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Fevereiro, 2015 Tese de Doutoramento em Sociologia (Especialidade Sociologia da Cultura, do Conhecimento e da Educação)

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Sistema de ensino, transição societal e práticas educativas

estratégicas dos actores sociais: o caso dos alunos de fracos

recursos socioeconómicos de Luanda (Angola)

Virgílio Gomes Correia

Fevereiro, 2015

Tese de Doutoramento em Sociologia

(Especialidade Sociologia da Cultura,

(2)

2 Sistema de ensino, transição societal e práticas educativas

estratégicas dos actores sociais: o caso dos alunos de fracos recursos socioeconómicos de Luanda (Angola)

Virgílio Gomes Correia

Virgílio Gomes Correia

Tese de Doutoramento em Sociologia (especialidade Sociologia da Educação)

Sistema de ensino, transição societal e práticas educativas estratégicas dos actores sociais: o caso dos alunos de fracos recursos socioeconómicos de Luanda (Angola)

Virgílio Gomes Correia

Virgílio Gomes Correia

Tese de Doutoramento em Sociologia (especialidade Sociologia da Educação)

Novembro, 2014

Sistema de ensino, transição societal e práticas educativas

estratégicas dos actores sociais: o caso dos alunos de fracos

recursos socioeconómicos de Luanda (Angola)

Virgílio Gomes Correia

Fevereiro, 2015

Tese de Doutoramento em Sociologia

(Especialidade Sociologia da Cultura,

(3)
(4)

ii Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Doutor em Sociologia, realizada sob a orientação científica do Professor Doutor Sérgio Montenegro Miguel Grácio

(5)

iii

Agradecimentos

Ao finalizar este trabalho quero expressar aqui a minha gratidão a todas as instituições e pessoas singulares que, directa ou indirectamente, contribuíram para a sua concretização. A todas elas, os meus agradecimentos sinceros pelas ajudas que sobrevieram em variadas ocasiões e de formas mais diversas, nomeadamente em termos de apoios logísticos, observações construtivas, coragem, tolerância, confiança e ensinamentos transmitidos. Ao Professor Doutor Sérgio Grácio dirijo uma palavra especial de gratidão.

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iv Sistema de ensino, transição societal e práticas educativas estratégicas dos actores sociais: o caso dos alunos de fracos recursos socioeconómicos de Luanda (Angola)

Virgílio Gomes Correia

Resumo

Este trabalho, centralizado nos subsistemas dos ensinos secundário e superior, examina as práticas educativas estratégicas de alunos detentores de fracos recursos socioeconómicos em Luanda (Angola), no período pós-colonial, em articulação com um conjunto de elementos que constituem as condições de escolarização.

A análise destas práticas efectua-se num quadro de referências teóricas inter-relacionadas. Uma abordagem teórica inicial integra (i) os processos de transição (económica e sociopolítica) e de construção de Estado, e (ii) a educação, a análise estratégica e as representações sociais. Outras referências teóricas, incluindo desigualdades sociais e educativas, relação escola-família, projectos e expectativas escolares e sociais, decisão escolar, investimento em educação escolar, são mobilizadas no desenrolar da investigação. Esta fundamentação teórica, de carácter sociológico e focada na perspectiva da sociologia da educação, permite revelar os constrangimentos que condicionam a escolarização dos alunos e a sua qualidade de actores sociais, detentores de capacidades de leitura crítica da realidade escolar, de projecção e antecipação do futuro, e de decisão e acção. A metodologia seguida combina diversos métodos e técnicas. As pesquisas de terreno concretizam-se através da análise de documentos pertinentes (documentos oficiais, bibliografia de carácter monográfico sobre Angola, bibliografia crítica sobre a problemática em estudo) e de dados dos inquéritos por questionários e por entrevistas não-dirigidas (individuais e de grupo) administrados a alunos e, no caso destes últimos, também a técnicos do Ministério da Educação, professores e famílias.

Os resultados permitem argumentar que as práticas educativas estratégicas de alunos detentores de fracos recursos socioeconómicos se explicam por factores que constituem as condições de escolarização, elas próprias influenciadas pela forte valorização que os mesmos alunos fazem da educação escolar. Mais especificamente, as condições de escolarização constrangedoras (constrangimentos das realidades económicas, sociopolíticas e educativas do país; debilidades das condições socioeconómicas dos alunos e dificuldades que marcam os seus percursos escolares; representações pouco positivas das suas escolas e das interacções escola-família), a par daquelas outras facilitadoras (ambiciosos projectos/expectativas escolares e profissionais dos alunos), influenciadas pela forte valorização da educação escolar, motivam e promovem decisões e acções de alunos que visam melhorar os seus processos de escolarização e as suas perspectivas profissionais. Os alunos emergem enquanto actores relativamente autónomos e criativos, capazes de cálculo, manipulação e adaptação aos contextos adversos.

Este estudo fornece um modelo explicativo que melhora a compreensão das práticas educativas estratégicas de alunos (angolanos) de fracos recursos socioeconómicos, das suas condições de escolarização, e das suas capacidades de influenciarem e transformarem as realidades socioeconómicas, políticas e educativas em que se inserem; identifica um elemento decisivo de resiliência dos alunos aos constrangimentos e desafios que enfrentam no campo do ensino: o forte investimento na educação escolar, traduzido em práticas educativas estratégicas; aponta outras orientações de pesquisas passíveis de melhorar o conhecimento das realidades socioeducativas angolanas, incluindo práticas educativas de outros actores educativos, como famílias e professores.

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v Education system, societal transition and strategic educational practices of the social

actors: The case of low socioeconomic income students in Luanda (Angola)

Virgílio Gomes Correia

Abstract

This work is centred in the secondary and higher education subsystems, examines the strategic educational practices of low socioeconomic income students in Luanda (Angola) in the postcolonial period, in articulation with a set of elements that constitute the schooling conditions. The analysis of these practices takes place in a framework of interrelated theoretical references. An initial theoretical approach includes (i) the transition processes (economic and socio-political) and of State building; and (ii) education, strategic analysis and social representations. Other theoretical references, including social and educational inequalities, school-family relationship, educational and social projects and expectations, schooling decisions, investment in school education, are mobilised throughout the research. This theoretical support, of a sociological character and focused in a sociology of education perspective, enables the disclosure of the constraints that limit the schooling of the students in their quality as social actors, holders of capacities for a critical reading of the schooling reality, for projection and anticipation of the future, and for decision and action. The methodology followed combines diverse methods and techniques. Field research materialised through the analysis of relevant documents (official documents, monographic bibliography about Angola, critical bibliography on the subject) of data produced by questionnaires and non-directed interviews (individual and group) administered to students and, in the case of the latter, also to technical staff of the Ministry for Education, teachers and families.

The results suggest the argument that the educational strategic practices of low socioeconomic income students are explained through factors that constitute the conditions of schooling, influenced by the strong valuation that the very same students make of the school education. More specifically, the constraining conditions of schooling (constraints of the economic, socio-political and educational reality of the country, weaknesses of the socioeconomic conditions of the students and the difficulties that mark their school career; little positive social representations of their schools and interactions school-family), together with those other facilitating factors (students’

educational and professional ambitious projects/expectations), influenced by the strong valorisation of scholar education, motivate and promote students’ decisions and actions aiming at

improving their educational processes and their professional perspectives. The students emerge as relatively autonomous and creative actors, capable of calculation, manipulation and adaptation to adverse contexts.

This study supplies an explicative model that improves the understanding of the strategic educational practices of the low socioeconomic income (Angolan) students, of their education conditions, and of their capacity to influence and transform the socioeconomic, political and

educational realities in which they live; identify a decisive element of the students’ resilience to the

constraints and challenges they face in the field of education: the strong investment in school education, translated in strategic educational practices, susceptible of improving the knowledge of the Angolan socio-educational realities, including educational practices of other educational actors, such as families and teachers.

