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CAPÍTULO II – IMPORTÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA E NECESSIDADE DE SUA

5.1 A má interpretação do princípio da livre convicção motivada – a ausência de

A questão sobre a discricionariedade ou não da atividade judicial não é nova. Sobre ela já encontramos obras do início do século passado tratando do assunto. Hoje, na era da constitucionalização dos direitos e garantias e de frente para o modelo constitucional do processo, torna-se ainda mais difícil se falar em discricionariedade do juiz.

É comum aos administrativistas tratar dos “poderes” vinculados e discricionários, sendo que no “poder” vinculado não há margem de escolha ao administrador, ao passo que no “poder” discricionário há uma liberdade na escolha do ato quanto à sua conveniência e oportunidade324. Contudo, mesmo no campo do direito administrativo, a discricionariedade não é plena, conforme ressaltam a doutrina e jurisprudência, razão pela qual se admite o

323 Seja em função da criticável forma de escolha de Ministros para as Cortes Superiores, seja por convicção

própria, ideologia, religião etc.

324

“[...] os poderes que exerce o administrador público são regrados pelo sistema jurídico vigente. Não pode a autoridade ultrapassar os limites que a lei traça à sua atividade, sob pena de ilegalidade. No entanto, esse regramento pode atingir vários aspectos de uma atividade determinada; nesse caso se diz que o poder da Administração é vinculado, porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. Por isso mesmo se diz que, diante de um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de determinado ato, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial. Em outras hipóteses, o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador”. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 205

controle judicial sobre os atos administrativos sob seus aspectos forma, competência e finalidade do ato, pois a lei impõe limitações325.

Quanto ao aspecto da atuação judicial, sabe-se que, na evolução do pensamento filosófico e jurídico, Montesquieu, aprimorando um pensamento aristotélico, afirmou que o Poder do Estado, embora uno, deveria ser distribuído. Com base nessa ideia surge a tripartição de “poderes”.

Ocorre que, para o próprio Montesquieu, em decorrência até mesmo do momento histórico vivido, os juízes eram vistos como membros da aristocracia.

Basta lembrarmos que o iluminismo e a revolução francesa refletem a revolução dos burgueses contra a aristocracia. O juiz, visto como membro da aristocracia, tinha a função de julgar, mas de julgar de acordo com as leis. O juiz não era nada além do que a boca que pronuncia a lei326.

Entendia-se, naquele momento histórico, que o juiz poderia fazer somente aquilo que a lei permitisse. O juiz não poderia ir além da lei, até por uma questão de segurança da sociedade da época em face aos desmandos da aristocracia. Falava-se em um poder até mesmo nulo ou invisível327.

A ideia de um direito legislativo, segundo o qual caberia ao legislativo reger a vida em sociedade, acabou fazendo com que fossem criadas leis para reduzir ou neutralizar a atuação

325 “O percurso do direito administrativo retrata a lenta e inevitável transição do autoritarismo para a

democracia. Atualmente, não mais se admite a ideia de “ato discricionário”, reconhecendo-se que apenas alguns aspectos do ato administrativo envolvem margem de liberdade de escolha para o agente público. Os controles à atividade administrativa do Estado são cada vez mais amplos. É inquestionável que toda liberdade atribuída ao agente estatal tem de ser exercitada de modo compatível com os princípios e regras fundamentais. O conceito original de Estado de Direito foi sendo enriquecido pela evolução histórica. As experiências trágicas dos regimes totalitários alemão, italiano e soviético, vividas ao longo do século XX, conduziram à constatação de que nenhum poder político pode ser legitimado sem respeito à soberania popular e aos direitos fundamentais.

