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Bloco de constitucionalidade e supremacia material: fundamentos de ampliação do parâmetro de controle constitucional

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SUEINE PATRÍCIA CUNHA DE SOUZA

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E SUPREMACIA MATERIAL:

fundamentos e ampliação do parâmetro de controle constitucional Dissertação de Mestrado

Recife 2012

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SUEINE PATRÍCIA CUNHA DE SOUZA

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E SUPREMACIA MATERIAL:

fundamentos de ampliação do parâmetro de controle constitucional Dissertação de Mestrado

Recife 2012

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SUEINE PATRÍCIA CUNHA DE SOUZA

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E SUPREMACIA MATERIAL:

fundamentos de ampliação do parâmetro de controle constitucional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de Concentração: Estado,

Constitucionalização e Direitos Humanos

Linha..de..pesquisa:. Jurisdição e Processos

Constitucionais

Orientador: Prof. Dr. Francisco Ivo Dantas Cavalcanti.

Co-orientador: Sérgio Torres Teixeira

Recife 2012

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832

S729b Souza, Sueine Patrícia Cunha de

Bloco de constitucionalidade e supremacia material: fundamentos e ampliação do parâmetro de controle constitucional / Sueine Patrícia Cunha de Souza. – Recife: O autor, 2012.

153 f.

Orientador: Francisco Ivo Dantas Cavalcanti.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2013.

Inclui bibliografia.

1. Direito constitucional - Interpretação e construção. 2. Estado. 3. Controle da constitucionalidade. 4. Direitos humanos. 5. Direito internacional público e direito interno. 6. Tratados. 7. Direitos fundamentais. 8. Estado de direito. 9. Constituições. 10. Direito - Filosofia. 11. Brasil. Supremo Tribunal Federal. 12. Direito comparado. I. Cavalcanti, Francisco Ivo Dantas (Orientador). II. Título. 342 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2013-035)

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“Bloco de Constitucionalidade e Supremacia Material: Fundamentos e Ampliação do Parâmetro de Controle Constitucional.”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciência Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco PPGD/UFPE, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito. Orientador: Dr. Francisco Ivo Dantas Cavalcanti.

A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro, submeteu o candidato à defesa em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes termos:

MENÇÃO GERAL: ____________________________________________________ Prof. Dr. Sergio Torres Teixeira (Presidente/UFPE)

Julgamento: ________________________ Assinatura:__________________________ Prof. Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo Carneiro da Cunha(1º Examinador interno/UFPE)

Julgamento: ________________________ Assinatura:__________________________ Prof. Dr. André Vicente Pires Rosa (2ºExaminador externo/UFPE)

Julgamento: ________________________ Assinatura:__________________________ MENÇÃO GERAL:______________________________________________________

Recife, 07 de fevereiro de 2013.

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Aos meus pais, por tudo que representam em minha vida, por todo amor e carinho que me deram.

Aos meus queridos irmãos, Diego e Davi, por realmente darem significado ao termo fraternidade.

À minha querida avó Margarida, por ser um dos maiores modelo de amor ao próximo e de compaixão que tive o prazer de conhecer.

Ao meu amor, que me acompanha desde os tempos de universitária.

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AGRADECIMENTOS

Foi uma longa jornada, mas, ao mesmo tempo, gratificante, até a possibilidade de apresentação final desta dissertação.

Primeiramente, sem medo de cair em lugar-comum, agradeço a Deus por me permitir a vida e iluminar o meu caminho.

Além das dificuldades comuns a todos os alunos de pós-graduação, tive um obstáculo um pouco maior ao assumir um cargo público bastante distante da capital e com a biblioteca pública mais próxima apenas em outro estado, o que, apesar de dificultar meu acesso aos livros, fomentou a minha dedicação e desempenho para realizar um bom trabalho.

Por isso, sou extremamente grata ao bibliotecário Saulo da Universidade Regional do Cariri, que muito me auxiliou na pesquisa bibliográfica, assim como meus companheiros de trabalho que me ajudaram com empréstimos de importantes livros.

À minha amiga Isabella, por toda dedicação e cooperação que teve comigo na faculdade e no mestrado.

Aos meus pais, Dilson e Sueli, e ao meu irmão Davi, que além do apoio emocional, me forneceram toda a estrutura logística para conseguir chegar até a banca final. Vocês são preciosos em minha vida!

Ao meu querido Roberto, que escutou tranquilamente todas as minhas ideias e desabafos no decorrer da escrita do presente trabalho e por todo o “colorido” que dá em minha vida.

Às bibliotecárias do Senado Federal pela ajuda na pesquisa bibliográfica.

A todos que me ajudaram de diversas maneiras, ainda que nem tenham se dado conta da sua contribuição.

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RESUMO

SOUZA, Sueine Patrícia Cunha de. Bloco de constitucionalidade e supremacia material: fundamentos de ampliação do parâmetro de controle constitucional.2012.153 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/ FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.

A constituição, norma de maior hierarquia no ordenamento jurídico, contém os dispositivos fundamentais de um Estado, como a estrutura de Poder e sua limitação. Para proteger a constituição, o próprio ordenamento forneceu instrumentos de jurisdição constitucional, no qual se destaca o controle de constitucionalidade. Logo, a delimitação do que se considera como contido na constituição, como também a interpretação das próprias normas que se considera de valor constitucional, é fundamental para o ordenamento jurídico. A este conjunto das normas que possuem status constitucional, incluindo não só a literalidade da constituição, mas também os princípios e outras normas consagradoras de direitos individuais e coletivos, ainda que não pertencentes ao texto constitucional, foi reservada a nomenclatura de bloco de constitucionalidade. Essa teoria surgiu no ordenamento francês como resultante da ampliação, pela corte constitucional, do conceito de constituição, permitindo a inclusão de outras normas que constavam no preâmbulo da constituição vigente e também das normas que o mesmo fazia referência. No Brasil, sua importância surgiu com a possibilidade de inclusão de normas de direitos humanos contidas em tratados internacionais. Essa teoria consagra, portanto, os direitos subjetivos como formal e materialmente constitucionais, podendo ser estes, portanto, parâmetros de controle. Todavia, há críticas de que a referida teoria pode significar um esvaziamento retórico do que se considera constituição como também ampliar, de forma não legítima, a atuação do juiz constitucional. No Brasil, também é incipiente o seu debate, necessitando que o seu conceito e alcance sejam melhor delineados.

Palavras-chave: bloco de constitucionalidade, direitos fundamentais, constituição, controle de constitucionalidade.

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ABSTRACT

SOUZA, Sueine Patrícia Cunha de. Block of constitucional and material supremacy: extension´s fundamentals of constitutional control´s parameter.2012.153p. Dissertation (Master´s Degree of Law) – Programa de Pós Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/ FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.

