• Nenhum resultado encontrado

4. O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE ÍTALO-ESPANHOL

4.2 Bloco de constitucionalidade na Espanha

Na Espanha o bloco de constitucionalidade adquiriu contornos distintos da França e dos demais países influenciados. Sua utilização inicial foi em 1982, pelo Tribunal Constitucional, na sentença nº 10/1982. O Tribunal Constitucional ao analisar recurso de inconstitucionalidade apresentado pelo governo espanhol em face de uma lei da Generalidade da Catalunha (lei 6/1981), reguladora do Conselho Assessor de rádio e televisão espanhola, entendeu que esta supostamente extrapolava a competência exclusiva do estado nacional para

normas básicas do regime de imprensa, rádio e televisão312 e em seguida afirmou que:

para interpretar debidamente la normativa aplicable al caso, el 'bloque de constitucionalidad' que ha de servir para enjuiciar la Ley impugnada, hay que partir del hecho de que la Constitución se remite con carácter general a los Estatutos para que éstos determinen las competencias autonómicas (...)313

Assim, o bloco de constitucionalidade, na versão do tribunal, teria como função confrontar a lei impugnada, e seria composto pela constituição e pelas normas das comunidades autônomas, devido ao seu caráter geral e por serem resultantes das remissões determinadas pela constituição acerca das competências administrativa e legislativas dessas comunidades.

312 É como ensina MANILI, Pablo.Op.cit.

313 Espanha, Tribunal Constitucional,Sentença 10/1982. Publicação no Boletín Oficial Español nº25 em

Por conseguinte, Estrada Vélez entende que na Espanha o bloco de constitucionalidade é tido “como la herramienta necesaria para la resolución de conflitos de competencia

normativa entre las Comunidades Autónomas y el Estado”314. Manili, no mesmo sentido,

compreende que o bloco de constitucionalidade espanhol apenas se referiria “al reparto de

competencia entre estado central y comunidades autônomas”315.

Do mesmo modo, Rubio Llorente verifica que “en la mayor parte de las decisiones que utilizan la expresión, la función determinante de la inclusión es la delimitación competencial entre Estado y Comunidades Autónomas, una función, por tanto, intrínseca a la norma de la

que es finalidad u objeto próprio”316. Por isso, o jurista vai criticar a utilização da

nomenclatura bloco de constitucionalidade no ordenamento espanhol317.

Em sentindo um pouco distinto, Carpio Marcos ressalta que o bloco de constitucionalidade espanhol possuiria 2 (duas) funções. A primeira seria compreender as normas materialmente constitucionais que distribuíram a competência entre o governo central e regional, sendo a segunda função correspondente ao parâmetro processual de controle. Nas suas palavras:

(...) el bloque de cumpliría una doble función: por um lado, para compreender al conjunto de normas materialmente constitucionales, em el sentido que ellas regulan,ex

constituione, la distribución de competencias entre el gobierno central y el regional; y, de outro, como normas que cumplen uma función procesal, em tanto que constituyen al parámetro de aquella legislación que incida em la regulación de aquella distribuición de competencias.318

Para Carpio Marcos, portanto, o bloco de constitucionalidade espanhol não seria reduzido apenas ao seu aspecto formal, ou seja, à possibilidade das normas das comunidades autônomas e da constituição serem considerados padrão de referência (parâmetro de controle) no juízo de constitucionalidade, mas sim traria o aspecto de que a materialidade das suas disposições, ao regular a distribuições de competências, lhe daria a qualidade de terem valor constitucional.

Arturo Hoyos319, também visualiza que o bloco de constitucionalidade na Espanha

serviu para transcender o conceito formal de constituição, consubstanciando-se em grande avanço para a justiça constitucional:

314 Op.cit.p.89. 315 Op.cit.p.319.

316 LLORENTE, Rubio. El bloque de constitucionalidade. Revista Española de Derecho Constitucional,ano 9,

nº27, set/dez,p.9-37, 1989.

317 Op.cit.p.18. 318 Op.cit.p.94

319 HOYOS, Arturo. El control judicial y el bloque de constitucionalidad en Panamá. Boletín Mexicano de

Esta doctrina ha permitido, en España, superar la estrecha noción puramente formal de lo que es una Constitución, lo que ciertamente es un gran avance para la justicia constitucional que puede operar con elementos de referencia más amplios para juzgar la constitucionalidad de las leyes.

O autor também completa que o bloco de constitucionalidade espanhol seria composto, pelas normas da constituição de 1978, pelos estatutos de autonomia e outras normas que se referem às competências entre o Estado espanhol e as Comunidades Autônomas.

D´Ávila ressalta que, apesar de o bloco de constitucionalidade ter começado a adquirir tomado formato nos anos 1980, ainda hoje não há um conteúdo preciso do bloco. Para a estudiosa, “são dois os motivos que provocam essa situação: a) a complexidade da repartição de competências entre o Estado central espanhol e as Comunidades Autônomas; e b) o

extenso rol de direitos fundamentais contido no texto formal da Constituição espanhola”320.

