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Análise estratégica e representações sociais da autonomia dos actores sociais

Parte I ALGUMAS REFERÊNCIAS TEÓRICAS DE PARTIDA

I. 2.1.3.2 Educação, desenvolvimento e transformação da estrutura social

I.2.2 Análise estratégica e representações sociais da autonomia dos actores sociais

Uma apreensão das sociedades africanas enquanto entidades estáticas, incapazes de assegurar o seu processo de transformação, a menos que este seja realizado através de intervenções externas, em nada contribui para a auto-organização ou criação de um sistema de autocontrolo dessas sociedades.67 Integrante das teorias da modernização, esta

67 A capacidade interventiva, estratégica e de autonomia dos africanos, quase exclusivamente por sua conta e

risco, não tem sido percepcionada, nestes termos, por alguns investigadores ou instituições, tais como as entidades doadoras de Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) (Couto, 2001).

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abordagem acaba por negar a historicidade dos actores sociais africanos, ignorando, por conseguinte, rivalidades internas, interesses divergentes e conflitos existentes.

Os processos de transição em África têm, simultaneamente, servido de palco e contribuído para o redimensionamento das estratégias individuais e/ou grupais dos actores sociais. Eles adoptam estratégias diferentes com vista a garantir as suas posições no quadro das estruturas socioeconómicas e sociopolíticas, utilizando, para o efeito, os recursos que têm ao seu dispor, designadamente a educação escolar. Profissionais liberais, tais como médicos, advogados, comerciantes ou industriais, tendem a adoptar a representação da «classe» em forma de associações profissionais e representações políticas na defesa dos seus interesses. Outros grupos, mais dependentes dos recursos colectivos, como os militares e os funcionários públicos, tendem a expandir as actividades e competências dos Estados. Outros tendem a criar alianças e redes de apoio para facilitar o acesso aos recursos, a optar por estratégias mistas com vista a manter as relações de tipo paternalista-clientelista com membros de grupos dominantes, a estabelecer relações corporativas através de organizações «modernas». Outros há, ainda, que usam a etnicidade ou a religião para melhorar a sua situação de competição. As populações mais desfavorecidas ou vulneráveis, adoptando uma estratégia de resistência ou de sobrevivência, procuram no sector informal da economia o seu campo de acção (Jacquemot, 1988; Bayart, 1989; Messiant, 1999). Face aos múltiplos constrangimentos que se lhes impõem, os diferentes segmentos sociais procuram, com efeito, agir nos seus interesses, enfrentando da melhor forma que podem aqueles obstáculos.

Crozier e Friedberg (1977) ressaltam a capacidade de cálculo e de manipulação dos indivíduos no quadro de uma organização, que procuram adaptar-se às mais diversas circunstâncias. Essa situação remete para a existência de margem de liberdade que estes indivíduos podem sempre usar para a satisfação dos seus interesses. Para aqueles autores, a conduta humana «traduz uma escolha através da qual o actor aproveita as oportunidades que se lhe oferecem no quadro das dificuldades» (Crozier e Friedberg, 1977: 39), não sendo, portanto, resultado mecânico da submissão às estruturas. Já Bourdieu (1972), quando estudou as estratégias matrimoniais no sistema de reprodução no Béarn, recomendava que se encarasse a actividade social como um jogo (incorporada pelo

habitus) ou aptidão para o jogo. A perspectiva analítica que então avançava dava prioridade aos usos sociais do parentesco ou às estratégias matrimoniais relativamente às regras do parentesco. As estratégias matrimoniais surgiam como produto dessa aptidão para o jogo e não como obediência a uma qualquer regra. Tendo em conta o jogo disponível e a capacidade ou habilidade que se tem para jogar, os actores sociais (agentes

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activos) escolhem o melhor partido (aliança ou parceiro) possível. Claro está, esse jogo social é regulado, o que significa que o comportamento dos actores sociais é, também, regulado. Todavia, esta regulação ou condicionamento não reduz o comportamento dos actores sociais a mero produto de uma obediência a regras ou regulamentos. Assim, para Bourdieu (1979), o casamento não se trata de uma operação abstracta e instantânea, fruto de aplicação de regras estabelecidas previamente; trata-se, antes, de um acto que faz parte de um conjunto de necessidades inerentes a uma posição social dentro de um estado particular do jogo social e da capacidade ou a «aptidão para o jogo» mostrada pelos negociadores (Bourdieu, 1979: 544). Enquanto produtores dos «sentidos do mundo social», os actores sociais reagem aos estímulos vindos desse mundo social não de forma mecânica, mas recorrendo às suas experiências tanto colectivas como individuais (Bourdieu, 1979: 545 e 546).