The constitution, regarded as the highest standard in the legal hierarchy ,contains the fundamental provisions of a State, as the power structure and its limitation. To protect the constitution the order itself provided the tools of constitutional jurisdiction, which highlights the constitutionality control. Therefore, the definition of what counts as contained in the constitution as well as the interpretation of the standards of what is considered constitutional value is fundamental to the legal system. This set of standards that have constitutional status, including not only the literal meaning of the constitution, but also the principles and other standards that consecrate individual and collective rights, though not belonging to the constitutional text, the nomenclature has been reserved block of constitutionality. This theory emerged in the French land as a result of enlargement, by the constitutional court, the concept of constitution, allowing the inclusion of other standards. In Brazil, its importance has come up with the possibility of inclusion of human rights standards contained in international treaties. This theory, therefore, consecrates subjective rights as formal constitutional and materially, may be these, therefore, control parameters. However, there are critics that such theory can mean a rhetorical emptiness of what is considered constitution and also expand so as not legitimate way the judge´s constitutional rule. In Brazil it is also its incipient debate, requiring that its concept and scope are better delineated.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...12

1. A TEORIA DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E A MATERIALIDADE DAS NORMAS.CONSTITUCIONAIS ...19

1.1 Bloco de constitucionalidade e constituição...19

1.2 Constituição: a pluralidade de conceitos...24

1.3 Constituição em sentido formal e em sentido material...29

1.4 Constituição como sistema normativo de regras e princípios...35

1.4.1 Considerações acerca da distinção entre regras e princípios...37

1.5 Bloco de constitucionalidade, constituição e normas materialmente constitucionais...41

2. A SUPREMACIA DAS NORMAS DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE ...43

2.1 Supremacia e força normativa da constituição...43

2.2 Supremacia constitucional: supralegalidade e supremacia material...44

2.3 A supremacia das normas constitucionais e sua garantia jurisdicional: o controle de constitucionalidade...47

2.4 Supremacia das normas do bloco de constitucionalidade...55

3. O SURGIMENTO DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE ... 61

3.1 Conceito: do bloco de legalidade ao bloco de constitucionalidade...61

3.2 Origem do bloco de constitucionalidade...66

3.3 Contexto de surgimento do bloco de constitucionalidade: o constitucionalismo francês...69

3.3.1 Notas sobre o constitucionalismo francês: da revolução burguesa à Constituição de 1958...70

3.3.2 Criação e estrutura do Conselho Constitucional...74

3.4. Componentes do Bloco de Constitucionalidade na França...77

3.5 Considerações sobre o bloco de constitucionalidade francês como incentivador de uma interpretação judicial criativa...80

(11)

4. O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE ÍTALO-ESPANHOL ... 86

4.1 O bloco de constitucionalidade no direito estrangeiro...86

4.2 Bloco de constitucionalidade na Espanha...88

4.3 Bloco de constitucionalidade na Itália...92

4.2.1 As sentenças manipulativas italianas como propulsora de uma atuação ativa da jurisprudência...93

4.1.2 As normas interpostas...96

5. BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO: A APROXIMAÇÃO DA VERTENTE FORMAL E MATERIAL ... 103

5.1 Desenvolvimento do bloco de constitucionalidade no Brasil...103

5.1.2 Perspectiva material do bloco constitucional brasileiro...107

5.1.2 Perspectiva formal do bloco constitucional brasileiro...109

5.2 Componentes do bloco de constitucionalidade no Brasil...111

5.2.1 Os princípios constitucionais...113

5.2.2 O valor do preâmbulo constitucional brasileiro...117

5.2.3 O Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)...121

5.2.4 Os tratados internacionais sobre direitos humanos...124

5.3 A teoria do bloco de constitucionalidade como fundamentadora da ampliação do parâmetro de controle constitucional brasileiro...130

6. CONCLUSÃO ... 138

(12)

INTRODUÇÃO

O Estado moderno é a raiz histórica em que repousa o nosso atual Estado Democrático de Direito, marcado pela supremacia da constituição, separação e limitação dos poderes, garantia dos direitos individuais e sociais e o respeito à democracia. Conforme Abreu Dalari, o Estado Democrático implica a “afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e funcionamento do Estado tendo em vista a

proteção daqueles valores”1.

Contudo, o Estado Moderno nasceu absolutista. O rei era considerado o representante de Deus na terra, tendo inúmeros poderes de governança e a irresponsabilidade pelos seus atos, não havendo nítida distinção entre a figura do rei e do próprio estado.

Diante dos abusos de poder cometidos pelo poder estatal, foi surgindo no seio da sociedade medieval o anseio pela limitação do poder e a consagração da liberdade individual, a exemplo da Magna Charta Libertatum, outorgada na Inglaterra no século XIII, na qual os barões ingleses obrigaram o Rei João Sem Terra a assiná-la, jurando obedecê-la e aceitando as

limitações dos seus poderes2. Este documento, apesar de ter servido para assegurar aos nobres

ingleses alguns privilégios feudais, como explica Ingo Sarlet3, serviu como referência para

alguns direitos clássicos, tais como o devido processo legal, o direito à propriedade e o habeas corpus.

Outros instrumentos foram sendo editados para tutelar os direitos individuais, como o petition of right (1628) e o bill of rights (1689) que, para Uadi Lammêgo Bulos4, funcionaram como verdadeiras constituições não escritas e prenunciaram os pilares do constitucionalismo moderno, com a consequente valorização da garantia do direito em documentos escritos.

Porém, é com os movimentos jurídicos e sociopolíticos do século XVIII que o constitucionalismo moderno adquire consistência, em especial em decorrência da Revolução

francesa5, que derruba a monarquia e a nobreza dominantes para impor os ideais burgueses de

liberdade, igualdade e fraternidade, garantidos por uma constituição escrita6.

1 DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 54. 2 Op.cit. p. 72.

3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012,

p. 41.

4 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 70. 5 Op.cit.p.69-71.

(13)

Segundo Jorge Miranda7, é com o século XVIII que vai se encarar a constituição como um conjunto de regras jurídicas definidoras das relações do poder político, do estatuto de governantes e de governados, que corresponderia ao alcance inovador do constitucionalismo moderno.

Apesar da importância dos documentos que proclamavam uma limitação do poder estatal existente antes dos movimentos do século XVIII, esses careciam da necessária supremacia e estabilidade, não vinculando o parlamento e o poder estatal de forma efetiva. Por essa razão, é que, especialmente, a revolução burguesa e a independência das colônias inglesas na América do Norte foram fundamentais para constitucionalização do direito, baseada na limitação do poder e garantia dos direitos individuais.

A revolução burguesa traz consigo a ideia de constituição como fruto de um poder constituinte fundamentado no anseio do povo. O abade francês Sieyès, em sua obra intitulada “Que´est-ce que le Tiers État?”, durante o referido período revolucionário, caracteriza o poder constituinte como sendo decorrente da vontade de uma nação e seria incondicionado e limitado, capaz de inserir uma nova ordem por meio de uma constituição.

Assim, com a eclosão da Revolução Francesa, é editada em 1789 a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, sendo seguida da efêmera constituição de

1791, que é considerada a primeira constituição formal europeia8. Este primeiro diploma vai

afirmar em seu art.16 que “qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. Ou seja, a Lei Maior que não dividisse o poder nem outorgasse direitos, reduzindo o arbítrio estatal, não

poderia ser concebida como tal9.

Paralelamente, as colônias inglesas na América do Norte, impulsionadas por uma revolução separatista, também influenciada pela Revolução Francesa, tornam-se independentes da Inglaterra e promulgam a constituição escrita dos Estados Unidos da América em 14 de setembro de 1787, instituindo o federalismo e a rígida separação dos poderes.

