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Análise comparativa entre os perfis dos concluintes dos dois cursos

3 AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO

3.5 OS CURSOS DE DIREITO E DE PEDAGOGIA DA UFMA/CAMPUS

3.5.3 Análise comparativa entre os perfis dos concluintes dos dois cursos

Os resultados observados nas tabelas do item anterior nos levam a algumas reflexões referentes ao perfil estudantil dos concluintes dos cursos de Direito e de Pedagogia da UFMA/campus Imperatriz. Inicialmente, trata-se de cursos que possuem diferenças qualitativas entre si, mormente pelo caráter historicamente elitista e seletivo do curso de Direito, em contraposição ao curso de Pedagogia, pouco valorizado nas hierarquias de prestígio profissional e salarial no Brasil.

No tocante ao curso de Direito, Vargas (2010) aponta que, apesar do processo de massificação que vem ocorrendo desde a década de 1970, ele continua bem posicionado nos

rankings de hierarquia dos cursos, com uma alta demanda que se deve, principalmente, a dois

fortes elementos culturais, quais sejam: o status de ser “doutor” e a busca pela tão sonhada estabilidade com a aprovação em concurso público. Além disso, o prestígio e a seletividade na carreira profissional se mantêm reforçados por barreiras observadas quando do ingresso na advocacia e na magistratura.

Com base nas respostas dadas pelos concluintes de Direito e de Pedagogia da UFMA/ campus Imperatriz, percebemos diferenciações existentes entre os grupos sociais que efetivamente têm ocupado esses espaços. Por certo que as políticas afirmativas, em especial as reservas de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas e minorias étnico-raciais, têm contribuído sobremaneira para uma crescente heterogeneidade do perfil discente nas universidades federais em termos de suas origens sociais e culturais. Entretanto, é necessário nos indagarmos como essa heterogeneidade tem se processado no interior do espaço universitário, considerando as desigualdades de oportunidades educacionais que distinguem os diferentes grupos que ingressam em cursos de maior ou menor prestígio.

No curso de Direito ficou evidenciada uma menor média de idade entre seus concluintes, quando comparada com a média de idade dos concluintes de Pedagogia: esses na faixa dos 30 aos 36 anos, aqueles na faixa dos 25 aos 28 anos. No Direito, entre os concluintes de ampla concorrência, a maioria era do sexo feminino, enquanto entre os cotistas, tanto de critério étnico-racial quanto de escola pública, a predominância foi do sexo masculino. Em Pedagogia, a prevalência, tanto entre concluintes cotistas quanto não cotistas foi do sexo feminino.

No curso de Direito, observamos o predomínio de estudantes solteiros, tanto entre cotistas quanto entre não-cotistas, diferentemente do curso de Pedagogia, com uma grande presença de estudantes casados em todas as categorias. Em Direito, percebemos de 2012 para 2015 uma diminuição na proporção de brancos entre os concluintes de ampla concorrência e os concluintes cotistas de escola pública. Em Pedagogia, apesar da maior presença de pretos e pardos em todas as categorias, houve um aumento do número de brancos concluintes de ampla concorrência e uma diminuição dos mesmos entre os concluintes cotistas de escola pública.

Quanto ao tipo de escola cursada no ensino médio, percebemos, no curso de Direito, que os concluintes de ampla concorrência, em sua grande maioria, e uma parte dos concluintes cotistas de critério étnico-racial, são oriundos de escolas particulares/privadas. Em Pedagogia, dá-se o contrário: mais da metade dos concluintes de ampla concorrência em ambos os ENADEs concluíram o ensino médio em escola pública.

Um dado que consideramos bastante relevante é o ano em que o ensino médio foi concluído. No Direito, tanto entre cotistas quanto entre não-cotistas, o ano de conclusão encontra-se muito mais próximo ao ano de ingresso no curso do que entre os concluintes de Pedagogia, onde observamos, seja na ampla concorrência, seja nas cotas, um grande número de conclusões do ensino médio em décadas como 1980 e 1990, havendo inclusive ocorrência na década de 1970.

