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CAPÍTULO II – IMPORTÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA E NECESSIDADE DE SUA

5.5 A ideia de se seguirem precedentes – a tendência no Brasil de adoção do sistema

5.5.2 Breve histórico sobre a formação dos precedentes no direito brasileiro

No direito brasileiro, a ideia de seguir precedentes também não é nova. Ainda na época do Brasil Colônia, havia nas Ordenações Filipinas a previsão de assentos. Em 1769, a Lei da Boa Razão previu que os assentos aprovados pelas Relações poderiam ter força vinculante, mas desde que aprovados pela Casa de Suplicação de Lisboa. Em 10 de maio de 1808, foi conferida à Relação do Rio de Janeiro o status de Casa de Suplicação do Brasil, com poderes para aprovar assentos396. Em 23 de outubro de 1875, foi aprovado o Decreto Legislativo 2.684, prevendo a possibilidade de o então Supremo Tribunal de Justiça aprovar assentos com eficácia vinculante397. O regime de assentos vigorou até a proclamação da República.

Apesar disso, podemos destacar que o Decreto 23.055 de 9 de agosto de 1933, previa em seu artigo primeiro que “As justiças dos Estados, do Distrito Federal e do Território do

395 Como mencionado acima, não obstante essa decisão, a mais alta corte inglesa ainda procura seguir seus

precedentes, sendo que de 1966 até 2011 houve apenas 29 casos em que o precedente não foi seguido.

396

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do Estado e da Constituição. Direito

constitucional positivo. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 522.

397 Art. 2º “Ao Supremo Tribunal de Justiça compete tomar assentos para a inteligência das leis civis, comerciais

e criminais, quando na execução delas ocorrerem dúvidas manifestadas por julgamentos divergentes havidos no mesmo Tribunal, Relações e Juízos de primeira instância nas causas que cabem na sua alçada”.

§ 1º “Estes assentos serão tomados, sendo consultadas previamente as Relações”.

§ 2º “Os assentos serão registrados em livro próprio, remetidos ao Governo Imperial e a cada uma das Câmaras Legislativas, numerados e incorporados à coleção das leis de cada ano; e serão obrigatórios provisoriamente até que sejam derrogados pelo Poder Legislativo”.

§ 3º “Os assentos serão tomados por dois terços do número total dos Ministros do Supremo Tribunal de Justiça e não poderão mais ser revogados por esse Tribunal”. (TUCCI, José Rogério Cruz e. Eficácia do precedente judicial na história do direito brasileiro. Revista do Advogado. ano XXIV, n. 78: São Paulo: AASP, 2004, p. 43)

Acre devem interpretar as leis da União de acôrdo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.

Em que pese encontrarmos no histórico do direito pátrio hipóteses de vinculatividade de decisões judiciais, constata-se que nosso direito repele a ideia de precedentes vinculantes398.

Verifica-se, entretanto, uma volta à tendência de obediência aos precedentes. Afirma Cappelletti que vem se atenuando a diferença entre civil law e common law399. Leonardo Greco diz que há uma tendência crescente na aproximação dos dois sistemas e que isso decorre “da crescente perda de credibilidade ou de confiança da sociedade na sua justiça”400.

Isso faz com que haja uma busca no outro sistema por mecanismos capazes de atender aos anseios da sociedade.

Já não há grande distinção, como ocorria no passado entre as famílias da civil law e da common law401. Mencionava-se que o sistema da common law era fundado com base nos

precedentes, não havendo lei, e os juízes julgavam os casos tendo por base o que fora decididos noutros casos semelhantes anteriores, sendo que esses casos anteriores apenas declaravam402 o costume403 local. E para os países da Europa continental, mencionava-se que o direito era baseado num sistema de leis404.

398 TUCCI, José Rogério Cruz e. Eficácia do precedente judicial na história do direito brasileiro. Revista do

Advogado. ano XXIV, n. 78: São Paulo: AASP, 2004, p. 46

399 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? (trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris, 1993, p. 123-124

400 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 3

401 Não há dúvida que o papel do atual juiz do civil law, e especialmente o do juiz brasileiro, a quem é deferido o

dever-poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, muito se aproxima da função exercida pelo juiz do common law, especialmente a da realizada pelo juiz americano. Acontece que, apesar da aproximação dos papéis dos magistrados de ambos os sistemas, apenas o common law devota respeito aos precedentes”. MARINONI, Luiz Guilherme. A força dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 8

402 Grande foi a discussão na Inglaterra sobre se os juízes declaravam o direito decorrente dos costumes ou se

eles, juízes criavam o direito. Vale aqui a célebre frase de Jeremy Bentham, que era a favor de um sistema legal como o existente na França e criticava a forma como as normas surgiam no Reino Unido: “It is the judges (as we have seen) that make the common law. Do you know how they make it? Just as a man makes law for his dog. When your dog does anything you want to break him of, you wait till he does it, and them beat him for it. This is the way you make laws for your dog: and this is the way the judges make law for you and me”. (BENTHAM, Jeremy. The works of Jeremy Bentham. vol 5. Edimburgo: Simpkin, Marshall & Co, 1838, p. 235). Descrevendo a discussão sobre se os juízes exerciam tarefa constitutiva ou declarativa: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 24-33

403 Vale destacar uma crítica à ideia de que a common law seja baseada em costumes: “Para a Common Law, os

costumes são geralmente mencionados como ‘fontes históricas’ de direito. É como se os costumes fossem os ‘ancestrais’ das lei. Entretanto, como afirmam Slapper & Kelly, essa não passa de uma visão romântica da

Common Law. É ‘bonito’ dizer que a lei evolui dos costumes porque assim a lei é vista como a vontade do povo – uma forma de democracia. No entanto, a própria história da Common Law contraria esse

Na evolução do direito verificamos que a Europa continental, foram criadas grandes codificações405. A criação dessas codificações acabou causando uma ruptura com o direito

romano da época clássica406.

