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Cotistas em um campus universitário do interior do Maranhão: um "grão" de democratização?

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ELLEN PATRÍCIA BRAGA PANTOJA

COTISTAS EM UM CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO INTERIOR DO MARANHÃO: um “grão” de democratização?

Niterói/RJ 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ELLEN PATRÍCIA BRAGA PANTOJA

COTISTAS EM UM CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO INTERIOR DO MARANHÃO: um “grão” de democratização?

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito avaliativo para obtenção do título de Doutorado Acadêmico em Educação.

Linha de Pesquisa: Diversidade, Desigualdades Sociais e Educação (DDSE).

Orientadora: Profa. Dra. Hustana Maria Vargas

Niterói/RJ 2019

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ELLEN PATRÍCIA BRAGA PANTOJA

COTISTAS EM UM CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO INTERIOR DO MARANHÃO: um “grão” de democratização?

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito avaliativo para obtenção do título de Doutorado Acadêmico em Educação.

Linha de Pesquisa: Diversidade, Desigualdades Sociais e Educação (DDSE).

Aprovada em: ___/___/___

Profa. Dra. Hustana Maria Vargas – UFF (Orientadora)

Prof. Dr. Paulo César Rodrigues Carrano – UFF

Profa. Dra. Léa Pinheiro Paixão – UFF

Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani – USP

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Ao meu filho Eduardo Pantoja Barboza, que desde o primeiro ano de idade me acompanhou nesse percurso do doutorado;

À memória de meu pai Afonso Celso Santos Pantoja e de minha irmãzinha Emanuelle Braga Feitosa.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, em sua Santíssima Trindade, pelas oportunidades e bençãos.

À minha mãe, pelo apoio desde o primeiro momento; e pela sensatez com que sempre me ajudou e me orientou em todos os momentos da minha vida.

Ao meu marido Marcio Barboza e ao nosso filho Eduardo, pela família que somos, pela alegria e leveza do nosso lar, por todo o amor e cuidado, principalmente, nesses momentos tão difíceis que compreendem a finalização de um doutorado.

Ao meu pai Emanoel Feitosa, pela alegria de ser sua enteada e também comadre. À minha prima-irmã Marcia Andréa com quem sempre pude partilhar todas minhas conquistas desde que éramos crianças. À minha tia Elba e à minha sobrinha Amanda, pelos fortes laços que nos unem.

À minha orientadora Profa. Dra. Hustana Vargas, pela delicadeza, clareza e amabilidade com que conduz seus orientandos nessa árdua jornada do doutorado. Por nos tornar cientes do nosso potencial, por ser nossa grande incentivadora nesse caminho e, acima de tudo, pela luz e pela paz que nos transmite, mesmo quando nos comunicamos a quilômetros de distância.

Aos Professores Doutores do PPGE/UFMA e do PPGE/UFF com quem tive o grande privilégio de conviver, dialogar, refletir e aprender durante as etapas do doutorado interinstitucional em São Luís/MA e em Niterói/RJ: Lucinete Marques, Acildo Leite, Ângelo Bianchini, Ronaldo Rosas, Claúdia Alves, José Antônio Sepúlveda, Valdelúcia Alves, Igor Valentim e Carrano.

Aos colegas da turma do doutorado interinstitucional, em especial Suly Rose, Rosa Maria, Ilka Pereira, Luís Eduardo, Ricardo Cavalcante, Antonio Alves e Franco.

Aos amigos, presentes que a UFF me deu por meio das disciplinas e dos grupos de orientação: Carolina Castro, Gislaine Kalinowski, Paula Brandão, Nathália, Fábio, Amanda e Lourrany. Meus agradecimentos também vão a Junia Coutinho pelo grande apoio na etapa da qualificação da tese.

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Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida:

Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar.

Gonçalves Dias (Canção do Tamoio)

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RESUMO

PANTOJA, Ellen Patrícia Braga. Cotistas em um campus universitário do interior do Maranhão: um “grão” de democratização? Orientadora: Hustana Maria Vargas. Niterói, Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2019. Tese de Doutorado em Educação. 252 páginas. Linha de pesquisa: Diversidade, Desigualdades Sociais e Educação. Eixo temático: Políticas Públicas para o Ensino Superior.

A presente tese tem por objetivo analisar o processo de democratização da universidade pela via das ações afirmativas, na qual se propõe uma investigação das nuances referentes aos percursos educacionais de estudantes cotistas dos cursos de Direito e de Pedagogia que ingressaram na UFMA, campus Imperatriz-MA, nos anos de 2007, 2012 e 2016. Buscou-se, nesse estudo, identificar semelhanças e diferenças nos percursos individuais desses estudantes, destacando fatores que levaram às variações de comportamento, opiniões e atitudes, de modo a possibilitar, dentro de uma perspectiva sociológica à escala individual, uma compreensão das complexidades que envolvem o processo de expansão e democratização de uma universidade pública por meio de políticas afirmativas. Para a condução da pesquisa essencialmente qualitativa, o recurso metodológico escolhido foi a entrevista biográfica pautada na abordagem compreensiva. Buscou-se apoio teórico nos estudos de Pierre Bourdieu, Bernard Lahire, François Dubet e Danilo Martuccelli. Com o intuito de melhor compreender e analisar os dados obtidos realizou-se, também, um levantamento bibliográfico sobre categorias como “universidade”, “democracia” e “ações afirmativas”. Também foram analisados dados secundários do Censo da Educação Superior e do Relatório Socioeconômico e Cultural de Concluintes do ENADE. Por meio dos dados obtidos, foi possível identificar relações entre origem familiar, credenciais educacionais, nível ocupacional, capital cultural e social acumulados e como eles influíram para o acesso e permanência nos cursos em análise, bem como foi possível compreender dentro desse processo as disposições do entrevistado em relação às diferentes situações da sua vida social, o modo como percebia sua situação, os desafios que julgava enfrentar e quais as alternativas que via surgir diante de si nesse processo de mobilidade educacional. Os resultados da pesquisa possibilitaram conhecer peculiaridades atinentes à política de expansão e inclusão social da UFMA, em especial no que se refere a cursos localizados em unidades acadêmicas do interior do Estado do Maranhão marcado por uma população majoritariamente pobre.

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ABSTRACT

PANTOJA, Ellen Patrícia Braga. Cotistas em um campus universitário do interior do Maranhão: um “grão” de democratização? Orientadora: Hustana Maria Vargas. Niterói, Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2019. Tese de Doutorado em Educação. 251 páginas. Linha de pesquisa: Diversidade, Desigualdades Sociais e Educação. Eixo temático: Políticas Públicas para o Ensino Superior.