(8)

vi

Índice

AGRADECIMENTOS III

RESUMO IV

ABSTRACT V

ÍNDICE VI

LISTA DE ACRÓNIMOS E SIGLAS VIII

INTRODUÇÃO 1

PARTE I - ALGUMAS REFERÊNCIAS TEÓRICAS DE PARTIDA 14

I.1PROCESSOS DE TRANSIÇÃO E DE CONSTRUÇÃO DE ESTADO 14

I.1.1PROCESSO DE TRANSIÇÃO 15

I.1.1.1 Transição económica 15

I.1.1.2 Transição sociopolítica 20

I.1.1.2.1 Eleições multipartidárias 20

I.1.1.2.2 Competição política 25

I.1.1.2.3 Ensinamentos 31

I.1.2CONSTRUÇÃO DE ESTADO 34

I.2EDUCAÇÃO, ANÁLISE ESTRATÉGICA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 46

I.2.1COMPLEXIDADE E MULTIFUNCIONALIDADE DA EDUCAÇÃO 47

I.2.1.1 Educação e desenvolvimento – a complexidade de uma relação 47

I.2.1.2 Multifuncionalidade da educação 51

I.2.1.3 Educação e desenvolvimento em África 54

I.2.1.3.1 Aliança saber/poder 54

I.2.1.3.2 Educação, desenvolvimento e transformação da estrutura social 58 I.2.2ANÁLISE ESTRATÉGICA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - DA AUTONOMIA DOS ACTORES SOCIAIS

61

PARTE II - ANGOLA: REALIDADES ECONÓMICAS, SOCIOPOLÍTICAS E

EDUCATIVAS 70

II.1TRANSIÇÕES ECONÓMICAS E SOCIOPOLÍTICAS 70

II.1.1TRANSIÇÕES ECONÓMICAS 71

II.1.2TRANSIÇÕES SOCIOPOLÍTICAS 76

II.1.2.1 As fraquezas da sociedade civil 76

II.1.2.2 Os conflitos civis 81

II.1.2.3 Da chegada e consolidação da paz 86

II.2SISTEMAS DE EDUCAÇÃO E ENSINO 94

II.2.1UM RETRATO DA EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO E ENSINO 1972/73-2010 94

II.2.1.1 Efectivos escolares - crescimentos vertiginosos 94

II.2.1.2 Infra-estruturas, corpo docente, acesso e permanência no sistema de ensino, material didáctico-pedagógico e financiamento - constrangimentos e dificuldades 100

II.2.2AS REFORMAS EDUCATIVAS DE 1977 E DE 2001 110

II.2.2.1 Da estrutura e implementação do sistema de educação e ensino de 1977 à necessidade da

sua reformulação e da privatização de ensino 110

II.2.2.2 Sistema de educação e ensino de 2001 121

II.2.2.2.1 Da estrutura e estratégias de implementação às reformas curriculares e expansão do

sistema 121

II.2.2.2.2 A aposta na educação e ensino – entre os ganhos alcançados e necessidade da sua

consolidação, e os constrangimentos 142

PARTE III – ESTRATÉGIAS EDUCATIVAS DOS ALUNOS 146

(9)

vii

III.1.1CONDIÇÕES SOCIOECONÓMICAS 147

III.1.2NÍVEIS E TIPOS DE ENSINO FREQUENTADOS 154

III.1.3DIFICULDADES VIVENCIADAS 162

III.1.3.1 Ingressar no sistema de ensino – vias e «esquemas» 162

III.1.3.2 Sobreviver no sistema de ensino 170

III.1.3.2.1 Relações com os outros, mudanças «forçadas» de tipos de ensino, e experiências de

reprovações e interrupções de estudos 170

III.1.3.2.2 Ainda mais dificuldades 181

III.2REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA E DA RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA 191

III.2.1AS INSTITUIÇÕES ESCOLARES NÃO CUMPREM DE FORMA CABAL AS SUAS FINALIDADES E

FUNÇÕES 192

III.2.2ESCOLAS – INSTITUIÇÕES PADECENTES DE CARÊNCIA GENERALIZADA 208

III.2.3FRAGILIDADES DAS INTERACÇÕES ESCOLA-FAMÍLIA 225

III.2.3.1 Pagar as despesas 225

III.2.3.2 Agir em casa 229

III.2.3.3 Fugir à escola 235

III.2.3.4 Entre as exigências de uma maior participação da família e uma maior pró-actividade da

escola 240

III.2.4UMA LEITURA CRÍTICA DAS REALIDADES ESCOLAR E FAMILIAR 243

III.3PROJECTOS/EXPECTATIVAS ESCOLARES E PROFISSIONAIS 251

III.3.1PROJECTOS E EXPECTATIVA ESCOLARES 252

III.3.1.1 Estudar até aos níveis mais elevados 252

III.3.1.2 Realizar formação de nível superior, alcançar vida melhor 260

III.3.1.3 Defrontar dificuldades nos níveis de ensino seguintes 265

III.3.2PROJECTOS E EXPECTATIVAS PROFISSIONAIS 272

III.3.2.1 Exercer actividades profissionais «clássicas» - o papel decisivo da formação 272 III.3.2.2 Trabalhar, antes de tudo, e continuar a estudar - na capital 288 III.3.2.3 Contrariar as dificuldades de acesso e integração no mercado de trabalho – mais

formações e formações abrangentes 291

III.3.3UMA CAPACIDADE DE PROJECÇÃO E ANTECIPAÇÃO DO FUTURO 299

III.4PRÁTICAS EDUCATIVAS ESTRATÉGICAS 308

III.4.1AS ESCOLHAS ESCOLARES 309

III.4.1.1 Preferências e escolhas feitas numa realidade educativa constrangedora 309

III.4.1.2 Gestão das fontes de influência 313

III.4.1.3 Critérios de escolhas e intenções de mudar as escolhas feitas 324 III.4.1.4 Realização de múltiplas candidaturas e de «cursos» extra-escolares 328

III.4.2UMA APOSTA FORTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR 333

III.4.2.1 Procura insistente do apoio económico e financeiro 333

III.4.2.2 Aplicação nos estudos 338

III.4.2.3 Recurso ao «tráfico de influência» - das práticas da «gasosa» e das vinculações às

organizações religiosas, político-partidárias e outras 348

III.4.3UMA CAPACIDADE DE DECISÃO E ACÇÃO 366

CONCLUSÃO 373

BIBLIOGRAFIA (OBRAS CITADAS) 397

ANEXOS 1

Anexo I - Opções e estratégias metodológicas 2

Anexo II.2 – Sistemas de educação e ensino 51

Anexo III.1 – Condições socioeconómicas e percursos escolares 121

Anexo III.2 – Representações da escola e da relação escola-família 147

Anexo III.3 – Projectos/expectativas escolares e profissionais 164

Anexo III.4 – Práticas educativas estratégicas 184

Anexo IV – Modelo explicativo das práticas educativas estratégicas dos alunos de fracos recursos

(10)

viii

Lista de Acrónimos e Siglas

ACA – Associação Cívica Angolana

ADEA – Association for the Development of Education in Africa ADPP – Ajuda do Desenvolvimento de Povo para Povo

ADRA – Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente AFDB – African Development Bank

ANC/NP – African National Congress / National Party ANGOP – Agência de Notícias de Angola

APA – Associação dos Professores Angolanos APD – Ajuda Pública ao Desenvolvimento ASS – África ao Sul do Saara

BAD – Banco Africano de Desenvolvimento

BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento BM – Banco Mundial

CAARE – Comissão de Acompanhamento das Acções da Reforma Educativa CCPM – Comissão Conjunta Político-Militar

CDI – Centro de Documentação e Informação CEA – Centro de Estudos Africanos

CEAST – Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé

CEIC/UCAN – Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola

CGSILA – Central Geral dos Sindicatos Independentes e Livres de Angola CIDAC – Centro de Informação Amílcar Cabral

CIDMAA – Centro de Informação e Documentação sobre Moçambique e África Austral CIF – Código de Identificação dos Funcionários