Hoje, todavia, verificamos que já não é tão simples a diferenciação entre os dois sistemas. Discute-se sobre uma aproximação entre os sistemas de civil law e common law407 e até mesmo sobre a impossibilidade de se falar atualmente em sistemas de civil law408 e common law409, ante as peculiaridades dos países oriundos de cada um dos sistemas410.

ensinamento. Na maioria das vezes, as leis saíam da Corte Real para serem obedecidas por todos. Basta lembrar o conceito dado por Hall à Common Law: ‘(...) a lei estabelecida pela Corte do Rei, comum a todo homem livre (...), quer queiram, quer não’”. (VIEIRA, Andréia Costa. Civil Law e Common Law: Os dois

grandes sistemas legais comparados. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007, p. 140)

404 Para um estudo mais aprofundado sobre as diferenças entre os sistemas de civil law e de common law e a

aproximação dos dois sistemas: DAMASKA, Mirjan. The faces of justice and State authority: a comparative

approach to the legal process. New Haven and London: Yale University Press: 1986; DAMASKA, Mirjan.

The common law / civil law divide: residual truth of a misleading distinction. Conferência de Toronto de 2009. A íntegra do texto pode ser encontrada no sítio da Associação Internacional de Direito Processual:

http://www.iapl2009.org/documents/1MirjanDamaska.pdf Acesso em 25.05.2011 às 7h50

405

DAMASKA, Mirjan. The faces of justice and State authority: a comparative approach to the legal process. New Haven and London: Yale University Press: 1986. Alfo Ross destaca ainda que “associativamente às grandes codificações, o legislador, na vã esperança de preservar sua obra, tem proibido, amiúde, a interpretação das normas e que a prática dos tribunais se desenvolva como fonte do direito. Já Justiniano proibiu decisões de acordo com precedentes (non exemplis, sed legibus judicandum est). No Código Prussiano (Allgemeines Ladrecht) de 1794 encontramos preceitos similares. Na Dinamarca, depois da aprovação do Código Dinamarquês, em 1683, proibiu-se que os advogados citassem precedentes perante a Corte Suprema. A medida foi rescindida em 1771. Essas proibições drásticas se provaram ineficazes, tornando preponderante na Europa continental o ponto de vista de que no interesse da certeza das decisões prévias dos tribunais superiores, em particular as da Corte Suprema, deviam ser respeitadas, embora não dispusessem de força obrigatória formal como acontecia com o direito legislado”. (ROSS, Alf. Direito e

Justiça. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007, p. 112

406 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004, p. 11

407 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? (trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris, 1993, p. 111-128. Segundo a análise das diferenças e similitudes das duas famílias, verificamos que o Brasil esta adotando experiências existentes nos países de common law, pois possui uma Corte Constitucional com poucos magistrados (onze); há vinculatividade a determinadas decisões de nossa Corte Suprema; há filtros para acesso a esse tribunal, tentando reduzir a quantidade de julgados por essa Corte. Podemos ainda destacar a tendência cada vez maior à adoção de precedentes.

408

“Reduzindo a poucas linhas discurso que exigiria análise comparatística aprofundada, podem-se sublinhar dois aspectos particularmente importantes: a) na realidade, jamais existiu um modelo homogêneo e unitário de processo civil de civil law; b) nos últimos decênios, ocorreram tantas e tais transformações em vários ordenamentos processuais da referida área, que provavelmente se perdeu toda possibilidade de fazer referência em termos sintéticos e unitários aos modelos tradicionais”. (TARUFFO, Michele. Observações sobre os modelos processuais de civil law e de common law. Revista de processo. ano 28. vol. 110. São Paulo: RT, 2003, p. 141-158)

409 TARUFFO, Michele. Icebergs do common law e civil law? Macrocomparação e microcomparação

processual e o problema da verificação da verdade. Revista de processo. ano 35. vol. 181. São Paulo: RT, 2010, p. 167-172. O autor critica a ideia de tentativa de uniformização de sistemas, afirmando que mesmo os membros de um mesmo sistema devem ser tratados como pertencentes a uma família que estão se afastando. Afirma não ser possível fazer uma comparação macro entre civil law e common law, em razão das distinções entre o direito inglês e o direito norte-americano.

410 TARUFFO, Michele. Observações sobre os modelos processuais de civil law e de common law. Revista de

processo. ano 28. vol. 110. São Paulo: RT, 2003, p. 141-158. Muitas das diferenças tradicionalmente comentadas entre as famílias de civil law e common law, tais como processo adversarial x inquisitorial; oral x escrito; julgado pelo júri x julgado pelo juiz não servem para distinguir as duas famílias.

Deixando de lado essa discussão, podemos constatar a existência de um Código de Processo Inglês, exercendo a lei forte influência no direito naquele país411, bem como a tendência

registrada em alguns países de civil law no sentido de adotar um sistema de precedentes, não que estes já não existissem em países de tradição do civil law, como no caso do Brasil, como bem assevera José Rogério Cruz e Tucci412.

Essa tendência de se obedecer aos precedentes não ocorre apenas no Brasil. Dentre outros países, podemos citar também a Itália, sobre cujo sistema processual envolvendo precedentes Michelle Taruffo e Sergio Chiarloni, que já se debruçaram por diversas vezes.

5.5.3 Diferenças entre o sistema jurisprudencial da Civil Law e o sistema de precedentes da