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SOCIOPOLÍTICAS E EDUCATIVAS

II.1 Transições económicas e sociopolíticas

II.1.2 Transições sociopolíticas

II.1.2.3 Da chegada e consolidação da paz

No período de paz relativa entre 1994 e 1998, as difíceis condições de vida das pessoas terão registado algum alívio, mas o agravamento do conflito civil a partir daquela última data haveria de dificultar de novo a situação. A assinatura do Protocolo de Lusaka ocorrera a 20 de Novembro de 1994, em Lusaka (Zâmbia). No seu espírito estava, entre outros aspectos, a conclusão da implementação dos Acordos de Bicesse, reiterando a legitimidade das eleições de 1992, incluindo o reconhecimento dos resultados das eleições legislativas e a conclusão da segunda volta das eleições presidenciais. O cumprimento integral do Protocolo foi posto em causa desde os primeiros momentos. Numerosas violações do cessar-fogo teriam ocorrido nos meses logo a seguir à assinatura (Paulo Guerra, 2002). A posição da UNITA no processo negocial era de fraqueza, tanto mais que sofria de pressões da comunidade internacional para proceder à desmobilização e desmilitarização. Em Agosto de 1996, Savimbi recusaria uma das vice-presidências oferecidas pelo MPLA/Governo. O MPLA/Governo acabaria por prorrogar o próprio mandato por um período mínimo de dois anos, alegando a verificação das condições de instabilidade político-militar.

Os esforços para o retomar do processo de paz prosseguiram e traduziram-se na integração dos generais da UNITA no exército nacional, em Dezembro de 1996, e na tomada de posse da UNITA no GURN, em Abril de 1997 (Birmingham, 2002).

A situação não melhoraria substancialmente, no entanto, até Março de 1998, quando da promulgação do Decreto-lei n.º 3/98, de 31 de Março, que concedia a Savimbi a posição especial de líder do maior partido da oposição. Na verdade, a UNITA não permitia a presença do Estado nos territórios sob o seu domínio, nem o MPLA partilhava, de facto, o poder com a UNITA no referido GURN. Verificava-se, assim, um controlo total do poder por parte do MPLA e um esvaziamento dos cargos atribuídos à UNITA.

Na sequência do agravamento do conflito armado, é revogada a disposição legislativa que consagrava o estatuto especial do Presidente da UNITA, através do Decreto-lei n.º 11/98, de 29 de Outubro. De resto, o MPLA/Governo tinha suspendido a UNITA do GURN, sob pretexto de esta não ter cumprido o disposto no Acordo de Lusaka,

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ao retirar-se temporariamente da Comissão Conjunta, antecipando o reforço das sanções. O MPLA/Governo aumenta a pressão sobre a UNITA através da exploração da crise interna que esta organização política vivia desde Setembro de 1998 com a formação da UNITA-Renovada,107 contando com alguma acção da Assembleia Nacional. Reconhece de imediato a UNITA-Renovada enquanto única interlocutora legítima; suspende, como se viu, os quatro ministros e os sete vice-ministros da UNITA no GURN; entrega a sede da UNITA em Luanda aos líderes da facção dissidente; assume o fim do processo de paz de Lusaka e adopta a guerra como a via para se alcançar a paz (conforme declaração de José Eduardo dos Santos no âmbito do IV Congresso do MPLA, em Dezembro de 1998); assina um acordo com a UNITA-Renovada, a 18 de Fevereiro de 1999, visando, sobretudo, a instauração da administração do Estado em todo o território nacional. Pelo meio, a Assembleia Nacional revogara a lei que concedia a Savimbi o estatuto de líder do maior partido da oposição e declarara Savimbi criminoso de guerra, através da Resolução parlamentar aprovada a 27 de Janeiro de 1999 (Resolução nº 57/99). Em Outubro de 1999, os deputados da UNITA são reintegrados na Assembleia Nacional, após assumirem o rompimento com Savimbi e o comprometimento com o processo de paz.108

