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CAPÍTULO IV – INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nova

8.4 Competência

A competência para apreciar o incidente é funcional565, de acordo com o texto do art.

45, parágrafo único, do projeto. Caberá ao Tribunal Pleno ou ao Órgão Especial a apreciação do incidente.

O simples fato de haver deslocamento da matéria para ser apreciada diretamente pelo Pleno ou pelo Órgão Especial do Tribunal de segundo grau já traz certa economia processual, pois evitará que as demandas continuem tramitando pelas instâncias ordinárias para, somente após longos anos, serem resolvidas pelo Tribunal. Esse é um ponto positivo ao projeto, pois evita a demora na formação de jurisprudência e pacificação do tema566. No sistema atual, por exemplo, a pacificação só ocorreria muitos anos após, quando as demandas começassem a chegar aos Tribunais Superiores567.

Pensamos que esse deslocamento para que o Tribunal se pronuncie sobre a quaestio juris antes mesmo que tenha o juiz se manifestado sobre o assunto (nos casos de incidente

565 Sobre o conceito de competência, optamos por destacar as seguintes: “La competencia es una medida de

jurisdicción. Todos los jueces tienen jurisdicción; pero no todos tienen competencia para conocer en un determinado asunto. Un juez competente es, al mismo tiempo, juez con jurisdicción; pero un juez incompetente es un juez con jurisdicción y sin competencia. La competencia es el fragmento de jurisdicción atribuido a un juez” (COUTURE, Eduardo. Fundamentos Del Derecho Processal Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1969, p. 29). “Essa esfera de ofícios que a lei atribui a cada um dos juízes, dentro da hierarquia judicial, distribuindo entre eles o exercício prático da jurisdição, constitui para cada juiz sua própria “competência”; esta, tradicionalmente, costuma definir-se como “medida” de jurisdição, porquanto o Estado, ao determinar qual é concretamente a parcela de jurisdição atribuída a um juiz, vem a traçar com isso os limites recíprocos de atividade entre esse juiz e todos os demais juízes. Portanto, a competência é acima de tudo uma determinação dos poderes judiciais de cada um dos juízes” (CALAMANDREI, Piero. Instituições

de Direito Processual Civil. vol II. 2. ed. Traduzido por Douglas Dias Ferreira. Campinas: Bookseller, 2003, p. 107-108). “La competenza viene tradizionalmente definita come La <<misura>> o la <<frazione>> di giurisdizione che appartiene nell’ambito dell’ordinamento ad un merito la controversia. La competenza stabilisce quindi una ripartizione di giurisdizione tra uffici giudiziari e non regola invece i rapporti all’interno dell’ufficio [...]” (COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI; Corrado; TARUFFO Michele. Lezioni sul processo

civile vol. I. 4. ed. Bologna: Mulino, 2006, p. 132).

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O Min. Sidnei Beneti já demonstrou a preocupação com a demora na decisão de questões repetitivas, descrevendo os prejuízos que essa demora pode trazer para o próprio Judiciário: “A demora na consolidação jurisprudencial relativa às macrolides provoca a elevação do número de processos em todos os graus de jurisdição, contribuindo decisivamente para o congestionamento da máquina judiciária. A urgência na definição impõe ao sistema processual a adoção de instrumentos capazes de conduzir ao resultado de julgamento absolutamente prioritário, a fim de que rapidamente se forme diretriz jurisprudencial que oriente o agir do meio jurídico e negocial, de modo a frustrar-se o surgimento de novas lides”. (BENETI, Sidnei Agostinho. Assunção de competência e fast-track recursal. Revista de Processo. ano 34. vol. 171. São Paulo: RT, 2009, p. 12

567 Apenas destacamos a observação feita acima, no que se refere à necessidade de haver real controvérsia por

meio de várias demandas, para que seja possível extrair dessas demandas, riquezas na argumentação pro et

instaurado quando a demanda ainda esteja em primeira instância, por exemplo) não implicará em ofensa ao princípio do juiz natural568. Analogicamente, poderíamos utilizar a aplicação da

teoria da causa madura, prevista no art. 515, § 3º, do CPC, na qual se permite que o Tribunal adentre ao mérito sem que tenha o juiz de primeira instância se manifestado sobre o tema. Se a matéria em última análise deva ser julgada pelo Tribunal em grau de recurso, que poderá reformar a decisão do juiz de primeira instância, por que pensar que isso seria inconstitucional. Poder-se-ia falar, todavia, que na teoria da causa madura a questão seja apreciada pela câmara e não por um colegiado maior dentro do tribunal. Isso, entretanto, não altera nossa conclusão, porque mesmo nesses casos poder-se-ia utilizar do incidente de uniformização de jurisprudência ou até mesmo da assunção de competência (e não há discussão em sentido contrário sobre essa possibilidade).