Outro dado importante concerne ao ano de ingresso no curso, demonstrando uma diferença abissal entre o curso de Direito e de Pedagogia, e que também implica no tempo que esses estudantes levaram até a conclusão do curso de nível superior. No curso de Direito, todos os concluintes (cotistas e não-cotistas) participantes do ENADE 2012 ingressaram no ano de 2008. Do mesmo modo, todos os concluintes participantes do ENADE 2015 ingressaram no ano de 2011.

Isso demonstra uma linearidade no transcorrer do curso por parte desses concluintes, com cumprimento de créditos dentro do prazo regular. Por outro lado, vemos no curso de Pedagogia, tanto entre cotistas quanto entre não cotistas, nos ENADEs tanto de 2014 quanto de 2017, uma variedade quanto aos anos de ingresso, indicando retenções, abandonos temporários e retornos. A grande maioria desses concluintes levou cerca de seis anos entre o ingresso e a fase de conclusão do curso. Observamos casos, inclusive, de ingressos mais longínquos no tempo, como de um concluinte de 2014 que havia ingressado em 1994.

Os aspectos relativos à situação financeira, à renda familiar e à situação de trabalho também apontam para diferenças entre os cursos analisados. No Direito, os concluintes de ampla concorrência em sua grande maioria recebem ajuda financeira da família ou de outras pessoas para financiar seus gastos, possuindo renda ou não. Entre os cotistas, principalmente os de escola pública, observamos concluintes que possuem renda, mas que, majoritariamente, ou se sustentam sozinhos ou contribuem para o sustento da família. No curso de Pedagogia, tanto entre cotistas quanto entre não-cotistas, além dos concluintes terem alguma renda, se sustentarem ou ainda ajudarem no sustento da família, há um número considerável de concluintes que são os principais responsáveis pelo sustento da família.

Quando observamos a renda familiar, as diferenças entre concluintes cotistas e não- cotistas do curso de Direito podem ser verificadas quanto a esses últimos estarem mais concentrados na faixa de 6 a 10 salários mínimos, enquanto cotistas de critério étnico-racial e de escola pública ocupam faixas mais baixas de rendimentos (com maior presença de

ocorrências nas faixas de 3 a 4,5 salários mínimos e 4,5 a 6 salários mínimos). Entre os concluintes do curso de Pedagogia, essas faixas de rendimento são ainda mais baixas, concentrando-se, tanto entre cotistas quanto entre não-cotistas, na faixa de 1,5 a 3 salários mínimos.

Essa gradação vai se expressando também na situação de trabalho dos concluintes nos dois anos de ENADE em que participaram. Os que ingressaram por ampla concorrência no curso de Direito, na maioria das ocorrências, não trabalham ou trabalham até 20 horas semanais. Os cotistas de critério étnico-racial se concentram na jornada de 20 horas semanais, bem como entre 20 e 40 horas semanais. Os cotistas de escola pública, por sua vez, se concentram entre 20 e 40 horas semanais, e ainda em tempo integral com mais de 40 horas de trabalho semanais. Essa última situação é a predominante tanto entre cotistas quanto entre não-cotistas do curso de Pedagogia.

Outro importante indicador socioeconômico trazido no QSE/ENADE concerne ao grau de instrução dos pais dos concluintes. Em termos de escolaridade do pai, verificamos, entre os concluintes de ampla concorrência do curso de Direito, frequências maiores entre os níveis médio e superior, dando-se o mesmo em relação à escolaridade da mãe nesse grupo de concluintes. Entre os cotistas, a escolaridade da mãe se mostra mais elevada que a escolaridade do pai, com maior predomínio do nível médio e superior.

No curso de Pedagogia, as maiores concentrações, tanto entre cotistas quanto entre não- cotistas, em termos de escolaridade do pai, estão nas faixas mais baixas, isto é, de nenhuma escolaridade ou de nível de ensino fundamental incompleto. Quanto à escolaridade da mãe, em todos os grupos também verificamos maiores ocorrências no nível de ensino fundamental incompleto, sendo observadas frequências no ensino médio em maior número que o dos pais.

Percebemos, portanto, a partir dos QSEs/ENADEs analisados, uma estratificação colocada na seguinte ordem: concluintes do curso de Direito que ingressaram por ampla concorrência; concluintes do curso de Direito que ingressaram por cotas étnico-raciais; concluintes do curso de Direito que ingressaram por cotas de escola pública; concluintes do curso de Pedagogia, que ingressaram tanto por ampla concorrência quanto por cotas, sejam étnico-raciais ou de escola pública.