Se as fragilidades da UNITA se agravavam a partir de então, o reforço da posição de força do MPLA/Governo era, pelo contrário, uma realidade, muito graças à postura da comunidade internacional, em geral, e da ONU, em particular, que atribuía ao Galo Negro maiores responsabilidades no retomar da guerra, ao mesmo tempo que reforçava as sanções a esta organização109 e retirava as suas forças de Angola (ONU, 1999).110 Essas fraquezas da UNITA de Savimbi não a impediram, no entanto, de prosseguir com as suas acções de guerrilha, chegando a proclamar 1999 como «ano da Resistência Popular Generalizada». A capitulação do Galo Negro só viria a acontecer, no entanto, com a morte de Savimbi em Fevereiro de 2002, na sequência da ofensiva militar do MPLA/Governo iniciada em Dezembro de 2001. Esta derrota surge, na verdade, no decurso de um processo

107 Estava em causa a posição de uma facção chefiada por Eugénio Manuvakola e Jorge Valentim, que

romperam com a liderança de Savimbi e mantiveram o estatuto de oposição parlamentar, na sequência da discordância do retorno ao cenário de guerra.

108 Sobre a inadequação do funcionamento das instituições políticas, do processo de paz e de democracia

neste contexto, cf. Messiant (1994a, 1994b, 1995, 1999, 2002, 2004, 2006).

109 Entre as sanções aplicadas à UNITA estavam o congelamento de contas bancárias, a proibição de

aquisição de equipamento militar e produtos petrolíferos (Resolução 864), o bloqueio de viagens ao exterior, o encerramento de escritórios no estrangeiro (Resolução 1127), as restrições de viagens às zonas controladas pela UNITA, a proibição de exportação de diamantes ilegalmente extraídos (Resolução 1173), e o próprio corte de fornecimento de ajuda humanitária às zonas controladas pela UNITA.

110 No capítulo económico, o contraste entre as duas organizações era reforçado: a UNITA via aumentar os

custos das transacções de diamantes, perdia o controlo das minas do vale do Kwanza e do aeroporto do Andulo, enquanto o MPLA/Governo via as receitas provenientes da exploração do petróleo e dos diamantes aumentarem (Hodges, 2003, 2004).

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de enfraquecimento militar e político da UNITA, que viu as suas forças desmoronarem-se, vivenciando situações de descrença, desmotivação, deserção e rendição no seu seio (Paulo Guerra, 2002: 199). A posição dominante do MPLA/Governo, obtida graças ao controlo dos recursos económicos do país e à conivência da comunidade internacional e dos interesses estrangeiros, permitia-lhe gerir nos seus interesses o processo político-militar.111

É, por conseguinte, uma UNITA fragilizada - derrotada no palco da guerra, a viver uma divisão interna, isolada politicamente e vivendo sob sanções da comunidade internacional - que aproveita a oportunidade proporcionada pelo MPLA/Governo e assina, a 4 de Abril de 2002, em Luena, o «Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaka para a Cessação das Hostilidades e Resolução das Demais Questões Militares Pendentes nos Termos do Protocolo de Lusaka» (Memorando de Entendimento de Luena, 2002).

A base desse Memorando, que preconizava o fim do conflito armado e a integração política, estava presente nos Acordos de Bicesse e Protocolo de Lusaka. A 13 de Março de 2002, o MPLA/Governo expressava essa intenção através de uma Agenda para a resolução das questões militares do conflito armado, anunciando o cessar-fogo, a reintegração da UNITA na vida política, a necessidade da conclusão do processo eleitoral ou do trabalho conjunto com a sociedade civil (Comerford, 2005). A condução de todo o processo negocial com a UNITA em dois grupos separados, o dos comandantes da UNITA, para discutir assuntos militares, e o da UNITA-Renovada, para discutir assuntos políticos, permitiu ao MPLA/Governo controlar totalmente o processo em causa (Messiant, 2002; Griffiths, 2004). A 26 de Agosto, é assinada a Acta de Compromisso sobre a integração da UNITA na vida política. Além de outras tarefas políticas, a Acta previa a partilha de poderes no GURN. Em Dezembro, eram levantadas as sanções contra a UNITA, que dois meses antes se declarava ser um partido democrático. A seguir, dá-se a pacificação e reunificação da UNITA, pondo, assim, fim à UNITA-Renovada.

