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2. DEMOCRACIA E ENSINO SUPERIOR NO BRASIL DO SÉCULO XXI

2.4 DEMOCRACIA EM CRISE E RECRUDESCIMENTO CONSERVADOR NO

A complexidade histórica das relações entre o campo político e o campo educacional no Brasil apontam para uma relação problemática em termos de decisões tomadas pelo Poder Público, ou seja, pelo Estado, no que se refere à elaboração, acompanhamento e avaliação de políticas públicas na área da educação. Cury (2009) assevera que essa relação é marcada pela rotatividade administrativa e de governo no âmbito do pacto federativo, pelas dificuldades de dar continuidade aos aspectos que deveriam transcender à rotação dos eleitos e pela tensão existente entre as categorias de público e privado.

Essa descontinuidade constitui, para Saviani (2008), um dos principais óbices ao encaminhamento das questões estruturais que permeiam a educação no Brasil desde a primeira fase do Brasil independente. Para o autor:

Esse movimento prossegue no período republicano, patenteando-se melhor aí o caráter pendular, pois, se uma reforma promove a centralização, a seguinte descentraliza para que a próxima volte a centralizar a educação, e assim sucessivamente. Se uma reforma se centra na liberdade de ensino, logo será seguida por outra que salientará a necessidade de regulamentar e controlar o ensino. Uma reforma colocará o foco do currículo nos estudos científicos e será seguida por outra que deslocará o eixo curricular para os estudos humanísticos (SAVIANI, 2008, p. 11).

Saviani (2008) afirma que, no plano federal, essa tensão é percebida na políticas educacionais por meio das oscilações entre centralização e descentralização, o que podemos estender à dualidade “autoritarismo” versus “abertura democrática”, algo que é ampliado por Avritzer (2018) ao abordar uma visão pendular do próprio processo de construção da democracia no Brasil.

No contexto de pós-redemocratização e promulgação da Constituição de 1988, atendendo reivindicações de movimentos sociais, como as pressões dos movimentos negros durante a “Marcha Zumbi dos Palmares” realizada em 1995, o Governo FHC (1995-2002) deu início a um processo de reconhecimento de direitos envolvendo minorias sociais, com a criação de grupos de trabalho interministeriais que incluíram na agenda governamental as pautas desses movimentos. Houve ainda o lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos, previsto na Constituição Federal de 1988, além da adoção de uma posição política que apontava para

iniciativas de fomento à adoção de políticas compensatórias com o propósito de promover a igualdade de oportunidades38.

No governo Lula (2003-2010), esse processo de abertura democrática se fortaleceu com uma maior acessibilidade da sociedade civil às instâncias de decisão, em especial dos movimentos sociais, tendo sido inclusive criado a partir do diálogo com esses setores um espaço dentro da estrutura do Estado39 voltado para seus interesses específicos relacionados à

educação.

Lázaro (2012), afirmando a originalidade de se trazer essa tensão social para dentro do aparelho estatal, se refere à estratégia de governo adotada pelo Partido dos Trabalhadores da seguinte forma:

Esse esforço para trazer para dentro do Estado as pressões sociais e dizer que essas pressões são legítimas foi um divisor de águas na compreensão de como se faz política pública. Representa a tentativa de superar uma dimensão tecnocrática da política pública pela presença do sujeito de direito. E aí surgem muitos embates, muita tensão. Antigamente, a gente ficava na rua gritando e apanhava por isso. Hoje, não precisa gritar, pode sentar à mesa e tomar cafezinho. Mas a tensão é a mesma. Muitos dos problemas ainda não estão resolvidos. Agora, as demandas dos movimentos sociais pelo direito à educação tornaram-se legítimas, são ouvidas e têm lugar no interior do MEC (LÁZARO, 2012, p. 135).