A partir do constitucionalismo moderno, então, a palavra constituição adquiriu o sentido de ato legislativo escrito, dotado de superior hierarquia, “responsável pelo

delineamento das vigas-mestra do Estado”10.

7 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 319. 8 TAVARES, André Ramos. Op. cit. p. 35.

9 AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 36. 10 Op. cit. p. 71-72.

(14)

Os princípios e os direitos existentes passaram a serem positivados em um documento escrito, dotado de valor supremo, sendo limitadores do poder e estruturadores do Estado. Nos dizeres de Ceneviva, a constituição “integra o fenômeno estatal historicamente determinado, em nível de direito, pois corporifica o modo e a forma de exercício de autoridade e seus limites”11.

Assim, como bem sintetiza Barroso: “Das origens até os dias de hoje, a ideia de Constituição – e do papel que deve desempenhar – percorreu um longo e acidentado

caminho”12.

De fato, a Constituição e também o constitucionalismo foram sendo influenciados de acordo com a postura jurídica e político-social que se descortinava na sociedade. De uma hermenêutica programática, escorada em uma carga meramente principiológica das normas constitucionais a uma constituição impositiva, com abertura de direitos e normativamente densa que, atualmente, faz-se presente na maioria do constitucionalismo ocidental, o papel da constituição e dos meios que lhe asseguram são continuamente repensados.

Nas lições de Canotilho13, diferentemente da teoria tradicional, atualmente a

constituição é uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia:

lei constitucional não é apenas — como sugeria a teoria tradicional do Estado de direito — uma simples lei incluída no sistema ou no complexo normativo-estadual. Trata-se de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia — supremacia da constituição.

Neste sentido, a força normativa da constituição foi sendo assentada no princípio da supremacia constitucional, entendido, na sua dimensão formal, que a constituição é norma hierarquicamente superior de um ordenamento, devendo as demais normas estarem de acordo com sua disposição e, na dimensão material, na qual os valores magnos de uma comunidade e do estado são englobados no seu conceito, devendo haver respeito ao seu conteúdo.

Como dimensão formal da constituição, entendida como supralegalidade, significa a obediência à posição hierárquica da constituição. Dessa afirmação, vai resultar que as normas que colidam com as disposições constitucionais sejam retiradas do ordenamento jurídico. De fato, “as normas constitucionais, em qualquer sistema regular, são as que têm o máximo de eficácia, não sendo admissível a existência, no mesmo Estado, de normas que com elas

concorram em eficácia ou que lhes sejam superiores”14.

11 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 12.

12 BARROSO, Luís Roberto .Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a

construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 84.

13 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 360. 14 DALARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. p. 74.

(15)

Neste sentido, uma maneira de se garantir a observância dos preceitos constitucionais é pelo controle de constitucionalidade, um instrumento essencial de garantia, pois elimina do ordenamento normas que são contrárias à Constituição, representando ferramenta de essencial importância na interpretação da mesma.

O controle de constitucionalidade das leis, que tem sido alvo de diversas pesquisas que procuram situar os precedentes históricos desse instituto, representa grande passo na evolução do constitucionalismo moderno, sendo corolário da supremacia constitucional, fundamento para defesa da constituição15.

A supralegalidade ainda tem como pressuposto ou princípio correlato que haja um processo solene e mais dificultoso para alterar a constituição – princípio da rigidez constitucional, uma vez que se qualquer norma ordinária pudesse alterar suas disposições estaria afrontada a supremacia constitucional. Por isso, Ivo Dantas vai associar o controle de constitucionalidade ao estado de direito, para ele “o controle de constitucionalidade – do qual entre nós, resultam a declaração de inconstitucionalidade e declaração de constitucionalidade – representa um dos pilares fundamentais na defesa do Valor da Constituição e, em

consequência, do denominado Estado de Direito (...)16.

Assim, da dimensão formal da constituição, é possível observar que ela será composta por duas características: superioridade hierárquica no ordenamento jurídico e imutabilidade relativa (rigidez) das suas normas. E, para se garantir que sejam respeitados os referidos

atributos, será utilizado o controle de constitucionalidade, que concretizará a posição à constituição como parâmetro de controle, ou seja, modelo a ser obedecido pelas demais

normas inferiores.

De outro lado, a dimensão material da constituição representa a valorização de normas que contenham aspectos sobre a estrutura fundamental do estado e na consagração de direitos individuais e sociais. Diferentemente da supralegalidade, na ótica material. o foco não é a forma ou o status, mas sim a substância (conteúdo) trazida nas normas constitucionais.

Neste contexto, surge a indagação se há possibilidade de que nem todas normas de cunho supremo estejam contidas no texto escrito da constituição. Seriam sempre a dimensão formal e material presentes em uma norma constitucional? Seria o conceito de constituição restrito ao seu aspecto formal? Seria possível estender o conceito de constituição além do seu corpo normativo escrito? Uma norma que viole um conceito de valor constituição não constante na constituição escrita poderia ser parâmetro de controle?

As respostas a essas perguntas dependerão da corrente adotada no ordenamento jurídico sobre o conjunto de normas consideradas de valor constitucional, que veio a ser

15 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense,1984, p. 3. 16 DANTAS, Ivo. Instituições de Direito Constitucional brasileiro. Vol. I. Curitiba: Juruá, 1999, p. 172.

(16)

denominada como bloco de constitucionalidade. Por essa concepção, bloco de constitucionalidade poderá ser entendido no conceito de constituição e, consequentemente, como parâmetro de controle, normas dotadas de supremacia material, mesmo que não dotadas de supralegalidade. Ou seja, normas não contidas na constituição escrita (que possui reconhecida supralegalidade) podem vir a ser parâmetro de controle. Porém, o bloco de constitucionalidade também pode ser entendido em uma visão mais restrita, formado apenas pelas normas constantes na constituição formal.

Assim, o conceito de bloco de constitucionalidade nos levanta o questionamento de qual será, portanto, o paradigma de controle para retirar do ordenamento normas que violem não apenas as formalmente constitucionais, mas também as materialmente constitucionais? Em que nível tal teoria está relacionada à supremacia da constituição?

Como considera o Supremo Tribunal Federal17, o bloco de constitucionalidade

projeta-se para além das normas constitucionais meramente escritas, extrapolando a Constituição formal, formando um todo unitário vocacionado a desenvolver os postulados e preceitos inscritos na Lei Fundamental:

(...) elaboração teórica do conceito de bloco de constitucionalidade (ou de parâmetro constitucional), cujo significado - revestido de maior ou de menor abrangência material - projeta-se, tal seja o sentido que se lhe dê, para além da totalidade das regras constitucionais meramente escritas e dos princípios contemplados, explicita ou implicitamente, no corpo normativo da própria Constituição formal, chegando, até mesmo, a compreender normas de caráter infraconstitucional, desde que vocacionadas a desenvolver, em toda a sua plenitude, a eficácia dos postulados e dos preceitos inscritos na Lei Fundamental.

Deste modo, o bloco de constitucionalidade (no sentido amplo) surge como teoria que pretende somar ao texto constitucional princípios e outras regras materialmente constitucionais como também sendo paradigmas de controle.