Há, pois, diferenças de perfil socioeconômico observadas entre concluintes cotistas e não-cotistas do curso de Direito, o que não ocorre no curso de Pedagogia. Além disso, existem

diferenças consideráveis de perfil socioeconômico entre cotistas de Direito, que possuem melhores condições econômicas e origens sociais mais favoráveis, e cotistas de Pedagogia, os quais integram um público de perfil socioeconômico menos favorecido, pertencente aos estratos sociais mais baixos.

Nonato (2018), analisando repercussões do Sisu e da Lei de Cotas sobre o perfil dos alunos de quatro cursos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Medicina, Enfermagem, Direito e Pedagogia, chegou a conclusões semelhantes ao tecer um comparativo entre os cotistas de Direito e de Pedagogia. Segundo a autora:

Quanto à comparação que foi realizada entre os cotistas de Direito e Pedagogia, as diferenças ficaram ainda mais fortes. Como visto, de modo geral, sendo cotista ou não cotista, os estudantes do curso de Pedagogia apresentaram características sócio-raciais de grupos vulneráveis que, comumente, acumulam desvantagens nas relações sociais: mulheres, negras e de baixa renda. Por outro lado, os estudantes do Direito apresentavam características relacionadas a indivíduos que detêm diferentes privilégios: elevado percentual de homens, os quais eram, em sua maioria, brancos e possuidores de renda mais elevada (NONATO, 2018, p. 266).

Os indicadores de origens sociais mencionados, apesar de limitados, fornecem indícios de que os estudantes cotistas do curso de Direito, apesar de pouco providos de capital econômico, podem ter conjugado maior acúmulo de capital cultural que estudantes cotistas do curso de Pedagogia. Esse tipo de capital, para a Teoria Crítico Reprodutivista, constitui o elemento de maior impacto na definição do destino escolar do indivíduo, dando-se pela transmissão, aos filhos, de um sistema de valores implícitos e internalizados, que contribuem para a definição das atitudes relacionadas à instituição escolar (BOURDIEU, 2015a).

Isso nos permite inferir que os cotistas de Direito ocupam uma posição mais favorável, decorrente de um maior suporte material e simbólico adquirido em termos de herança familiar, inclusive no que se refere ao capital de informações sobre o mundo escolar e universitário, que lhes possibilitou percursos escolares de acesso a cursos superiores historicamente seletivos e elitizados. Esse processo envolve estratégias objetivas determinadas a partir das disposições duráveis desses agentes – “habitus”, levando-os a assumir, consciente ou inconscientemente, um horizonte de possibilidades com vistas a manter ou melhorar sua posição na estrutura social.

Assim, conforme a posição do grupo no espaço social, considerando ainda o volume e o tipo de capital possuídos por seus membros, certas estratégias seriam mais seguras e rentáveis, enquanto outras seriam julgadas como mais arriscadas. Segundo Bourdieu (2015b, p. 105):

[...] os ramos de ensino e as carreiras de maior risco, portanto, normalmente, as de maior prestígio, têm sempre uma espécie de par menos glorioso, relegado àqueles que não possuem suficiente capital (econômico, cultural e social) para assumirem os riscos da perda total ao pretenderem ganhar tudo [...]

Isso nos leva a pressupor que, em decorrência do baixo volume de capitais econômico, cultural e social acumulados, as camadas mais populares, que envolvem os cotistas de Pedagogia, venham a ter aspirações escolares mais moderadas, com baixos investimentos educativos, no sentido de que estudem “apenas o suficiente para se manter ou se elevar ligeiramente em relação ao nível socioeconômico dos pais” (NOGUEIRA e NOGUEIRA; 2017, p. 62).

Além disso, de acordo com Bourdieu e Champagne (2015), o acesso de categorias sociais antes excluídas do sistema, por meio de um contexto de expansão educacional, não significa que as desigualdades verificadas estariam dissolvidas. Pelo contrário, as distâncias existentes entre os diferentes grupos sociais, mormente quanto a aspectos culturais e escolares, estariam mantidas, ainda que em um outro patamar, mediante o que os autores chamaram de “translação global das distâncias” (BOURDIEU e CHAMPAGNE, 2015, p. 247). A exclusão, pois, dar-se-ia em outro nível, o que levou os autores, analisando as transformações que afetaram o sistema de ensino francês a partir da década de 1950, a tecer críticas às afirmações sobre “democratização” do ensino.

