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CAPÍTULO II – IMPORTÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA E NECESSIDADE DE SUA

4.1 O incidente de uniformização de jurisprudência

4.1.4 A falta de eficácia prática do instituto em face da ausência de vinculatividade e

O instituto não tem caráter vinculativo face aos demais julgados, ainda que proferidos por órgão colegiado de maior hierarquia dentro do tribunal (pleno ou órgão especial). De acordo com nossa Constituição Federal, a vinculação está expressamente prevista apenas para os julgados decorrentes do controle concentrado de constitucionalidade e para os enunciados de súmula vinculantes110. Também vale a pena destacar o consenso dentro do sistema jurídico nacional de que as decisões dos tribunais superiores (STJ ou STF), como regra, não têm força capaz de vincular os tribunais e juízes inferiores. Assim, não seria óbice ao incidente de uniformização a existência de posicionamento consolidado em tribunal superior111. Pode-se discutir sobre a possibilidade ou não de a lei estabelecer a vinculação ou não de determinadas decisões, o que faremos no momento oportuno, ao tratarmos do incidente de resolução de demandas repetitivas.

109 Art. 103. “Quando a lei receber interpretação diversa nas Câmaras de Appellação cível ou criminal, ou

quando resultar da manifestação dos votos de uma Câmara em um caso sub-judice que se terá de declarar uma interpretação diversa, deverá a Câmara divergente representar, por seu Presidente, ao Presidente da Côrte, para que este, incontinenti, faça a convocação para a reunião das duas Câmaras, conforme a matéria, fôr cível ou criminal”.

“§ 1º. Reunidas as Câmaras e submettida a questão á sua deliberação, o vencido, por maioria, constitue decisão obrigatória para o caso em apreço e norma aconselhável para os casos futuros, salvo relevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-se idêntico procedimento de installação das Câmaras Reunidas”.

110 É certo que se inicia uma forte corrente até mesmo junto STF, que entende haver um controle abstrato de

constitucionalidade realizado em julgamento de recursos extraordinários, ou seja, apesar de se tratar de um julgamento de uma situação concreta, o controle deixa de ser realizado in concreto e passa a ser feito de forma abstrata (MENDES, Gilmar Ferreira. In MEIRELES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2005). No mesmo sentido, utilizando, todavia, o termo de eficácia transcendental do recurso extraordinário: LENZA, Pedro Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2009; e DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. vol. 3. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2011, estes utilizando o termo objetivação do recurso extraordinário.

111 Salvo, por óbvio a existência de enunciados de súmula vinculantes e de julgamento em controle concentrado

de constitucionalidade, que também tem eficácia vinculante. BARBOSA MOREIRA, José Carlos.

A situação, embora aparentemente simples, é sobremaneira complexa se analisada cuidadosamente. De um lado, não se pode deixar de mencionar a existência de certa hierarquia nos julgamentos; de outro, a livre convicção motivada, na qual o magistrado é livre na apreciação do caso que lhe é apresentado. A pergunta que não se pode deixar de fazer é: qual a função desse instituto, que visa à uniformização da interpretação de uma quaestio juris, se, após o posicionamento do pleno (ou grupo de câmaras), as câmaras, isoladamente, podem julgar como bem entenderem? Não é possível que o posicionamento de um órgão maior, pacificando a questão, possa ser simplesmente ignorado. Foi justamente por isso que o Projeto do CPC de 1973 previa a possibilidade de edição de assento pelo Presidente do Tribunal, assento este que teria eficácia de lei112. Ocorre que tal proposta foi reformulada, uma vez que para a maioria da doutrina da época seria necessário alterar a Constituição113.

Apesar de a redação final da do CPC de 1973 não prever a vinculatividade da decisão exarada no incidente de uniformização, nem de prever a edição de assentos, não se pode deixar de mencionar que há força persuasiva do instituto, que deve ser obedecida pelo tribunal e pelos órgãos jurisdicionais a ele inferiores. Encarar o instituto sem o mínimo de força persuasiva perante os órgãos fracionários menores do tribunal faz com que o instituto deixe de ter a função para a qual foi criado. Melhor seria termos ainda hoje a redação do Decreto 16.273/1923, citado acima, que previa a necessidade de se seguir o que fora decidido pelo pleno, salvo relevantes fundamentos que justifiquem a reunião das câmaras para a renovação do procedimento.