Kildare Carvalho dispõe que “o bloco de constitucionalidade traduz a ideia de unidade e solidez, e se refere ao conjunto de princípios e regras não inscritos na Constituição, situados no mesmo nível da Constituição, portanto, de valor constitucional, cujo respeito se impõe à

lei, e que não podem ser divididos”18.

Enquanto que Juliano Bernandes ressalta a característica do bloco de constitucionalidade como sendo “o conjunto de elementos normativos dotados de características que lhes asseguram supremacia constitucional, seja a do tipo material, seja a da

espécie formal”19.

1717 Brasil, Supremo Tribunal Federal, ADIN 595/ES, Rel.Ministro Celso de Mello,2002.

18 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 41.

19 BERNADES, Juliano Taveira, ALVES FERREIRA, Olavo Augusto. Direito constitucional. Tomo I.

(17)

Assim, o alcance dado ao bloco de constitucionalidade depende da posição adotada pelo sistema jurídico na interpretação da constituição, motivo que se faz necessário o estudo do paralelo da compreensão do teor da constituição e do que se considera como integrante deste bloco. Como bem ressalta Muñoz Navarro, o bloco de constitucionalidade vai sendo moldado de acordo com o país ao qual está sendo integrado:

“concepto que cada país va integrando a su ordenamento jurídico, dependendo de lo que establezca su próprio texto constitucional y lo que van determinado a través de interpretación y llevar a cabo el control constitucional”20

Por essa razão, objetivando responder o que seria o bloco, sua relação com a supremacia da constituição e sua importância para ampliação do parâmetro de controle constitucional, o presente trabalho foi dividido em 5 (cinco) capítulos.

No capítulo inaugural “A teoria do bloco de constitucionalidade e a materialidade das normas constitucional”, será trazida a fundamentação teórica que permite sustentar o bloco de constitucionalidade.

Se é afirmado que o seu conceito representa um conjunto normativo de nível constitucional, é necessário, portanto, analisar qual o conceito de constituição, a sua composição e se o mesmo permitiria tal alargamento. Afinal, seria norma constitucional apenas as contidas na constituição escrita? Ou a constitucionalidade da norma é vista sob a ótica da materialidade dos seus preceitos?

Com o objetivo de responder a esses questionamentos que fornecerão requisitos essenciais para que se sustente o bloco de constitucionalidade, será realizada uma busca do significado da constituição, a indagação da sua composição e a diferenciação entre as suas vertentes principais – a Constituição formal e a Constituição material.

A constituição, como será visto, estabelece as normas que norteiam a unidade política, regulam os conflitos das unidades internas, separa as competências políticas e assegura direitos. Por isso, compreender que ela não é apenas um texto, pois tem força jurídica, e que possui uma pluralidade de conceitos, esclarecerá o fundamento para se reconhecer força normativa e valor constitucional a normas não escritas do texto, o que baseará de forma mais clara a aplicação do bloco de constitucionalidade.

No capítulo subsequente (capítulo 2), “A supremacia das normas do bloco de constitucionalidade”, tendo já compreendido melhor o significado, característica da constituição e a possibilidade de que o seu conceito não seja restringido apenas às normas englobadas na constituição escrita, será reforçado como o bloco de constitucionalidade

20 MUÑOZ NAVARRO, José de Jesús. El bloque de constitucionalidad como parámetro del control

(18)

representa uma valorização da supremacia material da constituição e como o seu papel de parâmetro de controle pode significar uma ampliação da constituição para direitos materialmente constitucionais.

A supremacia da constituição, para Hans Kelsen, seria decorrente pelo fato que, em um sistema escalonado, no qual as normas adquirem seu fundamento de validade em outra norma superior, a constituição ocuparia a posição máxima no sistema. O autor raciocina que o ordenamento jurídico não é um conjunto caótico de normas, mas sim escalonado, no qual “a norma fundamental hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora”. Esse ponto de vista ressalta a visão mais formalista sobre a supremacia, consubstanciando-se na supralegalidade constitucional, como expomos anteriormente.

Todavia, a noção da supremacia apenas pela supralegalidade impediria que se permitisse a realização do controle de constitucionalidade, nos moldes admitidos ordinariamente nos países, de normas não constantes nas constituições escritas e rígidas. Com isso, a compreensão do bloco de constitucionalidade (ampla concepção) seria sem sentido, pois não se reconheceria a possibilidade da sua função como parâmetro de controle.

Desta forma, compreender que a supremacia também possui uma vertente substancial, na qual se ressalta a importância dos preceitos comumente trazidos ao texto constitucional que, essencialmente, referem-se ao núcleo do poder e aos direitos fundamentais, permitirá que se entrelacem os conceitos do bloco e da supremacia material para permitir que certas normas “extraconstitucionais”, isto é, não trazidas na constituição formal, possam ser parâmetro de controle.

Por essa razão, após as considerações sobre a constituição, tratou-se do conceito de supremacia, tendo assim conclusões e fundamentos essenciais para sustentar uma teoria que pretende englobar no conceito de constituição de um ordenamento, um conjunto de normas de valor constitucionais, estejam ou não positivadas.

No terceiro capítulo, denominado “O surgimento do bloco de constitucionalidade francês”, será exposto o significado e a origem do bloco de constitucionalidade, focando-se no seu desenvolvimento no Estado francês. Nesse capítulo, a origem do bloco de constitucionalidade será destrinchada para que se perceba como foi originalmente concebido e porque ao ser adotado em outros países terá uma concepção um pouco mais distinta. Por essa razão, busca-se analisar o contexto do constitucionalismo francês que resultou na posição do Conselho francês em alargar o que estaria contido no conceito de constituição. Com isso, pretende-se apreender considerações imprescindíveis para o entendimento da teoria e sua aplicação em determinado ordenamento jurídico.

(19)

No quarto capítulo, “O bloco de constitucionalidade ítalo-espanhol”, será feita uma breve análise no bloco de constitucionalidade na Espanha e na Itália, com o intuito de demonstrar como a incorporação da teoria adquire contornos diferentes de acordo com o sistema constitucional ao qual é inserida. Nesses dois países, apesar de algumas diferenças, o bloco de constitucionalidade não terá a mesma carga axiológica como o visualizado na França.

No bloco ítalo-espanhol, será observado com maior destaque uma função essencial do bloco de constitucionalidade, que é ser parâmetro de controle, motivo que foi trazido nesse trabalho para que se melhor visualize, primeiramente, a relação do bloco com o controle de constitucionalidade, concretizada pela sua função como parâmetro de controle, e porque o impacto da teoria pode ser mitigada em determinados ordenamentos.

Na oportunidade do estudo do bloco na Itália, traremos os institutos da norma constitucional interposta, que terá aplicação excepcional no contexto brasileiro e nos mostrará a diferença da supralegalidade com posição hierárquica superior à legislação ordinária. Com isso, teremos subsídios para notar que no bloco brasileiro, o conceito de supralegalidade adotado pelo Supremo Tribunal Federal para os tratados internacionais sobre direitos humanos não aprovados como emendas constitucionais, também pertencentes a bloco, corresponderá, em realidade, a uma aproximação de norma constitucional interposta.