This thesis aims to analyze the democratization process of the university through affirmative actions, in which it proposes an investigation of the nuances regarding the educational pathways of law students and pedagogy students who joined UFMA, campus Imperatriz-MA, in the years 2007, 2012 and 2016. This study sought to identify similarities and differences in the individual pathways of these students, highlighting factors that led to variations in behavior, opinions and attitudes, so as to enable, within a sociological perspective on an individual scale, an understanding of the complexities that involve the process of expansion and democratization of a public university through affirmative policies. To conduct this essentially qualitative research, the methodological resource chosen was the biographical interview based on the comprehensive approach. Theoretical support was sought in the studies of Pierre Bourdieu, Bernard Lahire, François Dubet and Danilo Martuccelli. In order to better understand and analyze the data obtained, a bibliographic survey on categories such as “university”, “democracy” and “affirmative actions” was also performed. Secondary data were also analyzed from the Higher Education Census and the ENADE Graduates' Socioeconomic and Cultural Report. Through the obtained data, it was possible to identify relationships between family origin, educational credentials, occupational level, accumulated cultural and social capital and how they influenced the access and permanence in the courses under analysis, as well as it was possible to understand within this process the dispositions of the interviewed in relation to the different situations of his social life, the way he perceived his situation, the challenges he thought he faced and what alternatives he saw arising in front of him in this process of educational mobility. The research results allowed to know peculiarities related to UFMA's policy of expansion and social inclusion, especially regarding courses located in academic units of the interior of Maranhão State, marked by a mostly poor population.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Formas de Ingresso na UFMA de 2007 a 2019 ... 95

Quadro 2 – Perfil socioeconômico dos entrevistados na época de ingresso no curso de Direito ... 162 Quadro 3 – Perfil socioeconômico dos entrevistados na época de ingresso no curso de Pedagogia ... 165

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Direito participantes do ENADE (média de idade, sexo, estado civil e cor/raça) ... 103

Tabela 2 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Direito participantes do ENADE (ensino médio, ano de conclusão do ensino médio e ano de ingresso no curso) ... 104

Tabela 3 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Direito participantes do ENADE (situação financeira e renda familiar) ... 105

Tabela 4 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Direito participantes do ENADE (atual situação de trabalho – exceto bolsa e estágio) ... 106

Tabela 5 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Direito participantes do ENADE (escolaridade do pai e escolaridade da mãe) ... 107

Tabela 6 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Pedagogia participantes do ENADE (média de idade, sexo, estado civil e cor/raça) ... 108 Tabela 7 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Pedagogia participantes do ENADE (ensino médio, ano de conclusão do ensino médio e ano de ingresso no curso) ... 109 Tabela 8 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Pedagogia participantes do ENADE (situação financeira e renda familiar) ... 110

Tabela 9 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Pedagogia participantes do ENADE (atual situação de trabalho – exceto bolsa e estágio) ... 111 Tabela 10 – Características socioeconômicas dos concluintes do curso de Pedagogia participantes do ENADE (escolaridade do pai, escolaridade da mãe e horas de estudo por semana) ... 112

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LISTA DE SIGLAS

ABA – Associação Brasileira de Antropologia AEE – Atendimento Educacional Especializado

ANDIFES – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CBPN – Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros

CCSST – Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia da UFMA CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNMA – Centro de Cultura Negra do Maranhão

CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior CONSEPE – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão

CONSUN – Conselho Universitário

CVM – Comissão de Validação de Matrícula

DSA/UFMA – Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA EAD – Ensino a Distância

ENADE – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

FAPEMA – Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão

FIES – Programa de Financiamento Estudantil FNB – Frente Negra Brasileira

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FUNDEB – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica IAN – Imprensa Alternativa Negra

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IFES – Instituições Federais de Ensino Superior

IFMA – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão IFPI – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação MNU – Movimento Negro Unificado

MPDG – Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão MPF – Ministério Público Federal

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PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação PEC – Proposta de Emenda Constitucional

PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PNE – Plano Nacional de Educação

PPIs – Pretos, Pardos e Indígenas

PROAES – Pró-Reitoria de Assistência Estudantil PROEN – Pró-Reitoria de Ensino

PROUNI – Programa Universidade para Todos PSG – Processo Seletivo Gradual

PSV – Processo Seletivo Vestibular

QSE – Questionário Socioeconômico do Estudante

REUNI – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI

SIGAA/UFMA – Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas SINAES – Sistema Nacional de Avaliação

SISU – Sistema de Seleção Unificada SISU – Sistema de Seleção Unificado STF – Supremo Tribunal Federal TEN – Teatro Experimental do Negro

TJ/MA – Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense UEPA – Universidade Estadual do Pará

UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro UFBA – Universidade Federal da Bahia

UFF – Universidade Federal Fluminense UFMA – Universidade Estadual do Maranhão UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFPA – Universidade Federal do Pará

UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco UFT – Universidade Federal do Tocantins

UnB – Universidade de Brasília USP – Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 14

1. A INSTITUIÇÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL: aspectos conceituais e históricos... 22

1.1 OS COLÉGIOS JESUÍTAS... 24

1.2 AS PRIMEIRAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL DO SÉCULO XIX E A “CULTURA DO BACHARELISMO” ... 25

1.3 O MOVIMENTO DA ESCOLA NOVA E A REFORMA FRANCISCO CAMPOS: autonomia versus autoritarismo... 28

1.4 A REPÚBLICA POPULISTA E A LEI DE DIRETRIZES E BASES DE 1961.. 31

1.5 A REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1968... 34

1.6 A POLÍTICA EDUCACIONAL DOS ANOS 1990... 36

2. DEMOCRACIA E ENSINO SUPERIOR NO BRASIL DO SÉCULO XXI... 41

2.1 DEMOCRACIA E DESIGUALDADES: reflexos no pensamento educacional brasileiro... 42

2.2 DEMOCRACIA E DESIGUALDADES ESTRUTURAIS NO ENSINO SUPERIOR: as correntes teóricas de crítica à tese meritocrática... 50

2.3 POLÍTICAS DE EXPANSÃO E ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: as ações dos governos Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) ... 59

2.4 DEMOCRACIA EM CRISE E RECRUDESCIMENTO CONSERVADOR NO BRASIL: os desafios para o ensino superior no contexto pós-ruptura política de 2016... 67

3 AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO: um estudo das políticas de cotas na perspectiva da sua interiorização... 78

3.1 AÇÕES AFIRMATIVAS: abordagem histórico-conceitual e jurídica... 79

3.2 SOBRE A UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO... 85

3.3 AÇÕES AFIRMATIVAS NA UFMA: uma análise das reservas de vagas a partir dos seus marcos normativos... 87

3.4 O LUGAR DA PESQUISA: campus da UFMA/Imperatriz... 98

3.5 OS CURSOS DE DIREITO E DE PEDAGOGIA DA UFMA/CAMPUS IMPERATRIZ: perfil socioeconômico de concluintes cotistas e não-cotistas... 102

3.5.1 Perfil dos concluintes do curso de Direito... 104

3.5.2 Perfil dos concluintes do curso de Pedagogia... 108

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4 PERCURSOS EDUCACIONAIS DE UNIVERSITÁRIOS COTISTAS DO

INTERIOR DO MARANHÃO... 123

4.1 OS RELATOS DOS ENTREVISTADOS... 128

4.2 PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS ENTREVISTADOS: algumas discussões... 162

4.3 COTISTAS NA UFMA/CAMPUS IMPERATRIZ: desafios e suportes... 169

4.3.1 Provas e suportes no âmbito familiar... 170

4.3.2 Provas e suportes no âmbito escolar... 182

4.3.3 Provas e suportes no âmbito da instituição universitária... 198

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 220

REFERÊNCIAS... 227

APÊNDICE... 240

A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)... 240

B – Roteiro de entrevista... 242

ANEXO... 244

A – Parecer de aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFF (CEP/UFF) ... 244

B – Parecer de aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMA (CEP/UFMA) ... 251

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INTRODUÇÃO

Em tempos de crise política e recrudescimento do conservadorismo no Brasil, que gerou graves consequências marcadas pelo retrocesso quanto a muitas conquistas no campo educacional, uma delas continua a caminhar, ainda que a passos lentos, porém firmes, para o alcance de objetivos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, como a redução das desigualdades sociais e o combate a quaisquer formas de discriminação baseadas em preconceitos de origem, raça e cor, entre outros.