A análise estratégica proposta e ensaiada por Crozier e Friedberg (1977) não se limita, no entanto, às organizações; abrange, igualmente, o «sistema de acção concreta» dos participantes de um «conjunto humano estruturado» (Crozier e Friedberg, 1977: 246). E o método de análise que os autores propõem é uma abordagem que parte das estratégias para chegar aos jogos através dos quais estas estratégias adquirem sentido. Com efeito, a noção de estratégia corresponde melhor às análises que se interessam por agentes relativamente independentes do que por agentes que obedecem às directrizes institucionais. A perspectiva de Crozier e Friedberg (1977) rompe com a perspectiva funcionalista, segundo a qual a sociedade é mantida por mecanismos de controlo social que comanda as condutas (desviantes) dos actores sociais (Touraine, 1996). Assim, se, no quadro de uma perspectiva funcionalista clássica, os comportamentos imprevistos são considerados excepções, eles surgem, na análise estratégica de Crozier e Friedberg (1977), como pontos de partida para a compreensão dos constrangimentos e condicionamentos sociais.68

As estratégias ou acções estratégicas variam em função de certas variáveis, nomeadamente a capacidade dos actores sociais, a configuração dos campos dos actores sociais e as estruturas e regras dos jogos em que estes participam. Em função das variáveis, as estratégias resultam mais ou menos arriscadas, mais ou menos agressivas, mais ou menos defensivas, mais ou menos ofensivas. Isto equivale a dizer que um modo de comportamento nunca é único, existindo sempre estratégias passíveis de serem adoptadas

68 Crozier e Friedberg (1977) consideram que a análise estratégica obedece a dois modelos de raciocínio que

se apresentam simultaneamente «complementares», «contraditórios» e «convergentes»: o raciocínio estratégico e o raciocínio sistémico; o primeiro parte do actor para descobrir o sistema e o segundo parte do sistema para «reencontrar com o actor e dimensão contingente, arbitrária e não natural da ordem construída» (Crozier e Friedberg, 1977: 197 e 198).

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num dado jogo. Todavia, note-se como Crozier e Friedberg entendem o conceito de estratégia. Para eles, os actores sociais só muito raramente possuem objectivos claros e projectos coerentes. O seu comportamento é sempre activo, portador de um sentido, tendo, simultaneamente, um sentido ofensivo (objectivo de melhoria da situação do actor) e um sentido defensivo (manutenção e alargamento da capacidade de manobra). O comportamento dos actores sociais nunca é irracional. Com efeito, os projectos dos actores sociais são múltiplos e possuem diversos graus ou níveis de ambiguidade e contradição, nem sempre explícitos. Nos seus percursos, os actores sociais substituem, anulam e reinterpretam os objectivos e os projectos iniciais, que traduzem em comportamentos nem sempre reflectidos e lineares, e que, apesar de serem sempre constrangidos e limitados, nunca são directamente determinados. Pode afirmar-se, portanto, que os comportamentos dos actores sociais são racionais, não em relação aos seus objectivos, mas em relação às oportunidades e aos contextos que os definem, aos comportamentos dos outros actores sociais (suas posições estratégicas) e aos jogos que se estabelecem entre eles.69

As potencialidades da análise estratégica traduzem-se na possibilidade de apreensão e explicitação do contexto que limita e define a racionalidade e liberdade dos actores sociais, limita e define os «sentidos dos comportamentos empiricamente observáveis» numa análise de uma realidade concreta (Crozier e Friedberg, 1977: 47). Partindo do pressuposto de que os actores sociais dispõem de competências e capacidades para gerir e controlar zonas de imprevisibilidade, e bem assim construir espaço e margem de manobra para a acção, num trabalho de pesquisa que se debruça sobre os comportamentos desses actores, importa procurar compreender através de que processos as intervenções externas (condicionalismos e constrangimentos) atingem a vida dos actores e como estas intervenções externas se constituem enquanto obstáculos e/ou recursos para as estratégias que esses actores sociais desenvolvem (Long, 1992). Ou seja, importa perceber as interacções dialécticas existentes entre, por um lado, os sistemas de constrangimento (económico, social, político, educativo) e, por outro, os processos de adaptação, de inovação ou resistência dos actores (Olivier de Sardan, 2005).