CILSS – Comité Permanente Inter-Estados da Luta Contra a Seca no Sahel CNRE – Comissão Nacional para a Reforma Educativa

COSAG – Concerned South African Group

DNFQE – Direcção Nacional de Formação de Quadros de Ensino DNRH – Direcção Nacional para os Recursos Humanos

DNSP – Direcção Nacional de Saúde Pública DPE – Delegação Provincial da Educação

DPEL – Direcção Provincial da Educação de Luanda EBR – Ensino de Base Regular

EDEPA – Programa Educacional de Emergência

EISA – Electoral Institute for Sustainable Democracy in Africa EM – Ensino Médio

EMN – Ensino Médio Normal EMT – Ensino Médio Técnico

ENDIAMA - Empresa Nacional de Diamantes de Angola ESE – Exame Sectorial da Educação

ESup – Ensino Superior

EUA – Estados Unidos da América

Eurydice – Rede de Informação sobre Educação na União Europeia FAA – Forças Armadas Angolanas

FAI – Formação de Atitudes Integradoras

FALA – Forças Armadas de Libertação de Angola (UNITA) FAPLA – Forças Armadas Populares de Libertação de Angola FESA – Fundação Eduardo dos Santos

FMI – Fundo Monetário Internacional

(11)

ix FNUAP – Fundo das Nações Unidas para a População

FSA–CS – Força Sindical Angolana–Central Sindical FSE - Fundo Social Europeu

GEPE – Gabinete de Estudos e Planeamento da Educação GIVA – Gabinetes de Inserção na Vida Activa

GPL–DPE – Governo da Província de Luanda–Direcção Provincial da Educação GRH – Gestão de Recursos Humanos

GTZ – Agência de Cooperação Alemã [em Angola] GURN – Governo de Unidade e Reconciliação Nacional IAL – Instituto Médio Técnico Alda Lara

ICRA – Instituto de Ciências Religiosas de Angola IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IGCA – Instituto Geográfico e Cadastral de Angola IIE – Instituto de Inovação Educacional

IMEL – Instituto Médio de Economia de Luanda IMIB – Instituto Médio Industrial de Benguela

IMIL – Instituto Médio Industrial de Luanda (vd. Makarenko) IMIP – Instituto Médio Industrial do Prenda

IMNE – Instituto Médio Normal de Educação

IMNEF – Instituto Médio Normal de Educação Física

IMNE–Marista – Instituto Médio Normal de Educação–Marista (de Luanda) IMS – Instituto Médio de Saúde

IMTP – Instituto Médio Técnico do Petróleo

INAGBE – Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo INE – Instituto Nacional de Estatísticas

INEE – Instituto Nacional para a Educação Especial

INFAC – Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural INFQ – Instituto Nacional de Formação de Quadros

INIDE – Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação INOFOR – Instituto para a Inovação na Formação

IPC/ESEC - Instituto Politécnico de Coimbra/Escola Superior de Educação de Coimbra IPH – Índice de Pobreza Humana

ISCED – Instituto Superior de Ciências da Educação

ISCTE–IUL – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa–Instituto Universitario de Lisboa

ISPRA – Instituto Superior Privado de Angola Kz – Kwanza angolano (AOA) [moeda angolana] LGT – Lei Geral do Trabalho

LSAY – Longitudinal Survey of Australian Youth

LWINI – Fundação LWINI (instituição de solidariedade social, presidida pela Primeira Dama, Dra. Ana Paula dos Santos, que visa apoiar as vítimas civis de minas terrestres) Makarenko – Instituto Médio Industrial de Luanda (vd. IMIL)

MAPESS – Ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social ME – Ministério da Educação

MEC – Ministério da Educação e Cultura MED – Ministério da Educação e Desporto

ME–DNEG – Ministério da Educação-Direcção Nacional para o Ensino Geral

ME–DNETP – Ministério da Educação–Direcção Nacional para o Ensino Técnico Profissional

ME–GEPE – Ministério da Educação-Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística MESCT – Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnología

(12)

x MPLA–PT – Movimento Popular de Libertação de Angola–Partido do Trabalho

NEE – Necessidades Educativas Especiais NPI – Novos Países Industrializados

OCDE – Organização Para a Cooperação a Desenvolvimento Económico

ODES – Sistema de Observação de Percursos de Inserção de Diplomados do Ensino Superior

OEVA – Observatório de Entradas na Vida Activa OGE – Orçamento Geral do Estado

ONG – Organizações Não–Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas

OPES – Observatório Permanente do Ensino Secundário OUA – Organização de Unidade Africana

PAE – Programa de Ajustamento Estrutural PAG – Programa de Acção do Governo

PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PAM – Programa Alimentar Mundial

PAP – Prova de Aptidão Profissional

PDFMO – Projecto de Desenvolvimento de Mão–de–Obra PEA – População Economicamente Activa

PES – Programa Económico e Social PIB – Produto Interno Bruto

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PRE – Programa de Recuperação Económica

PRODEP - Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal PRODEP III - Programa Operacional da Educação

PUNIV – Ensino Pré–Universitário

RDP – Retardo no Desenvolvimento Psíquico RE – Rádio Ecclesia

RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana RETEP – Reforma do Ensino Técnico Profissional

SADC – Southern Africa Development Community (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral)

SEF – Saneamento Económico e Financeiro

SINGERH – Sistema Nacional de Gestão de Recursos Humanos SINPROF – Sindicato Nacional dos Professores

SNE – Sistema Nacional de Emprego

SONANGOL - Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola

SPLA –Sudan Peoples’ Liberation Army (Exército Popular de Libertação do Sudão)

SPLA/M – Sudan Peoples’ Liberation Army/Movement (Movimento Popular de

Libertação do Sudão)

SPLM – Sudan Peoples’ Liberation Movement (Movimento Popular de Libertação do

Sudão)

TCUL – Transportes Colectivos Urbanos de Luanda TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação TPA – Televisão Popular de Angola

UA – Universidade Aberta

UAN – Universidade Agostinho Neto UCAN – Universidade Católica de Angola UI – Universidade Independente

UL – Universidade Lusíada

(13)

xi UNE–Angola – União Nacional dos Estudantes Angolanos

UNESCO – United Nations Education, Scientific and Cultural Organisation (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)

UNICEF – United Nations Children Fund (Fundação das Nações Unidas para a Infância) UniPiaget – Universidade Jean Piaget de Angola

UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola

UNTA–CS – União Nacional dos Trabalhadores de Angola–Confederação Sindical UPRA – Universidade Privado de Angola

(14)

1

Introdução

Este trabalho analisa as práticas educativas estratégicas de alunos detentores de fracos recursos socioeconómicos em Angola (Luanda), no período pós-colonial, em articulação com um conjunto de elementos que constituem as condições de escolarização, elas próprias influenciadas pela forte valorização que os alunos fazem da educação escolar.

Os subsistemas de ensino tomados em consideração são o Ensino Secundário e o Ensino Superior. A sua importância singular reside no facto de se constituírem numa arena apropriada às práticas educativas estratégicas dos alunos, isto é, decisões e acções concretizadas no quadro das estruturas e sistemas de educação e ensino, associadas à realização da educação escolar, tendo em vista a consecução de objectivos escolares/profissionais no imediato e/ou no futuro. Nesses dois níveis de ensino os alunos experimentam enormes obstáculos de acesso e permanência, derivados, sobretudo, da fraqueza do mercado de oferta educativa. Por outro lado, a frequência desses níveis de ensino coincide com o período de vida em que eles (adolescentes e adultos) gozam de um grau maior de autonomia - alguns deles desfrutam, mesmo, de alguma independência económico-financeira -, detendo margem de manobra bastante para agirem num contexto de grandes constrangimentos, nomeadamente no que se refere a fazerem as suas escolhas escolares (instituições de ensino e cursos/áreas de formação).

(15)

2 elementos interpretativos fundamentais do que haveria de acontecer nos primeiros momentos da Independência e nos anos seguintes.

