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CAPÍTULO II – IMPORTÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA E NECESSIDADE DE SUA

4.2 A declaração incidental de inconstitucionalidade realizada pelos Tribunais

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o controle de constitucionalidade das normas no direito pátrio pode ser classificado de diversas formas. Quanto ao momento de realização do controle, ele pode ser preventivo ou repressivo. O preventivo é realizado pelo Legislativo e pelo Executivo, evitando-se que uma norma inconstitucional passe a ter vigência.

O controle repressivo é o exercido pelo Judiciário, podendo ser feito de duas formas: pelo controle concentrado (via de ação) e pelo controle incidental (via de exceção ou difuso)125.

O primeiro é exercido (quanto à Constituição Federal) exclusivamente pelo STF, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade, da Ação Declaratória de Constitucionalidade e da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental.

124 Comentando a Resolução anterior, Ricardo Chimenti afirma que é favorável à norma, apesar de questionável

sua constitucionalidade (CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis

estaduais e federais. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 254). Destaca-se também que no Pedido de Uniformização 2006.705.0000569, j. 06.09.2011, rel. Juiz José Eduardo do Nascimento, a turma decidiu que o julgado se torna precedente persuasivo, que por sua constância acabará vinculando em razão de sua alta persuasão.

125 Também há a previsão do controle de constitucionalidade por meio de ação direta de constitucionalidade

interventiva e o controle de constitucionalidade por omissão inconstitucional do legislador, que pode ser atacada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ou por Mandado de Injunção e o controle de constitucionalidade interventivo. Não nos aprofundaremos sobre o tema em razão do objeto do presente trabalho.

Já o controle incidental ou difuso é realizado por todos os juízes na análise dos casos concretos. É chamado de controle incidental porque a análise da constitucionalidade da norma será realizada como questão prejudicial126 ao mérito do caso sub judice.

No controle concentrado a decisão terá eficácia erga omnes e efeito vinculante, gerando efeitos ex tunc, como regra, mas seus efeitos podem ser modulados no tempo. Por essa razão, o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade servirá como um precedente obrigatório a ser seguido por todos os demais membros do Judiciário, diante de seu efeito vinculante.

No controle incidental ou difuso (chamado por alguns de controle por via de exceção127), a decisão gerará eficácia inter partes e efeito ex tunc. Não há previsão de efeito vinculante no controle difuso.

O controle de constitucionalidade nos diversos ordenamentos pode ser dividido em três modelos: o norte-americano, o modelo austríaco e o modelo francês128.

O controle norte-americano é realizado por meio da análise de casos concretos. Por sua vez, o controle austríaco, criado pela Constituição da Áustria de 1920129, previa um

controle abstrato.

Já o modelo francês prevê um controle preventivo a ser realizado pelo Conselho Constitucional. A partir de 23 de julho de 2008, todavia, houve alteração na Constituição francesa, permitindo-se a partir de então o controle abstrato de constitucionalidade (a norma declarada inconstitucional será expurgada com efeitos erga omnes, ex nunc, repristinatórios e vinculantes para as autoridades administrativas e judiciais)130.

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Em sentido contrário: Barbosa Moreira. Para o autor, a questão objeto da arguição pode ou não se relacionar com o mérito (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. V. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 37)

127 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 417

128 Para uma análise comparativa e histórica do controle de constitucionalidade: CAPPELLETTI, Mauro. O

controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado (trad. Aroldo Plínio Gonçalves). 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999

129 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado (trad.

Aroldo Plínio Gonçalves). 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 68

130 Pedro Lenza, por sua vez, prevê a divisão do controle de constitucionalidade entre o sistema austríaco

(baseado em Kelsen) e o sistema norte-americano (baseado no caso Marbury vs Madison (chief John Marshall). LENZA, Pedro. Direito constitucional e esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 150- 151.

Ainda no direito comparado, devemos destacar que, na Alemanha, várias técnicas surgem para resolver a rigidez da nulidade da norma inconstitucional, como a possibilidade de apelo ao legislador, a situação da norma ainda constitucional e a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.

No Brasil, o controle de constitucionalidade passou a ser previsto pela Constituição de 1891131. Nesta, previa-se apenas o controle difuso de constitucionalidade. Em 1934, foi prevista a cláusula de reserva de plenário, segundo a qual a declaração de inconstitucionalidade de uma norma depende do volto da maioria absoluta dos membros do Tribunal132. Posteriormente, em 1965, surgiu o controle abstrato de constitucionalidade, por meio da Emenda Constitucional 16133.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, todos os juízes podem exercer o controle incidental de constitucionalidade. Poderão, ao analisar o caso concreto, se deparar com a necessidade preliminar de verificar se uma norma é ou não constitucional, para posteriormente julgar o mérito da ação134.