Por fim, tendo sido estudados o conceito, a origem, os fundamentos e os principais aspectos relacionados à teoria do bloco de constitucionalidade, buscou-se analisar no capítulo final, “Bloco de constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro”, o seu conteúdo e desenvolvimento no Brasil.

Neste último capítulo, visualizar-se-ão de maneira mais concreta as duas vertentes principais em que o bloco de constitucionalidade pode ser estudado – a processual e a material –, o que as tornará mais relacionadas. Com essa aproximação, será possível verificar como o conceito de supremacia não é apenas relacionado ao controle de constitucionalidade, mas sim liga-se ao aspecto substancial da norma, permitindo perceber como esta teoria, na medida em que foca as normas de índole constitucional, pode fundamentar uma ampliação das normas possíveis de serem parâmetro de controle.

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1. A TEORIA DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE E A MATERIALIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

1.1 Bloco de constitucionalidade e constituição

O bloco de constitucionalidade é decorrente de uma hermenêutica judicial a qual objetiva que o conteúdo da constituição de determinado ordenamento também abranja, a par das normas de estrutura e organização do poder, princípios e regras materialmente constitucionais, em especial os direitos fundamentais.

Ou seja, essa teoria pretende que o ordenamento jurídico reconheça valor constitucional às normas que trazem em seu conteúdo assuntos referentes ao poder, limitação de competências, estabelecimento de direitos fundamentais e outras matérias comumente consideradas como materialmente constitucionais.

Apesar do seu conceito e origem serem mais bem tratados em capítulo posterior, é importante adiantar que o bloco de constitucionalidade representa uma corrente que valoriza a substância das normas, reconhecendo sua supremacia, ainda que formalmente não sejam dotadas da mesma. Em outras palavras, a referida teoria prega que normas, independentemente de estarem escritas ou contidas no texto da constituição federal, são englobadas pelo conceito de “constituição” diante dos valores que abarcam.

Foi o que ocorreu na França, por exemplo, onde o Conselho Constitucional entendeu que o preâmbulo da Constituição de 1946, que antecedeu a atual magna carta francesa, faria parte da constituição. O motivo que incentivou a decisão é que o referido preâmbulo é repleto de direitos e garantias fundamentais não abarcados no sintético texto da constituição de 1958.

Não obstante, dedica-se alhures uma análise mais detida do bloco de constitucionalidade francês, este exemplo nos demonstra que o bloco de constitucionalidade representa um conjunto de normas constitucionais que ultrapassam a barreira do formalismo. E, ainda mais, a consideração ou o reconhecimento desse bloco de normas de índole constitucionais, além, obviamente, do próprio texto constitucional, que por si só corresponde ao núcleo central do bloco por ter incontestável supremacia, é realizado mediante interpretação dos tribunais ou cortes constitucionais.

Por essa razão, afirma-se no parágrafo inaugural que o bloco de constitucionalidade decorre de uma hermenêutica judicial, uma vez que valoriza o papel do juiz constitucional na fixação do parâmetro constitucional, isto é, nas normas de valor constitucional que servem de referência para a legislação inferior.

(21)

É por isso que Martinez-Villaba21 extrai que da aplicação do bloco de constitucionalidade pelo tribunal constitucional a própria hermenêutica seria redimensionada:

De la noción de "bloque de constitucionalidad" pergeñada por el Tribunal Constitucional, podemos extraer abundantes y trascendentales consecuencias jurídicas. Primero en el campo meramente doctrinal, para el operador de la Constitución el conceptoocasiona un redimensionamiento de la hermenéutica jurídica. Luego, bien entendida la noción, ésta termina elevando al estatus constitucional a los tratados de derechos humanos y a algunas otras normas jurídicas del derecho interno (p. 235).

Decorrente do aspecto mais formal do bloco, isto é, da sua função como parâmetro de controle, o mesmo pode ser estudado em uma vertente mais processual, como será visto no bloco ítalo-espanhol.

Dessa maneira, mesmo que se considere que as normas alçadas no bloco de constitucionalidade, juntamente com a constituição, foram nele incluídas por disposição expressa da própria magna carta, o aspecto fundamental dessa corrente formalista é verificar a possibilidade dessas normas serem parâmetro de controle constitucional, isto é, de invalidarem a legislação inferior que lhes é contrária.

Assim, percebe-se de imediato que o bloco de constitucionalidade pode ser estudado em dois sentidos. O primeiro sentido é mais axiológico e tem como ponto central a substância trazida pelas normas, que podem conter regras e princípios materialmente constitucionais. Por essa vertente, foca-se na possibilidade de reconhecimento de status constitucional a normas pelo seu conteúdo, independentemente de estarem contidas no texto constitucional.

Por outro lado, a segunda acepção visualiza o bloco de constitucionalidade em um aspecto mais pragmático, na sua função como norma de referência no controle de constitucionalidade, possuindo assim poder para fundamentar a invalidação da legislação inferior que lhe é contrária.

Ambas correntes não são excludentes, afinal, sustentar que uma norma é dotada de supremacia constitucional diante do valor do seu conteúdo também irá implicar que a mesma é parâmetro de controle. De modo semelhante, as normas, que são parâmetros de controle, são também, ao mesmo tempo, normas constitucionais, ainda que a sua índole constitucional tenha sido reconhecida não pela formalidade, mas sim pela sua substância. Porém, é importante alertar: não se pode afirmar completamente que a recíproca é adequada. Como se verá melhor no bloco de constitucionalidade na Itália e na Espanha, esses países considerarão que determinadas normas são parâmetros de controle, não obstante não possuírem o mesmo status da constituição. No Brasil, teremos normas formalmente constitucionais, mas que não

21

MARTINEZ-VILLABA, Juan Carlos Riofrío. EL bloque de constitucionalidade pergeñado por el tribunal constucional. Revista de Derecho, Equador, UASB, n. 06, p. 227-244, 2006.

(22)

poderão ser invocadas como parâmetro no controle, como será estudado no tópico dos atos de disposições constitucionais transitórias.

Por conseguinte, percebe-se que sustentar a existência do bloco de constitucionalidade, em ambas as acepções, exige que se discorra sobre o que é constituição, o que seria uma norma materialmente constitucional e se é possível a existência de normas constitucionais não constantes no corpo normativo da Lei Maior.

Afirmar que o bloco de constitucionalidade é composto por normas que, mesmo não sendo formalmente constitucionais, possuem status constitucional por serem materialmente constitucionais, está se alegando que há uma diferença entre o que é formal e o que é materialmente constitucional. Igualmente como também está se asseverando que aquilo que se entende como de valor constitucional é construído pela interpretação judicial.

Tal hermenêutica pressupõe, de um lado, a abertura substancial da constituição e, de outro, uma visão moderna do controle tratado como referência o significado extraído das normas e não a literalidade do texto. Neste último caso, no exercício do controle de constitucionalidade, a corte ou o tribunal constitucional revela importante função na interpretação e fixação do significado de suas normas constitucionais.

Nesse mesmo rumo, sustentar que determinada norma pertence ao bloco de constitucionalidade e com isso a legislação inferior deve guardar compatibilidade vertical está se arguindo que essa norma possui supremacia em relação a outras normas do ordenamento jurídico. Por possuir supremacia é que essa norma pode ser considerada como parâmetro de controle. Afinal, parâmetro de controle é aquela norma tida como referência para controle de outras inferiores que, caso a contrariem, devem se extirpadas do ordenamento.