O Estado Democrático de Direito caracteriza-se não apenas pela supremacia da Constituição, pela incidência do princípio da legalidade e pela universalidade da jurisdição, mas pelo respeito aos direitos fundamentais e pela supremacia popular. Também envolve o compromisso com a realização da dignidade dos indivíduos, inclusive por meio de uma atuação ativa e interventiva” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito

Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 14)

326 MARINONI, Luiz Guilherme. Prova. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 30; SILVA, Ovídio Araujo Batista da;

GOMES, Flávio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 58; CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? (trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 32. Para este último, o pensamento de que o juiz apenas declara o direito é mera ilusão.

327 SILVA, Ovídio Araujo Batista da; GOMES, Flávio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. 6. ed. São Paulo:

judicial. Cappelletti descreve, todavia, que foram tantas as leis criadas na intenção de neutralizar a atuação judicial, que o efeito acabou sendo inverso328.

Com a evolução da sociedade e, por via de consequência, do direito, passou-se a entender que o juiz teria uma certa autonomia ao julgar, porém uma autonomia limitada ao que permitia a lei.

Essa autonomia decorre da possibilidade dada pelo legislador ao juiz para fazer determinadas escolhas, estabelecendo termos indeterminados de conceitos e cláusulas gerais329.

Baseado nas lições, dentre outros, de Chief Barwick, afirma Cappelletti que, mesmo havendo essa enxurrada de leis e ainda que se empregue “a melhor arte de redação das leis”, sempre haverá lacunas que precisarão ser preenchidas pelo juiz330.

José Roberto dos Santos Bedaque, um dos grandes defensores do aumento de poderes do juiz, também deixa claro que as cláusulas abertas e termos indeterminados servem para dar maior possibilidade de o juiz adaptá-las ao caso concreto, mas isso não quer significar discricionariedade331.

A possibilidade de interpretação e aplicação da lei e de preenchimento das cláusulas abertas ou indeterminadas não pode ser entendida como permissão à conveniência e oportunidade do magistrado!

Não se pode confundir a atividade interpretativa do magistrado ao aplicar o direito e a existência de termos indeterminados e cláusulas gerais com discricionariedade332. Não há

328

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? (trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 18-19

329 Basta lembrarmos de conceitos como “bons costumes”, “mulher honesta” (hoje não mais existente no Código

Penal), “dignidade da pessoa humana”, “boa-fé”.

330

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? (trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 20-21. Continua o autor afirmando que interpretação e criação do direito não são conceitos opostos e que não estaria ai o problema: “O verdadeiro problema, portanto, não é o da clara oposição, na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e criação do direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários”.

331 “Quanto mais o legislador valer-se de formas abertas, sem conteúdo jurídico definido, maior será a

possibilidade de o juiz adaptá-las às necessidades do caso concreto. Esse poder não se confunde com a denominada discricionariedade judicial, mas implica ampliação da margem de controle da técnica processual pelo julgador”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 110

332 Em sentido contrário: CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? (trad. Carlos Alberto Alvaro de

juízo de conveniência nem de oportunidade na aplicação da lei pelo juiz333. A avaliação de provas também não se confunde com discricionariedade, pois o juiz exerce a atividade de interpretar e aplicar o direito334. A fundamentação de sua decisão é indispensável para a

demonstração de que ele julgou o caso de acordo com o sistema legal, obedecendo-se aos princípios da legalidade e imparcialidade, garantindo-se com isto o devido processo legal335.

Gisele Santos Fernandes Góes traz algumas conclusões sobre a diferenciação entre os termos indeterminados e cláusulas gerais em relação à discricionariedade, chegando com clareza à conclusão da ausência de discricionariedade judicial como juízo de conveniência e oportunidade336.

século passado e no curso do nosso, vem formando no mundo ocidental enorme literatura, em muitas línguas, sobre o conceito de interpretação. O intento ou o resultado principal desta amplíssima discussão foi o de demonstrar que, com ou sem consciência do intérprete, certo grau de discricionariedade, e pois de criatividade, mostra-se inerente a toda interpretação, não só à interpretação do direito, mas também no concernente a todos outros produtos da civilização humana, como a literatura, a música, as artes visuais, a filosofia etc.” Mais a frente continua o autor afirmando, todavia , que essa “discricionariedade não quer dizer necessariamente arbitrariedade, e o juiz, embora inevitavelmente criador do direito, não é necessariamente um criador completamente livre de vínculos”. (p. 23-24)

