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As sentenças manipulativas italianas como propulsora de uma atuação ativa da

4. O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE ÍTALO-ESPANHOL

4.3 Bloco de constitucionalidade na Itália

4.2.1 As sentenças manipulativas italianas como propulsora de uma atuação ativa da

Na Itália, identifica-se na sua jurisprudência a chamada “decisioni manipulative” que, no Brasil, timidamente adotada no STF, é considerada como sentenças manipuladoras ou manipulativas.

Inocêncio Mártires Coelho define as sentenças manipulativas como sendo decisões nas quais a Corte Constitucional italiana “não se limita a declarar a inconstitucionalidade das normas que lhe são submetidas, mas, agindo como legislador positivo, modifica (=manipula) diretamente o ordenamento jurídico, adicionando-lhe ou substituindo-lhe normas, a pretexto

ou com o propósito de adequá-lo a Constituição”332.

Sobre essa nova tendência, Juliano Bernades e Olavo Ferreira explicam: “Num sentido amplo, consideram-se manipuladoras as decisões em que o tribunal, no exercício do controle de constitucionalidade, não se limita a agir como “legislador negativo”, pois a simples

330 Op.cit.

331 Eis o inteiro teor do artigo: quer como ser individual quer nas formações sociais onde se desenvolve a sua

personalidade, e requer o cumprimento dos deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social.

subtração de eficácia do ato inconstitucional mostra-se insuficiente para preservar a

supremacia constitucional333.

Em continuidade, os autores aduzem que em certos casos não é adequado ou suficiente o simples reconhecimento da invalidade do ato impugnado, motivo que “o tribunal se vê obrigado a resolver o problema mais complexo e que exige certa ‘manipulação’ do contexto normativo examinado”. No conceito de Romboli, trazido pelos autores, as decisões manipulativas seriam aquelas nas quais o Tribunal procederia a uma modificação ou integração das disposições submetidas ao seu exame, com certa modificação do conteúdo

normativo334. Paulo Paiva considera “manipulativa toda decisão que, quanto à natureza, seja

uma forma de supressão unilateral da inconstitucionalidade e quanto aos efeitos, os tenha

aditivos, do texto, âmbito de incidência ou sentido do dispositivo”335.

Nesse sentido, a questão da modulação dos efeitos da decisão, admitida em nossa legislação pelo art.27 da lei nº 9.868/99 e art.11 da lei nº9882/99, por exemplo, é considerada como espécie de decisão manipulativa da doutrina italiana, em um sentido amplo. Isso porque a fixação do termo de início dos efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei foge à regra geral dos efeitos ex tunc por decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, como conclui Alexandre de Moraes:

Dessa forma, permitiu-se ao STF a manipulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, seja em relação a sua amplitude, seja em relação aos seus efeitos temporais336.

Esse conjunto de técnicas decisórias são classificados pela doutrina337 em três

categorias: decisões manipulativas “aditivas”, subdividida em aditivas de garantia/de prestação e de princípio, e decisões manipulativas “substitutivas”. A própria corte italiana

elaborou um quadro de tipologia das suas decisões338, no qual, de modo semelhante, as

sentenças manipulativas encontram-se subdivididas nesses termos.

Decisões aditivas são aquelas voltadas a resolver inconstitucionalidade por omissões parciais, no qual o ato impugnado é declarado inconstitucional somente no trecho ou parte em que não previu aquilo que, segundo as normas constitucionais, deveria estar englobado.

333 Op.cit.p.501. 334 Op.cit.p.501.

335 PAIVA, Paulo Frederico.Decisões manipulativas em controle de constitucionalidade e sua admissibilidade em

matéria criminal. Revista Observatório de Jurisdição Constitucional. Brasília: IDP, Ano 02,2008/2009.Disponível.em:http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/observatorio/article/viewFile/2 00/171. Acesso em 17: de julho de 2013.

336 MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais: garantia suprema da

constituição. São Paulo: Atlas, 2003,p.281.

337 Valemo-nos da classificação trazida por Juliano Bernades e Olavo Ferreira. Op.cit.p,.501 a512.

338 CORTE CONSTITUCIONAL. Sítio Eletrônico Oficial. Roma, Itália. Disponível em:

http://www.cortecostituzionale.it/documenti/convegni_seminari/STU%20219_Tipologia_decisioni.pdf. Acesso: 01 de setembro de 2012.