Por essa razão, uma análise sobre o que é constituição, a possibilidade da mesma englobar novos preceitos e o que seria norma materialmente constitucional é feita no presente capítulo.

Já o que seria supremacia e se há possibilidade de que normas não formalmente constitucionais a detenha é tratado no capítulo seguinte, uma vez que a sua compreensão está ligada à noção de parâmetro de controle, tão essencial para o bloco de constitucionalidade, mas também porque exige, como pressuposto lógico, considerações sobre o que seriam as normas constitucionais e porque as normas ordinárias guardam o dever de compatibilidade vertical com a mesma.

Dessa maneira, primeiramente, é preciso ter uma noção do que se entende como Constituição e qual seu conteúdo para se ter parâmetros para aferir se determinada norma está de acordo com os seus preceitos. É o que leciona Lênio Streck: “Se uma norma jurídica válida tão-somente quando estiver em conformidade com a Constituição, a aferição dessa

(23)

conformidade exige uma pré-compreensão acerca do sentido de (e da) Constituição”22. E continua: “E sendo a Constituição o fundamento de validade de todo o sistema jurídico, de sua interpretação (adequada ou não) é que exsurgirá sua (in)efetividade”.

Segundo Marcelo Neves, a preocupação com a constituição justifica-se, pois, o sistema jurídico orienta-se primariamente na constitucionalidade (e, correspondentemente, no

princípio constitucional da legalidade)”23. Então, estudar a relação de compatibilidade entre as

normas carece de se debruçar primeiramente no que seria constituição.

Contudo, adiante-se: definir constituição é uma tarefa árdua, uma vez que esta pode adquirir inúmeros sentidos a depender da perspectiva – jurídica, social, política, dentre outras – ou da teoria que se parte para compreendê-la.

A constituição possui diversos conceitos e por isso, como Celso Bastos24 aduziu, é

caracterizada pela plurissignificação:

(...) há diversos ângulos pelos quais a Constituição pode ser encarada, conforme seja a postura em que se coloque o sujeito, o objeto ganha outra dimensão. Seria como um

poliedro que fosse examinado a partir de ângulos diferentes. Para cada posição na

qual o observador se deslocasse, facetas diferentes dessa figura geométrica seriam vistas, não lhe sendo possível examiná-la toda de uma só vez.

O caráter poliédrico, mencionado por Celso Bastos, que a constituição pode assumir,

ou seja, as suas diversas funções, é resumido por Konrad Hesse25 em basicamente três:

integrativa, de organização e direção jurídica. A integração consistiria em manter a harmonia do pluralismo social existente no Estado pelos direitos fundamentais, considerados como ponto de adesão das pessoas que viverão sob a égide do poder estatal. A necessidade de manter a integração política, contudo, não seria suficiente, e por essa razão Hesse sustenta que se necessita “de uma normatização da arquitetura do Estado e do cumprimento de suas

tarefas”26, tendo a constituição papel vital na organização, uma vez que “funda competências,

criando, dessa maneira, poder estatal conforme o Direito com o alcance do respectivo mandato”. E prossegue: “é ela que regula amiúde só em suas coordenadas fundamentais, os

procedimentos que, dentro do possível, devem permitir a adoção de decisões adequadas”27.

Todavia, Hesse afirma que o Estado não constitui o fim em si mesmo, extrapolando as disposições constitucionais para alcançar toda convivência em comunidade, cobrando-se uma consciência acerca da historicidade de todo o Direito. Por conta disso, a tradição jurídica

22 STRECK, Lênio Luiz. A crise da hermenêutica e a hermenêutica da crise: a necessidade de uma nova crítica

no direito (NCD). In: LEITE SAMPAIO, José Adércio (org). Jurisdição Constitucional e Direitos

Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.105.

23 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 64.

24 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 57. 25 HESSE, Konrad. Temas fundamentais de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p.5. 26 HESSE, Konrad. Op. cit. p. 5.

(24)

ofereceria parâmetros decorrentes da história do Direito, que seriam cânones deduzidos da luta e experiência de várias gerações. Assim, Hesse acredita que “a função diretriz da Constituição consiste em assumir esses cânones e – sobretudo, nos direitos fundamentais –

dotá-los de força vinculante para todo o ordenamento jurídico”28.

Ademais, J.H Meirelles identifica que o fim maior da constituição é o bem comum e esmiúça sua função como sendo ordenar a vida política-social da nação e corresponder às necessidade materiais do indivíduo:

“Às constituições corresponde, portanto, um papel, um fim a desempenhar: Ordenar a vida social e a existência política da Nação num determinado sentido, o qual, evidentemente, só poderia ser o que melhor corresponderia àquelas necessidades, materiais e espirituais, do desenvolvimento dos indivíduos da coletividade nacional, de acordo com os supremos princípios da lei natural e da Justiça, que podemos sintetizar sob a designação de Bem Comum”29

Ivo Dantas, nesse sentido, também advertiu para o fato de que o direito, como sistema, independentemente da perspectiva adotada, possui finalidade voltada para sociedade, “o que equivale dizer-se ‘mais válidos’ para a sociedade, de cujo mecanismo o Poder Constituinte não poderia fugir, o mesmo acontecendo com a formação derivada do direito positivo através

do ‘Poder de reforma’ ou mesmo o ordinário ‘Poder Legislativo’”30. Ou seja, apesar da

pluralidade de conceitos, tendo em vista a função de a constituição focar-se na sociedade, percebe-se uma necessidade de sintonia com as diretrizes fundamentais de organização estatal.

Dessa forma, a constituição traça as coordenadas fundamentais do Estado, tendo diversas concepções, como será trabalhado a seguir, motivo que traremos alguns apontamentos sobre o conceito de constituição para melhor compreender o bloco de constitucionalidade.

Como a doutrina do bloco de constitucionalidade preceitua o mesmo status constitucional a normas, ainda que não constante na constituição formal, resta evidente a necessidade de primeiramente entender a constituição, para visualizar como é possível uma norma não estar na Constituição (escrita e formal), mas ser de índole constitucional.

28 Op.cit.p.6-7.

29 TEIXERA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. Rio de janeiro: Forense Universitária,

1992, p. 219.

(25)

1.2 Constituição: a pluralidade de conceitos

Discutir o conceito de constituição, como é cediço, é de imensa dificuldade tendo em vista que seu conceito jurídico e teórico perpassa a teoria da constituição, a filosofia constitucional, a política, a sociologia jurídica, superando a mera definição do direito positivo. Não é o objetivo deste trabalho, adiante-se, traçar todas as vertentes em que se pode ser concebida a constituição, mas ter uma breve referência das principais correntes (política, sociológica e jurídica) a fim de melhor delinear o bloco constitucional.

Como alerta Ivo Dantas, utilizando-se dos ensinamentos de Konrad Hesse31, entender

o direito constitucional vigente implica a compreensão prévia do seu objeto – a Constituição – , pois só a partir da compreensão dela é que se pode identificar e tentar fornecer uma solução para os problemas constitucionais.