No presente estudo, o conceito de estratégia adquire especificidade e sentido sociológicos associados às decisões e acções dos alunos no quadro dos seus processos de

69 Tal como a análise estratégica, a perspectiva da socioantropologia da mudança social e do

desenvolvimento dá primazia aos actores sociais, às suas redes socioculturais e às interacções existentes entre os diversos intervenientes nos processos de desenvolvimento. Reconhece aos actores sociais capacidade de criação de espaços de manobra nas suas actuações, capacidade de pensar e definir estratégias próprias num contexto dado. Para uma revisão crítica da socioantropologia da mudança social e do desenvolvimento, cf., entre outros, Balandier (1980), Long (1992) e Olivier de Sardan (2005).

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escolarização, assentes num jogo estratégico em que eles procuram maximizar os ganhos, ainda que esses ganhos equivalham à sobrevivência no quadro dos processos de transição (Rodrigues, 2003, 2006; Lopes, 2007, 2011), ou minimizar os prejuízos, como, por exemplo, não ficar fora do sistema de ensino (Correia, 2008, 2012). Os alunos de fracos recursos socioeconómicos revelam dispor, no quadro da estrutura e organização do ensino, de margens de liberdade que utilizam nos seus próprios interesses. Na situação de transição, estes actores sociais experimentam vivências diversas, mais ou menos marcantes, nomeadamente privações e carências de ordem diversa (económica, financeira, social). Eles não são, por conseguinte, sujeitos passivos de uma vivência dominada inteiramente pelos constrangimentos e dificuldades. Enquanto «agentes» activos, detêm um sistema de valores próprios e alguma margem de liberdade, passíveis de lhes proporcionar escolhas vivenciais distintas das facultadas por aqueles constrangimentos. A relação com a educação escolar, a sua apreensão e manipulação, por exemplo, surgem como experiências interessantes numa estratégia ou realização de interesses pessoais.

A análise estratégica é uma perspectiva da acção que rejeita a ideia do indivíduo passivo, sem autonomia, que se sujeita aos condicionalismos internos ou externos, sejam estes factores individuais (traços psicológicos) ou influências socioculturais. Trata-se de uma perspectiva que pensa e valoriza o indivíduo como actor social capaz de reagir e ludibriar esses condicionalismos externos (Digneffe, 1997). Um meio de valorização do actor é o do reconhecimento da importância da dimensão subjectiva na construção da realidade social, isto é, das formas como «se pensa», «se vê» e «se vive» a realidade quotidiana. Estas formas de pensar, ver e viver a realidade social consubstanciam as representações sociais, conceito de difícil definição que diz respeito a um sistema de referência que torna possível aos sujeitos interpretar, apreender e dar sentido à realidade.70

A análise das representações sociais permite identificar e compreender não só os processos de formação e funcionamento dos sistemas de referência que os indivíduos e grupos utilizam subjectivamente para apreender e interpretar as realidades objectivas que os cercam, como também a sua função de orientação e organização dos comportamentos destes actores sociais. Veja-se de seguida, e de forma breve, os processos associados à formação e funcionamento das representações sociais.

O conceito de representações sociais comporta, segundo Moscovici (1976), três dimensões: a cognitiva, a simbólica e a identitária. A dimensão cognitiva remete para o

70 Uma análise da evolução do conceito de representações sociais, das suas críticas e dos desenvolvimentos

de pesquisas teóricas e empíricas encontra-se em Jodelet (1989). Sobre as dificuldades de definição do conceito de representações sociais, cf. Moscovici (1976) e Doise (1986).

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facto de uma representação re-presentar um objecto, pelo que a representação do objecto é diferente do objecto real; a dimensão simbólica remete, por sua vez, para o facto de que um objecto representa um objecto, ou seja, o objecto é transformado num significante, o sujeito interioriza o objecto, transformando-o; e a dimensão identitária, finalmente, remete para o facto de uma representação ser uma representação de um sujeito, ou seja, uma representação reflecte a posição, os valores de indivíduos ou grupos. Estas dimensões permitem perceber que o sujeito opera uma descoincidência entre o objecto e a representação, sendo que essa descoincidência pode, relativamente ao objecto representado, apresentar todas as suas características (sobrestimadas ou subestimadas), acrescentar outras ou omitir algumas (Jodelet, 1989). Significa isso, também, que as representações sociais implicam produção e criatividade dos sujeitos (Jodelet, 1988, 1989). As representações sociais remetem, por outro lado, para o sentido social, ou seja, as pertenças sociais e as actividades comunicativas do sujeito, e a funcionalidade e eficácia sociais das representações (Vala, 1993). Na verdade, além de serem partilhadas por um conjunto de indivíduos (critério quantitativo), as representações sociais são produzidas colectivamente no interior de um grupo social, «reflectindo a situação desse grupo, os seus projectos, problemas e estratégias» (Vala, 1993: 357) (critério genético), e constituem instrumentos orientadores de comunicações e comportamentos (critério de funcionalidade).71