Trata-se das ações afirmativas e, em específico, das políticas de cotas para ingresso de estudantes oriundos de escolas públicas, bem como estudantes pretos, pardos e indígenas (PPIs) no ensino superior. A atualidade quanto ao reconhecimento de direitos diferenciados continua, na medida em que universidades marcadas por um forte elitismo no país têm aderido às cotas raciais e de escola pública nos processos seletivos para ingresso nos seus cursos de graduação – como a Universidade de São Paulo (USP), cujo Conselho Universitário aprovou a adoção de tais políticas em julho de 2017.

Desde 1988, em especial com a promulgação da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), a educação superior brasileira tem passado por uma série de reformulações com o fito de atender à necessidade de expansão num contexto que abrange, inclusive, a busca pela elevação dos índices de escolaridade média da população. No início do século XXI, governos progressistas buscaram aliar essa expansão com a inclusão de setores populares menos favorecidos em instituições de ensino superior, historicamente marcadas como instrumento crítico para a seleção de elites socioculturais.

Nesse sentido, o objeto de estudo da presente tese concerne à análise do processo de expansão e democratização da educação superior relacionada à inclusão social pela via das ações afirmativas – estas consideradas enquanto políticas públicas de caráter compensatório, que visam corrigir distorções atinentes à sub-representação de grupos em diversos setores da sociedade, de modo a, no que se refere ao ensino superior, contribuir para o aumento da diversidade no perfil estudantil.

A discussão sobre inclusão social em meio ao processo de expansão da educação superior no Brasil não é algo recente. Advém de uma série de lutas de movimentos sociais,

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como o movimento negro1, que reivindicavam não apenas a ampliação do número de vagas para aqueles que almejassem ingressar na universidade, mas que essa ampliação permitisse que grupos sociais historicamente discriminados e/ou marginalizados socialmente pudessem também ocupar esse espaço.

Por muito tempo discutiu-se acerca da legitimidade da política de cotas para ingresso no ensino superior, prevendo-se inclusive efeitos deletérios, como disparidades de rendimento acadêmico entre cotistas e não cotistas, ofensa ao preceito meritocrático de ingresso nesse espaço, promoção do racismo dentro da universidade, entre outros.

Entretanto, é necessário ampliar esse debate a fim de que se possa efetivamente buscar respostas que deem conta do atual contexto no qual se insere o ensino superior brasileiro. Nesse sentido, Silvério (2005) propõe importantes questões a serem consideradas neste estudo. Segundo este autor, a discussão a respeito da política de cotas pressupõe, antes de tudo, uma reflexão acerca das diferentes condições de educação oferecidas a diferentes seguimentos da população; de privilégios que têm se restringido a alguns grupos; do papel da educação superior, a quem e a que ela serve; e dos critérios para ingresso na universidade. De acordo com Silvério (2005), a educação superior que admite o ingresso diferenciado, incluindo reserva de vagas, para negros e outros grupos marginalizados, estaria se engajando na luta por justiça social e racial, ao buscar corrigir e suprimir discriminações a que esses grupos têm sido submetidos.

Disto advém meu interesse pelo objeto de estudo tratado na presente pesquisa. Um objeto de estudo que me acompanha desde a graduação em Direito na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), passando pelo mestrado no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas também da UFMA, e continuado seu caminho neste doutorado interinstitucional entre Universidade Federal Fluminense (UFF) e a UFMA. Uma universidade que, além de sempre ter sido meu objeto de análise, é hoje também meu local de trabalho, no campus universitário localizado na cidade de Imperatriz/MA.

Quando da minha graduação em Direito, em 2004 em meio a um conjunto de notícias e opiniões contrárias à legitimidade e constitucionalidade das cotas naquele momento, elaborei meu trabalho de conclusão de curso, tratando de normas presentes no ordenamento jurídico brasileiro que previam e conferiam legitimidade e constitucionalidade a essas políticas. Anos

1 A este respeito, Sales Augusto dos Santos publicou a obra “Educação: um pensamento negro contemporâneo”

(2014), que aborda a luta histórica da população negra por educação formal. A problemática das ações afirmativas, em diferentes circunstâncias e dimensões, foi o eixo político e teórico escolhido autor para elaboração de suas análises e considerações.

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depois, em 2012, esse pensamento foi corroborado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao considerar constitucionais as cotas raciais.

Ao ingressar no mestrado, em 2005, o cenário era de diversas universidades públicas aderindo e aprovando sua política de cotas, o que ensejou a pesquisa que embasou a dissertação sobre o processo de aprovação dessa política no âmbito da UFMA – dissertação defendida em 2007. Dez anos depois, fazia-se necessária uma avaliação da política de cotas implantada na UFMA, principalmente quando se verificou não ter havido a priori nenhum esforço efetivo e concreto por parte dessa instituição no sentido de acompanhamento e avaliação da sua política de cotas.

Além dos primeiros estudos sobre cotas na UFMA realizados por esta pesquisadora, destacam-se entre os trabalhos acadêmicos que também abordam o tema: a discussão promovida por Maciel (2009) sobre o processo de implementação das cotas nessa universidade, em sua dissertação de mestrado; a análise feita por Costa (2009) acerca do sistema de cotas raciais, sob as perspectivas de igualdade e justiça dos alunos de Direito da UFMA de São Luís, também em sua dissertação de mestrado; a tese de doutorado de Maciel (2014) sobre cotistas e suas produções acadêmicas; a dissertação de mestrado de Pinto (2014) sobre os efeitos da política de cotas na UFMA a partir da visão dos cotistas; a tese de doutorado de Costa (2016) sobre a judicialização das cotas sócio-raciais da UFMA; e a tese de Camargo (2016) sobre as transformações havidas no campus do Bacanga (sede da UFMA em São Luís/MA) a partir do ingresso dos alunos negros, com foco em suas trajetórias e representações sobre a noção de estranho.

O levantamento da produção acadêmica sobre o tema também apontou a necessidade de se pensar no presente momento sobre os efeitos dessa política em outros campi da UFMA, localizados no interior do Estado do Maranhão. Nesse sentido, a presente pesquisa pretendeu avançar na discussão, promovendo um estudo sobre democratização do ensino superior pela via das políticas de cotas, considerando os processos de expansão e interiorização da UFMA. Para tanto, tomei como campo empírico um de seus campi mais antigos: o de Imperatriz/MA, segunda maior cidade do estado e a primeira a fazer parte do processo de expansão e interiorização da universidade, iniciado na década de 1980 e que ganhou força com a adesão da UFMA ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, em 2007.

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Em relação ao campus da UFMA em Imperatriz/MA, foram tomados como objeto mais específico de análise dois de seus cursos mais antigos, os pioneiros nesse processo de interiorização da universidade e que, com a adesão da mesma ao REUNI, também sofreram impactos com essa nova fase da expansão. Trata-se dos cursos de Direito e de Pedagogia do Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia (CCSST) da UFMA em Imperatriz/MA.

Desse modo, os resultados da pesquisa buscaram contribuir para um conhecimento mais amplo e sistematizado acerca da política de inclusão social aplicada nesta universidade, em especial no que se refere aos efeitos produzidos em cursos localizados em unidades acadêmicas do interior do Estado do Maranhão, mais especificamente o campus localizado na cidade de Imperatriz/MA, o qual possui características peculiares, marcadas principalmente pela dependência administrativa em relação à sede localizada na capital, com uma população majoritariamente pobre.