Bonsaglia, em excelente monografia sobre o tema, conceitua as sentenças aditivas como sendo:

aquelas que reconhecem a falta de elemento normativo necessário para que a norma em julgamento esteja de acordo com a Constituição (omissão legislativa parcial) e que acrescentam a essa norma o elemento ausente, que pode ser outra norma ou princípio constitucional do ordenamento jurídico.339

A extensão do conteúdo pode se dar para garantir direitos fundamentais, daí o nome “aditiva de garantia”, como ocorreu na sentença n.190 da Corte Italiana, como relembra

Juliano Bernades340, na qual foi impugnado o art.340 do código penal italiano que permitia

apenas a presença do ministério público durante o interrogatório do acusado, vedando a do seu defensor. Entendeu a corte que haveria um afronta a igualdade processual, motivo que foi declarada a nulidade da restrição e a inclusão da norma interpretativa de presença do defensor. Como exemplo em nosso direito pátrio de sentenças aditivas, podemos citar a ADIN

2.652/DF341, cujo objeto era o parágrafo único do art.14 do CPC que, ao tratar dos deveres

processuais, ressalvava que “os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição”. Houve, consequentemente, a exclusão dos advogados públicos, motivo que o STF chegou à decisão de que, sem redução de texto, deveria dar interpretação ao art.14 do CPC com a Constituição para que a parte inicial alcance todos os advogados, independentemente de estarem sujeito também a outros regimes jurídicos, a fim de que não se avilte o princípio da isonomia e o da inviolabilidade no exercício da profissão.

Logo, o Supremo promoveu a anulação do texto discriminatório para incluir na norma também os advogados públicos, o que é um exemplo autêntico de sentença manipulativa aditiva.

Bonsaglia342 traz, ainda, a análise do MI 708 em que o ministro relator discorreu que

diferentemente do ensinamento alemão perante uma violação do princípio da igualdade lança mão geralmente da simples declaração de incompatibilidade, a Corte italiana, pelo contrário, em situações deste gênero “adopta uma sentença manipulativa, anulando a disposição nella parte in cui (ainda que implicitamente) esclude do beneficio a categoria preterida, estendendo

assim o tratamento mais favorável”343.

339 BONSAGLIA, Alexandre Antonucci. Sentenças aditivas na jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal. 2012.73fl - Especialização em direito público. Especialização em Direito Público, Sociedade Brasileira

de Direito Público (SBDP), São Paulo, 2010.

340 Op.cit.p.504.

341 Exemplo trazido por BERNADES, Juliano e FERREIRA, Olavo..op. cit.p.506. 342 Op.cit.

Outra espécie de sentenças aditivas são as de princípio, que diferentemente das de garantia/prestação, que estabelecem uma regra única aplicável, naquelas “o tribunal não consegue identificar, no bloco de constitucionalidade, qual seria a “única” solução para

corrigir a imperfeição constitucional”344. Como há múltiplas soluções, o tribunal ratifica que

cabe aos órgãos responsáveis a solução, mas limita os princípios constitucionais que deverão ser seguidos e, sendo esses omissos, autoriza a integração concreta pelos juízes. Bernardes e

Ferreira345 sustentam que não há nenhum exemplo desse tipo no Brasil, em sede de controle

abstrato, mas trazem à tona a decisão em controle abstrato do mandado de injunção MI283/DF, no qual o STF autorizou os juízes federais disciplinassem, nos casos concretos lhe postos para apreciação, a compensação pecuniária prevista no §3 do art.8ª da ADCT, senão houvesse regulamentação do prazo fixado pelo congresso nacional.

As sentenças “substitutivas”, por sua vez, são aquelas que declaram a inconstitucionalidade de determinada previsão e a substituem, ainda que de modo não tão expresso, pelo preceito que seria correto. Trazemos o caso da ADI 738 GO, por exemplo, o STF entendeu que seria inconstitucional preceito da constituição estadual que previa a exigência de autorização da assembleia legislativa para que o governador e vice se ausentassem por qualquer prazo. Por entender que houve desrespeito ao princípio da simetria, o STF declarou que a autorização deveria ser apenas quando a ausência fosse superior a 15 (quinze) dias, como dispõe a constituição federal. Logo, houve a substituição do termo “qualquer tempo” por “acima de 15 (quinze) dias”.

As sentenças manipulativas representam, portanto, uma abertura do ordenamento italiano a uma atividade interpretativa do juiz constitucional de cunho positivo, ou seja, criativo.

Não se trata de legislar, mas sim de manusear o contexto normativo para que se respeite a eficácia e a força das disposições constitucionais, pois há situações, como as acima expostas, que a simples declaração de inconstitucionalidade do ato nos moldes tradicionais não é suficiente.