A lei não menciona a possibilidade de o incidente ser instaurado perante Tribunal Superior. Assim, num primeiro momento a competência seria dos Tribunais de Segundo Grau, tanto da justiça comum estadual como da justiça comum federal. A partir dessa constatação, algumas questões precisam ser solucionadas: Havendo demanda passível de gerar multiplicação de processos em mais de um Estado (exemplo: São Paulo e Rio de Janeiro), qual deles terá competência para processar e julgar o incidente? Ainda, havendo multiplicação de processos dentro de um mesmo estado, mas envolvendo competência distribuída a justiças distintas – Federal e Estadual – (exemplo: demanda que envolva bancos – Caixa Econômica Federal e outro banco qualquer), qual Tribunal será o competente para apreciar a demanda?

O projeto prevê que a decisão do Tribunal local servirá de precedente para seus desembargadores e juízes, não afetando magistrados alheios ao Tribunal. Com isso, se um determinado assunto puder ser alvo de multiplicação de demandas por mais de um Estado, cada Tribunal Estadual terá competência para processar e julgar o incidente, resolvendo as demandas em seu respectivo Estado Membro. Não há previsão de assunção de competência pelo STJ ou STF para que este pacifique a matéria. A previsão existente no projeto é de que os legitimados para a instauração do incidente possam requerer ao STJ ou ao STF a suspensão

568 Em sentido contrário, afirmando que o Tribunal teria apenas competência recursal para essas hipóteses:

YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil. Comentários aos arts. 930 a 941 do PL 8.046/2010. Revista de Processo. ano 37. vol. 206. São Paulo: RT, 2012, p. 243 e ss.

de todos os processos que tramitem perante o território nacional e que versem sobre a questão objeto do incidente569.

O mesmo vale para matéria que possa ser discutida perante a Justiça Comum Estadual e a Justiça Comum Federal. Não podemos pensar que a questão seria deslocada para a Justiça Federal, porque o resultado servirá de precedente. No histórico do nosso país, de restrição à ideia de precedentes, não estamos suficientemente amadurecidos para aceitarmos um precedente horizontal (que a decisão de um Tribunal possa gerar efeitos sobre outro tribunal que não lhe é subordinado)570. Ainda, a ideia do incidente é de obediência à hierarquia. Se o tribunal decidiu, todos os demais membros daquele tribunal deverão respeitar a decisão. Sendo a decisão proferida por outro Tribunal (TRF da 3ª Região, por exemplo), não haverá obediência por parte do Tribunal Estadual Paulista em relação à tese adotada pelo TRF. Isso fará com que a questão seja enfrentada tanto pelo TRF quanto pelo TJ e, pior, poderá fazer com que haja decisões conflitantes para vizinhos, simplesmente porque um possuía conta junto à Caixa Econômica Federal e outro junto ao Banco do Brasil, por exemplo.

Para isto, a saída foi a previsão constante do art. 937 para suspensão dos demais processos em todo o território nacional. Não obstante, deve ser levado em conta que o incidente deverá ser julgado no curtíssimo prazo de 6 meses, o que sabemos ser praticamente impossível, considerando o congestionamento atual do Judiciário Brasileiro. Ainda, prever um prazo para julgamento sem que haja previsão de sanção pelo seu descumprimento não trará qualquer efeito prático ou moral, razão pela qual não acreditamos que essa regra será cumprida.