Dubet (2015), ao discorrer sobre “democratização” do ensino superior, afirma que esta compreenderia, para além de um mero desígnio de sua abertura e massificação, uma análise das categorias sociais que dela se beneficiam, das desigualdades internas percebidas e do valor dos diplomas no mercado de trabalho. Para o autor, num sistema de ensino superior aberto, essa relativa igualdade de acesso pode ser acompanhada de desigualdades no que tange ao acesso dos diversos segmentos desse sistema, dando ensejo à chamada “democratização segregativa”:

Nos sistemas mais abertos, “as verdadeiras” desigualdades são medidas dentro do próprio sistema, e pode-se falar de “democratização segregativa”. Com base em seus recursos financeiros, seu local de residência, suas competências acadêmicas, seu capital cultural, os estudantes se orientam para formações mais ou menos prestigiosas e mais ou menos rentáveis (DUBET, 2015, p. 258).

No que se refere às teorias de estratificação educacional, as evidências observadas confirmam a ocorrência uma estratificação educacional horizontal no ensino superior relacionada à hipótese da “desigualdade maximamente efetivada” ou “desigualdade maximizada” (EMI), uma vez que grupos sociais desprivilegiados em termos culturais e socioeconômicos, terminam ingressando em cursos com menor barreira seletiva e de menor valorização na hierarquia social. Para Mont’Alvão (2016), diferenciações qualitativas no ensino superior, como as observadas nas tabelas do item anterior, correspondem a escolhas condicionadas socialmente, de modo que estudantes dos estratos socioeconômicos mais altos têm vantagens de acesso aos campos educacionais com maior retorno posterior.

Em termos institucionais, Mont’Alvão (2016) menciona que as hierarquias internas demarcam diferenciais qualitativos quanto ao prestígio e ao retorno socioeconômico por campos educacionais. Isso implica maior seletividade no acesso a cursos com maiores retornos, como Medicina, Engenharias, Ciências Aplicadas – exatas e naturais – e Direito. Por outro lado, Ciências Humanas e Sociais constituem as áreas com menos barreiras na seleção. Para o autor, essa seletividade é observada principalmente em termos de classes sociais de origem. Parte do seu efeito está relacionado ao desempenho acadêmico: estudantes pertencentes às classes sociais mais altas apresentam maior probabilidade de sucesso tanto no acesso quanto na conclusão dos cursos de maior prestígio.

A persistência de desigualdades também é verificada após a implantação de políticas que buscam conciliar a expansão de vagas com o aumento da participação relativa de minorias sociais. Ribeiro e Schlegel (2015) argumentam que, apesar de uma maior participação das mulheres e dos PPIs no ensino superior nos últimos anos, essa inclusão não representou acesso igualitário a todas as carreiras universitárias, tendo sido mais intensa em áreas menos valorizadas pelo mercado de trabalho. Isso pode ser percebido no presente estudo, na medida em que as diferenças significativas são verificadas entre os perfis socioeconômicos dos concluintes dos cursos de Direito e de Pedagogia da UFMA/campus Imperatriz, principalmente entre os cotistas desses dois cursos.

Esses resultados constituem ainda um reflexo do que tem ocorrido no contexto brasileiro nos últimos cinquenta anos. Conforme estudos de Ribeiro et al. (2015), os efeitos da escolaridade da mãe, da renda per capita familiar e das características sociais do ambiente familiar evidenciam que a origem social dos jovens brasileiros teve forte impacto na sua trajetória de ensino, tanto em termos de acesso quanto de progressão no sistema educacional.

Se nos anos 1960, 1970 e 1980 essas barreiras se interpunham aos discentes no início das suas trajetórias estudantis, a partir da década de 1990, elas foram se deslocando para os níveis mais altos da escolarização.

