da farinha não aumentou muito a ingestão de ferro pela
populac¸ãobrasileira,principalmenteaoconsiderarabaixa
biodisponibilidadedeferroeletrolítico.18Emumestudode
comparac¸ão entre a farinha de milho integral fortificada
com ferro eletrolítico ou ferro NaEDTA, esse mostrou-se
superiornoaumentodoníveldeferroenareduc¸ãode
ane-miapordeficiênciadeferroemcrianc¸asquenianas.19
Apesardos programasglobaisparacontrolar anemia,a
anemiainfantilaindaexisteatémesmoempaísescom
exce-lentessistemasdesaúdeeingestãodeferrosuficiente,com
prevalênciade7%naAméricadoNorteede19%naEuropa.1
É provável que a anemia persistente após a correc¸ão da
ingestão de ferro esteja em grande parte relacionada a
infecc¸õescomuns nainfância. Éumaironiao fatodeque
essasinfecc¸õessãoinevitáveisparaformarumsistema
imu-nológico saudável. Portanto, é questionável se a anemia
infantilpodesertotalmenteerradicada,amenosque
vivês-semosemumambientecompletamenteestéril.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresses.
Referências
1.World Health Organization (WHO). The global prevalence of anemiain2011.Geneva:WHO;2015.
2.HaasJD,BrownlieT4th.Irondeficiencyandreducedwork capa-city:a criticalreviewoftheresearchtodetermine acausal relationship.JNutr.2001;131:676S---88S.
3.BrownlieT 4th,Utermohlen V, Hinton PS,Giordano C, Haas JD. Marginal irondeficiency without anemia impairs aerobic adaptationamongpreviouslyuntrainedwomen.AmJClinNutr. 2002;75:734---42.
Anemiainyoungchildren 327
5.WalkerSP, Wachs TD,Gardner JM,Lozoff B,Wasserman GA, Pollitt E, et al. Child development: risk factors for adverse outcomesindevelopingcountries.Lancet.2007;369:145---57. 6.HortonS,RossJ.Theeconomicsofirondeficiency.FoodPolicy.
2003;28:51---75.
7.MwangiMN,RothJM,SmitMR,TrijsburgL,MwangiAM,Demir AY,etal.Effectofdailyantenatalironsupplementationon plas-modiuminfectioninKenyanwomen:arandomizedclinicaltrial. JAMA.2015;314:1009---20.
8.ZimmermannMB,HurrellRF.Nutritionalirondeficiency.Lancet. 2007;370:511---20.
9.ShayeghiM,Latunde-Dada GO,Oakhill JS,LaftahAH, Takeu-chiK,Halliday N, etal. Identification ofanintestinal heme transporter.Cell.2005;122:789---801.
10.Cercamondi CI, Icard-Vernière C, Egli IM, Vernay M, Hama F,Brouwer ID, et al. A higher proportion of iron-rich leafy vegetablesinatypicalBurkinabemaizemealdoesnot incre-ase the amount of iron absorbed in young women. J Nutr. 2014;144:1394---400.
11.vanderHoevenM,FaberM,OseiJ,KrugerA,SmutsCM.Effectof Africanleafyvegetablesonthemicronutrientstatusofmildly deficientfarm-school childreninSouth Africa:a randomized controlledstudy.PublicHealthNutr.2016;19:935---45.
12.PetryN,EgliI,ZederC,WalczykT,HurrellR.Polyphenolsand phyticacidcontributetothelowironbioavailabilityfrom com-monbeansinyoungwomen.JNutr.2010;140:1977---82. 13.AndrewsNC,SchmidtPJ.Ironhomeostasis.AnnuRevPhysiol.
2007;69:69---85.
14.CassatJE,SkaarEP.Ironininfectionandimmunity.CellHost Microbe.2013;13:509---19.
15.LongSS,PickeringLK,ProberCG,editors.Principlesand prac-ticeofpediatricinfectiousdiseases,100.NewYork:Churchill Livingstone;2003.
16.Zuffo CR, Osório MM, Taconeli CA,Schmidt ST, da SilvaBH, AlmeidaCC.Prevalenceandriskfactorsofanemiainchildren. JPediatr(RioJ).2016;92:353---60.
17.PachónH,SpohrerR,MeiZ,SerdulaMK.Evidenceofthe effecti-venessofflourfortificationprogramsonironstatusandanemia: asystematicreview.NutrRev.2015;73:780---95.
18.dosSantosQ,NilsonEA,VerlyJuniorE,SichieriR.Anevaluation oftheeffectivenessoftheflourironfortificationprogrammein Brazil.PublicHealthNutr.2015;18:1670---4.