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CAPÍTULO II – IMPORTÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA E NECESSIDADE DE SUA

4.5 Assunção de competência

A Lei 10.352/2001 introduziu ao CPC o § 1º ao art. 555, prevendo a assunção de competência visando prevenir divergência entre câmaras ou turmas de um mesmo tribunal. De

Recurso Extraordinário. Tese (Doutoramento em Direito das Relações Sociais) – PUC-SP. São Paulo, 2004, p. 290-296; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo VIII. 2. ed. atualizada por Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Esse último, de acordo com as notas feitas pelo atualizador; ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 544-556; Em sentido pouco diverso: NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 451. De forma diferente entende o autor: “Os embargos de divergência (CPC 546), como são cabíveis no RE e REsp, que são recebidos apenas no efeito devolutivo (CPC 542, § 2º), têm também esse único efeito, sendo desprovidos de suspensividade. Entretanto, se o acórdão embargado tiver dado provimento ao RE ou REsp, os embargos de divergência serão recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo. Também nesse sentido pouco diverso: SHIMURA, Sérgio Seiji. Apud ORIONE NETO, Luiz. Recursos

Cíveis. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 555

301 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 445. Afirma o autor que:

“A devolutividade dos embargos se restringe à matéria objeto de divergência entre a Turma e os demais órgãos do STJ ou STF. Matéria não decidida no acórdão embargado não pode constituir objeto de embargos de divergência”.

302 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 487-488.

303 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. vol. 5. São Paulo: Saraiva,

2008, p. 316

304 JORGE, Flávio Cheim. Embargos de Divergência: Alguns Aspectos Estruturantes. Revista de Processo. ano

35. vol. 190. São Paulo: RT, 2010, p. 9 e ss. Em sentido contrário: FERREIRA FILHO, Manoel Caetano.

acordo com a redação o relator poderá propor que o recurso seja julgado pelo colegiado maior a quem o regimento indicar (Seção, Órgão Especial, Grupo de Câmaras). Diferentemente dos embargos de divergência que têm por finalidade extirpar a divergência já surgida, a assunção de competência evita que a câmara ou turma profira julgamento que poderá ser contrário ao prolatado por outra câmara ou turma do mesmo tribunal. Visa este instrumento à manutenção da uniformidade do pensamento do tribunal sobre questões de direito.

Segundo Nelson e Rosa Nery, a assunção de competência poderá “ocorrer quando convier ao interesse público”305, o que poderá ser evidenciado nas seguintes hipóteses:

a) para prevenir divergência entre turmas ou câmaras do tribunal; b) para dirimir essas mesmas divergências; c) quando algum juiz propuser a revisão de questão de constitucionalidade já decidida pelo Pleno (RISTF 11 II); d) quando algum juiz propuser a revisão de súmula do tribunal (RISTF 11 III; RISTJ 14 I) 306.

A ideia do instituto é a de uniformizar jurisprudência, função também atribuída ao incidente de uniformização de jurisprudência. Esse instituto, todavia, apresenta forma mais simplificada de se obter a uniformização. Como já referido acima, quando tratamos do incidente de uniformização de jurisprudência, podemos encontrar antecedentes tanto no direito pátrio, como no direito estrangeiro a este instituto que se assemelha ao incidente de uniformização de jurisprudência.

Este instituto, por ser mais simplificado em relação ao incidente de uniformização de jurisprudência, acabou por fazer com que aquele fosse ainda menos utilizado. Assim como a uniformização de jurisprudência, a assunção de competência não é recurso, possuindo natureza de incidente processual307, e sua finalidade é prevenir a existência de julgados contraditórios. Diferentemente do incidente de uniformização de jurisprudência, porém, aqui a matéria subirá toda para o colegiado maior que não apreciará apenas a questão de direito controvertida. O Colegiado maior julgará o próprio recurso. A assunção de competência poderá ocorrer apenas diante de recursos e reexame necessário308, não sendo possível a

305 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação

extravagante. 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 998

306 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação

extravagante. 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 998

307 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São

Paulo: RT, 2009, p. 457

308 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São

Paulo: RT, 2009, p. 457. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 181

utilização do instituto nos casos de ações de competência originária do tribunal, algo que também o difere do incidente de uniformização de jurisprudência.

Também há diferença quanto a legitimidade para suscitar a assunção de competência. De acordo com o texto legal, apenas o relator do recurso é que tem legitimidade para a assunção de competência309. Nada impedirá que outro membro da câmara ou turma sugira a instauração da assunção de competência e que o relator encampe a ideia310. Nessa linha de raciocínio, apesar de não ser dada legitimidade à parte para instaurar o incidente, também não há impedimento para que a parte demonstre ao relator a divergência, para que o relator instaure a assunção de competência. Araken de Assis vai além, afirmando que até mesmo outros podem provocar, nos debates orais, a suscitação do incidente e os demais membros do colegiado decidam pela instauração do incidente, mesmo com voto contrário do relator311.

