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3. O SURGIMENTO DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

3.1 Conceito: do bloco de legalidade ao bloco de constitucionalidade

190 MARQUES DE LIMA, Francisco Gérson. Bloco de constitucionalidade: os sistemas francês e espanhol.

A noção de bloco de constitucionalidade é originária da doutrina francesa, sendo uma evolução do conceito bloco de legalidade cunhada no Direito Administrativo por Maurice Hariou191.

A expressão bloco de legalidade é trabalhada por Carpio Marcos como sendo limitadora do poder público, estando composta pela lei, pelos princípios gerais do direito e pelos regulamentos ditados:

En su concepción originaria, comprendía a toda regla o principio que autorizaba y, al mismo tiempo, limitaba la actividad de los órganos de la Administración Pública. En ese sentido, estaba compuesto básicamente por la ley formal, esto es, por el acto legislativo dictado por el Parlamento, por los principios generales del derecho, y también por los reglamentos dictados a su amparo cuya observancia era exigida por el Consejo de Estado.192

O Tribunal Regional Federal da 3º região pronunciou elucidativo julgado193, em que se

discutia a legalidade de recolhimento de determinada contribuição previdenciária, que o ordenamento jurídico deve ser analisado de forma panorâmica sob a alegação de que a legalidade não pode ser adotada de maneirar reducionista, limitando-o somente a uma lei específica:

Contudo, não se pode esquecer que, na linha de Garcia de Enterría, o conceito de lei não pode ser mais compreendido apenas na sua acepção formalística. Isso porque a legalidade, para além de um conceito reducionista, não diz respeito apenas a um tipo de norma específica. Ao contrário, o ordenamento jurídico deve ser analisado panoramicamente, impondo ao intérprete a análise da questão com vistas naquilo que Maurice Hauriou cunhou de bloco de legalidade.

Dolores Rueda Aguillar194 entende que, por meio do bloco de legalidade, o direito

administrativo francês limitava a atuação dos órgãos da administração e também designava as normas que cumpriam a função processual de servir como parâmetro de controle dos atos administrativos. Nas suas palavras:

Mediante el bloque de legalidad en el Derecho Administrativo francés, se describía al conjunto de normas que limitan la actuación de los órganos de la administración pública y se designaban las normas que cumplían una función procesal de servir como parámetro de control al Consejo de Estado en la evaluación de validez de los actos administrativos.195

191 FAVOREU, Louis. El bloque de constitucionalidad. Revista del centro de estudios constitucionales. n. 4, p.

45-68, jan./mar 1990.

192 CARPIO MARCOS, Edgar. Bloque de constitcionalidad y proceso de inconstitucionalidad de las leyes.

Revista Iberoameticana de Derecho Procesal Constitucional, Mexico, nº4, p.4, jul/dez, 2005.

193 São Paulo, Tribunal Regional Federal da 3º Região, Agravo de Instrumento nº 0014235-97.2011.403.6100, 20

10.

194 AGUILLAR, Dolores Rueda. El bloque de constitucionalidade en el sistema colombiano. Publicaciones de

los Becarios de la Corte. Suprema Corte de Justiça Mexicana, 2008. Disponível em:

http://www.scjn.gob.mx/transparencia/Paginas/trans_publicaciones_becarios.aspx. Acesso em: 27 de agosto de 2011.

No direito administrativo, então, desenvolveu-se o entendimento de que a Administração pública não está adstrita ao princípio da legalidade, ou seja, de agir apenas consoante às normas escritas; pois, não é suficiente apenas a obediência às regras escritas, mas também aos princípios e demais normas do ordenamento que devem nortear o agir do Poder Público. Assim, para se referenciar a este conjunto de regras e princípios, não apenas ao

texto legal, é que Hauriou utiliza da nomenclatura “bloc de legalité”196.

Paulo Bonavides197, neste contexto, acredita que o novo modelo de Estado não é mais

pautado na estrita legalidade, mas enlaçado aos princípios de constitucionalidade, “que deslocou para o respeito dos direitos fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica”.