Nos dizeres de Sterling (2019, p. 352), o Brasil se abriu ao século XXI com uma expectativa um tanto quanto eufórica de haver enfim assentado sua experiência democrática. Em meio a esse clima otimista quanto à consolidação do regime democrático no país, Chauí (2016) e Alonso (2017) apontam uma mudança profunda na composição da sociedade brasileira durante os governos Lula da Silva40, decorrente de programas governamentais de transferência

38 Santos (2015, p. 40) afirma que “apesar de realizar algumas mudanças em termos de discurso e de legislação

antirracismo, bem como de passar de uma posição ‘política de não ter política’ para uma ‘política de ter política’ no campo das relações raciais (Cf. Silva, 2001), o governo FHC pendeu mais para o plano simbólico que para o das mudanças práticas e concretas, visto que a ‘política de ter política’ para a inclusão dos negros em áreas de prestígio, poder e mando, por meio de ações afirmativas, foi mais protocolar e formal que substantiva (Cf. Santos, 2007)”.

39 Trata-se da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) – órgão do

MEC criado em 2004 e extinto em 2019 – a qual, em articulação com os sistemas de ensino, era responsável pela implementação de políticas educacionais nas áreas de alfabetização e educação de jovens e adultos, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação especial, do campo, escolar indígena, quilombola e educação para as relações étnico-raciais.

40 De acordo com Chauí (2016), tomando-se critérios do IPEA de organização da sociedade brasileira em classes

designadas como A, B, C, D e E, houve entre 2003 e 2011 uma considerável diminuição das classes D e E, crescimento das classes A e B, e uma expansão ainda maior da classe C, que passou de 65,8 milhões de pessoas para 105,4 milhões de pessoas.

de renda, inclusão social e erradicação da pobreza, da política econômica de emprego e de elevação do salário mínimo, bem como da recuperação de parte dos direitos sociais das classes populares (especialmente os relativos a alimentação, saúde, educação e moradia).

Aliado à rápida transformação da pirâmide brasileira, o aumento do acesso à educação superior e ao consumo promoveu uma diminuição entre os estratos sociais. De acordo com Alonso (2017, p. 50), esse processo perturbou a representação simbólica da hierarquia social, ao tornar menos eficazes seus princípios organizadores, como renda, escolaridade e raça.

A mudança na estrutura social afetou também o plano dos costumes. Observou-se, segundo Chauí (2016), o surgimento de uma “nova classe trabalhadora”41, a qual, não tendo

ainda criado formas de organização e de expressão pública, ao ter acesso ao consumo de massa, aderiu a formulações ideológicas estimadas pelo imaginário da classe média, como a individualidade bem-sucedida e seus elementos simbólicos relacionados à busca do prestígio e seus signos, como diplomas e títulos vindos das profissões liberais, e do consumo de serviços e objetos indicadores de autoridade, riqueza, abundância e ascensão social.

Numa análise crítica, Reis (2019, p. 283) afirma que, apesar dos avanços obtidos nos governos de partidos reformistas como o PSDB e o PT, estes “enfatizaram muito mais a multiplicação de consumidores do que a construção da cidadania”42. O Brasil, ao não “elaborar seu passado”, nos termos de Adorno (2010), exercitando em seu lugar a “memória do silêncio”, nos dizeres de Reis (2019), permitiu que, entrelaçados com os direitos reconhecidos, estivessem também visíveis os pesados legados do período ditatorial, como cacos incrustrados no corpo da Constituição de 1988. De acordo com o autor:

É verdade que, após a promulgação da nova Constituição, vários governos definiram políticas de defesa dos direitos humanos e democratização em vários níveis das relações sociais, como entre outras, a política de cotas para afrodescendentes e alunos de escolas públicas, atenuando-se desigualdades históricas cristalizadas. Mas não houve investimentos consistentes em projetos educacionais, com o claro objetivo de condenar as violações daqueles direitos, em especial a tortura como método de interrogatório, que permaneceu como recurso habitual nas delegacias e nos quartéis das polícias militares (REIS, 2019, p. 281).