Na ótica da teoria do Estado, é lição preliminar que o surgimento da uma constituição advém do Poder Constituinte Originário que, por meio de uma mudança de poder, inaugura uma nova ordem jurídica, como também pelo poder constituinte reformador mediante as emendas constitucionais.

Kildare Carvalho32 leciona que a constituição no sentido de lei fundamental do Estado

passou a ser empregada depois da independência das colônias inglesas na América, que formaram os Estados Unidos, e fixou os princípios básicos da estruturação do poder e assegurou alguns direitos fundamentais. Com a Revolução Francesa e o advento do regime constitucional moderno, a constituição teria se fixado no “plano de organização democrática da sociedade”.

Essa origem ressalta, consequentemente, que Constituição está intimamente ligada à noção de Poder, o que Estrada Vélez alega ao dizer que “la constitución, tanto su parte orgânica como dogmática – incorporados em ésta los principios explícitos y los implicitos –, es manifestación política del poder constituinte”.

Nelson Saldanha compreende que a interpretação no direito constitucional receberia grande incidência de implicações políticas, “a começar do fato de que um texto constitucional, que organiza a ordem de um Estado, não pode ser tomado como algo meramente jurídico”. Assim, sustenta o autor que a ordem jurídica “como um todo se acha incontornavelmente

conjugada à ordem política”33.

31 HESSE, Konrad apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, p.

117, 2002.

32 Op. cit. p. 261.

33 SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o

(26)

Logo, Constituição liga-se ao poder, como vai sustentar Schmitt34, pois aquela é fruto de uma decisão política e normatiza as bases estruturais do poder político do país. Em sua teoria política, Schmitt afirma que “solo és posible um concepto de Constitución cuando se

distinguen Constitución y lei constitucional”35. A constituição seria como decisão global e

fundamental sobre a espécie e forma de unidade política, extrapolando a norma. Exemplifica com a constituição francesa de 1971 que corresponderia à decisão política do povo francês pela monarquia constitucional e com a constituição belga de 1831 como opção do povo belga

por um governo monárquico parlamentar36. Da mesma forma, compreende que a constituição

de Weimar (1919) seria a opção do povo alemão pela democracia em virtude da sua existência política como povo, estando cristalizado no preâmbulo da constituição e nos seus artigos 1º e

37. Assim, conforme Schmitt, quando a constituição de Weimar afirma que “o poder do

Estado emana do povo” tal determinação não seria uma lei, consequentemente, não se trataria

de uma lei constitucional, mas sim uma decisão política concreta do povo alemão38.

Schmidt vai diferenciar, por conseguinte, as leis constitucionais da constituição em alguns aspectos principais, dentro os quais selecionamos: (i) a constituição como decisão política do povo não poderá ser alterada, mas as leis constitucionais podem sofrer processo de reforma; (ii) a constituição é intangível, ao passo que as leis constitucionais podem ser suspendidas durante o estado de exceção e serem mitigadas por medidas realizadas no estado de exceção; (iii) a constituição garante uma séria de direitos fundamentais, ao passo que as leis constitucionais regulariam concretamente a garantia, mas não se confundiria com a garantia em si; (iv) um conflito constitucional propriamente dito não afetaria a cada uma das singularidades das leis constitucionais, mas somente a constituição considerada como decisão fundamental; (v) algumas prescrições das leis constitucionais podem vir a ser consideradas

como leis em constituição posterior, mesmo que não possuam o revestimento constitucional39,

mas a constituição derrogada já não tem valia40. Por essa lógica, as leis constitucionais para

Schmitt estariam no domínio jurídico propriamente dito, dotadas de formalismo e rigidez. O autor distingue, ainda, quatro conceitos básicos de constituição, como resume Kildare Carvalho: “o conceito absoluto (a constituição como todo unitário), o conceito relativo (a constituição como uma pluralidade de leis particulares), o conceito positivo (a

34 SCHMITT, Karl. Teoría de la constitución. Madrid: Alianza Editoral, 1996. 35 Op. cit. p. 45. 36 Op. cit. p. 47. 37 Op. cit. p. 47-48. 38 Op. cit. p. 48. 39 É o fenômeno da desconstitucionalização. 40 Op. cit. p. 50-51.

(27)

constituição como decisão de conjunto sobre o modo e a forma de unidade política) e o

conceito ideal (a constituição assim chamada em sentido distintivo e com certo conteúdo)”41.

Ainda sobre a tese de Schmitt observa-se que “o existencial compõe a essência da constituição, o reino da decisão fundamental, a esfera política que se sobrepõe ao normativo,

às leis constitucionais”42. Uadi Lammêgo Bulos explica que na visão de Schmitt constituição

é o conjunto de normas que dizem respeito a uma decisão política fundamental, como aos direitos individuais, vida democrática e organização de poder, ao passo que as leis constitucionais seriam remanescente, isto é, a que “não contém matéria correlata àquela

decisão política fundamental”43.

Já na visão sociológica, destaca-se a consagrada declaração de Ferdinand Lassale44 de

que a Constituição expressaria as relações de poder dominantes na sociedade: “essa é, em síntese, em essência, a constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem

um país”45. Os fatores reais de poder, como o poder militar, poder social, poder econômico e

seus respectivos representantes, perfazem o conceito de constituição real, ao passo que a

constituição jurídica seria um pedaço de papel (ein Stück Papier)46, na qual restariam

incorporados os fatores reais de poder. Em suas palavras:

Colhem-se esses fatores reais, registram-se em uma folha de papel, se lhes dá expressão escrita, e a partir desse momento, incorporados a um papel, já não são simples fatores reais de poder, mas que se erigiram em direito, em instituições jurídicas, e quem atentar contra eles atentará contra a lei e será castigado47.

Lassale exemplifica a diferença da constituição real da escrita com o Antigo Regime, antes da Revolução Francesa, no qual, apesar de não haver uma constituição escrita, haveria uma constituição real, que poderia ser verificada pela norma imposta ao povo pela nobreza, por exemplo, para suportar o pagamento de impostos, pelo simples fato da obrigação ser

decorrente expressão clara dos fatores reais de poder que vigoravam na França medieval48.

Assim, quaisquer manifestações escritas, como liberdades, privilégios, foros, teriam raiz na manifestação real do poder, exprimindo, segundo Lassale, simplesmente aqueles

últimos (fatores reais do poder)49. Desta forma, declara que as constituições escritas têm como

41 Op. cit. p. 53-54.

42 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 104. 43 BULOS, Uadi Lammego. Curso de direito constitucional. Saraiva: São Paulo, 2012, p. 104.

44 LASSALE, Ferdinand. O que é uma constituição?. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Lider,

2004.

45 Op. cit. p. 48.

46 LASSALLE, Ferdinand apud HESSE, Konrad. A foça normativa da constituição. Porto Alegre: Sério

Antonio Fabris, 1991, p. 9.

47 LASSALE, Ferdinand. Op. cit. p. 48. 48 Op. cit. p. 55-56.

49

(28)

“missão resumir e estatuir em um documento, em uma folha de papel, todas as instituições e

princípios de governo vigente no país”50.