569 Talvez essa ausência de instauração de incidente perante os Tribunais Superiores seja justificada pela

necessidade de maior maturidade do tema, ou seja, de maior discussão jurídica perante o Judiciário para a pacificação do tema. Essa maior discussão jurídica não ocorreria se o Tribunal Superior pudesse realizar a assunção de competência e já julgar o incidente. Isso não seria salutar, diante da própria divergência cultural do país. Parece-nos que o mais adequado no âmbito dos Tribunais Superiores seja a pacificação do tema por meio dos recursos representativos de controvérsias. “Em qualquer assunto, o dissenso inicial gera ambivalência, incerteza e, até mesmo, ignorância a respeito da amplitude das questões envolvidas e de suas implicações na vida de cada um dos sujeitos interessados no tema. A essa altura, quando ainda se iniciam as discussões e se instaura a polêmica, ainda não se chegou ao melhor momento para que o tribunal se posicione e fixe uma tese jurídica a ser aplicável a casos futuros. Tolerar o dissenso por algum tempo é, na verdade, uma maneira de permitir que o debate continue até que se alcance maior clareza sobre o assunto. Uma decisão sobre os pontos em disputa, que fixe a tese jurídica para casos futuros, não estabelece, de uma vez por todas, a ratio decidendi a ser seguida, ficando a questão em aberto e sujeita a novos questionamentos, com a apresentação de outros argumentos ainda não apreciados e sobre os quais não houve reflexão, análise, ponderação, exame pelo tribunal. É manifestamente alto o risco de haver sucessivas decisões afastando a aplicação do precedente, em razão de algum distinguishing, overruling ou overriding”. (CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. ano 36. vol. 193. São Paulo: RT, 2011, p. 255 e ss)

570 Mesmo no direito comparado, a decisão de um tribunal sobre outro que não lhe seja vinculado serve como

Não fosse apenas isso, demandas que precisem de adoção de tutelas de urgência não serão vetadas pelo projeto (até porque, se o fossem, tal obstáculo seria inconstitucional), o que poderá aumentar a instabilidade sobre as questões objeto de discussões, pois o Tribunal de um Estado decide de uma forma e, o de outro, decide em sentido contrário.

Pensar numa eventual assunção de competência da matéria para que ela seja julgada por um Tribunal Superior poderá reduzir o tempo de discussão do litígio de massa, o que poderá ser útil à sociedade, mas poderá fazer com que se fira o princípio do juiz natural (sem deixar de mencionar que a competência do STF e STJ é prevista constitucionalmente). Com isto evita-se que o Tribunal Superior possa avocar a competência de determinadas matérias por questões políticas ou outras quaisquer, acrescentando a previsão de suspensão das demandas nas instâncias ordinárias e a maior maturidade que o Tribunal Superior terá ao enfrentar a matéria, ante os argumentos das partes e os constantes do(s) Tribunal(is), acreditamos que a melhor alternativa seja a suspensão das demandas individuais.

A última problemática a ser abordada sobre o tema competência refere-se à dicção do projeto em atribuir competência para o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas ao Pleno ou ao Órgão Especial do Tribunal.

Na uniformização de jurisprudência, prevista no CPC vigente, o legislador deixou a cargo do regimento interno atribuir qual órgão seria o competente para a dissipação da divergência. O PL 8.046/2010, todavia, não teve a mesma cautela. Dentro do Tribunal há desembargadores que estão há anos atuando em determinados ramos específicos do direito, estando, por isso distanciado da realidade em relação às demais áreas (direito público, direito privado, direito criminal). Permitir que apenas o Pleno julgue os incidentes de resolução de demandas repetitivas, que poderá ser composto por desembargadores que atuem em outra área, que não é mais da especialidade deles, poderá trazer prejuízo na busca do real significado do direito. Com o passar do tempo, eles acabam se especializando em determinadas áreas (por exemplo, direito penal, processual penal). Permitir que essas questões sejam resolvidas pelo Pleno em detrimento de outro órgão mais apropriado, designado pelo regimento interno do Tribunal não será salutar571.

571 “A definição da competência dos órgãos que o compõem, além de ser uma atribuição privativa do tribunal,

insere-se no âmbito da sua organização interna. Só ao tribunal cabe definir se o incidente de resolução de causas repetitivas será processado, admitido e julgado pelo plenário, pela corte especial ou por outro órgão que lhe pareça mais adequado” (CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de