41 Chauí (2016) afirma que esta “nova classe trabalhadora” é oriunda não apenas de programas sociais como

também de elementos trazidos pelo neoliberalismo: de um lado, a fragmentação, terceirização e precarização do trabalho; e de outro lado, a incorporação à classe trabalhadora de segmentos sociais que em outro momento do capitalismo teriam pertencido à classe média. Saad Filho e Morais (2018) apontam como característica dessa nova classe a tendência a ser atomizada, estruturalmente desorganizada, inexperiente na ação coletiva e desconfiada de estruturas de representação.

42 Do mesmo modo, Almeida (2019, p. 43) afirma que os “governos lulistas foram bastante eficazes em gerar

Para Reis (2019), as consequências das omissões, recalques e silêncios sempre implicam em custos, por vezes elevados, que aparecem mais tarde. Dessa forma, a decantação do otimismo acabou por vir mais rápida do que se esperava, uma vez que os êxitos não resistiram ao impacto da crise econômica em escala global e ao declínio do crescimento econômico verificados no país a partir de 2011, revelando as mazelas cobertas pelo véu da euforia. Entre elas, a manutenção das desigualdades sociais, apesar de atenuadas nos anos anteriores.

Alonso (2017), Saad Filho e Morais (2018), Abranches (2019) e Starling (2019), apontam uma confluência de insatisfações que expressavam um profundo mal-estar até então ignorado e que eclodiram nos protestos de 2013, revelando, entre as vulnerabilidades do governo sob o comando do Partido dos Trabalhadores, demandas contraditórias difíceis de serem contornadas em razão de fatores como: desaceleração econômica; perda de qualidade das políticas públicas; o estancamento das políticas distributivas; inépcia do governo perante um Congresso Nacional cada vez mais hostil, no qual parlamentares buscavam a todo custo esquivar-se de denúncias de corrupção.

Ainda como fatores da crise de governabilidade que desencadearia na crise do próprio sistema político, menciona-se: o massacre midiático promovido pelos meios de comunicação que adotaram uma postura política oposicionista ao governo; a forte aliança estabelecida entre a grande imprensa, o Poder Judiciário e os aparelhos de Estado como Polícia Federal e o Ministério Público Federal, amplificando de forma seletiva grandes escândalos de corrupção envolvendo políticos do PT e alguns de seus aliados43.

Saad Filho e Morais (2018) afirmam que as demandas contraditórias concerniam, de um lado, a um aumento da expectativa dos trabalhadores, dos pobres e dos jovens, que se deu de forma mais rápida que o acréscimo de sua renda. Esta contradição também foi elencada por Boito Jr. (2016, p. 29) ao tratar dos atores e do enredo da crise política:

A baixa classe média fora contemplada com medidas democratizantes de acesso à universidade – a política de cotas, o Programa Universidade para Todos (ProUni), a Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Porém, os novos diplomados não encontraram no mercado de trabalho os empregos que julgavam garantidos. Essa insatisfação eclodiu nas ruas em junho de 2013.

43 Isto contribuiu para o surgimento de fenômenos como a “espetacularização do Sistema de Justiça Criminal” e

De outro lado, havia uma classe média indócil ao governo, ao PT e aos pobres. Seu apego aos privilégios e à hierarquia social acabou por expressar uma rejeição à ascensão social e econômica de setores menos favorecidos. Crescia entre integrantes dessa classe uma antipatia pela expansão dos direitos sociais e pelas melhorias havidas na distribuição de renda durante as administrações do PT, tidas como instrumentos de promoção à classe média sem o “devido mérito” para tanto.

De acordo com Saad Filho e Morais (2018, p. 204-205):

Os chamados “bons empregos” nos setores público e privado tornaram-se escassos, o diploma de ensino superior não garantia mais renda ou status social, e, para os jovens de classe média, tornou-se difícil ter um padrão econômico mais elevado que o de seus pais.