Se o controle incidental for realizado em primeiro grau de jurisdição, não há maiores segredos. A decisão do juiz sobre aplicar a norma ou afastá-la porque é inconstitucional será feita incidentalmente, constando essa decisão da fundamentação da sentença e, por isso, não será hábil à formação de coisa julgada.

Já na realização do controle de constitucionalidade pelos Tribunais, se for arguida a inconstitucionalidade da norma, o relator do recurso (ou demanda de competência originária) deverá, após ouvido o Ministério Público, submeter o caso ao órgão fracionário. Sendo

131 A Constituição Imperial não previa qualquer forma de controle de constitucionalidade. Isso se deve, dentre

outros motivos, à existência do Poder Moderador, centralizado no Imperador, que impedia qualquer exercício de fiscalização por parte do Judiciário quanto à constitucionalidade das normas: “O Imperador, enquanto detentor do Poder Moderador, exercia uma função de coordenação; por isso, cabia a ele (art. 98) manter a ‘independência, o equilíbrio e a harmonia entre os demais poderes’. Ora, o papel constitucional atribuído ao Poder Moderador, ‘chave de toda a organização política’ nos termos da Constituição, praticamente inviabilizou o exercício da função de fiscalização constitucional pelo Judiciário”. (CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1995, p. 64)

132 Art 179 – “Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes, poderão os Tribunais declarar a

inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público”.

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É certo, todavia, que já na Constituição de 1934 havia o controle de constitucionalidade interventivo (art. 12, § 2º).

134 Discute-se sobre a possibilidade de o juiz, em primeiro grau de jurisdição, declarar a inconstitucionalidade da

lei, ou se ele deva, ao invés disso, deixar de aplicar a lei para aplicar a Constituição. “[...] conclui-se que qualquer juiz, encontrando-se no dever de decidir um caso em que seja ‘relevante’ uma norma legislativa ordinária contrastante com a norma constitucional, deve não aplicar a primeira e aplicar, ao invés, a

segunda”. (CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito

acolhida a arguição, após a lavra de acórdão irrecorrível os autos serão remetidos ao Pleno ou ao Órgão Especial para manifestar-se sobre a constitucionalidade da norma. Não sendo acolhida a arguição, não será lavrado acórdão e tal ato também é irrecorrível135.

A arguição pode ser feita por qualquer das partes, por terceiros juridicamente interessados, pelo MP quando atuar como parte ou fiscal da lei e, em razão de envolver quaestio juris, pode ser feita ex officio pelo relator ou por qualquer dos membros da câmara ou turma. Essa arguição pode ser feita a qualquer momento anterior ao término da votação.

Para uma melhor análise sobre a questão, em que pese o controle ser realizado com base numa situação fática específica, admite-se a participação do amicus curiae136.

Ao se analisar o procedimento para a arguição incidental de constitucionalidade, constatamos que o julgamento da questão será feito por dois órgãos distintos. Haverá um julgamento subjetivamente complexo, tal como verificado no incidente de uniformização de jurisprudência. A câmara ou turma, ao dar provimento à arguição de inconstitucionalidade, encaminhará os autos para o Pleno (ou Órgão Especial) e este julgará apenas a constitucionalidade da norma. Após este julgamento os autos serão devolvidos à câmara ou turma, que apreciará o mérito do recurso (ou demanda de competência originária do tribunal), vinculando-se ao que foi decidido pelo Pleno (ou Órgão Especial).

A decisão sobre a constitucionalidade da norma, exarada pelo Pleno ou pelo Órgão especial, é irrecorrível. A decisão que pode ser atacada é a da turma, após julgar o recurso ou a demanda de competência originária, aplicando o que foi decidido pelo Pleno (ou Órgão Especial).

Novamente, a questão que pode surgir seria sobre a eficácia vinculante ou persuasiva da decisão do Pleno (ou Órgão Especial) que declarou a norma constitucional ou inconstitucional. A resposta para isso será a mesma utilizada quando da análise do incidente de uniformização de jurisprudência, qual seja: nos autos em que foi apreciada a questão, a

135 Salvo por meio dos embargos de declaração. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código

de Processo Civil. vol. V. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 48; NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 799

decisão do Pleno vinculará a câmara ou turma137. Quanto aos demais casos, o julgado serve apenas como um precedente com força persuasiva.