O fim do conflito armado conseguido pela via militar, e não pela via política, não deixaria de condicionar as condições do exercício democrático, uma vez que o vencedor do conflito, o MPLA, viu reforçadas as suas posições que, de resto, sempre procurou gerir a seu favor, ficando, assim, debilitadas as condições essenciais de um processo de paz e de democratização, mormente um espaço de «discussão efectiva das ideias» (Messiant, 2004: 10). Todo o processo conducente às eleições legislativas de 2008, que resultariam numa

111 A própria incapacidade da sociedade civil, mormente a Igreja Católica, de fazer ouvir a sua voz

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vitória esmagadora do MPLA sobre a UNITA e as outras forças políticas, reflecte esse constrangimento das condições do exercício democrático, com o Poder - o MPLA/Governo - a procurar a sua autopreservação.112

O processo das eleições legislativas de 2008 foi atribulado, com as forças políticas a viverem grandes divergências entre si, destacando-se, por um lado, o MPLA/Governo a actuar com vista a garantir a sua reprodução e, por outro lado, os partidos da oposição, com importância particular da UNITA, a tentar resistir. Em Agosto de 2004, o MPLA/Governo apresentara um calendário para as eleições gerais que integrava um conjunto de acções que deveriam ser desenvolvidas entre Outubro de 2004 e Setembro de 2006, como, por exemplo, a aprovação da nova Constituição e do pacote legislativo para o pleito eleitoral, a realização do registo eleitoral e a própria organização do acto eleitoral em si mesmo (Agência Angola Press (ANGOP), 24 de Agosto, 2004). Entre atrasos e bloqueios diversos, o Conselho da República recomendaria, no final de 2006, novas datas das eleições: as legislativas deveriam realizar-se entre Maio e Agosto de 2008 e as presidenciais em 2009.113

No decurso do processo eleitoral, o MPLA despendeu enormes esforços no quadro da discussão da revisão do texto constitucional para garantir a institucionalização da presidencialização do sistema político face às resistências da oposição114 - cujas propostas estavam mais conformes com um sistema de governo semipresidencialista -, incluindo a UNITA que, embora defendesse um sistema de governo de características presidencialistas, apresentava propostas substancialmente diferentes.115 As discussões havidas sobre o quadro institucional e legal do processo eleitoral constituiriam oportunidades de o MPLA/Governo tentar a sua reprodução, através, nomeadamente, da neutralização, cooptação de outros actores políticos (partidos da oposição) e sociais (instituições da sociedade civil), e, bem assim, de estes últimos procurarem alcançar alguma mobilidade social, através da integração nos circuitos do poder.

112 Sobre as forma como o MPLA/Governo «domesticou a sociedade civil» no decurso do processo eleitoral

de 2008, cf. Gomes (2009: 388, 2014: 155, 159 e 160).

113 Recorde-se que a oposição parlamentar abandonara a Comissão Constitucional (CC) – criada pela Lei n.º

1/98 de 20 de Fevereiro - no início do mês de Maio de 2004 e exigira um calendário para as tarefas eleitorais. O regresso da oposição à CC, em Agosto, não coincidiria, todavia, com o reinício dos trabalhos na referida Comissão, que, por sua vez, teria ultimado um anteprojecto de revisão constitucional no qual se destacava a forte característica presidencial (cf. Jornal de Angola, 2004).