Não faltam às investigações sociológicas, em geral, e àquelas que se debruçam sobre as práticas dos agentes educativos, em particular, enquadramentos teóricos bastantes e adequados, capazes de orientar pesquisas empíricas. Todavia, a realização destas pesquisas, numa realidade onde a sociologia da educação ou do ensino1 está a dar os primeiros passos, coloca dificuldades acrescidas àqueles que tentam levar a cabo tal tarefa. Enfrentar essas dificuldades não significa, por seu turno, empreender, no caso presente, a construção de uma sociologia da educação ou do ensino em Angola, nem tão pouco ensaiar a apropriação de um objecto analítico único e exclusivo que, num tempo certo, é revelado ao mundo. O trabalho que se realizou constitui uma pesquisa menos restritiva. Houve, sim, a preocupação de, no quadro da definição do projecto de pesquisa, não menosprezar um conjunto de constrangimentos que semelhante tarefa impõe.

A análise das práticas educativas dos agentes educativos está sujeita a condicionalismos e desafios vários. Uns referem-se à escassez de produção científica neste ramo do saber que tem como pano de fundo as realidades económicas, sociopolíticas e educativas em que actuam os alunos angolanos. Outros dizem respeito à necessidade de incursão nos diversos domínios do saber que constituem as ciências sociais (sociologia, antropologia, história, economia e política, entre outros) ou especializações da sociologia (sociologia da cultura, do conhecimento e da educação, sociologia política e sociologia histórica, para citar apenas algumas) e, bem assim, de combinação das diversas técnicas de recolha e tratamento de informações. Outros, ainda, estão relacionados com a desactualização, o carácter político-ideológico e a pouca fiabilidade de alguns dados de análise sobre a realidade angolana, nomeadamente as estatísticas oficiais.

A realização do presente trabalho constitui, ela própria, um contributo para a análise, compreensão e explicação dessas práticas educativas no contexto angolano. As dificuldades relativas à interdisciplinaridade prendem-se com a precocidade das «transposições controladas de instrumentos teóricos» (Almeida, 1999: 16) de uns domínios do saber ou especializações para outros. A interdisciplinaridade que fundamenta este trabalho não se traduz, todavia, num atravessamento exaustivo dos múltiplos domínios de conhecimento das ciências sociais ou das especializações sociológicas referidos. Este

1 Sobre as diferentes definições da sociologia da educação e suas contribuições para o desenvolvimento da

(16)

3 trabalho trata-se, fundamentalmente, de uma abordagem sociológica, mais especificamente da perspectiva da sociologia da educação e do ensino, que tem nas estruturas e nas práticas de educação e ensino o campo empírico de referência. Note-se, aliás, que uma tradução desta interdisciplinaridade surge associada à prática da referida complementaridade de procedimentos e instrumentos metodológicos utilizados.

O rigor metodológico colocado na pesquisa exigiu o recurso à combinação de diversos métodos e técnicas.2 Socorreu-se, assim, de documentos pertinentes, nomeadamente documentos oficiais (produzidos tanto pelas autoridades angolanas como pelos organismos internacionais); de bibliografia de carácter monográfico sobre as realidades económicas, sociais, políticas e educativas de Angola; e de múltiplas entrevistas não-dirigidas (individuais e de grupo) ou de inquérito por questionário.

A informação pertinente recolhida foi suficiente para cobrir o período de tempo em análise e os diferentes processos e acontecimentos. Os documentos produzidos pelas autoridades angolanas e pelos organismos internacionais, a que se juntaram as informações provenientes de outras fontes secundárias de carácter monográfico sobre Angola, permitiram reconstituir as realidades económicas, sociopolíticas e educativas do país que constituem os contextos nos quais os processos educativos têm lugar. As fontes documentais oriundas das autoridades angolanas, incluindo as estatísticas escolares, exigiram, no entanto, um cuidado especial na sua utilização e análise. O carácter administrativo que esteve na sua concepção e produção, não estando especialmente orientado para utilização com fins académicos ou científicos, o seu grande pendor político-ideológico e, em muitos casos, a sua fraca fiabilidade obrigaram ao recurso sistemático de cruzamentos dos respectivos conteúdos com informações originárias de outras fontes. A utilização articulada de informação recolhida através das múltiplas entrevistas não-dirigidas (individuais e de grupo) e do inquérito por questionário constituiu uma estratégia metodológica adequada nesse esforço de utilização cuidada da referida informação proveniente das autoridades angolanas.

A pertinência das informações recolhidas junto de alunos através dos inquéritos por questionário e entrevista - esta última administrada, igualmente, a técnicos do Ministério de tutela da educação e ensino, professores e pais e encarregados de educação - reside, por outro lado, na sua qualidade intrínseca e utilidade para a compreensão e explicação do objecto de estudo. Uma parte significativa destas informações contribuiu para uma melhor explicitação das condições em que decorrem os processos de escolarização dos alunos.

(17)

4 Além de completar e complementar os dados relativos às condições de escolarização difíceis, permitiu, também, demonstrar as condições de escolarização mais favoráveis. Outra parte importante da informação possibilitou reconstituir os elementos das práticas educativas estratégicas dos alunos e, bem assim, evidenciar todo um conjunto de aspectos de valorização da educação escolar pelos alunos que, pelo seu carácter geral e abrangente, surgem ao longo do texto.

A recolha de dados implicou a colaboração activa de um número elevado de pessoas; esta foi preciosa para a pesquisa, mas não isenta de riscos, os quais tiveram que ser devidamente acautelados. As situações extremas talvez fossem os casos de alguns alunos que, de forma entusiástica, se prontificaram para falar, em contexto de entrevista, sobre os seus percursos e experiências no ensino, num gesto de ajuste de contas com uma realidade educativa e, em particular, um sistema de ensino que não responderam de forma satisfatória aos seus interesses e aspirações no passado, nem estariam a consegui-lo no presente; «vamo-nos vingar!» eram as suas palavras de manifestação de júbilo perante a oportunidade de falar de um assunto que lhes dizia respeito. Outros casos foram os de alguns alunos, ou mesmo de encarregados de educação, que esperavam receber compensações financeiras como contrapartidas pelas suas colaborações. Em relação aos primeiros, os momentos iniciais das entrevistas foram, na maioria das vezes, suficientes para ultrapassar as dificuldades, mediante os esclarecimentos dos propósitos desta técnica de recolha e tratamento de dados, a sua importância para a pesquisa que estava em curso e a necessidade de observação dos princípios básicos para a sua validação. Já em relação aos segundos, não foi possível, em algumas ocasiões - não muitas, é certo - iniciar, sequer, as entrevistas, tão grandes eram os riscos, avaliados na altura, de as informações prestadas obedecerem ao propósito de «dizer aquilo que se esperava que se dissesse ou que se quisesse ouvir», num registo de reprodução de discursos tantas vezes ditos e reditos que, por esse facto, ganhariam o estatuto de verdade ou de retrato da realidade; algumas entrevistas foram interrompidas e invalidadas no decurso da sua realização, quando se verificou que os seus propósitos e a observação dos princípios básicos de validade estavam postos em causa.

(18)

5 recolha de dados junto das populações, levada a cabo ou patrocinada por instituições nacionais, estrangeiras e internacionais (Institutos de pesquisas, Universidades, Banco Mundial - BM, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, Fundo das Nações Unidas para a População - FNUAP e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, entre outros). O argumento legitimador de semelhante prática era, quase invariavelmente, que, no quadro das dificuldades em que decorria a vida quotidiana em Luanda, a disponibilidade das pessoas para colaborarem com instituições ou investigadores num trabalho de investigação (como entrevistadores/inquiridores ou entrevistados/inquiridos) representava um esforço suplementar da sua parte que, se não fosse devidamente recompensado, mormente em termos financeiros, poderia traduzir-se em perdas importantes para si; outrossim, o hábito de atribuição/recebimento dessas compensações veio consolidar uma prática que, ao longo dos anos, acabou por ganhar o seu lugar no processo de interacção entre pessoas e instituições envolvidas em trabalhos de pesquisa científica.3

A sujeição dos referidos instrumentos de recolha e tratamento de dados a procedimentos semelhantes - os tópicos/variáveis do inquérito por questionário, decompostos em dimensões, indicadores e índices, coincidem com as codificações das entrevistas, definidas em termos de dimensões, categorias e subcategorias - garantiu um elevado grau de consistência metodológica num processo em que são utilizadas ferramentas distintas, ainda que de forma combinada. No essencial, os sentidos das informações resultantes das análises efectuadas são coincidentes ou muito próximos. A sua explicitação a par dos sentidos divergentes, sobretudo através do recurso às notas marginais, satisfaz as necessidades de problematização, compreensão e explicação dos processos e acontecimentos estudados, apresentando os elementos necessários e suficientes à verificabilidade e possibilidade de crítica, muito embora, numa ou noutra parte do texto, se possa ter sido menos sintético.