Na formação das representações sociais estão presentes duas ordens de factores: factores sociocognitivos e factores sociais. De entre os factores sociocognitivos, Moscovici (1976) identifica a objectivação e a ancoragem como processos maiores que revelam interdependência entre as actividades psicológicas e as suas condições sociais de exercício (Vala, 1993), ou seja, a transformação do social em representação e desta em social. A objectivação é o mecanismo através do qual se transforma o abstracto em concreto e o concreto em imagem, a partir da construção selectiva, da esquematização estruturante e da naturalização (Jodelet, 1988, 1989). A selecção é a operação de retenção de elementos de um objecto. Assim, os grupos, porque são diferentes uns dos outros (têm acesso desigual às informações, têm valores diferentes), retêm dos objectos elementos diferentes. A esquematização estruturante é a acção de simplificação da estruturação num conceito, num esquema figurativo. Na verdade, os sujeitos retêm, não todos os elementos, mas sim apenas alguns, que organizam numa estrutura figurativa simplificada relativamente ao conceito inicial. A naturalização, finalmente, é a operação de transformação ou concretização da

71 A este propósito, Jodelet (1988: 357) considera as representações sociais «um saber prático», «teorias

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estrutura figurativa em algo real, natural, para o sujeito. A ancoragem, enquanto processo que precede a objectivação, refere-se ao tratamento de informação e construção de um objecto, a partir de pontos de referência, de experiências; é o processo através do qual um objecto novo e estranho se torna inteligível, familiar. A ancoragem, enquanto processo que se segue a objectivação, diz respeito à função social das representações sociais, isto é, permite compreender a forma como os elementos de uma representação social ajudam a interpretar e classificar as pessoas e situações enquanto orientadores das interacções (Moscovici, 1976; Palmonari e Doise, 1986; Bidarra, 1986; Jodelet, 1989).

Relativamente aos factores sociais, que regulam a objectivação e a ancoragem na construção das representações sociais, há que ter em consideração alguns pressupostos: primeiro, as representações sociais são determinadas pela estrutura social; segundo, a estrutura social comporta clivagens, diferenciações, relações de dominação; terceiro, as diferenciações, ao nível social, verificam-se, pelo menos, ao nível das condições socioeconómicas e ao nível dos sistemas de orientação (incluindo normas, valores, atitudes e motivações) (Moscovici, 1976; Vala, 1993). Moscovici explicita três condições de emergência de representações sociais associadas à pluralidade das clivagens socioeconómicas e dos quadros de referência normativo-valorativos: a dispersão da informação, a focalização e a pressão para a inferência (Moscovici, 1976; Vala, 1993). A dispersão da informação refere-se à desigual distribuição das informações pelos diferentes grupos sociais. A quantidade, a qualidade, o tipo e a ambiguidade da informação, e bem assim a forma como circula variam com as clivagens sociais. Assim, os sujeitos e os grupos possuem sempre conhecimentos parcelares dos objectos, conhecimentos que não são os mesmos para todos os grupos, uma vez que estes não têm acesso às mesmas informações. A focalização diz respeito aos pontos de vista dos grupos e remete para o facto de os grupos reterem aspectos diferentes do objecto, em conformidade com as suas posições, interesses e valores. A pressão para a inferência refere-se à necessidade de expressão e reacção face aos objectos; ou seja, a tomada de uma posição, num mais curto lapso de tempo e em conformidade com os objectivos e estratégias individuais ou grupais. Ora, essa tomada de posição depende dos recursos de que os indivíduos e grupos disponham. O surgimento e o funcionamento das representações sociais são tributários do jogo daquelas três condições. De acordo com Vala (1993), que ressalta o peso das determinações sociais na constituição das representações sociais, está em causa, também, a forma como as clivagens sociais se traduzem na formação das representações sociais.