No que se refere à quaestio juris ela não precisa, necessariamente, estar ligada ao mérito da causa, basta que esta questão de direito seja “madura” ou que ela “tenha expressão”312.

Para a instauração da assunção não há necessidade de que já haja divergência sobre a matéria entre câmaras ou turmas. Poderá ser suscitado no caso de matérias novas, evitando-se o surgimento da divergência ou até mesmo quando se verificar tendência na mudança de posicionamento do Tribunal. O relator, verificando a tendência na mudança de orientação do tribunal, poderá suscitar esse incidente.

Suscitada a assunção de competência pelo relator, o colegiado (câmara ou turma) que originariamente julgariam o recurso analisará essa questão preliminar. Se entender que a matéria deva ser afetada ao colegiado maior indicado pelo regimento interno (órgão especial, pleno, grupo de câmaras seção), os autos serão encaminhados a esse colegiado maior. Dessa decisão da câmara ou turma sobre a afetação do recurso ao colegiado maior não cabe recurso. Isso porque o recurso não foi julgado ainda. Somente após o julgamento desse é que a parte poderá recorrer. Admitida a afetação pela câmara ou turma ao colegiado maior (pleno, órgão especial, seção ou grupo de câmaras), este fará o juízo de admissibilidade e julgará o próprio

309 Anota-se que no PL 8.046/2010 o art. 900 prevê que “deverá o relator, de ofício ou a requerimento das partes

ou do Ministério Público” dar início à assunção de competência.

310 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010,

p. 181;

311 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 371

312 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São

recurso. Se, ao fazer o juízo de admissibilidade, o colegiado maior entender que não seja o caso de uniformização do entendimento do tribunal (porque a questão já se encontra pacificada, por exemplo), os autos serão devolvidos à câmara ou turma de origem para julgamento da matéria, não cabendo qualquer recurso dessa decisão.

Como a assunção de competência somente poderá ser instaurada pelo relator e não pelas partes, havendo divergência jurisprudencial dentro do tribunal, caberá às partes instaurar o incidente de uniformização de jurisprudência313. Não o fazendo, não poderão questionar a atitude do relator em dar início ou não à assunção de competência314.

Apesar de ser mais comum a utilização da assunção de competência em relação à uniformização de jurisprudência, pois aqui não há vaivém de processo315, destaca Marcelo Vigliar a superioridade da uniformização de jurisprudência em relação a este instituto, pois a uniformização é decidida de forma objetiva e não concreta como ocorre com a assunção de competência316.

O julgamento da matéria pelo colegiado maior, pacificando a quaestio juris no âmbito do tribunal não terá o condão de vincular os demais membros daquela corte. Todavia, havendo no caso subsequente similitude fática e jurídica, faz-se necessário seguir o precedente317.

313 Nada impede, todavia, que as partes levantem a questão e a câmara ou turma encampe a ideia. 314

Marcelo Vigliar chega a mencionar que é discricionariedade do tribunal, ficando na conveniência e oportunidade desse. (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Uniformização de jurisprudência: segurança

jurídica e dever de uniformizar. São Paulo: Atlas, 2003, p. 194)

315 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010,

p. 181; ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 370

316

VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Uniformização de jurisprudência: segurança jurídica e dever de

uniformizar. São Paulo: Atlas, 2003, p. 195

317 Carlos Maximiliano, ao tratar da jurisprudência como conjunto de decisões uniformes afirma que ela “[...] é a

fonte mais geral e extensa de exegese, indica soluções adequadas às necessidades sociais, evita que uma questão doutrinária fique eternamente aberta e dê margem a novas demandas: portanto diminue os litígios, reduz ao mínimo os inconvenientes da incerteza do Direito, porque de antemão faz saber qual será o resultado das controvérsias". (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1941, p. 221)

5 As deficiências do sistema e a busca por novos institutos visando à isonomia e à segurança jurídica

O sistema processual, e mais precisamente o sistema recursal, foi criado no intuito de proporcionar uniformidade das interpretações sobre as questões legais. Se imaginarmos a existência de uma hierarquia piramidal sobre as interpretações dadas pelos órgãos do Judiciário, acrescidos da função uniformizadora dos Tribunais (principalmente dos Tribunais Superiores), verificamos que ela existe, ao menos em tese.

Todavia, essa hierarquia apenas existe para os casos em concreto. Assim, o que foi decidido pelo STF num recurso extraordinário vale apenas para aquele caso. Sua eficácia é persuasiva e não vinculante.