333 “[...] a interpretação da lei, segundo os critérios propostos pela doutrina, é tarefa que se impõe ao juiz, ou

seja, não há como aplicar a lei sem interpretá-la, já que há muito se abandonou o brocardo in claris cessat

interpretatio. Mas a interpretação da lei não se confunde com o poder discricionário conferido ao administrador público, isto é, não se pode interpretar a lei segundo critérios de conveniência ou oportunidade. A interpretação rege-se por critérios ou métodos (alguns preferem falar em técnicas), como o método sistemático, o teleológico etc. Em nosso direito positivo, deve atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum (LICC, art. 5º). Também não há confundir conceitos vagos com discricionariedade. A utilização de conceitos vagos pelo legislador constitui uma técnica que concede ao aplicador certo espaço para fixar o conteúdo da norma no caso concreto, atendendo às suas peculiaridades, mas sem abandonar os critérios jurídicos de interpretação”. (LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Anotações sobre a discricionariedade judicial. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al (Coord). Os poderes do juiz e o controle

das decisões judiciais: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2008, p. 95-96)

334 “É necessário que se abra, aqui, um parêntesis, para ressaltar que, há muito tempo, temos insistido em não

identificar a liberdade judicial e a margem de flexibilidade interpretativa gerada pelo fato de o comando normativo ter um conceito vago em sua formulação com fenômeno discricionariedade. Assim, por uma série de razões, mencionadas de passagem a seguir, pensamos também que não se deve chamar de discricionária a liberdade que tem o juiz de examinar as provas” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e

embargos de declaração. São Paulo: RT, 2005, p. 359)

335 “Interpretar o direito é formular juízos de legalidade, ao passo que a discricionariedade é exercitada mediante

a formulação de juízos de oportunidade. Juízo de legalidade é atuação no campo da prudência, que o intérprete autêntico desenvolve contido pelo texto. Ao contrário, o juízo de oportunidade comporta uma opção entre indiferentes jurídicos, procedida subjetivamente pelo agente. Uma e outra são praticadas em distintos planos lógicos”. (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação / aplicação do

direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 283 – grifos no original)

336

“a) vigora uma pluralidade de soluções justas no poder discricionário, enquanto que, nos conceitos indeterminados, só é permitida uma única solução justa, assim como nas cláusulas gerais, porém, nelas devem ser trabalhados os vetores de razoabilidade e proporcionalidade; b) há a liberdade de opção entre alternativas justas na discricionariedade e, ao contrário, nos conceitos subsiste apenas a subsunção a uma categoria legal circunscrita ao caso concreto. Nas cláusulas gerais, não vigora uma subsunção, porque não está na lei, devendo ser extraída a partir da solução adequada para o caso concreto; c) o poder discricionário se fundamenta em critérios extrajurídicos, como no caso em que o Poder Público resolve designar funcionários para as eleições e se pauta sob determinados critérios. Na esfera dos conceitos jurídicos

Não se pode confundir a interpretação e aplicação do direito exercidas pelo magistrado com discricionariedade337. O juiz, no caso concreto, verificará diante das alegações

devidamente provadas qual o direito a ser aplicado à espécie e fará isso de forma fundamentada, o que também demonstra a ausência de discricionariedade judicial.

Nesse ponto, podemos trazer à baila a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), outrora denominada Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), que afirma em seu artigo 4º que na ausência de lei o juiz deverá julgar de acordo com a analogia, com os costumes e com os princípios gerais de direito.