J.H Meirelles51 explica que esses “fatores reais de poder” a que alude Lassale, “na

Alemanha de seu tempo, eram, ao meu ver, a monarquia, as oligarquias, as conquistas da grande burguesia, a pequena burguesia, as massas proletárias, as igrejas, a consciência coletiva nacional e a cultura intelectual”.

Entretanto, é importante frisar que à época em que Lassale arguiu tal declaração, ano de 1862, as constituições não detinham o poder vinculante e limitador do Estado que hoje alcançaram com o constitucionalismo contemporâneo. Em realidade, a atribuição à norma constitucional de status de norma jurídica foi decorrente das grandes mudanças sistemáticas ocorridas ao longo do século XX. Superou-se, assim, o modelo clássico europeu, no qual a Constituição era vista apenas como um documento sem valor imperativo.

Em que pese a concepção sociológica condicionar a constituição (real) à realidade social, Meirelles expõe que a grande contribuição da concepção sociológica foi ter justamente chamado a atenção para a íntima relação entre o meio social e as disposições jurídicas:

O grande mérito e a grande contribuição da escola sociológica foi haver chamado a atenção dos juristas para íntima relação existente entre o Direito e o meio social; em mostrar que os grandes problemas de política e direito constitucional não são, primariamente, problemas jurídicos, mas problemas sociais52

Pinto Ferreira53 também compreende que a constituição não possa se dissociar da

realidade social, pois as “constituições são, assim, documentos que retratam a vida orgânica da sociedade, e nenhuma delas foge ao impacto das forças sociais e históricas que agem sobre a organização do Estado”.

No sentido jurídico, a Constituição é vista sob o ângulo de normas positivas dotada de maior hierarquia frente ao ordenamento jurídico. Tem como fonte de inspiração o modelo

piramidal positivista de Merkel e Kelsen54. Nas palavras de Kelsen55, a constituição como

norma fundamental é “a instauração do fato fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada como constituição no sentido lógico-jurídico, para a distinguir da constituição em sentido jurídico-positivo”.

50 Op. cit. p. 57.

51 TEIXERA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. Rio de janeiro: Forense Universitária,

1992, p. 50.

52 Op. cit. p. 52.

53 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 9.

54 Para Kelsen, “uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma outra norma,

esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela.”. KELSEN, Hans. Teoria pura do

direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 246.

(29)

Kelsen, em seus ensinamentos, teria visualizado, então, a constituição tanto no sentido jurídico-positivo, como escalão de direito positivo mais elevado, como o sentido lógico-jurídico, “em que a norma é hipotética, pois como norma mais elevada, tem de ser pressuposta, não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa

norma mais elevada ainda”56.

Porém, a pressuposição da norma fundamental, a que alude Kelsen, não é, como o próprio autor alerta, arbitrária, tampouco é reduzida a autoridades metajurídica, mas tem a função de fundamentar a validade objetiva de uma ordem jurídica positiva, referindo-se a uma

constituição concretamente determinada. Para Kelsen57 não importa “qual seja o conteúdo que

tem esta Constituição e a ordem jurídica estadual erigida com base nela”, posto que não é afirmado nenhum valor transcendente ao direito positivo, mas apenas uma condição lógica-transcendental das demais normas objetivamente válidas. Isto é, o importante é que a norma

fundamental embasaria a validade objetiva de uma ordem jurídica positiva58.

Dessa forma, Kelsen retira da análise da Constituição o aspecto do ser [sein],

focando-se no dever-focando-ser [sollen], focando-sem pretensão à fundamentação sociológica política ou sociológica59.

Esses questionamentos para Kelsen seriam pré-jurídicos, devendo o operador do direito analisar de forma neutra.

Todavia, apesar de Kelsen propor em seu estudo uma análise estritamente jurídica da constituição, relacionando com seu aspecto normativo, ou seja, com as normas, o jurista não retira totalmente sua relação indireta com o social, tendo em vista que a conduta normatizada possui interesse de regular o social.

Da breve exposição acima, percebe-se, como critica José Afonso da Silva, que as concepções sobre a constituição equivocam-se pela unilateralidade. Sustenta, então o autor, que a doutrina deve buscar uma “concepção estrutural de constituição, que a considera no seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em sua conexão com a realidade

social, que lhe dá conteúdo fático e o sentido axiológico”60.

De fato, Zagrebelsky61 compreende, em crítica à concepção jurídica, que houve uma

redução da constituição ao mundo exclusivo das leis positivas, descuidando do seu caráter como força constitutiva presente em todos os estratos sociais:

Hemos aislado a la Constitución en el mundo exclusivo de las leyes positivas, descuidando igualmente la tarea, si no más esencial, de hacerla valer como fuerza constitutiva de un idem sentir é político, difundido en todos los estratos sociales.

56 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Op. cit. p. 264. 57 Op. cit. p. 224-225.

58 Op. cit. p. 226.

59 ALKMIM, Marcelo. Teoria da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 72. 60 Op. cit. p. 38-39.

(30)

Por outro lado, as correntes sociológicas e políticas pecam por condicionar constituições às forças sociais ou decisão política, respectivamente, olvidando-se do seu

caráter normativo, impositivo. Konrad Hesse62 critica que subjugar a constituição a serviço do

Estado representaria a sua redução à injusta função de justificar as relações de poder dominante, descaracterizando a normatividade da constituição, reduzindo-a ao âmbito do ser [sein]. A constituição tem caráter imperativo, também é um dever-ser, por isso, apesar de sofrer influências das situações políticas e sociais, tem força normativa. Ao lado da vontade

do poder, fala Hesse, há a vontade da constituição (Wille zur Verfassung)63.

Por essa razão, nos valendo da posição de Ivo Dantas64, em uma postura mais

conciliadora das correntes, iremos também afirmar que, apesar da variedade de tipologias conceituais de constituição apresentada pela doutrina, “entendemos que o estudo-análise da constituição estará plenamente satisfeito se o fizermos sob os ângulos dos conceitos material e formal, isto porque, o primeiro deles esclarece os conteúdos ideológico e sociológico e, em consequência, filosófico-histórico do documento, enquanto o segundo destaca as características que são próprias a Lex Magna”.

1.3 Constituição em sentido formal e em sentido material

O enfoque material e formal serve para ajudar a revelar o conteúdo e as características

que são próprias da constituição65. Compreender o sentido de constituição por uma única ótica

traz o inconveniente de não abarcar todas as facetas da lei maior, motivo que, ao se tentar enxergar o significado da constituição no binômio material versus formal, tem a vantagem de se estar, ao mesmo tempo, visualizando o seu conteúdo e com isso ter subsídios para entender se determinada norma extraconstitucional compartilha ou não do mesmo valor; e, de outro, pela formal compreender que a superioridade hierárquica e a força normativa de preceitos são alcançadas pela sua consolidação no documento escrito.

Jorge Miranda66 também considera que a constituição pode ser vista por duas

perspectivas – formal e material. Para o autor, a ótica material corresponderia ao seu objeto, conteúdo ou a sua função. Pela perspectiva material, atender-se-ia à posição das normas

62 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Op. cit. p. 11. 63 Op. cit. p. 19.

64 DANTAS, Ivo. O valor da constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade

constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 12.

65 DANTAS, Ivo. Op. cit. p. 263.

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