Com base em conceitos e teorias que nortearam a pesquisa, procurei responder aos seguintes questionamentos: como a democratização do acesso tem se verificado nos cursos de Direito e Pedagogia da UFMA de Imperatriz? Que efeitos as políticas de cotas teriam trazido para esses cursos? Que grupos sociais a eles têm obtido acesso? Como se verifica a relação do credencialismo educacional por eles gerado e o nível de ocupação social por eles proporcionado? Houve mudanças ou apenas se confirma os entendimentos no sentido de que as desigualdades não se fazem apenas entre universidade e sociedade, mas principalmente dentro da própria universidade, entre cursos considerados nobres e não nobres? Estar-se-ia, com base nisso, de fato rumo à democratização do ensino superior, enquanto oportunidade educacional conferida aos setores que a política de cotas de fato visa alcançar?

A pesquisa que embasou a presente tese partiu da hipótese de que, em meio a mudanças estruturais que impulsionam o processo de expansão e massificação do ensino superior, com a inclusão de setores sociais que historicamente a ele não tiveram acesso, tem-se que, apesar de avanços consideráveis em termos de ingresso desses grupos na universidade, condições socioeconômicas e culturais previamente vivenciadas por esses indivíduos afetaram não apenas a escolha pelos cursos pretendidos, como a maneira como se deu o processo de permanência e sucesso acadêmico alcançado, reverberando ainda nas carreiras almejadas e alcançadas por aqueles que concluíram a graduação na condição de cotistas.

De modo mais específico, a pesquisa também levantou a hipótese de que, considerando a estratificação e a desigualdade existente entre as diversas camadas sociais, inclusive entre as

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de estratos mais baixos, os cotistas detentores de maior acúmulo de capital cultural e social ao longo de sua trajetória escolar, puderam ingressar nos cursos mais seletivos, gerando uma mobilidade social de maior alcance que a de outros cotistas que, por suas condições não apenas econômicas, mas também socioculturais, ingressaram em cursos menos seletivos.

Desse modo, o estudo partiu do pressuposto de que as diferenças quanto ao tipo, área de conhecimento e qualidade recebida pelos estudantes ainda reproduzem desigualdades de classe existentes na sociedade, de modo que se faz necessário às instituições de ensino superior apurar os efeitos da sua expansão e sua relação com desigualdades estruturais, o que servirá de norte para o monitoramento e acompanhamento de políticas que tenham como foco uma efetiva democratização do ensino superior, de modo a diminuir as desigualdades de oportunidades educacionais e possibilitar maior chance de mobilidade social entre setores populacionais.

Diante disso, o objetivo geral deste estudo é analisar o processo de democratização da universidade a partir dos efeitos gerados pelas políticas de cotas sociais e étnico-raciais nos cursos de Direito e de Pedagogia da Universidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz-MA, considerando os percursos educacionais de alunos e ex-alunos cotistas, que ingressaram no período entre 2007 e 2016. Para tanto, foram elencados os objetivos específicos:

▪ Discutir aspectos conceituais envolvendo ensino superior e universidade, esta como forma institucional predominante e paradigmática desse nível de ensino, bem como as imbricações existentes entre universidade e sociedade, além da sua construção histórica na sociedade brasileira;

▪ Refletir acerca das implicações do termo democracia e sua relação com a educação superior, no processo de expansão e promoção de políticas voltadas para a inclusão social e diversidade pela via das ações afirmativas;

▪ Analisar a maneira como as políticas de cotas, enquanto modalidade de ações afirmativas, foram implementadas na Universidade Federal do Maranhão, bem como as alterações pelas quais passou no contexto do Sisu e da Lei Federal nº 12.711/2012;

▪ Discutir aspectos concernentes às políticas de cotas sociais e raciais na Universidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz, no período compreendido entre 2007 e 2016, por meio da análise do perfil socioeconômico e cultural de estudantes cotistas, seu contexto familiar, processo de escolarização, vivência

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universitária e representações acerca do que consideram como universidade democratizada.

Nesse sentido, a problemática da democratização da universidade e sua relação com os efeitos gerados pelas políticas de cotas foi analisada a partir de duas dimensões. A primeira de caráter mais geral, abrangeu o primeiro e o segundo capítulo, bem como o início do terceiro capítulo, nos quais se procedeu à revisão e/ou reconstrução histórica de categorias analíticas que pudessem dar conta das novas complexidades envolvendo o processo de expansão do ensino superior associado à inclusão social, quais sejam: “universidade”, “democracia” e “ações afirmativas”.

A segunda dimensão, mais específica e particular no tocante ao campo de análise da pesquisa, correspondeu ao levantamento de dados quantitativos sobre o perfil de estudantes cotistas e não-cotistas concluintes dos cursos de Direito e de Pedagogia da UFMA/campus Imperatriz que participaram das últimas edições do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), os quais foram obtidos a partir de microdados disponibilizados no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A análise desses dados se encontra presente no final do terceiro capítulo deste trabalho.

Ainda como parte da segunda dimensão que estrutura a presente tese, foram abordados no quarto capítulo os percursos educacionais de alunos e ex-alunos cotistas que ingressaram em distintos momentos da aplicação das políticas de cotas na UFMA: 2007, quando essas políticas foram implantadas com base na autonomia administrativa da universidade; 2012, quando a UFMA tinha aderido em sua integralidade ao Sistema de Seleção Unificada (SISU) e portarias do Ministério da Educação (MEC); e 2016, momento de vigência da Lei nº 12.711/12, que institui as políticas de cotas no âmbito das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).

O acesso aos participantes pesquisa foi obtido por meio de relatórios eletrônicos fornecidos pelo Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA/UFMA). Para tanto, os referidos documentos foram solicitados junto aos coordenadores dos cursos de Direito e de Pedagogia, que possuem acesso direto a esses relatórios, nos quais, entre outras informações, consta a forma de ingresso dos estudantes. A partir deles foram realizados contatos com aqueles interessados em participar da pesquisa, na qual procurei entrevistar 03 cotistas por ano de ingresso (2007, 2012 e 2016) e por curso (Direito e Pedagogia), totalizando assim 18 participantes. Desses 18 participantes, houve a desistência de um participante da turma de Pedagogia de 2016, de modo que no total foram realizadas 17 entrevistas.

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Nessa análise geracional estabelecida entre os cotistas participantes da pesquisa, foram observadas as redes de relações construídas a partir das estratégias tomadas no âmbito familiar e/ou social que lhes deram condições de ingresso no ensino superior, a utilização das políticas de cotas como meio para esse ingresso, as percepções desses indivíduos sobre a instituição e o curso no qual ingressaram, bem como sobre o que consideram como espaço universitário democratizado, além de perspectivas e metas pessoais estabelecidas a partir do diploma universitário obtido ou em vias de sê-lo.

Para a consecução dos objetivos dessa pesquisa, foi tomado como referencial teórico-metodológico a teoria sociológica de Pierre Bourdieu e as categorias por ele propostas como a noção de “campo”, “habitus” e as diversas formas de capital para além do econômico, como as noções de “capital cultural” e “capital social”, consideradas importantes na análise da teoria crítico-reprodutivista no campo educacional (a qual considera o componente escolar como importante mecanismo de reprodução das desigualdades sociais) e que se relacionam às heranças culturais, possibilidades de acesso e inserção, assim como à intimidade com determinadas práticas, posturas, instituições, sujeitos, conhecimentos, etc. Também foram consideradas teorias sociológicas que tratam da estratificação educacional, como teoria da “Desigualdade Maximizada” (MMI), de Raftery e Hout, e a teoria de “Desigualdade Efetivada” (EMI), proposta por Samuel Lucas, de crítica ao valor meritocrático.