É justamente nesse sentido de bloco de legalidade, que abrange todo o conjunto de regras e princípios, que devem ser observados pela Administração, e não unicamente a lei isolada, que Louis Favoreu sustenta o desenvolvimento do bloco de constitucionalidade:

A partir de esta noción de bloque de legalidad ha nacido y se desarrolhado la de bloque de constitucionalidad, sin duda porque parece adecuada para designar al conjunto de los princípios y reglas de valor constitucional.198

No direito constitucional, a ideia de bloco de legalidade, por conseguinte, significa um feixe normativo de normas materialmente constitucionais – o bloco de constitucionalidade, que deve ser observado pelas leis e atos inferiores.

Louis Favoreu, cuja obra é ponto de partida para o estudo do assunto, definiu o bloco como sendo “conjunto de normas situadas en el nivel constitucional, cuyo respecto se impone a la ley”199. Para o autor, não importa se a norma está constante ou não na constituição escrita, mas sim que tenha valor constitucional.

Walber de Moura Agra, por sua vez, define o bloco de constitucionalidade como “princípios, contidos ou não na Carta Magna, que compartilham a mesma ideia de Constituição material, unidos por um mesmo núcleo valorativo, agasalhando a percepção de

ordem constitucional global”200. Entende o jurista que o bloco de constitucionalidade está

ligado de forma mais restrita aos princípios contidos ou não na constituição, que possuam núcleo valorativo vinculado à constituição material. Na sua definição, infere-se que as únicas regras que pertenceriam ao bloco seriam as formalmente constitucionais, ou seja, presente no corpo normativo da constituição.

196 FAVOREU, Louis. El bloque de constitucionalidad. Revista del centro de estudios constitucionales. Madri,

n.4, p.45-68, jan/mar., 1990.

197 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros,1999,p.362. 198 FAVOREU, Louis. Op.cit.

199 Op.cit.p.19

Em posição mais semelhante a de Louis Favoreu, Maria del Rosario Huerta Lara201 conceitua o bloco de constitucionalidade de maneira mais abrangente, não se limitando apenas aos princípios:

(...) compuesto por aquellas normas y princípios que, sin aparecer formalmente en el articulado del texto constitucional, son utilizados como parámetros del control de constitucionalidad de las leyes, por cuanto han sido normativamente integrados a la Constitución, por diversas vías y por mandato de la propia Constitución.

Reforça a autora que o ingresso como parâmetro de controle pode se dar por diversas

vias e por mandado da própria constituição202, como seria o caso, por exemplo, §2 e §3 do

art.5º da constituição brasileira, que será trabalhado alhures. Por essa acepção, verifica-se que o bloco de constitucionalidade terá uma dupla função: fundamentador do reconhecimento de que regras e princípios, mesmo não escritos, podem estar situados no mesmo nível da constituição e que o conjunto de normas que formam o bloco é utilizado como parâmetro de controle de constitucionalidade.

Por conseguinte, o bloco de constitucionalidade também é visto como um conjunto normativo – de regras e princípios – que são parâmetro de controle. Mas a sua função como parâmetro de controle se dá, em especial, pela argumentação de que tais normas são

materialmente constitucionais e dotadas de supremacia. É como faz Muñoz Navarro203, ao

afirmar que as normas ingressam no bloco com a finalidade de realizar o controle de constitucionalidade:

Em sínteses, tenemos que por “bloque de constitucionalidad” debemos entender aquellas normas, principios y valores que sin ser parte del texto constitucional (constitución en sentido formal) por disposicion y mandato de la propia constitución se integram a ella, com la finalidad de llevar a cabo el control constitucional.

Por sua vez, Saul Tourinho completa que “logo, a ideia de bloco de constitucionalidade defende como parâmetro de controle não somente a Constituição Federal,

mas um conjunto de regras e princípios materialmente constitucionais”204. Realmente, o bloco

é formado pela constituição, obviamente, e pelas regras e princípios que mesmo não presentes na constituição formal são materialmente constitucionais. Todavia, mesmo integrando o bloco de constitucionalidade e sendo parâmetro de controle, essas normas extravagantes, isto é, não contidas no texto escrito, podem não estar no mesmo nível hierárquico da constituição.