Como se referiu, a problemática inicial, que está ligada a outros trabalhos (Correia, 2004, 2007a, 2008, 2012), procurava explicar as práticas educativas de alunos pertencentes a famílias ou grupos sociais desfavorecidos, detentores de fracas condições socioeconómicas, numa realidade económica, sociopolítica e educativa em que as ofertas educativas (estabelecimentos de ensino e cursos/formações), públicas e privadas,

3 Na introdução do livro que reúne um conjunto de 18 entrevistas realizadas no âmbito da preparação da sua

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6 escasseiam. Estes constituem alunos diferentes daqueles cujas condições socioeconómicas mais favorecidas lhes permitem, à partida, aproveitar melhor as fracas oportunidades educativas existentes.

As famílias detentoras de condições socioeconómicas mais débeis enfrentam com maiores dificuldades os processos de transição marcados por situações de crise, sejam estas de carácter económico, social ou político. De resto, estes processos de transição tendem a ser complexos e perpassados por contradições, podendo comportar, simultaneamente, estratégias de conservação ou de assalto ao poder, por parte de novas e velhas elites, ou significar um maior ou um menor envolvimento da população (Marques, 1997). Sob pressão das mudanças, a dinâmica da sociedade é comandada pelos interesses dos grupos sociais que procuram concentrar as suas forças na economia, no funcionamento do Estado e nos processos de alocação de recursos públicos e privados (controlados pelo Estado). Daí que as preocupações maiores dessas elites estejam ligadas aos seus papéis e às suas estratégias de reprodução, e não tanto, por exemplo, às políticas de saúde e de educação direccionadas para os grupos mais desfavorecidos.

Intimamente ligada aos processos de transição em Angola está a situação de guerra civil permanente que fustigou o país e que muito contribuiu para a degradação das condições de vida das populações. Face ao decréscimo do nível das condições de vida, decorrente da crise e num contexto de abandono ou quase abandono por parte do Estado, as populações mais carenciadas e vulneráveis adoptam diversas estratégias de sobrevivência, encontrando, sobretudo, nas actividades de economia informal um meio eficaz de garantirem a sua sobrevivência (Sousa, 1997; Rodrigues, 2006; Lopes, 2007, 2011).

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7 regime político) para, por exemplo, exigirem legislação que permita o aparecimento do ensino privado, as populações com menos recursos, quer económicos e sociais, quer políticos ou culturais, procuram, por sua vez, tudo fazer para «não deixar de mandar os filhos à escola», ainda que isto signifique, por vezes, apenas aprender a ler e a escrever. Tudo aponta, por conseguinte, para uma convicção forte por parte dos grupos sociais, das famílias e dos indivíduos nas potencialidades da educação escolar, encaradas como um factor decisivo de manutenção e melhoria das condições de vida, um factor importante de mobilidade social.4

A debilidade das condições socioeconómicas dos alunos está, frequentemente, na origem de inibições de investimento na formação escolar, resultando em interrupções, desistências e abandonos dos estudos ou em entradas (precoces) no mundo laboral. Mas ela pode, igualmente, motivar ou promover comportamentos de alunos (e famílias) que melhorem significativamente os seus processos de escolarização e permitam perspectivar um futuro melhor. Ilustram esta realidade a procura e frequência de «cursos» extra-escolares ou a apresentação de múltiplas candidaturas ao sistema de ensino, por parte de alunos de parcos recursos económicos, financeiros, sociais ou culturais, enquanto tentativas de aumentar as possibilidades de conseguirem aceder às escassas vagas disponíveis e, assim, poderem prosseguir os estudos; ilustra, igualmente, esta realidade a relutância, por parte de alunos de fracos recursos socioeconómicos, em ficarem excluídos do sistema de ensino e a sua insistência em «irem à escola», para frequentarem a escola formal ou, então, a escola não-formal e informal (por exemplo, as «Explicações») quando não podem realizar a formação naquele primeiro tipo de escola, por falta de vagas, por impossibilidade de custear os estudos junto dos estabelecimentos de ensino (público e privado) ou por outras razões.

Tem-se presenciado, em diferentes contextos e com características distintas, o fulgor das práticas educativas estratégicas de alunos e famílias (Zéroulou, 1988; Montandon, 1987a, 1987b, 1991; Kellerhals e Montandon, 1991; Kellerhals et al., 1992; Laurens, 1992; Baudelot e Establet, 1992; Grácio, 1997b, 1998a, 1998b; Machado et al., 2003; Lahire, 1993, 2004; Duru-Bellat e Van Zanten, 2006; Seabra, 2012; Diogo e Diogo, 2013). Em Angola, pelo menos desde a segunda metade do século passado (mais concretamente, nos anos 60) e, sobretudo, desde o início do período pós-colonial, este fenómeno, profundamente ligado a uma componente político-ideológica, conheceu alguns desenvolvimentos importantes, mormente nas grandes cidades onde a educação e o ensino

4 Uma análise do debate sobre o conceito de mobilidade social e dos resultados empíricos decorrentes da sua

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8 registaram maior vitalidade (Silva, 1969; Heimer, 1973; Anuários do ensino relativos a 1964-1972, 1968-1974; ME, 1978; ME, Gabinete de Estudos, Planos e Projectos, 1989/90; Pacheco e Silva, 1991; Marques da Silva, 1992-1994).

As práticas educativas estratégicas dos alunos de fracos recursos socioeconómicos assumem, claro está, formas distintas, e podem surgir associadas a factores diversos, como os próprios níveis das condições socioeconómicas, as experiências acumuladas das formas de relacionamento com os processos de escolarização, incluindo os resultados escolares alcançados, ou os graus de importância atribuídos à educação escolar na vida presente e futura. Por exemplo, podem encontrar-se práticas educativas estratégicas de alunos tradutoras de um investimento forte numa formação escolar «clássica», como uma escolha/decisão de escolha de um curso superior em Direito, numa universidade de prestígio, associadas à existência de uma pequena disponibilidade económico-financeira das famílias, mas suficiente para custear parte das despesas com o curso; associadas aos resultados escolares de nível excelente obtidos pelos alunos ao longo do percurso escolar; associadas à existência de familiares detentores de formação escolar de nível superior em Direito e de experiências profissionais bem-sucedidas na área; associadas aos percursos escolares de familiares mais próximos (pais e irmãos, tios, primos) marcados por resultados académicos medianos (frequência apenas do Ensino Primário); associadas à obtenção ou perspectivas de obtenção de apoios económico-financeiros (bolsas de estudo) junto de instituições públicas e privadas; ou associadas à pertença/filiação a instituições de cariz religioso, político ou outro.

O foco da presente pesquisa está centrado, no entanto, na análise das situações em que as práticas educativas estratégicas dos alunos surgem ancoradas nos constrangimentos das realidades económicas, sociopolíticas e educativas do país; ancoradas na fraqueza das suas condições socioeconómicas e nas dificuldades diversas que marcam os seus percursos escolares, tanto na entrada como no interior do sistema de educação e ensino; ancoradas nas representações pouco positivas que detêm das suas escolas e das formas como estas se relacionam com as famílias; ancoradas nos seus ambiciosos projectos/expectativas escolares e profissionais; ancoradas, finalmente, na sua forte valorização da educação escolar.