Por envolver o estudo de percursos educacionais de indivíduos integrantes de camadas populares e minorias sociais, que obtiveram sucesso na transição para o ensino superior por meio de políticas de inclusão social, participando, pois, da construção de um espaço público de reconhecimento de direitos diferenciados, o horizonte analítico da pesquisa conferiu atenção particular às experiências individuais. Nesse ponto, foram levadas em consideração recentes contribuições da perspectiva sociológica à escala individual proposta por autores como Dubet, Lahire e Martuccelli, a qual considera o indivíduo como relevante via para a compreensão dos processos macrossociais.

Considerando, pois, a importância de contextualizar os percursos individuais a fim de conseguir me apropriar de maneira concreta das experiências e tomadas de posição dos indivíduos ao longo dos percursos sociais, a análise levou em conta importantes categorias como: “patrimônio de disposições”, trabalhadas por Lahire (2008) nos Retratos Sociológicos; o conceito de “experiência social” em Dubet (1994) e a noções de “provas” e “suportes”, propostas por Martuccelli (2016), onde as provas são entendidas como desafios, dificuldades

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às quais o indivíduo se vê obrigado a enfrentar, e que se configuram como operador analítico que permite religar processos estruturais, espaços e itinerários pessoais.

A essência da pesquisa se pautou numa abordagem metodológica de cunho qualitativo, uma vez que levou em consideração questões fundamentais como o significado e a intencionalidade do objeto e dos sujeitos estudados, a fim de obter uma melhor compreensão da complexidade e da relação dialética entre os sujeitos e a realidade.

A fim de capturar as experiências vivenciadas pelos sujeitos envolvidos na pesquisa e assim subsidiar as análises à escala individual, o recurso metodológico escolhido foi a entrevista biográfica, proposta por autores como Momberger (2012) e Demazière (2008). O processo de condução das entrevistas também buscou se pautar na abordagem compreensiva de Kaufmann (2013). A análise dos dados obtidos permitiu uma estruturação do quarto capítulo, onde inicialmente constam relatos acerca dos percursos individuais dos sujeitos entrevistados; posteriormente uma discussão dos perfis observados nas entrevistas, estabelecendo ainda uma relação com as teorias abordadas no segundo capítulo e uma comparação com dados de perfis mais gerais fornecidos pelo INEP e trabalhados no terceiro capítulo; e por fim, uma análise de categorias observadas na pesquisa, envolvendo desafios e suportes observados no âmbito familiar, no âmbito escolar e no âmbito da instituição universitária.

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1. A INSTITUIÇÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL: aspectos conceituais e históricos

O presente capítulo trata da instituição universitária2 e dos papéis que ela foi chamada a exercer conforme o contexto social brasileiro de cada época, identificando, assim, momentos de crise e desafios a ela impostos ao longo de sua história. Tal abordagem se faz necessária a fim de identificar, por meio de um resgate histórico do ensino superior no Brasil, a imbricação existente entre universidade e sociedade, bem como os reflexos advindos dessa relação.

Como ponto de partida para o estudo da categoria “universidade”, considera-se relevante o uso da noção de “campo” em Pierre Bourdieu (2004). De acordo com este autor, a sociedade constitui-se de uma sucessão de campos – econômico, artístico, religioso, cultural, jurídico, entre outros – os quais se encontram organizados segundo uma lógica própria, estruturada em torno de interesses específicos. Desse modo, enquanto campo autônomo, a universidade encontra-se regida por regras particulares e com uma dinâmica marcada pela disputa de uma pluralidade de atores3, cada qual tentando sobrepor seus interesses aos dos demais.

2 Conforme abordado nas considerações iniciais, toma-se por “instituição universitária” a forma assumida pelo

nível de ensino superior de modo predominante e paradigmático ao longo de sua construção histórica. No decorrer da pesquisa bibliográfica e documental, os termos “educação superior” e “ensino superior” por vezes são percebidos como sinônimos. Entretanto, compreende-se, no presente trabalho, o primeiro termo como mais abrangente que o segundo, pelo seu caráter estruturante e pelas finalidades ora dispostas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 43 e 44 da Lei nº 9.394/1996 – LDB). Tal abrangência também é percebida no referido diploma legal em seu art. 45, ao preceituar que: “A educação superior será ministrada em instituições de

ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização” (grifo nosso). 3 Martins (2014), prefaciando a obra de Prates e Collares (2014) sobre desigualdade e expansão do ensino superior

na sociedade contemporânea, aponta, nos dias atuais, essa pluralidade de atores. No plano das sociedades nacionais, se destacam as próprias instituições de ensino, as quais ocupam posições diferentes dentro de hierarquias de prestígio acadêmico; estudantes provenientes de origens sociais heterogêneas; docentes que atuam em distintas áreas do conhecimento; agentes que estabelecem ou formulam as diretrizes políticas (policy makers) de ensino superior no interior de ministérios da educação e nos organismos de avaliação institucional; associações de reitores de universidades públicas e privadas; movimentos sociais que reivindicam atendimento às suas agendas políticas; sindicatos de docentes que interferem nos embates educacionais; jornalistas que se consideram especializados na temática; entre outros. No plano internacional, por sua vez, o professor aponta como atores que atuam de forma direta ou indireta no funcionamento do ensino superior as agências multilaterais, dando como exemplos o Banco Mundial, Banco Interamericano, Unesco, OMCT/GATS; os blocos regionais que introduzem mudanças estruturais no ensino superior, como a Comunidade Europeia; fundações, como Ford, Aga Khan e Carnegie; as movimentações de provedores de serviços educacionais, como Apollo Internacional e Thompson Learning; além de instituições acadêmicas com práticas de elaboração de rankings internacionais, como a Universidade de Shangai, que criou em 2003 o Academic Ranking of World Universities. Essa ampla perspectiva nos possibilita uma análise mais atenta às profundas transformações ocorridas nesse nível de ensino, não apenas no contexto nacional, como também internacional, e suas relações.

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Tal campo universitário possui ainda, dentro dessa perspectiva de Bourdieu, uma relação transversal com os demais campos, de modo a se mostrar mais ou menos consistente, conforme o grau de autonomia institucional que o define: ou como lugar referenciado do saber ou como instrumento de racionalidade econômica4. Nesse sentido, vários sociólogos, em suas distintas perspectivas explicativas – como Pierre Bourdieu, Peter Scott, Michael Gibbons, Gerard Delanty, entre outros, inclusive latino-americanos e brasileiros, têm analisado as complexas relações entre ensino superior, desenvolvimento econômico, formação de recursos humanos, bem como suas relações com as crescentes pressões da sociedade civil, em meio às demandas de igualdade de oportunidades e construção da cidadania na contemporaneidade.

Assim, se faz necessária a abordagem de uma perspectiva histórica que permita uma análise em sentido mais amplo do processo de institucionalização do ensino superior no Brasil. Isto, levando em consideração a diversidade de atores e organizações que se movimentam nesse campo universitário e que contribuem para sua transformação, tanto no plano nacional como também internacional.

Conforme aponta Fávero (2006), falar de universidade no Brasil e sua trajetória histórica implica rever uma caminhada complexa, plena de obstáculos, o que pode ser verificado desde a resistência da Coroa Portuguesa à criação de universidades no Brasil colonial, perpassando pelo arcaísmo do ensino superior no Império e na República Velha, pelas contradições que dilaceravam esse nível de ensino no país durante a República Populista, bem como as reformas voltadas para sua “modernização”, seja a ocorrida no período da ditadura militar, seja a que tem sido proposta no final do século XX e início do século XXI.

Refletindo sobre essa questão, pode-se inferir que alguns desses impasses vividos pela universidade no Brasil poderiam estar ligados à própria história dessa instituição na sociedade brasileira. Basta lembrar que ela foi criada não para atender às necessidades fundamentais da realidade da qual era e é parte, mas pensada e aceita como um bem cultural oferecido a minorias, sem uma definição clara no sentido de que, por suas próprias funções, deveria se constituir em espaço de investigação científica e de produção de conhecimento (FÁVERO, 2006).