Martinez-Villaba321 destaca aspecto fundamental ao bloco de constitucionalidade na

Espanha ao afirmar que o bloco seria formado pela constituição e por normas inferiores a ela, mas sendo estas últimas superiores à legislação ordinária, não podendo ser por esta última modificada, como nos casos das leis das comunidades autônomas e as que delimitam as competências do estado nacional, assemelhando-se, neste sentido, às normas interpostas italianas.

Inclusive, o artigo 28 da Lei orgânica do tribunal constitucional permite que se considere como parâmetro de controle, além da constituição espanhola, as referidas leis das

comunidades autônomas322:

Para apreciar la conformidad o disconformidad con la Constitución de una Ley, disposición o acto con fuerza de Ley del Estado o de las Comunidades Autónomas, el Tribunal considerará, además de los preceptos constitucionales, las Leyes que, dentro del marco constitucional, se hubieran dictado para delimitar las competencias del Estado y las diferentes Comunidades Autónomas o para regular o armonizar el ejercicio de las competencias de éstas.

Assim, por exemplo, na sentença nº96/1996 referente a recurso de inconstitucionalidade o Tribunal espanhol entendeu que determinada lei sobre direito creditório violaria o bloco de constitucionalidade por não estar de acordo com a norma da comunidade em questão:

320 D´ÀVILA LOPES, Ana Maria. Bloco de constitucionalidade e princípios constitucionais: desafios do poder

judiciário. Revista sequência, Florianópolis, nº59, p.43-60,dez.2009.

321 MARTINEZ-VILLABA, Juan Carlos Riofrío. EL bloque de constitucionalidade pergeñado por el tribunal

constucional. Revista de Derecho. Equador, nº06, UASB, p.227 a 244, 2006.

322 MARTINES ESTAY, José Ignácio. El sistema-continental de justicia constitucional: el control de

Lo cual vulneraría la competencia de desarrollo legislativo y ejecución de las Comunidades recurrentes sobre ordenación del crédito y banca que, con arreglo al bloque de la constitucionalidad que define el orden de competencias, les corresponde.

No mesmo ano, na sentença 146 o Tribunal constitucional aduziu que “la conformidad al bloque de constitucionalidad de los preceptos que se dicen viciados de incompetencia ha de ser siempre medida a la luz de las normas competenciales más directa y precisamente afectantes a la materia objeto de regulación”.

Na sentença 15/1998 o Tribunal deixou claro que o bloco de constitucionalidade que será levado em conta para apreciação da constitucionalidade é aquele “existente al tiempo de procederse a la resolución del proceso constitucional que se hubiese entablado”.

Também, na prolação da sentença 50/1999, o Tribunal español sustentou que uma interpretação coerente com o bloco de constitucionalidade leva ao entendimento de que as normas expedidas pelas comunidades autônomas devem ser observadas pelos regramentos de autorregulação de órgãos colégios envolvidos em organizações representativas dos interesses sociais ou as representações feitas por várias autoridades públicas.

Rubio Llorente323 e Salvador Crespo324, em posição contrária, rechaçam que o bloco

de constitucionalidade espanhol possa estar fundamentado no art.28 da lei orgânica do tribunal, pois consideram que este órgão é autônomo e como tal pode utilizar os instrumentos jurídicos que considerar oportuno. Para Salvador Crespo, a numeração feita pelo art.28 não é cerrada, havendo outras normas que são inclusas no bloco. Afirma, ainda, que por muito tempo permeou uma confusão na doutrina e no próprio tribunal constitucional, a exemplo de suas primeiras sentenças, sobre o significado do bloco de constitucionalidade, utilizando-o de forma ambígua (ora como normas de níveis materialmente constitucionais ainda que não sejam expressas na constituição, ora como parâmetro de controle, ora como norma

interposta)325. Porém, atualmente reitera que o sentido de bloco está mais fixado como

conjunto de normas que servem como referência à verificação de constitucionalidade, apesar de não pertencer ao grupo de normas constitucionais, ele define que o bloco de constitucionalidade é “el conjunto normativo que junto com la Constitución trata de dar respuesta a la dualidade existente en el sistema español entre el Estado central y las

comunidades autônomas en lo relativo a la distribución de competencias”326.

323 Op.cit.p.19.

324 SALVADOR CRESPO, Mayte. La autonomia provincial en el sistema constitucional español:

intermunicipalidade y estado autonômico. Barcelona: Fundación Democracia y Gobierno Local, 2007, p.103.

325 Op.cit.p.103-104. 326 Op.cit.p.105.

É de se concluir, portanto, que o bloco de constitucionalidade espanhol não possui referência a direitos fundamentais, mas fundamenta-se basicamente na divisão de

competências. Na formulação feliz de Acosta Sanchez327 “en cuanto al contenido del bloque,

en Francia son los derechos, libertades y principios y normas conexos, y en España la materia es el Estado autonómico”. Apenas quando o compreende pelo sentido formalista, ou seja, de normas que compõe o parâmetro de controle, é que se pode afirmar que seu conceito se aproxima ao do bloco francês.