Ao se consultar os doutrinadores de direito civil, verificar-se-á que eles (Silvio Rodrigues338, dentre outros) interpretavam o dispositivo na respectiva ordem, ou seja, inicialmente o juiz aplicaria a lei se esta não fosse omissa. Na ausência dela e apenas nessa hipótese, aplicaria a lei análoga. Se tampouco houvesse esta, aplicaria os costumes. Somente por último é que seriam aplicados os princípios gerais de direito. Esse posicionamento é adotado até hoje por muitos doutrinadores339. Não há discricionariedade.

No campo filosófico, podemos afirmar que a interpretação do artigo 4º da LINDB já era outra. Assim, ao revisitarmos a obra de Miguel Reale, verificaremos a afirmação de que não há ordem na supressão da lacuna deixada pelo legislador340.

Discutia-se sobre a possibilidade da aplicação da equidade. Por conta disso, a lei, expressamente veda a aplicação da equidade pelo juiz, permitindo-a apenas como forma de exceção341.

indeterminados, não incide a vontade do aplicador; e d) o juiz não detém poder de fiscalização no rumo da discricionariedade e, na direção oposta, os conceitos indeterminados dão ensanchas à atividade judicial fiscalizadora, posto que se parte de uma situação determinada”. (GÓES, Gisele Santos Fernandes. Existe discricionariedade x termos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al (Coord). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à professora

Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2008, p. 89

337 Há, todavia, fatos extrajurídicos que podem dar margem maior à escolha do juiz. Não obstante, sua escolha

fica limitada aos termos e à finalidade da norma e à valoração do caso concreto. Exemplo disso seria a possibilidade de utilização de outros meios de coerção para o cumprimento de obrigação de fazer, não fazer, ou ainda para a obtenção do resultado equivalente, prevista no art. 461, § 5º, do CPC. Mesmo nesse caso entendemos não haver discricionariedade.

338 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol 1. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1996

339 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 1. Teoria Geral do Direito Civil. 28. ed. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 83-111; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. I. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010

340 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 310-311. 341 Art. 127 do CPC. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.

Para Miguel Reale, com a redação do art. 127 do Código de Processo Civil vigente houve um retrocesso face ao art. 114342 do Código de Processo Civil de 1939343. Nalini vai

além: traz em sua obra posicionamento sobre a inconstitucionalidade do art. 127 do Código de Processo Civil344.

No que tange à equidade, apesar de não haver unanimidade sobre o seu real conceito, prevalece entre nós que a equidade é a justiça do caso concreto345.

Na evolução da interpretação do direito e tendo por base a estrutura normativa nacional, na qual temos no topo uma Constituição, que é principiológica, vemos uma reviravolta sobre todo esse contexto, dando margem a uma discussão calorosa e bastante produtiva.

A partir daí, e utilizando-se da obra de Luís Roberto Barroso346, verificamos que a Constituição Federal pode ser interpretada de várias formas. Uma delas é a partir da lei. Não necessariamente a Constituição Federal precisa ser interpretada de acordo com a lei. Com esta constatação, pode-se chegar a uma interpretação da Constituição Federal, chegando-se a afirmar que determinada lei não tem aplicação ou está em descompasso com a Lei Maior, ou até mesmo de que aquela não é a melhor interpretação, segundo a própria Constituição Federal.

Desta forma, há uma maior “liberdade” ao juiz, pois ao se analisar o caso concreto a partir da aplicação da lei, mas tendo por base uma Constituição principiológica, a margem para divergência acaba sendo grande347, mas repita-se, isso se insere não no campo da discricionariedade judicial, mas no da interpretação e aplicação do direito.

342 Assim dispunha o CPC de 1939 em seu art. 114: Quando autorizado a decidir por equidade, o juiz aplicará a

norma que estabeleceria si fosse legislador.