112 Assim dispunha o texto: Art. 518: “A decisão tomada pelo voto da maioria absoluta dos membros efetivos

que integram o tribunal será obrigatória enquanto não modificada por outro acórdão proferido nos têrmos do artigo antecedente”. Art. 519: “O presidente do tribunal, em obediência ao que ficou decidido, baixará um assento. Quarenta e cinco (45) dias depois de oficialmente publicado, o assento terá força de lei em todo o território nacional”. (BUZAID, Alfredo. Anteprojeto de Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 1964, p. 100)

113 O projeto do CPC de 1973 previa eficácia vinculativa ao incidente de uniformização, prevendo que o

presidente do Tribunal baixaria assento que teria força de lei. Todavia, como ressalta Barbosa Moreira: “Tal sistemática foi criticada em sede doutrinária, antes de mais nada, por inconstitucional. A comissão revisora sugeriu a supressão de todo o capítulo, entendendo que, a manter-se a eficácia vinculativa dos assentos, o futuro Código se poria em contraste com a Constituição da República (viria a ser preciso emendá-lo para consagrar a chamada “súmula vinculante”); e, a eliminar-se tal eficácia, quase nenhum alcance prático teriam – como de fato vem acontecendo – as disposições relativas à uniformização da jurisprudência. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. V. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 7) . Vide também: GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual civil. São Paulo: José Bushatsky, 1974, p. 138 e 145.

Veja-se que a ideia de edição de enunciado de súmula corrobora o entendimento aqui exposto114. Diz o art. 479 do CPC que o julgamento sobre o incidente constituirá precedente

que, como dito, terá eficácia persuasiva.

Também houve, inclusive, tentativa de alteração do incidente de uniformização de jurisprudência, para que ele servisse de precedente a ser observado pelos magistrados nos casos futuros. Isso ocorreu por meio do PL 3.804/1993115, elaborado pelo IBDP. Houve a aprovação do projeto na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania, bem como aprovação de da emenda 2 de autoria do Dep. Flávio Dino. Posteriormente a isso esse projeto foi apensado ao PL 6.025/2005, junto com outros projetos, que foram agora apensados ao PL 8.046/2010. A ideia, que ainda não saiu do papel era dar maior efetividade a esse instituto.

Por fim, acrescente-se também outro fator que corrobora para a baixa eficácia do instituto: o momento na qual o incidente é suscitado, pois ao magistrado é dado solicitar o incidente por ocasião do proferimento de seu voto, ou seja, quando o julgamento da demanda já está terminando116. Nesse momento é melhor a ele já proferir seu voto ao invés de suscitar o incidente.

114 A edição de súmula, todavia, está condicionada ao quórum de aprovação da interpretação da quaestio juris. A

maioria absoluta do colegiado deve ter a interpretação num mesmo sentido para a edição da Súmula, conforme prevê o art. 188 do Regimento Interno do TJ-SP, art. 102, § 1º do Regimento Interno do STF e art. 122, § 1º do Regimento Interno do STJ

115 Art. 1º Os dispositivos a seguir enumerados, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo

Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 478. O tribunal ou órgão competente, reconhecendo a divergência e após ouvido o Ministério Público, dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir seu voto fundamentadamente. Parágrafo único. Quando adotada pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal ou o órgão competente, a interpretação será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.

Art. 479. Quando várias ações envolverem a mesma questão de direito, o relator, de ofício, a requerimento da parte ou Ministério Público, ou qualquer juiz, por ocasião do julgamento, poderá propor o pronunciamento prévio do tribunal ou do órgão competente a respeito dessa questão. § 1º Acolhida a proposição, serão suspensos os processos pendentes no tribunal e relativos à mesma questão de direito, fazendo-se comunicação aos seus órgãos. § 2º Findo o prazo de quinze dias para manifestação do Ministério Público, será designada data para o julgamento. § 3º Quando adotada a decisão pelo voto da maioria absoluta dos membros do órgão competente, este fixará em súmula o entendimento a ser observado, por seus órgãos, em todos os julgamentos relativos a idêntica questão de direito. § 4º Sumulada a tese: a) será defeso, aos órgãos de qualquer grau de jurisdição, subordinados ao tribunal que proferiu a decisão, a concessão de liminar que a contrarie; b) cessará a eficácia das liminares concedidas; c) o recurso contra a decisão que contrarie a súmula terá sempre efeito suspensivo; d) nos processos pendentes e nos posteriores, com pretensão fundada na tese da súmula, poderá ser concedida a antecipação da tutela, prosseguindo o feito até final julgamento.”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

116 “[...] deve admitir-se que, na vigência do CPC de 1939, o Prejulgado não teve sucesso. Entre os motivos para

explicar seu parco uso, deve ser apontado o próprio desdobramento do julgamento, que complica sobremaneira seu procedimento”. Mais a frente, ao tratar do incidente previsto no CPC de 1973 destaca a autora que “[...] permanecem no instituto regulado pelo novo código os defeitos procedimentais que dificultaram sobremaneira a difusão do Prejulgado de 1939, com a agravante de que a oportunidade para a