Com o crescimento demográfico, com a concentração das pessoas em grandes centros urbanos, com o aumento das relações negociais entre as pessoas, com o aumento da exploração educacional por entidades privadas, colocando a cada dia mais profissionais no mercado de trabalho318, considerando-se o baixo custo para se litigar no Brasil, a quantidade

de processos sobe exponencialmente a cada dia, num rumo que parece não ter fim.

Para se ter uma ideia da carga de trabalho de que estamos falando, em 2004, na justiça estadual paulista, em primeiro grau de jurisdição (excluídos os Juizados Especiais), havia 10.242.524 processos pendentes de apreciação. Em 2008, esse número saltou para 14.609.684. Um aumento de 42% da carga de trabalho em 4 anos. O número de magistrados, por sua vez, aumentou em apenas 18,6%, saindo de 1.526 para 1.810. Considerando-se ainda que cada magistrado profere sempre menos sentenças do que a quantidade de casos novos, o aumento do congestionamento no Judiciário é realidade que precisa de uma solução urgente319.

Os juízes, desembargadores e Ministros não têm condição de proferir a quantidade de decisões que a carga de trabalho imposta lhes exige. O sistema está à beira de um colapso e os

318 No nosso caso específico, com a grande quantidade de advogados.

319 Relatórios do CNJ – Justiça em Números. http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-

modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros/relatorios Acesso em 14.02.2012, às 14h00. Deixamos de considerar os dados de 2009 e de 2010, tendo em vista que houve alteração na forma de elaboração dos relatórios, impedindo a comparação com os dados anteriores.

instrumentos processuais postos à disposição, apesar de tecnicamente adequados, não são capazes de dar vazão à imensa carga de trabalho.

No dia-a-dia verifica-se que os instrumentos acabam até mesmo sendo utilizados de forma equivocada. Desejoso de dar uma rápida resposta para evitar novos recursos, súmulas são editadas e utilizadas sem que haja similitude fática com casos anteriormente analisados pelos próprios tribunais (basta lembrar de enunciados como os 214, 263, 293 e 375 do STJ).

Como afirmar que a litigiosidade deve diminuir se nem mesmo os Tribunais Superiores se entendem em relação aos seus próprios precedentes?

Outro exemplo também problemático decorre do enunciado de súmula vinculante nº 4320, que estabeleceu a proibição da vinculação do salário mínimo como indexador da base de cálculo de gratificações, incluídas a o adicional de insalubridade, alterando orientação consolidada pelo TST no enunciado 228321. A partir da redação da súmula vinculante 4, o TST reviu seu enunciado 228, prevendo que o adicional de insalubridade passaria a ter como base de cálculo o salário básico do empregado. Em Reclamação ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria, Rcl. 6.266-MC, decidiu-se por suspender a eficácia daquele enunciado do TST que, diga-se de passagem estava de acordo com o enunciado da súmula vinculante 4 do STF322.

Diante dessas constatações, acrescida da alta demanda de trabalho, nem os magistrados, nem os advogados se dão o trabalho de pesquisar a fundo os precedentes citados. Basta utilizar-se de um sistema simples de busca de ementas para inseri-las em teses que, não necessariamente, tratam de situações completamente distintas. Isso faz com que tenhamos decisões das mais diversas sobre temas idênticos. Permite-se também que Tribunais Superiores acabem por utilizar determinados precedentes para casos que não são próximos, fazendo com que haja divergência de entendimento.

320 “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de

cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.

321 O percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário-mínimo de que cogita o art. 76 da

Consolidação das Leis do Trabalho

322 Constou da decisão do Min. Gilmar Mendes que: “Dessa forma, com base no que ficou decidido no RE

565.714/SP e fixado na Súmula Vinculante n° 4, este Tribunal entendeu que não é possível a substituição do salário mínimo, seja como base de cálculo, seja como indexador, antes da edição de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o adicional de insalubridade”. Ocorre, contudo, que no RE 565.714, rel. Min. Carmen Lúcia, esta afirmou que o a expressão “salário mínimo da região” não poderia ser confundida com salário mínimo nacional e que caberia à justiça do trabalho definir a base de cálculo do adicional de insalubridade.

Diuturnamente também acabamos lidando na prática com outra situação, qual seja, a de que nem todos os magistrados estão preocupados com o que foi decidido pelos Tribunais Superiores323.

O magistrado deve ter seu livre convencimento motivado. Isso definitivamente não pode ser tolhido dele, mas até onde vai essa liberdade?

5.1 A má interpretação do princípio da livre convicção motivada – a ausência de