4 Rubião (2013), tomando por base os estudos de Freitag, menciona essas perspectivas e suas respectivas

distinções. Enquanto lugar referenciado de saber, a universidade se constituiria em campo privilegiado de análise do universo humano em suas diversas relações, seja com a educação, com a pesquisa, com o trabalho, com a cultura, etc; ou seja, um lugar ideal de busca pelo conhecimento, de transmissão de valores universais e de cultura geral, reconhecidamente qualificado como instituição social. Enquanto instrumento de racionalidade econômica, a universidade é vista não como instituição ligada a um plano global ou universal da sociedade, mas como uma organização de produção e de controle, um instrumento visando a realização de objetivos específicos, como a inserção dos alunos no mundo do trabalho.

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Esse pensamento coaduna-se à crítica feita por Cunha (2007a) no que concerne ao tipo ideal de universidade que cronistas do ensino superior no Brasil, como Souza Campos e Fernando de Azevedo, chamavam de tentativas ou “lutas” para sua criação, como parte de um esforço continuado de pessoas esclarecidas para organizar um ensino superior, “universitário pela sua própria natureza”.

Cunha propõe como critério de definição de ensino superior um critério dinâmico, relacionado a saberes superiores, hierarquizados conforme os interesses das classes dominantes ao longo de uma formação social, historicamente concebida. Esse critério histórico impede, de início, uma tentativa de busca por uma linha evolutiva, de modo que tanto as continuidades quanto as rupturas devem ser levadas em consideração.

Desse modo, apesar de utilizar em sua trilogia referências pertencentes ao campo político para delimitar os períodos, Cunha (2007a) afirma que os marcos fundamentais que os delimitam são interiores ao campo educacional. Com base nisso, será feita no presente capítulo uma breve análise desses marcos fundamentais, de modo a possibilitar uma compreensão da atual configuração do ensino superior brasileiro, no sentido das atribuições e papéis a que ele é chamado a exercer na contemporaneidade.

1.1 OS COLÉGIOS JESUÍTAS

Diferentemente da América Espanhola, que em pleno século XVI dispunha de várias universidades ao longo de seu território5, no Brasil não se verificou qualquer intento de Portugal

para criação de institutos de ensino superior – reflexo de sua política de colonização, que visava manter o controle da Metrópole sobre a Colônia, evitando qualquer iniciativa de independência cultural e política desta em relação àquela. Segundo Fávero (2006), não havia justificativa para o estabelecimento de universidades no Brasil, uma vez que as elites da época poderiam dirigir-se a Portugal para realizar dirigir-seus estudos superiores.

Ainda assim, os jesuítas e seu sistema educacional foram capazes de ministrar formas de ensino superior no Brasil, chegando inclusive a oferecer em seus colégios cursos de Teologia

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e de Filosofia, os quais poderiam inclusive ser comparados qualitativamente aos das universidades de colonização espanhola (CUNHA, 2007a, p. 17).

Entretanto, a busca pelo reconhecimento e equiparação ao nível superior desses cursos dos colégios jesuítas, como o colégio da Bahia, eram negados quando solicitados à Metrópole. Apenas em 1689 esses cursos obtiveram estatuto civil, de modo que os graduados em Filosofia não mais necessitariam frequentar cursos complementares ou submeterem-se a exames de equivalência para ingressarem nos cursos de Direito, Cânones, Medicina e Teologia na Universidade de Coimbra6.

Por outro lado, a expulsão dos jesuítas de Portugal e suas colônias em 1759, promovida pela reforma Pombalina com vistas ao aumento do poder do Estado e promoção de uma nova política econômica voltada para a acumulação de capital público e privado, interrompeu a atividade educacional no Brasil, provocando toda uma desarticulação do sistema escolar da Colônia. Em seu lugar, sucedeu a fragmentação na pluralidade de aulas de matérias isoladas e dispersas, cada uma funcionando em locais distintos.

Mesmo com as reformas pombalinas, que deram lugar, no âmbito da educação, a novos currículos, novos métodos de ensino, nova estrutura da educação escolar, o ensino público era estatal e religioso. Segundo Cunha (2007a, p. 73), “não só eram religiosos seus marcos principais de referência, e até seu conteúdo, como também religiosa era a instituição que formava os professores (em geral, sacerdotes) e administrava as escolas: a Igreja Católica”.

1.2 AS PRIMEIRAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL DO SÉCULO XIX E A “CULTURA DO BACHARELISMO”

Somente com a chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 deu-se a criação das primeiras instituições de ensino superior no Brasil. De caráter laico e estatal, tais instituições

6 A centralidade ocupada pela Universidade de Coimbra na formação das elites brasileiras se estendeu até meados

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estiveram inicialmente voltadas, em sua maioria, para uma articulação de defesa militar da colônia que se tornara sede do governo português.

Ainda no ano de 1808, cria-se, no Rio de Janeiro, a Academia de Marinha, e, em 1810, a Academia Real Militar, para a formação de oficiais e de engenheiros civis e militares. Também em 1808, criaram-se os cursos de anatomia e cirurgia, para a formação de cirurgiões militares, que se instalaram, significativamente, no Hospital Militar (como também era o caso do curso da Bahia, citado anteriormente). A esses cursos, de início simples aulas ou cadeiras, acrescentaram-se, em 1809, os de medicina e, em 1813, constituiu-se, a partir desses cursos, a Academia de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (MENDONÇA, 2000, p. 134).

Com caráter também pragmático de criação de uma infraestrutura que garantisse a sobrevivência da Corte na colônia, alçada a Reino-Unido, foram criados outros cursos para formação de profissionais não militares para os aparelhos burocráticos do Estado, tais como Agronomia, Química, Desenho Técnico, Economia Política e Arquitetura. A esse conjunto, viriam a ser agregados os cursos de Direito, criados após a Independência, em Olinda e em São Paulo, considerados os mais importantes em termos de produção de bens simbólicos para o consumo das classes dominantes (CUNHA, 2007a).

Esse contexto, definido por Nelson Piletti (1991) como “paraíso das elites” deu início à chamada “cultura do bacharelismo”, na qual a aquisição de um diploma superior, especialmente no curso de Direito, seria o caminho para se constituir os “mandarins do Brasil”. Cunha (2007a), dialogando com a obra de Carvalho (1980) sobre a elite política imperial, faz menção ao que este autor chamou de “bilhete de entrada” para o “clube” formado pela elite dirigente imperial, cuja homogeneidade ideológica propiciada pela educação, pela ocupação e pela carreira política se comparava em certo grau de semelhança à dos mandarins chineses.

Apesar de concordar com a necessidade de se evitarem transposições mecânicas, mantenho a ênfase no papel de socialização política da elite, propiciada pelas faculdades imperiais brasileiras, que serviram também de fonte de recrutamento de quadros, na linha do mandarinato, guardadas as devidas proporções. Creio que essa abordagem ajuda a entender, não só a unificação da elite imperial e, consequentemente, do espaço político, como, também, o sucesso dessa elite, em seu segmento docente, de impedir o surgimento de outras faculdades. Tal bloqueio foi tão eficaz que São Paulo teve de esperar pelo fim do Império e, com ele, da versão brasileira de mandarinato para que pudesse criar sua Escola Politécnica (CUNHA, 2007a, p. 13-14).