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9 esta ficou definida. Muitos outros locais ou regiões do país poderiam prestar-se a uma tal tarefa, uma vez que semelhantes práticas educativas dos alunos estão ali representadas, sobretudo as cidades de maior concentração populacional, como Lubango e Benguela, mas cujo aumento de ofertas educativas nos tempos mais recentes permanece insuficiente face à crescente procura. Os trabalhos de investigação realizados anteriormente sobre Angola, incidindo, essencialmente, sobre a capital (Correia, 2004, 2007a, 2008, 2012), a existência ali de maior disponibilidade de informações e de maiores contactos prévios (pessoais e institucionais), passíveis de potenciar a pesquisa de terreno, conduziram à escolha de Luanda.

Os resultados da pesquisa estão sistematizados na Conclusão, integrados no modelo de análise e explicativo das práticas educativas estratégicas dos alunos. Os diversos elementos dessas práticas ganham inteligibilidades na sua relação com o referido conjunto de factores explicativos que constituem as condições de escolarização e que estão, por sua vez, associados à forte valorização que os alunos fazem da educação escolar.

A mobilização das referências teóricas neste trabalho tem lugar em dois grandes momentos. Uma construção teórica inicial procurou focar a análise em algumas perspectivas que haveriam de orientar a pesquisa. Não estava em causa, com efeito, uma qualquer abordagem exaustiva, uma qualquer sistematização do que se escreveu já sobre o assunto, ou um qualquer estabelecimento de um marco teórico em relação ao qual os desenvolvimentos ulteriores da análise deveriam ajustar-se ou seguir cegamente. Outro grande momento corresponde ao desenrolar da investigação, significando isto que as formulações teóricas acompanham as resoluções dos problemas que vão surgindo com a pesquisa. Muito próxima da investigação empírica, a teoria mobilizada foi útil para a análise das decisões e acções que configuram as práticas educativas estratégicas dos alunos e dos elementos que constituem as condições de escolarização condicionadoras daquelas práticas. A perspectiva analítica adoptada toma em devida conta os constrangimentos a que os actores ou agentes sociais e educativos estão sujeitos, mas é a valorização da autonomia e capacidade de acção desses actores e agentes que se privilegia. Exposta ao longo do texto, é, sobretudo, nos pontos finais dos capítulos da Parte III que a teoria mobilizada nesse segundo momento emerge de forma mais sistemática.

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10 2001) - e que não deixam de as condicionar. Eis a razão por que a Parte I se debruça sobre algumas referências teóricas relativas aos processos de transição. A explicitação e discussão de algumas dimensões dos processos de transição e de construção do Estado (em África) permitiu direccionar a recolha e tratamento de informação sobre as realidades económicas, sociopolíticas e socioeducativas angolanas em transição, elementos estruturais fundamentais à compreensão e explicação dos processos sociais que nessas mesmas realidades têm lugar, como são, no caso presente, as práticas educativas dos alunos (Parte I.1).

Tributárias, igualmente, de certos princípios e ideias da educação e ensino, as práticas educativas estratégicas dos alunos são atitudes e comportamentos de sujeitos concretos que procuram agir, em contextos também concretos, de acordo com os seus interesses. O recurso aos elementos teóricos relativos à complexidade e multifuncionalidade de educação/ensino, à análise estratégica e às representações sociais é movido pelos propósitos de rentabilização das complementaridades que os mesmos possibilitam. A fecundidade das referências relativas à complexidade e multifuncionalidade de educação/ensino reside, sobretudo, no seu potencial mobilizador de acção dos actores sociais, assente, em grande medida, em bases político-ideológicas produtoras de resultados que nem sempre são conformes aos esperados. A fecundidade da análise estratégica diz respeito à possibilidade de revelar a autonomia dos actores sociais, a sua qualidade de agentes independentes e criativos. A fecundidade das representações sociais, finalmente, está associada à possibilidade de, enquanto modos de apreensão do real, demonstrar como os actores sociais procuram, simultaneamente, minimizar a imprevisibilidade deste real e aumentar o controlo sobre o mesmo (Parte I.2).

As mudanças económicas, sociopolíticas e socioeducativas condicionam, com efeito, as estruturas organizativas da educação e ensino, as formas e os propósitos da acção dos diversos actores envolvidos, e bem assim os seus desempenhos e resultados. Mas é preciso levar em consideração, igualmente, as reacções dos actores sociais e educativos (respostas e respectivos sentidos). A integração das duas componentes no exame das práticas educativas estratégicas dos alunos apresenta-se como uma estratégia analítica que melhora a inteligibilidade dessas mesmas práticas. A Parte II ocupa-se dos processos de transição que o país tem experimentado nas últimas quatro décadas, procurando reter alguns dados relativos às realidades económicas, sociopolíticas e educativas, condicionantes estruturais das práticas educativas estratégicas em análise.

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11 consideração, porquanto o próprio Estado se apresenta enquanto um dos agentes principais em todo esse processo (Parte II.1). Sobre a realidade socioeducativa, retiveram-se alguns elementos factuais ou interpretativos relativos às estruturas e sistemas de educação e ensino importantes para o estudo do objecto central da pesquisa (Parte II.2). Com base em informações provenientes, fundamentalmente, das estatísticas oficiais, procurou-se dar conta dos principais desenvolvimentos ocorridos nas estruturas e nos sistemas de educação e ensino do Estado pós-colonial.

A evolução positiva de quase todos os indicadores sobre a educação e ensino no período pós-colonial (número de alunos matriculados; número de professores integrados no sistema de ensino; construção e reabilitação das infra-estruturas físicas, como salas de aulas, bibliotecas, laboratórios; número de aprovações, reprovações e abandonos escolares, entre outros) - de que os fenómenos de explosão escolar e de diminuição do número de crianças e jovens em idade escolar que ficam fora do sistema de ensino são um reflexo - revela os avanços significativos alcançados nas últimas quatro décadas, comparativamente com o período anterior à Independência. Todavia, estes avanços não significam ausências de dificuldades e de constrangimentos diversos. A fraqueza das ofertas educativas face à grande procura por parte dos alunos (e famílias) e as difíceis condições em que muitos angolanos realizam os seus processos de escolarização (falta de escolas, turmas superlotadas, salas de aulas destruídas e falta de material escolar, entre outras) reflectem a permanência de fracas oportunidades educativas, apesar dos muitos esforços e investimentos realizados, seja por parte das autoridades, seja por parte das famílias e dos alunos. As duas reformas de educação e ensino - a de 1977 e a de 2001 - confirmam esses constrangimentos e dificuldades, porquanto as suas concepções e implementações visam, justamente, (i) corrigir problemas, insuficiências e falhas detectados; (ii) responder às novas necessidades que, entretanto, foram surgindo; e (iii) aumentar a eficácia e eficiência das estruturas e sistemas de educação e ensino. Os elementos de análise retidos dos desenvolvimentos das estruturas e sistemas de educação e ensino são suficientes para revelar os obstáculos e realidades educativas constrangedores que os actores e agentes educativos têm que enfrentar.

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12 ingresso no sistema de ensino, como no seu interior, são alguns elementos caracterizadores destes alunos e que contribuem, de forma decisiva, para moldar as suas atitudes e os seus comportamentos associados aos respectivos processos de escolarização, no quadro de uma realidade educativa constrangedora.

As decisões e acções dos actores sociais no quadro das realidades económicas, sociopolíticas, educativas têm uma relação com as formas como «pensam», «vêem» e «vivem» essas realidades. Aliás, da relação existente entre as formas como se «pensa», se «vê» e se «vive» as realidades e as formas como se actua sobre elas podem resultar transformações dessas mesmas realidades. É do estudo dessa dimensão subjectiva dos processos sociais que se ocupam os dois capítulos seguintes: as representações que os alunos detêm da escola e das relações escola-família (das escolas e famílias em geral, e das suas escolas e famílias em particular) (Parte III.2), e os seus projectos/expectativas escolares e profissionais (Parte III.3).