201 HUERTA LARA, Maria del Rosario. El bloque de constitucionalidade y el nuevo juicio de amparo. Revista

Letras Juridicas, n.26, p. 62-79, jul/dez, 2012.

202 Op.cit.

203 MUÑOZ NAVARRO, José de Jesus. El bloque de constitucionalidad como parámetro del control

constitucional em México. Revista Debate Social. n.23, maio 2002, p.3.

Apesar de parecer contraditório em relação às concepções acima colacionadas, é de se verificar que em alguns países, como será trabalhado na Itália e na Espanha no capítulo subsequente, o conceito de bloco vai se aproximar do parâmetro de controle e a discussão da materialidade da norma constitucional será mitigada, focando-se na característica de tais normas imporem o seu respeito em relação à legislação ordinária.

Essa segunda vertente, ou seja, da função do bloco como parâmetro de controle, ainda que não se considere todas as normas na mesma posição hierárquica, mostra um aspecto mais formal que o bloco de constitucionalidade pode ser visto. Apesar de não se negar que as normas integrariam no bloco por tratarem de assunto fundamental ao Estado, a exemplo da repartição de competências, por essa concepção formal importa mais a possibilidade de se decretar a invalidade da legislação ordinária que contrariar normas contidas na constituição ou contidas nas normas do bloco vinculadas à constituição, mesmo não se situando no mesmo nível hierárquico.

Por isso, pela utilização do bloco nessa segunda vertente, surgirá outro conceito, das normas interpostas, que representarão justamente as normas que pertencem ao bloco de constitucionalidade, mas estão fora da constituição por se reconhecer que não possui o seu mesmo nível hierárquico. Como essa vertente será mais esmiuçada na oportunidade de estudo do bloco ítalo-espanhol, por ora é importante reconhecer que, apesar da doutrina nacional associar o bloco de constitucionalidade à discussão de normas materialmente constitucionais, em uma vertente mais axiológica, saber que o seu conceito também tem uma corrente mais formal, permitirá melhor compreender as oscilações do seu significado no ordenamento jurídico nacional (capítulo 5).

Dessa maneira, como primeiro será mostrado a origem do bloco de constitucionalidade, faz-se imprescindível frisar que a função do bloco de constitucionalidade será possibilitar o alargamento do sentido da constituição. Nas palavras de Alberto Mariano Júnior, “com a existência do bloco de constitucionalidade possibilita [-se] o intérprete ampliar a circunferência das normas constitucionais através dos princípios fundamentados em tal

bloco, haja vista que não se limita aos enunciados prescritos no ordenamento jurídico”205.

Passou-se, então, a considerar, a par da Constituição, normas e princípios de cunho constitucional como integrantes de um bloco sólido, condensado de normatividade constitucional, um “bloco de constitucionalidade”.

205 MARIANO JUNIOR, Alberto Ribeiro. Bloco de constitucionalidade: consequências do seu reconhecimento

no sistema constitucional brasileiro. Revista Âmbito Jurídico, s.L., nº 87, Ano XIV, ABRIL/2011.Disponível.em:http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9 241&revista_caderno=9. Acesso em : 20 de maio de 2011.

Seu conceito traz em si, dessa forma, a noção da materialidade da Constituição, ultrapassando as barreiras da constituição formal, uma vez que promove a incorporação de normas implícitas no próprio corpo normativo como também pode englobar normas que estejam contidas em tratados internacionais, no preâmbulo e princípios existentes em outros diplomas normativos.

Trata-se, por conseguinte, de reconhecer uma amplitude horizontal à Constituição, permitindo o reconhecimento de direitos subjetivos constitucionais externos à lei fundamental (Grundnorm de Kelsen) e, por vezes, externos ao próprio ordenamento jurídico interno.

Parafraseando Lima, “em síntese, a substância do bloco é a existência de normas periféricas que, unindo-se ao texto da Constituição, formam um todo inseparável. Daí falar-se,

também, em Constituição periférica”.206.