343 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 295. 344

NALINI, José Renato. Filosofia e Ética Jurídica. São Paulo: RT, 2008

345

NALINI, José Renato. Filosofia e Ética Jurídica. São Paulo: RT, 2008

346 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009 347 Não se pode confundir a interpretação da norma com discricionariedade. (FAZZALARI, Elio. Instituições de

direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2006, p. 418-419. Afirma o autor que a interpretação da norma substancial não contém componente de discricionariedade, porque esta está ligada ao conteúdo e não à valoração. Para o autor há discricionariedade quando houver necessidade de adequação do conteúdo do ato a determinada causa. A discricionariedade é moldada “de acordo com a flexibilidade a ser atingida”. Também afirma ser errôneo falar em discricionariedade sobre o juízo de fato: “De resto, ainda quando se fala de ‘livre convencimento’ do juiz em relação à prova e ao fato, decerto se pressupõe e se exige o emprego, por parte do juiz, dos instrumentos e das proposições verificadas de que se disse, sem a qual o convencimento seria abandonado ao arbítrio e ao capricho, e até mesmo não poderia se formar” (p. 461). Mais a frente confirma “[...] o perfil da ‘discricionariedade’, como escolha de comportamento desenvolvido no âmbito do dever; e

Num passado recente, a ideia era a da interpretação da Constituição Federal de acordo com a lei. Nessa seara, o restrito campo de liberdade do julgador estaria previsto apenas nos casos em que fosse permitida a equidade.

O manejo da equidade é fundamental para se fazer a “justiça do caso concreto”, prevista para ser utilizada na arbitragem, nos Juizados e também com maior aplicabilidade no Código Civil.

Para que se tenha segurança, não seria necessário vedar o uso da equidade, até porque ela existe como forma de eliminar a desigualdade. Difícil também é falar que bastaria ter a equidade e resolvido estaria o problema da isonomia. Talvez, por meio dela, teríamos outro problema, que é o da previsibilidade e o da segurança jurídica. Pensamos que, dentro do nosso sistema jurídico, a liberdade do juiz deve ficar adstrita não à sua consciência, mas à Constituição Federal.

Ao estudarmos a interpretação do direito, verificamos que várias podem ser as interpretações extraídas de uma norma. Não apenas por conta do método de interpretação utilizado, como também por influência de fatores externos.

Podemos dizer que o juiz analisará os fatos, buscará na norma jurídica os fundamentos para o caso e, após essa análise, chegará ao resultado final que é a sentença.

Ocorre que isso é uma doce ilusão, ou no dizer de Marinoni348, não passa de pura ingenuidade. O processo de elaboração de uma decisão judicial é inverso. Ele analisa o caso concreto, tira sua própria convicção e, após isso, procura dentro do sistema legal fundamentos para dar suporte à sua decisão. E isso decorre da influência externa que o ser humano sofre (senso comum, religião, experiência de vida etc)349, mas que pela letra da lei não deveria sofrer.

O sistema não deveria ser assim. O juiz não age com discricionariedade. Ele deve agir nos termos da lei e da Constituição. A margem de atuação que lhe sobra decorre da margem interpretativa da lei face aos princípios constitucionais.

delineia-se com evidência a distinção entre ‘dever de conteúdo vinculado’ e ‘dever de conteúdo

discricionário’”. (p. 498 – grifos no original)

348 MARINONI, Luiz Guilherme. Prova. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 37

349 TARUFFO, Michele. Senso comum, experiência e ciência no raciocínio do juiz. Aula inaugural proferida na

Assim, ao analisarmos alguns dos dispositivos processuais (seja civil, seja penal) verificaremos que não há discricionariedade. Como exemplo, citamos a concessão de tutela antecipada350.

Voltando para Montesquieu, a ideia da criação de sistemas jurídicos baseados em leis e a codificação iniciada na França e espalhada por toda Europa continental serviam de base para que o juiz na resolução dos casos aplicasse o que já havia sido estabelecido de forma abstrata. Desta forma, a função do juiz é aplicar a lei abstrata aos casos concretos, interpretando o direito. Não pode o juiz ignorar as normas, sob pena de se criar “a ditatura judiciária, o absolutismo da toga”351. A liberdade do julgador não é plena. É condicionada, ou seja, é exercida “dentro dos limites do conteúdo de Direito que se encontra nos textos” 352.