Os ambiciosos projectos/expectativas escolares e profissionais promovem as práticas educativas estratégicas dos alunos. O aprofundamento do exame das componentes das representações sociais analisadas mostra como formas menos positivas como os alunos apreendem a escola e as relações escola-família explicam e fundam as suas práticas educativas estratégicas, a par da debilidade das suas condições socioeconómicas, das dificuldades que marcam os seus percursos escolares e dos constrangimentos associados às realidades económicas, sociopolíticas e educativas do país. Isto revela, por outro lado, quão ineficientes e falaciosas podem ser as explicações produzidas em compartimentos estanques e exclusivistas, associando, por exemplo, de forma apressada, a grupos sociais desfavorecidos (baixos capitais económico, social e cultural) fracassos escolares, práticas educativas aparentemente pouco ambiciosas e desprovidas de sentido estratégico, e não reconhecendo ou inviabilizando quaisquer tipos de influências que possam estar ligadas à ordem do imprevisível e do improvável (Lahire, 2004).

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13 social - que as referidas componentes das condições de escolarização, tanto as mais favoráveis como as mais difíceis, fundam, legitimam e explicam as práticas educativas estratégicas e respectivos sentidos.

A Parte III.4 deste trabalho procura testar as potencialidades de compreensão e explicação dos elementos de análise apresentados, através da sua confrontação com as práticas educativas estratégicas dos alunos. As escolhas escolares e a aposta na formação escolar constituem dimensões dessas práticas.

Preferências e escolhas escolares, gestão das diversas fontes de influência, adopção de critérios de escolhas escolares, mudanças e intenções de mudanças das escolhas feitas, apresentação de múltiplas candidaturas de acesso ao sistema de ensino e realização de «cursos» extra-escolares, procura de apoio económico-financeiro para a realização dos estudos, envolvimento nos estudos e, finalmente, recurso ao «tráfico de influências» constituem elementos de práticas educativas estratégicas dos alunos plenos de significados. Trata-se, com efeito, de decisões e acções levadas a cabo no quadro das estruturas e sistemas de educação e ensino, associadas à realização da educação escolar, com o intuito de alcançar benefícios imediatos e futuros (económicos, financeiros, sociais, culturais); decisões e acções que, enquanto traduções de determinados sentidos orientadores, tendem, elas próprias, a condicionar decisões e acções futuras, e a marcar, de forma indelével, os seus actores.

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Parte I - ALGUMAS REFERÊNCIAS TEÓRICAS DE PARTIDA

I.1 Processos de transição e de construção de estado

Os processos de transição ou mudança económica e sociopolítica em África, iniciados nos finais dos anos 80 do século passado, coincidem com períodos de grandes convulsões políticas, sociais e económicas que se constituem em oportunidades especiais que os diversos segmentos ou actores sociais vivenciam de forma distinta e procuram rentabilizar nos seus interesses, de acordo com os recursos que têm ao seu dispor, mormente os educacionais. Nesta Parte I do trabalho procede-se a um enquadramento teórico e empírico desses processos de transição ou mudança e das acções estratégicas dos actores sociais, proporcionando algumas linhas orientadoras de pesquisa e a partir dos quais se esboça um modelo de análise e explicativo das práticas educativas estratégicas de alunos de parcos recursos socioeconómicos, que será explicitado na Conclusão enquanto resultado da própria pesquisa. Este modelo permitirá compreender e explicar as práticas educativas estratégicas desses alunos através de um conjunto de factores que constituem as condições de escolarização e que são influenciados, por sua vez, pela forte valorização que os mesmos alunos atribuem à educação escolar.

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15 As dificuldades surgidas ligadas aos processos de transição económica e sociopolítica não são alheias aos processos de construção de Estados africanos pós-coloniais, matéria discutida no segundo ponto desta Parte I.1. Estes Estados revelam deter uma natureza autoritária, padecer de uma profunda debilidade no quadro do capitalismo transnacional e ser praticantes de um modo de funcionamento clientelar e patrimonialista. Apresentam-se como um dos principais actores sociais e como o principal canal de crescimento económico, desempenhando um papel fundamental na formação de classes sociais. Esta realidade influencia sobremaneira o processo de democratização, visto que as condições de competição política são condicionadas pela luta pelos escassos recursos, baseada, sobretudo, numa lógica de «politique du ventre» (Bayart, 1989: 157). É nesse quadro que se colocam as questões da incapacidade e da impotência dos Estados pós-coloniais na sua qualidade de agentes de desenvolvimento, bem como de promotores de estratégias de centralização que têm conduzido ao esgotamento da sua fonte de rendimento ou base económica. Como se verá, se é verdade que o reconhecimento dos Estados africanos pós-coloniais como um dos elementos responsáveis pela estagnação económica do continente constitui uma das razões que estão na origem dos processos de democratização ou «desestatização», consubstanciados nos referidos processos de transição económica e sociopolítica, não é menos verdade que as medidas de «desestatização» tendem a provocar desequilíbrios na sociedade dificilmente resolvidos num curto período de tempo, contendo em si grandes riscos da atomização social, da degenerescência do Estado e o do declínio económico.

I.1.1 Processo de transição

I.1.1.1 Transição económica

Os finais dos anos 80 do século passado marcaram um período de convulsões políticas, sociais, económicas e até culturais que atingiram, sobretudo, os países do Leste europeu. Em África, essas agitações assinalaram o ponto alto de uma profunda crise económica, com as instituições financeiras internacionais (Banco Mundial - BM e Fundo Monetário Internacional - FMI) a tentar ajudar vários países como Gana, Costa do Marfim, Senegal ou Guiné-Bissau a ultrapassar a crise.5 O desmoronar do «sistema socialista europeu» teve consequências prejudiciais e imediatas para África: «descrédito dos sistemas de planificação central; descrédito de fontes alternativas de ajuda externa (em relação ao sistema capitalista); redução ou anulação do grau de manobra nas relações com os EUA (o

5 Na sequência da crise mundial iniciada em meados dos anos 70 e que afectou sobremaneira África, o FMI e

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16 facto é crucial na evolução dos conflitos dos países da África austral)» (Murteira, 1995: 352) constituem legados de uma relação que, no passado, fora imprescindível, mas que, doravante, constituiria um empecilho. E esse desenvolvimento acontece numa altura em que, no continente africano, impera um processo de desestruturação e privatização de bens e serviços públicos, num contexto específico caracterizado por Estados débeis, mas formalmente omnipresentes e omnipotentes; empresariados nacionais inexistentes; administrações públicas a entrar em colapso (na sequências das medidas de «estabilização económica», os funcionários públicos sobrevivem das estratégias pessoais de obtenção de rendimentos alternativos); e processos de democratização a surgir de fora para dentro, conduzidos pelos poderes estabelecidos num contexto de crise económica, social e política. É nesse quadro que se dá a chegada dos ventos da democracia a África, fruto de condições internas e externas, numa altura em que a bandeira do liberalismo económico, da democracia multipartidária e da defesa dos direitos humanos se desfraldava por todos os cantos. É precisamente a esse processo de mudanças profundas que se chama transição, isto é, mudanças de economias planificadas centralmente para economias de mercado; mudanças de regimes políticos autoritários de partidos únicos para regimes políticos multipartidários; por fim, mudanças de Estados/sociedades autoritários para Estados/sociedades menos autoritários e mais liberais. Importa ressaltar que o contexto social, económico e político no qual se operam essas mudanças é tributário de uma realidade específica na qual se destacam: um processo de construção de Estados pós-coloniais africanos sobre uma estrutura de poder fortemente centralizada, com o objectivo de assegurar o controlo e a gestão da vida das populações, e que teve como resultado a criação de uma classe de dirigentes que monopoliza o poder; um modo de funcionamento das instituições político-administrativas (Comités de partidos e Estado) equivalente à dominação e repressão de uma minoria sobre a maioria; e um enfraquecimento, esvaziamento ou perseguição das estruturas tradicionais de poder.