Além da expansão educacional verificada no Brasil nas últimas décadas e do aumento da taxa de escolarização da população nos níveis fundamental e médio, deve-se considerar também a diversidade interna hoje presente tanto nas camadas populares quanto nas camadas médias, e que se referem não apenas ao montante total de rendimento, como também da forma como se apropriam de elementos simbólicos. Romanelli (2011, p. 247) afirma não ser fácil demarcar com clareza essas divisões, apesar de haver pesquisas indicando que as condições de existência dos pobres, bem como seu repertório cultural, não constituem uma realidade homogênea.

Conforme apontado no capítulo três, no início do século XXI, visualizou-se o surgimento de uma nova classe trabalhadora que, por suas características, tem gerado perturbações na representação simbólica de hierarquia social. A esse respeito Romanelli (2011, p. 247) aduz:

[...] a nova pobreza é social e culturalmente diversificada, englobando trabalhadores com escolaridade correspondente ao Ensino Fundamental e Médio e exercendo ocupações não manuais. O exercício dessas ocupações é habitualmente utilizado como critério de pertencimento às camadas médias. No entanto, os indicadores de pobreza diluem a fronteira estabelecida entre trabalhadores manuais e não manuais, ou seja, entre integrantes das camadas médias e camadas populares.

Para Romanelli (2011), a diferenciação interna dessas camadas pode estar associada a dois componentes: um, social, referente ao montante de rendimentos de seus integrantes, que exercem ocupações não manuais; e outro, cultural, fundado no universo simbólico que orienta a ação social de seus componentes. Nesse sentido, o autor trabalhou com o referencial teórico de Bourdieu, ao buscar construir categorias úteis que auxiliassem na definição e delimitação da pluralidade desses segmentos, tomando a unidade familiar (e sua diversidade de arranjos e de estilo de vida no plano empírico) como o grupo mais importante para transmitir capital cultural e para orientar a ação dos filhos em termos de aquisição de capital escolar.

As afirmações de Romanelli (2011) acerca da pluralidade de segmentos existentes no interior das camadas populares e da necessidade de busca por novas categorias que possam dar significação a essa diversidade, demonstra que estamos diante de uma nova composição social e política que nos convida, segundo Martuccelli (2010), a fazer uso de uma ferramenta analítica

que se lança à compreensão dos fenômenos sociais na contemporaneidade a partir da escala do indivíduo.

De acordo com Martuccelli (2010), as sociedades atuais são marcadas por um processo estrutural de expansão da singularidade, no qual a figura do indivíduo adquire cada vez mais centralidade em um mundo globalizado cultural e economicamente. No mesmo sentido, Melucci (2005, p. 28-29) afirma que as sociedades complexas têm sido caracterizadas por processos de individualização, no qual os sujeitos individuais são abastecidos de recursos para conceberem-se e para agirem como sujeitos autônomos de ação, sendo a vida cotidiana o espaço no qual os sujeitos constroem o sentido do seu agir e no qual experimentam as oportunidades e os limites para a ação.

Giddens (2012, p. 75), ao afirmar que “hoje em dia, as ações cotidianas de um indivíduo produzem consequências globais”, aponta que as relações entre as decisões do dia a dia e os resultados globais, bem como a influência das ordens globais sobre a vida individual, compõem o principal tema da nova agenda da ciência social. No que se refere à Sociologia da Educação, Ferreira (2015, p. 24-25) nos traz a seguinte contextualização:

[...] a pesquisa educacional tem se desdobrado para dar conta dos fenômenos advindos desse “novo” contexto socioeconômico e político e seus impactos na construção do indivíduo. Em larga escala tem-se produzido pesquisas preocupadas com as representações individuais frente aos desafios impostos pelas condições de vida contemporâneas e as relações institucionais dessa nova ordem cultural, dentre elas a escolarização. Nesse registro a questão é pensar como se processa a relação entre o pessoal e o social a partir da experiência individual na escola, uma vez suposto que existem novas formas de reprodução no interior da escolarização e que os indivíduos respondem a elas de maneiras distintas.

Ferreira (2015) aponta, ainda, para o grande número de pesquisas preocupadas em situar teoricamente as situações desviantes ou as exceções que dão forma aos indivíduos dentro de um espaço social marcado por experiências variadas. Dadas as novas formas de sociabilidade e de comunicação, o autor afirma ser cada vez mais difícil categorizar as experiências