O debate sobre a criação de uma universidade no Brasil não deixou de se fazer presente no período imperial. De um lado, propunha-se a criação de uma universidade sob forte

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influência do modelo napoleônico de controle de todo o ensino, inclusive primário e secundário, tendo como grande defensor Justiniano José da Rocha. De outro lado, negava-se qualquer proposta de sua criação, o que também se dava sob forte influência francesa, desta vez dos iluministas, que viam na universidade uma figura obsoleta de modo que, para uma especialização profunda, deveriam ser mantidas as escolas superiores especiais.

Como adversários ferrenhos à criação de uma universidade, havia os positivistas como Miguel Lemos e Teixeira Mendes, segundo os quais esta seria uma iniciativa contrária à liberdade de ensino que pregavam, principalmente porque, uma vez controladas diretamente pelo imperador, seria previsível o predomínio das doutrinas católicas. Essa mesma preocupação se dava entre os liberais que, apesar de algumas tentativas de criar universidades no Brasil, tinham como grande preocupação a autonomia das instituições de ensino existentes, ainda sob forte influência do Estado e da Igreja.

Essa autonomia só viria com o advento da República, onde foram criadas as primeiras escolas livres, empreendidas por particulares e independentes do Estado, havendo também mais liberdade nas escolas mantidas pelo governo – lógica que se estendia também às instituições de ensino superior. Entretanto, segundo Rubião (2013), apesar da expansão do ensino e da autonomia por ele adquirida, continuava prevalecendo a “cultura do bacharelismo”, em que as escolas superiores eram vistas muito mais como um trampolim para a ascensão social, expressa no mito do “doutor”, do que uma instituição ordenada capaz de contribuir para o progresso do conhecimento.

A expansão do sistema aliada a um crescimento da demanda por diplomas garantidores de conhecimentos “apropriados” aos cargos conferidores de maior remuneração, prestígio e poder, segundo Cunha (2007a), fez com que os diplomas das escolas superiores tendessem à perda de raridade, deixando, por consequência, de ser um instrumento de discriminação social eficaz e aceito como legítimo. De acordo com o autor, no período que vai da reforma Benjamin Constant, em 1891, até 1910, um ano antes da Reforma Rivadávia Corrêa, foram criadas 27 escolas superiores, sendo 9 de Medicina, Obstetrícia, Odontologia e Farmácia, 8 de Direito, 4 de Engenharia, 3 de Economia e 3 de Agronomia.

Isso tudo propiciado pela facilitação do acesso, expressa na multiplicação de escolas e na modificação das condições de ingresso. A Reforma Rivadávia de 1911 reforçou essa tendência, enfatizando a liberdade de ensino e de frequência e transferindo os exames de admissão para as faculdades de ensino superior. Essa expansão verificada passou a enfrentar

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resistências, centradas principalmente na crítica referente à perda do caráter formativo e de qualidade do ensino secundário.

Como meio de conter essa expansão, cujas resistências à livre-diplomação e à liberdade profissional já se fazia presente em todos os setores, inclusive dentro da burocracia do Estado, foi promulgado em 18 de março de 1915 o Decreto n 11.530, conhecido como Reforma Carlos Maximiliano, o qual buscava centralizar e controlar, em nível federal, a criação de instituições de ensino superior. Os critérios de admissão também se tornaram mais rígidos, envolvendo aprovação em exame vestibular para números de vagas delimitados e apresentação de certificado de aprovação das matérias de curso ginasial, realizado no Colégio Pedro II ou nos colégios estaduais a ele equiparados e fiscalizados pelo Conselho Superior de Ensino. Não era prevista a equiparação de colégios particulares, cujos alunos deveriam prestar os exames naqueles para preenchimento desse requisito.

Cunha (2007a) observa ainda que o ensino superior na época era pago pelos estudantes, o que se dava tanto nas instituições particulares como nas oficiais. O autor afirma que na Reforma Carlos Maximiliano havia a previsão de que não haveria “alunos gratuitos” nas escolas superiores. Outra reforma importante, a Rocha Vaz de 1925 também previa diversas taxas às quais os estudantes dos estabelecimentos federais estavam sujeitos, prevendo, entretanto, exceções, muito mais como um mecanismo de assimilação e submissão das associações de estudantes ao controle dos estabelecimentos e do próprio governo.

1.3 O MOVIMENTO DA ESCOLA NOVA E A REFORMA FRANCISCO CAMPOS: AUTONOMIA X AUTORITARISMO

Prates e Collares (2014) afirmam que, por meio das Conferências Nacionais de Educação promovidas pela Associação Brasileira de Educação7, eram discutidas entre as

lideranças educacionais dos três níveis de ensino (primário, secundário e superior) novas ideias pedagógicas vindas dos EUA e da Europa. Nesse ambiente instigante de ideias e propostas

7 A primeira conferência foi realizada em 1927, na cidade de Curitiba; a segunda, em 1928, na cidade de Belo

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novas para educação brasileira, surgiu o Movimento da Escola Nova, tendo como líder Anísio Teixeira, principal tradutor das ideias do norte-americano John Dewey no Brasil.

Com a Revolução de 1930, o Brasil veio a ter sua primeira experiência de política educacional global. Para tanto, foi realizada a IV Conferência Nacional de Educação, em 1931, na cidade de Niterói, na qual em mensagem aos participantes da conferência, Vargas pedia que fossem elaborados os princípios orientadores da política educacional do novo regime. Entretanto, esses participantes se dividiram em dois grupos, sem que nenhum deles tivesse conseguido sobrepor suas ideias a todos os educadores: de um lado estavam os liberais, tanto os antigos de tendência elitista, como Fernando de Azevedo, quanto os novos igualitaristas, liderados por Anísio Teixeira; do outro lado, estavam os defensores de uma política educacional autoritária.

Diante da impossibilidade do consenso, os liberais decidiram por expressar suas posições educacionais por meio da divulgação, em 1932, de um documento que ficou conhecido como “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Esse documento, refletindo a heterogeneidade ideológica existente dentro do grupo dos educadores liberais, apresentou um texto cujo teor detinha tanto princípios elitistas quanto igualitários. Aqueles voltados para a defesa de uma concepção unificada de educação, dando maior ênfase para aspectos biológicos, psicológicos, administrativos e didáticos do processo educacional. Estes se preocuparam com o papel da educação na discriminação social, denominada segregação, principalmente pelo que consideravam existir dois sistemas escolares paralelos: o primário-profissional e o secundário-superior, servindo assim de “instrumentos de estratificação social” (CUNHA, 2007a).

Em contraposição a esse aspecto discriminatório da educação brasileira, os igualitaristas propunham a criação de uma escola única para todos os indivíduos, de 4 a 14 anos, a fim de se “evitar o divórcio entre trabalhadores manuais e intelectuais”. Essa dualidade também se manifesta na questão do ensino superior. Segundo o autor:

No que se refere ao ensino superior, o manifesto apresenta, também, a dualidade de posições que permeia todo o seu discurso. Ao lado da função atribuída à universidade de formar a elite dirigente, dinâmica e aberta, aparece a de criar e difundir ideais políticos, tomando partido na construção da democracia. Os educadores liberais igualitaristas defenderam também a gratuidade do ensino superior (como, aliás, de todo o ensino oficial), em oposição ao Estatuto das Universidades, de 1931, que mantinha a tradição de pagamento do ensino superior, mesmo nas escolas estatais (CUNHA, 2007a, p. 246).

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Apesar da grande repercussão do manifesto e do aumento do prestígio dos educadores igualitaristas, a política educacional prevalecente naquele período, apesar de reconhecer as ideias novas e avançadas desse movimento intelectual, foi altamente centralizadora e autoritária. Isto pode ser percebido por meio da Reforma Francisco Campos, de 1931, envolvendo os três níveis de ensino.