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17 civil. De uma maneira geral, o processo é impulsionado e dirigido pela ala reformista do regime. Nas etapas mais avançadas, o poder político instalado pode vir a encontrar-se na dependência das pressões da sociedade civil (cf. Silva, 1997). Sabendo que os dois modelos explicativos não são mais do que isso mesmo, isto é, modelos de interpretação da realidade, deve ter-se em consideração que existem processos reais que se adequam mais a uma orientação que a outra, ou combinam, em moldes diversos, aquelas duas orientações.

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18 crise de tais modelos fragilizou os mecanismos de financiamento dos planos de desenvolvimento dos respectivos Estados. O desafio da diversificação estava comprometido em países como Angola, Gabão e Nigéria, e o endividamento e os seus estrangulamentos marcavam, em definitivo, as suas presenças. Nos restantes Estados em que predominavam as economias assistidas pela cooperação internacional ressaltavam-se a incapacidade de gerir um modelo endógeno de acumulação e a própria dependência. A degradação das condições sociais, traduzida em indicadores sociais como a baixa taxa de escolarização, o baixo nível sanitário ou o declínio da situação nutricional, constitui uma das consequências mais visíveis. Por todo o continente, a desintegração institucional surge como uma das facetas mais importantes da crise. O Estado é objecto de uma apropriação e gestão neopatrimonialista, em que os recursos públicos são distribuídos segundo princípios clientelares. O Estado funciona, neste sentido, não como um agente do desenvolvimento, mas sim como um mecanismo de predação dos recursos.6

É neste contexto que uma grande maioria dos Estados africanos é sujeita aos programas de estabilização impostos pelo BM e FMI.7 A adopção dos Programas de Ajustamento Estrutural (PAE) coloca estes Estados numa situação de dependência, retirando aos responsáveis políticos africanos um espaço de manobra apreciável e provocando, em muitos casos, a perda do controlo sobre o processo social. De facto, as medidas accionadas pelo PAE contribuem, em muito, para a erosão da legitimidade dos Estados e para a perda de alguma soberania real, tanto ao nível externo como interno, porquanto exigem a redução das despesas públicas, que passa, entre outras, por restrições das importações, despedimentos de funcionários públicos considerados excedentários, cortes nos programas sociais que envolvem a saúde, a educação e a cultura, restrição do pacote de preços subsidiados de produtos essenciais, alienação das empresas e desvalorização da moeda. Os governos perdem capacidade autónoma de decisão em matéria estrita de política económica e, também, relativamente a aspectos que se prendem com o enquadramento legislativo e definição constitucional de competências. No plano interno, a aplicação das medidas dos PAE parece estar na origem de greves, manifestações e motins diversos que muito contribuíram para o desmantelamento de alguns regimes monopartidários que não conseguiram resistir às pressões externas e internas.

6 Sobre o Estado predador dos recursos nacionais, cf., entre outros, Jacquemot (1988), Bayart (1989),

Messiant (1999) e Pestana (2004).

7 Os processos de transição em África iniciam-se, de facto, com as medidas de estabilização económica

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19 Deve notar-se, no entanto, que não existe uma correlação linear entre, por um lado, a fraqueza ou crise económica e os respectivos efeitos sociais (mais) dramáticos e, por outro, a mobilização política contra o poder monopartidário e sua penalização eleitoral. Não foram os países mais endividados, mais marginalizados e mais pobres que enfrentaram a rejeição mais expressiva do regime monopartidário ali existente.8 Com efeito, a relação quase mecânica, frequentemente referida, entre liberalização económica e liberalização política - esta última associando multipartidarismo à democratização - não corresponde, de todo, à realidade histórica. A chegada do liberalismo aos PALOP entre 1982 e 1987, por exemplo, terá ocorrido numa altura em que os partidos únicos não tinham qualquer intenção de deixarem de o ser (Cahen, 1995); e só quando as políticas económicas liberais se revelaram mal sucedidas - porque não permitiram restabelecer a economia, pelo contrário, fizeram crescer consideravelmente a miséria da maioria da população e a riqueza de alguns - se avançou com as políticas de democratização. Como afirma Cahen, «a liberalização política (democratização parcial) não é a consequência do liberalismo económico: ela é a consequência do seu insucesso. O pluralismo político, condição necessária da democracia, surge como meio de evitar uma explosão social, é a consequência de uma relação de forças entre o poder e a população, da pressão popular, é uma vitória popular» (Cahen, 1995: 93).9 Na verdade, as políticas económicas liberais colidem com as necessidades sociais num contexto em que se está perante liberalismo económico sem mercado.

O processo de liberalização económica e democrática proporciona novas oportunidades às diversas camadas sociais e a alguns dos seus mais destacados líderes e representantes. Os militares procuram uma nova imagem e novas oportunidades; a sociedade civil e/ou seus (pretensos) representantes redefinem a sua importância, disputando partes do mercado de emprego e canalizando recursos; novos grupos reclamam a urgência de uma elite empresarial nacional coesa e forte, e o apoio do Estado à iniciativa privada, enquanto condição para a saída do marasmo socioeconómico; grupos há, também, que exigem o fortalecimento e renovação das estruturas públicas e administrativas, e a

8 No contexto dos PALOP, Cabo Verde é um exemplo acabado. A crise política e o processo de transição

experimentados nos anos 90 não foram precedidos de uma crise económica nos moldes atrás descritos. Na segunda metade dessa década, Cabo Verde integra um reduzido grupo de países africanos que não se encontrava, nem tinha estado submetido a um PAE, sendo caso único entre os PALOP. A Reforma Administrativa levada a efeito dotou o Estado do aparelho institucional mais complexo e operacional alguma vez conseguido. Cabo Verde gozava (e goza) de uma paz social satisfatória, mantendo afastada qualquer conflitualidade política ameaçadora da integridade do Estado, ao contrário da maioria dos Estados do continente que conviviam (e convivem) com conflitos étnicos e regionais, como eram os casos de Moçambique e, sobretudo, Angola, entre os PALOP, que se defrontavam com guerras civis e efeitos económicos bloqueadores (Silva, 1997).

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20 capacidade de liderança da elite intelectual como condições prévias para qualquer progresso; e os representantes do Estado tentam colocar-se nas melhores posições na nova conjuntura de liberalização económica e democratização dos países; os grupos mais vulneráveis - as populações rurais e urbanas mais desfavorecidas - tentam resistir e sobreviver o melhor possível às mudanças.

Neste contexto de mudanças, os actores sociais tendem a agir, não de modo anárquico ou num vazio, mas sim como parte de um tecido social e em conformidade com os mecanismos sociais capazes de sustentar as suas acções. Sejam indivíduos, instituições, grupos ou segmentos sociais, sejam entidades nacionais ou estrangeiras, os actores sociais, nas suas inter-relações, cooperam uns com os outros, competem e rivalizam entre si (dentro dos próprios grupos) e adoptam estratégias que consideram capazes de realizar melhor as suas finalidades ou interesses. Os interesses específicos de uns são, por vezes, opostos aos interesses de outros, e o conflito aberto ou latente constitui o princípio dominante do sistema social. Assim, num estudo focado nos actores sociais, a análise deve integrar os seus interesses (materiais ou ideológicos); os meios que adoptam para concretizar os seus objectivos, planos e alianças; as formas como encaram o futuro e as estratégias adoptadas para alcançar os objectivos traçados ou desejados. As lições retiradas da história recente de África ensinam que as elites tendem a adoptar uma politique du ventre, isto é, uma tendência para o enriquecimento ou acumulação primitiva por todos os meios; uma política de promoção de autoprivilégios que conduz à ruína dos Estados herdados do colonialismo, impedindo o processo de desenvolvimento (Bayart, 1989).

I.1.1.2 Transição sociopolítica

I.1.1.2.1 Eleições multipartidárias

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