Atingidos por perdas de renda, por seu descolamento do círculo externo do poder desde a eleição de Lula e pela mudança na composição social do Estado, membros da classe média viam seus privilégios se esvanecerem, o que gerou insatisfações por vezes expressadas em mídias sociais referindo-se ao desconforto com a mistura social e racial que se espalhava em espaços antes tidos como exclusivos. A oposição ao governo se tornou ainda mais explícita com o incremento das denúncias de corrupção e o entendimento de que esta, aliada à ineficiência do Estado, estava entre os problemas mais graves do país.

Castells (2018) afirma que, embora os efeitos da ‘política do escândalo’ sobre políticos específicos sejam indeterminados, tal política gera um efeito secundário devastador que é o de inspirar o sentimento de desconfiança e reprovação moral sobre o conjunto dos políticos e da política, contribuindo assim para uma forte crise de representatividade, que fragiliza a democracia e a coloca em “tempos difíceis”, nos dizeres de Brecht.

De acordo com Almeida (2019, p. 40), recrudesceu a partir de então uma sinergia entre atores sociais, uma amálgama de valores culturais e uma concentração de forças políticas a ensejar uma nova onda conservadora. A crise de representatividade transformou-se então em um movimento antipolítico cooptado pela extrema direita, com ampla penetração na sociedade, que em suas diferentes vertentes acabou por contribuir para a redefinição dos termos do debate público no Brasil, descontruindo, segundo Miguel (2018), consensos que demarcavam um discurso político estabelecido a partir da Constituição de 1988 e que incluía a democracia, o respeito aos direitos humanos e o combate à desigualdade social.

Voltaram à tona um discurso renovado em defesa da meritocracia e um discurso político contrário à solidariedade social, permitindo que setores da sociedade, em especial a classe média, assumisse de forma clara seu desconforto com a igualdade. Sobretudo, adotou-se um discurso de ódio sobre minorias, movimentos sociais e sindicatos, bem como de intolerância a concepções progressistas e à liberdade de cátedra, bem como instaurou-se um clima de perseguição a professores, de repúdio ao bem público e de exaltação à hiperindividualidade, colocando-se a favor da restauração da autoridade da lei, do restabelecimento da ordem e da implantação de um Estado mínimo que não embarace a liberdade individual e a livre iniciativa.

Ao discurso da corrupção administrativa foi entrelaçado e sobreposto o discurso dos costumes, no qual a retórica patriarcalista se contrapunha ao “esquerdismo” comportamental, buscando assim esvair a fronteira moderna entre público e privado, com lealdades de clã e de credo inundando a política. O objetivo, de acordo com Alonso (2019), seria o de universalizar um padrão moral, o próprio, extrapolando assim a lógica do mundo privado tradicional para a esfera pública moderna44.

A tônica do conservadorismo moral, com ataque a minorias e proposição de políticas autoritárias, via intervenção militar ou judicial, além da tônica da corrupção, se acentuou ainda mais após a reeleição de Dilma Rousseff em 2014. Os alicerces da frágil democracia brasileira foram atacados. Inicialmente, pela não aceitação dos resultados eleitorais pelo PSDB, que pediu a cassação do mandato de Dilma sob a alegação de fraude nas apurações. Posteriormente, pela abertura do processo de impeachment e destituição de Dilma Rousseff da Presidência da República no ano de 201645, cujo cargo foi assumido por seu vice, Michel Temer, com uma agenda diferente do programa da frente partidária pela qual foi eleito.

O Governo Temer (2016-2018), em obediência às elites econômicas, adotou uma agenda de austeridade na economia, além de medidas que negavam qualquer relação entre o novo governo e uma pauta de direitos sociais e de diversidade cultural, sexual ou de qualquer outro tipo que continuasse a tradição de ampliação de direitos instituída pela Constituição de 1988.