Em termos de funções, várias são aquelas que as representações sociais desempenham, nomeadamente a organização significante do real, a comunicação, a

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orientação de comportamentos e a diferenciação social (Vala, 1993). A função da organização significante do real diz respeito à produção de juízos avaliativos, de atribuição de sentidos aos objectos e acontecimentos sociais, no quadro da estrutura social; as representações sociais são, com efeito, um sistema de interpretação. A função de comunicação remete para o facto de as representações sociais constituírem a base dos actos de comunicação, transformando avaliações em descrições e descrições em explicações; as representações sociais são, pois, importantes elementos orientadores das actividades avaliativas e explicativas. A função de orientação de comportamentos remete para o facto de muitos dos comportamentos adoptados corresponderem às representações sociais. As representações sociais atribuem «um sentido ao próprio comportamento», «permitem a sua leitura», «constituem uma orientação para a acção» (Vala, 1993: 366). As representações sociais servem, igualmente, para justificar acções, ou seja, a atribuição de sentidos aos comportamentos a posteriori (Vala, 1993). Finalmente, a função de diferenciação social remete para a contribuição das representações sociais para a diferenciação dos grupos sociais, tal como, de resto, a diferenciação (ou especialidades) dos grupos sociais contribuem para a construção (especificidade) das representações sociais (Moscovici, 1976; Vala, 1993).

Uma abordagem dos comportamentos dos actores sociais pela via das representações sociais, tendo em consideração os processos que envolvem a sua formação e funcionamento, permite, por conseguinte, dar conta destes comportamentos numa dupla perspectiva: uma, a da compreensão das formas como os actores sociais «pensam», «vêem» e «vivem» determinadas realidades; outra, a da compreensão das formas como esses «pensamentos», «visões» e «vivências» destas realidades orientam e justificam as condutas dos actores sociais relativamente às referidas realidades.

No presente estudo, o recurso aos elementos teóricos das representações sociais tem em conta, com efeito, as suas questões de fundo: as interferências do social nas construções psicológicas que constituem as representações, por um lado, e as interferências dessas construções psicológicas no social, por outro. Dito de outro modo, tem-se em consideração «o pensamento social» tanto na qualidade de produtos, como na qualidade de processos constitutivos desses produtos (Jodelet, 1988).72 Nota-se, igualmente, que, não obstante as

72 Em termos metodológicos, a abordagem das representações sociais como «produtos» passa pela

organização e análise dos conteúdos das diversas fontes, como inquérito por questionário e entrevista, observações e outros documentos, através das quais se procura apreender os sentidos das informações, valores, crenças e pensamentos dos indivíduos e grupos estudados. A abordagem das representações sociais como «processos» implica a tomada em consideração de aspectos diversos que envolvem os indivíduos e grupos analisados, nomeadamente aspectos culturais e ideológicos. Baseada, fundamentalmente, nas

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representações dos indivíduos e dos grupos serem sociais - os diferentes actores partilham certos aspectos comuns -, as diversas interacções sociais dão origem a representações sociais distintas (Palmonari e Doise, 1986); e as representações sociais não são imutáveis nem deixam de articular, simultaneamente, consenso e diferenciação (social e individual, macro e micro). Ao valorizar o cruzamento do social com o individual, as representações sociais permitem uma análise da realidade que tenha em consideração, concomitantemente, as dimensões culturais e estruturais, por um lado, e as dimensões individuais e estratégicas, por outro.73

A pertinência da análise dos comportamentos educativos ou escolares dos alunos que dependem, em grande medida, das lógicas de produção dos actores sociais, e não apenas (ou de forma linear) das lógicas das classes ou grupos sociais, pela via de uma abordagem das representações sociais justifica-se plenamente (Berthelot, s.d., 1982; Jodelet, 1988; Gilly, 2002). A importância de uma abordagem das representações sociais na análise da educação e ensino está associada ao facto de permitir compreender e explicar as formas como os actores sociais apreendem a realidade da educação e ensino, e como actuam sobre ela (Santiago, 1993; Seabra, 2006). Gilly (2002) refere-se, mesmo, à possibilidade de se compreender melhor como estes actores sociais educativos apreendem a educação e ensino, e de se enfrentar com êxito as desigualdades associadas ao ensino, através de políticas e intervenções mais eficazes.74

Decorrente dos referidos elementos teóricos, propõe-se, no presente trabalho, analisar as práticas educativas estratégicas dos alunos (comportamentos - decisões e acções) como estando inseridas numa estratégia que se define em relação a um conjunto de