114 Entre outros partidos, contavam-se Partido Nacional Democrático de Angola-PNDA, Frente de Nacional

de Libertação de Angola-FNLA ou Frente para a Democracia-FpD.

115 Note-se que as propostas de constituição do MPLA, partido/governo, e da UNITA, maior partido da

oposição, optavam por características mais presidenciais, não obstante um dos princípios definidos a ter em consideração, na redacção da nova Constituição aprovada pela CC, que esta fosse a consagração do Estado de Direito Democrático e o sistema de governo semipresidencial (Sousa, 2006; Pereira Coutinho e Marques Guedes, 2007).

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Enquanto Poder, o MPLA/Governo enfrenta dificuldades em impor os seus intentos às forças vivas da sociedade, mormente os partidos políticos e as organizações da sociedade civil, mas consegue, com relativo sucesso, uma boa gestão política desse processo eleitoral no seu interesse. Nessa gestão política, recorre-se a estratégias diversas, entre as quais a presidencialização do sistema de governo, a neutralização e cooptação dos seus rivais, a governamentalização e partidarização das instituições envolvidas na organização do acto eleitoral, e o controlo da sociedade civil (Gomes, 2009).

A situação de instabilidade político-militar que se prolongou desde a independência em 1975 até ao ano de 2002 e as dificuldades económicas que lhe estavam associadas causaram graves prejuízos ao país e às populações. Milhares de vidas humanas foram ceifadas, as infra-estruturas materiais foram destruídas, as condições socioeconómicas foram comprometidas, milhares de crianças e jovens viram impedidos os seus direitos de usufruir de educação.

Com o fim dos conflitos armados, as preocupações das autoridades nacionais orientaram-se, num primeiro momento (2002-2005), para a «consolidação da paz», que passaria, entre outros aspectos, pela reabilitação e reconstrução de infra-estruturas e pelo apoio às populações mais vulneráveis (Governo de Angola, 2011: 8). Numa estratégia de integração socioeconómica e sociopolítica dessas populações desfavorecidas, tornava-se necessário implementar programas e projectos específicos que permitissem alcançar esse objectivo. À semelhança do que fora tentado no rescaldo do conflito de 1992, era necessário assegurar o «regresso dos deslocados e refugiados aos locais de origem», conseguir a «desmobilização e reintegração efectiva de soldados na sociedade civil» (ONU, 1994: 13),116 e encontrar formas de auto-suficiência das pessoas vulneráveis,

mormente órfãos, viúvas e mutilados. Esse enorme desafio haveria de contar com o apoio não só do governo e da comunidade internacional, como também das ONG angolanas e estrangeiras, organizações que poderiam assumir um papel importante no planeamento e gestão desses programas e projectos.

A partir de 2005, as preocupações das autoridades focaram-se no crescimento económico, no investimento social e na consolidação da reforma institucional e política. O forte crescimento económico verificado entre 2002 e 2008 sustentou os investimentos no sector público, em infra-estruturas e serviços básicos. Nesse período, a economia angolana cresceu, em média, 15 por cento ao ano, a taxa de inflação decresceu de forma

116 Para uma análise das condições de regresso e integração dos deslocados, refugiados e soldados

desmobilizados, cf. Instituto de Estatística (1993), ONU (1994) e Pacheco e Roque (1995). Uma análise da construção e consolidação da paz social, e da reconstrução de Angola encontra-se em PNUD/Angola (2005).