Essa eficácia persuasiva fica clara ao verificarmos que, surgindo nova arguição noutro caso, poderá a câmara ou turma deixar de apreciar a arguição sob o fundamento de que já houve manifestação do Pleno (ou Órgão Especial) ou, ainda, se o STF já se pronunciou sobre o tema. Sobre a possibilidade de rejeição da arguição em razão de pronunciamento do STF, Barbosa Moreira afirma que isso somente poderá ocorrer nos casos de controle concentrado de constitucionalidade138, pois somente neste haveria a eficácia erga omnes.

A ideia de o legislador afirmar que não haverá submissão da questão objeto da arguição de inconstitucionalidade ao plenário decorre da existência de um precedente, que é persuasivo. Isto porque nada impede que a câmara, ao apreciar nova arguição, verifique que, de acordo com aqueles fatos apresentados, a norma seria inconstitucional139.

Desse modo, havendo um precedente persuasivo, o Tribunal não poderá simplesmente ignorá-lo. É preciso que ele verifique os fatos e os fundamentos da causa anterior para poder confrontá-los com a causa presente a fim de constatar se a regra deve ser aplicada tal como foi no caso anterior ou se há elementos que a distingam e, por isso, o julgamento possa se dar noutro sentido. Reforça essa ideia o art. 52, X, da Constituição Federal, haja vista que a

137 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. V. 15. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2009, p. 48

138 “Quanto à existência de pronunciamento do plenário do Supremo Tribunal Federal, cabe distinguir: se se

trata de “súmula vinculante”, ou se foi em ação direta que se declarou inconstitucional a lei ou o outro ato normativo, tollitur quaestio, pois semelhante decisão produz efeitos erga omnes; se, porém, o que houve foi mera declaração incidental de inconstitucionalidade, sem que o Senado Federal tenha suspendido a eficácia da norma (Constituição Federal, art. 52, nº X), fazer prosseguir pura e simplesmente o julgamento do órgão fracionário, só porque o plenário da Corte Suprema se pronunciou do modo como o fez, é procedimento que, ao nosso ver, mal se harmoniza com a Lei Maior. Realmente: o órgão fracionário estará negando aplicação, por inconstitucional, à lei ou ao outro ato normativo (o que em nada se diferencia de declarar-lhe incidentalmente a inconstitucionalidade, sem que em tal sentido haja votado o próprio tribunal julgador, pela “maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial”, conforme exige o art. 97, com a ênfase do “somente”. O plenário do Supremo Tribunal Federal e a maioria absoluta do tribunal julgador (ou de seu órgão especial) são entidades perfeitamente distintas, e o texto constitucional não atribui ao primeiro o poder de suprir a falta do pronunciamento da segunda. Inclinamo-nos, destarte, a fim de preservar a regra do art. 97, por uma interpretação restritiva do parágrafo, na cláusula atinente ao Supremo Tribunal Federal: aquele incidirá apenas quanto a Corte Suprema houver declarado a inconstitucionalidade

em ação direta”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. V. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 44 – grifos no original)

139 Exemplifiquemos: diante da inexistência de defensoria pública, o Tribunal afirma que o art. 68 do Código de

Processo Penal que confere legitimidade ativa ao Ministério Público para ajuizar ação civil decorrente do ilícito criminal é constitucional. Posteriormente houve a instalação da defensoria e a função de exercer a advocacia para os considerados pobres nos termos da lei pode fazer com que o Tribunal volte a se manifestar sobre a norma e agora em sentido oposto, ou seja, pela sua não recepção. Sem falar que os fatos são muito mais ricos e diversos do que pode prever o legislador, razão pela qual pode a matéria voltar a ser objeto de novo incidente de inconstitucionalidade.

norma, apesar de ser declarada inconstitucional até mesmo pelo STF, na via incidental, ainda continua dentro do ordenamento jurídico. A norma tida por inconstitucional pelo STF no controle incidental deixará de ter vigência apenas após sua suspensão pelo Senado Federal140.

Pelo fato de o Brasil não ter uma tradição de obediência aos precedentes, o controle difuso de constitucionalidade pode levar a decisões conflitantes sobre uma mesma causa, quando na verdade tal fato não deveria acontecer141. A partir do momento em que foi decidido pelo Tribunal em controle difuso a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade das leis, os demais magistrados vinculados àquele Tribunal deveriam obedecer àquele entendimento.