Esta reforma, no que se refere ao ensino secundário, de 1931, reforçou barreiras existentes entre os diferentes tipos de ensino “pós-primário não-superior”, segundo Cunha (2007a), como os cursos profissionais, os quais não estavam articulados com o secundário e, por consequência, com o superior, não podendo, após sua conclusão, candidatar-se diretamente ao exame vestibular. No tocante ao ensino superior, este continuaria a ser pago, mesmo nas universidades oficiais.

Dentre os decretos que a integravam, estava o Decreto nº 19.851, que criou o Estatuto das Universidades. Este estabelecida como requisito para fundação de uma universidade no país a incorporação de, pelo menos, três institutos de ensino superior, dentre eles os de Direito, de Medicina e de Engenharia, ou em substituição a um deles, a Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Desde então foram sendo criadas universidades a partir de ideais e preceitos do movimento oriundo da Associação Brasileira de Educação, principalmente no que tange à autonomia e ao engajamento científico e cultural.

As experiências mais inovadoras, inspiradas no liberalismo, foram a Universidade de São Paulo (USP), fundada em 1934, e a Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em 1935 pelo decreto municipal nº 5.513. Esta última foi fundada por Anísio Teixeira, na época Secretário da Educação do Distrito Federal, o qual reuniu grandes nomes da cultura brasileira, como Gilberto Freyre, Mário de Andrade, Vila Lobos, Cândido Portinari, Sérgio Buarque de Holanda entre outros, sendo composta por cinco escolas: Escola de Ciências; Instituto de Educação, Escola de Economia e Direito; Escola de Filosofia e Artes; e Instituto de Artes.

Diante da política governamental que minou o pleno funcionamento da UDF, esta acabou sendo absorvida pela Universidade do Brasil, antiga Universidade do Rio de Janeiro. Em contraposição a esta experiência, a da USP por sua vez se mostrou exitosa. Segundo Prates e Collares (2014), o projeto de criação dessa universidade adquiriu um novo significado após a Revolução Constitucionalista de 1932, passando a fazer parte da agenda política da elite paulista, imbuída do espírito de criação de uma elite cultural para o país. A ideia principal era de que esta universidade desempenhasse o papel catalisador de ideais político-culturais, bem

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como se destinasse à formação de profissionais e pesquisadores competentes em suas diversas áreas.

1.4 A REPÚBLICA POPULISTA E A LEI DE DIRETRIZES E BASES DE 1961

Com a derrocada do Estado Novo em 1945, a política educacional autoritária que vinha sendo construída desde 1931 deu lugar à retomada de antigas lutas no campo da educação. Entretanto, no período da República Populista8, que durou até 1964, nada se vislumbrou em

relação a um ensino superior consistente. Embora ainda vigente nesse período, o Estatuto das Universidades, mesmo proclamando ser esta o padrão para a organização do ensino superior, admitia a existência de estabelecimentos isolados, os quais eram a grande maioria e nos quais se encontravam muito mais estudantes matriculados do que nas universidades propriamente ditas9.

Assim, permanecia o regime de cátedra, os exames vestibulares e o cumprimento de demais exigências para ingresso nos cursos superiores, bem como a onerosidade dos cursos, mesmo nos estabelecimentos oficiais, o que se constituía numa tradição secular no ensino superior brasileiro10 (CUNHA, 2007b). Tais questões, envolvendo a expansão da demanda por ensino superior, a gratuidade, a modernização e as diretrizes e bases foram pontos importantes verificados nesse período.

Segundo Schwartzman (1979) e Cunha (2007b), verifica-se na década de 1940 uma rápida expansão do processo de matrícula no sistema de ensino superior. Cunha atribui isso ao processo de deslocamento dos canais de ascensão social das camadas médias, propiciado pela

8 Segundo Cunha (2007b), o populismo foi um complexo fenômeno político surgido no Brasil, após a Revolução

de 1930, como resultado da emergência das massas na política. Constituiu-se numa tentativa de resolução da crise de hegemonia que marcou a política brasileira desde os anos 1920, utilizando-se, porém, não da ditadura, como no período de 1937 a 1945, mas da busca do consentimento ativo. Esse processo de incorporação tutelada das massas na política se deu com o reconhecimento de antigas reivindicações dos trabalhadores, como a organização sindical, o salário mínimo, as férias remuneradas, etc.

9 Cunha (1982) aponta que em 1945 o ensino superior brasileiro compreendia 5 universidades (Universidade do

Brasil, Universidade de Porto Alegre, Universidade de São Paulo, Universidade de Minas Gerais e Universidade Católica do Rio de Janeiro), 293 estabelecimentos isolados, com um total de matriculados correspondente a 27.253 estudantes.

10 Essa onerosidade dos cursos estava relacionada ao pagamento, por exemplo, ao pagamento de taxa de inscrição

em exame vestibular, matrícula em cada ano, taxa por cadeira (disciplina) e por período (semestre), inscrição em exame, certificado de exame, guia de transferência, certidão de frequência, diploma, etc.

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industrialização, intensificação da urbanização, intervenção do Estado na economia e pela monopolização. Schwartzman (1979, p. 181) descreve esse processo da seguinte forma:

O rápido processo de urbanização, bem como as comunicações e consumo de massa, contudo, estavam conduzindo as universidades numa direção diferente. As pessoas agora queriam mais educação e os privilégios a ela associados, sem necessariamente estarem dispostas a seguir mais cursos. Havia, naturalmente, uma demanda efetiva por mais engenheiros, advogados, doutores e professores. Menos reconhecido, embora talvez mais importante, era o desejo das classes médias de alcançar prestígio social e os benefícios decorrentes de uma boa situação profissional. Um título universitário prometia um certo nível de prestígio social e renda, independentemente da qualidade da educação recebida. Com o correr do tempo, foram-se criando privilégios legais para os detentores de diplomas, não somente em relação às profissões tradicionais – médicos, advogados e engenheiros –, mas também para ocupações novas, como economistas, estatísticos, administradores, jornalistas, bibliotecários e psicólogos.

Com o fito de satisfazer essas demandas, a expansão da educação superior no período em análise se deu basicamente mediante um processo de aglomeração de instituições autônomas. O governo federal criou várias universidades públicas federais, absorvendo em muitos casos velhas instituições estaduais, municipais, ou mesmo comunitárias ou particulares, incapazes de se manter e expandir com seus recursos próprios. Também surgiram várias universidades particulares católicas no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Recife e Porto Alegre, ao lado da crescente expansão das faculdades autônomas, especialmente nas áreas de menor custo de investimento como, por exemplo, na área de Humanas.

Cunha (2007b) aponta que nesse período o crescimento das matrículas no ensino superior se dava mais rápido do que o do ensino médio e o deste, por sua vez, mais intenso do que o do fundamental. Havia, pois, uma intensa pressão das camadas médias pela obtenção dos graus escolares, progressivamente mais elevados, exigidos tanto pela expansão do aparelho governamental quanto das empresas. Isto levou a uma intensa mobilização estudantil, principalmente a partir dos anos 1960, o que também gerou um “processo de politização das questões universitárias por parte de professores, pesquisadores e estudantes pressionando o governo para reformas do ensino e universalização do acesso à universidade pública” (PRATES e COLLARES, 2014, p. 87).

Esse clima de debates, num contexto de redemocratização, envolvia importantes questões relacionadas ao ensino superior, entre elas o acesso e a permanência, especificamente no tocante à defesa de sua gratuidade e a uma estrutura universitária mais aberta às camadas

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