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significativa, passando dos 106 por cento do início desse período para 12 por cento no seu final, o PIB per capita atingiu, em 2008, $4714 dólares norte-americanos, valor muito superior aos $1194 dólares de toda a ASS; entre 2002 e 2007, a taxa de desemprego terá caído de 40 para 23 por cento (Governo de Angola, 2011: 9). Esse forte crescimento da economia, que se tem firmado nas indústrias extractivas de diamantes e, sobretudo, de petróleo, tem contado, nos últimos anos, com o contributo da agricultura, da indústria de transformação e da construção e obras públicas.117

Não obstante esse forte crescimento económico dos últimos anos, Angola continua a apresentar indicadores sociais que revelam um país a sofrer de carências várias, com muitos angolanos a viver em situação de pobreza e exclusão, num ambiente de agravamento das disparidades sociais, com a grande maioria da população a experimentar um forte sentimento de privação. A tomada em consideração do coeficiente de Gini118 ajuda a explicitar quão gravosas são essas disparidades sociais: o valor nacional do coeficiente atingia 0,54 em 1995, 0,67 em 1998 e 0,62 em 2000/2001; por províncias, esse coeficiente atingia o valor mais baixo (0,48) em Namibe em 2000/2001, e o valor mais elevado (0,72) no Uíge em 1998 (PNUD/Angola, 2005: 33); o coeficiente de 0,64 estimado, em 2005, para o país situava-se entre os mais altos do mundo (AfDB/OECD, 2008: 135; EISA, 2008: 1).119 Em 1998, uma pequena proporção de famílias mais ricas (10%) detinha 45% do rendimento total das famílias, enquanto 50% das mais pobres detinham apenas 14% (Ministério do Planeamento, 2001: 15).120 «Em 1999, 19% dos ‘trabalhadores de sexo’ em Luanda apresentaram resultados positivos em testes do HIV. Dois anos mais tarde, esse número tinha aumentado para 32,8%» (DNSP, USAID/Angola e Advance Africa, 2003: iv).121 Mais de um terço da população vivia com menos de $2

dólares americanos por dia, o coeficiente de homens alfabetizados atingia os 83% contra os 54% das mulheres (PNUD/Angola, 2005: 33). Angola apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo, distando apenas 11 lugares do país com o pior desempenho em 2003 e 2004, sendo que a evolução desse indicador mostrava a tendência

117 O abrandamento do crescimento verificado, todavia, nos últimos anos - traduzido num PIB de 1,3% em

2009 e de 6,5% em 2010 - ficaria a dever-se à crise financeira mundial e à descida do preço do petróleo (Governo de Angola, 2011: 9).

118 Trata-se de um indicador que mede as desigualdades sociais numa escala de 0 a 1, sendo que estas são

tanto maiores quanto maiores forem os seus valores, e que valores superiores a 0,3 indicam desequilíbrios graves no que se refere à distribuição do rendimento nacional.

119 Para uma análise da melhoria substancial da economia de Angola e dos desafios que coloca a conjuntura

política do período pós-conflito (a partir de 2002), ou economia de paz, por oposição à Economia de guerra (1975-2002), cf., entre outros, Ministério das Finanças, Direcção Nacional do Tesouro, Gestão Fiscal (2004), Rocha (2004) e CEIC/UCAN (2005).

120 Sobre as desigualdades sociais (de classes sociais em Angola), cf., igualmente, Hodges (2003), Pestana

(2004, 2005) e Carvalho (2011).

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de estagnação, devido a problemas de ordem estrutural (PNUD/Angola, 2005: 30); o país surgia então em 166º no Índice do Desenvolvimento Humano (em 2004) (num ranking 1-177) com baixa esperança média de vida (40 anos), com cerca de dois terços da população a viver abaixo do limiar da pobreza e cerca de 27% com menos de 70 cêntimos de dólar por dia (PNUD/Angola, 2005: 33).122 O Índice de Mortalidade Materna (1.850 mortes por cada 100.000 nados-vivos) e o Índice de Mortalidade Infantil (195 por cada 1000 nascimentos) projectados para o período 2002-2006 eram dos mais altos do mundo (DNSP, USAID/Angola e Advance Africa, 2003: iv).123 No sector da educação, ao nível do

Ensino de Base (ou Primário), a melhoria verificada no período entre 2002-2007 coexistia com a permanência da baixa qualidade dos serviços educativos prestados (os níveis elevados de reprovação e de alunos que não completavam o Ensino Primário mantinham-se, sobretudo entre as raparigas; grande parte dos professores detinha apenas qualificação académica ao nível do Ensino Primário) (Cerritelli, 2009: 1, 51-56). Por comparação como a ano 2000, a situação de pobreza em 2009 teria melhorado, reflectida na diminuição (36,6%) da proporção de pessoas que vivia abaixo no nível da pobreza nacional. O Índice de Pobreza Humana (IPH) (medido a partir de longevidade, educação e padrão de vida digno) estimado para aquela primeira data era de 0,41, calculando-se que a população pobre – pessoas que sobrevivem com menos de 1,7 dólares por dia - atingisse 68% e as pessoas que viviam em condições de pobreza extrema - com menos de 0,76 dólares por dia - ascendessem a 28% da população total (Governo, 2005: 20). As disparidades que se verificavam, em 2009, entre as populações continuavam a constituir um dado preocupante. Cerca de metade do consumo total estava concentrado nos 20% da população mais rica, enquanto os mais pobres detinham apenas 5%; 37% da população vive na situação de pobreza absoluta, tomando como referência 4,793Kz por adulto por mês; 26% das crianças dos 6-9 anos de idade nunca tinham frequentado a escola; 29% das crianças percorriam mais de 2km todos os dias para ir à escola; apenas 19% dos alunos frequentavam o Ensino Secundário (30% nas zonas urbanas e 4% nas zonas rurais); a taxa de analfabetismo atingia os 34% no país, penalizando sobretudo as populações das áreas

122 A pobreza é um fenómeno multidimensional, abrangendo diferentes dimensões da privação, tais como o

consumo e a segurança alimentar, a saúde, a educação, os direitos, a segurança ou o exercício de um trabalho condigno (OCDE, 2001: 3). No que se refere à saúde, por exemplo, os investimentos têm aumentado de forma notória desde o fim do conflito armado. Ainda assim, por comparação com outros países do SADC, Angola continua a apresentar os piores resultados em relação ao desempenho do sector: as despesas totais com a saúde per capita em Angola são baixas; o seu peso dentro do OGE estava estagnado, por volta de 4%, em 2006 e 2007; as despesas no sector por províncias revelam desigualdades regionais significativas em termos de recursos disponibilizados e utilizados, de acesso aos cuidados médicos básicos e do impacto causado por essas mesmas despesas na saúde da população (Cassoma e Vinyals, 2007: 12-81). Sobre as questões da pobreza em Angola, cf., igualmente, Hodges (2003) e Rocha (2006).

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rurais (superior a 70%) e as mulheres (quase metade);124 só 24% das populações das áreas rurais tinham acesso a postos de saúde públicos num raio até 2 km; apenas 42% das pessoas tinham acesso a uma fonte apropriada de abastecimento de água para beber; só 53% das famílias dispunham de algum tipo de instalação sanitária nas suas casas; 88% das famílias continuavam a viver em habitações não adequadas, sendo que sobretudo nas zonas rurais a proporção desses agregados familiares atingia os 99% (contra os 79% das áreas urbanas); apenas 36% da população têm acesso à rede eléctrica e vivem sobretudo na área urbana (Instituto Nacional de Estatística, 2011: iv, viii-x). Em 2012, 2011 e 2010 Angola regista IDH correspondentes a Desenvolvimento Humano baixo, respectivamente, 0,508, 0,504 e 0,502 (PNUD, 2013: 152, 155). Em 2012, aquele IDH permite Angola ocupar apenas o lugar 148 no ranking dos países. A esperança média de vida à nascença é 51,5 anos. No domínio da vivência do processo democrático, o país continua, até ao presente, a experimentar fragilidades que vão afectando o dia-a-dia das pessoas (Venâncio, 2012).125

A coexistência de uma redução da pobreza ao longo do período da paz com a manutenção de situações de dificuldades em domínios que não estão directamente ligados