44 Além do moralismo hierarquizador, Alonso (2019) identifica ainda outros elementos de pauta ultraconservadora,

como o nacionalismo beligerante, antielitismo e anti-intelectualismo.

45 Houve, primeiramente, o afastamento temporário de Dilma Rousseff do cargo de Presidente da República, em

12 maio de 2016, e, ao final do processo de impeachment, a cassação de seu mandato, em 31 de agosto do mesmo ano, em votação no plenário do Senado, o qual manteve, porém, o direito a que mesma a exercesse funções públicas, inclusive eletivas.

De claro retrocesso em termos de conquistas democráticas, o Governo Temer foi marcado por uma política autoritária e de desmonte da política educacional construída ao longo dos dois últimos governos que o antecederam. No que se refere às consequências dessa política na área do ensino superior, elenca-se: o reforço à desigualdade estrutural que assola o ensino superior, na medida em que, por meio da Lei nº 13.415/17, reformula um ensino médio que dificulta ainda mais a mobilidade escolar; os cortes no orçamento educacional, mormente após a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, comprometendo, inclusive, a viabilização do PNE; a restrição de recursos orçamentários destinados também à pesquisa e à pós-graduação financiadas pela CAPES e pelo CNPQ; a difícil situação financeira das IFES, num contexto pós-REUNI, minando assim o que já havia sido construído e conquistado em anos anteriores.

O estudante Ícaro Jorge, em artigo publicado na revista eletrônica “Justificando” em abril de 2018, abordou o impacto dos cortes orçamentários nas políticas de permanência estudantil nas universidades da seguinte forma:

A proposta do MEC apresentada diante da realidade dos cortes de mais de aproximadamente 4 mil vagas anuais da Bolsa Permanência é que se crie um GT composto pelos próprios indígenas e quilombolas para analisar os critérios em torno de decidir quem tem o direito de receber a bolsa. Novamente, a elite brasileira tenta criar ferramentas para nos colocar uns contra outros [...] Nesse mesmo caminho, desde o golpe das elites, o MEC anuncia desmontes ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à docência (PIBID), que, fortalece e prepara os estudantes de licenciatura, interferido na possibilidade de permanência de inúmeros estudantes na universidade a partir de bolsas. (JORGE, 2018)

A conjuntura de crise ética, econômica e política por que passava o país, tendeu a agravar-se ainda mais no governo pós-impeachment, com uma sociedade mobilizada, dividida e sem disposição para garantir o presidente que acabara de assumir, conforme exposto por Alonso (2017, p. 57). Foram dadas algumas das condições para que as eleições de 2018 fossem disruptivas, nos dizeres de Abranches (2019, p. 23), com o fim do ciclo PT-PSDB ocupando a Presidência da República e a hiperfragmentação das bancadas, o que desorganizou por completo o jogo político-partidário que assegurou a estabilidade democrática e o funcionamento do presidencialismo de coalização por um período de quase 25 anos.

Ascendia ao cargo de Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, um candidato de extrema direita, sem experiência de governo e sem apoio de uma estrutura partidária consolidada, conforme Saad Filho e Morais (2018), mas que se apresentava como “alguém ‘de

fora’ e contrário a todo o sistema político, mesmo sendo um deputado federal filiado há décadas em vários partidos” (GOMES, 2019, p. 178-179)46.

Seu plano de governo durante a campanha eleitoral questionava o nível de “gastos” com a Educação no país e falava na possibilidade de “fazer muito mais com os atuais recursos”, enfatizando a questão do ajuste econômico ultraliberal e a manutenção da Emenda Constitucional 95. Propunha, ainda, uma “inversão de prioridades”, reduzindo o investimento em Educação Superior e priorizando a Educação Básica. Dessa forma, as universidades deveriam buscar novas fontes de financiamento por meio de parceiras e pesquisas com a iniciativa privada.

Considerando que “um dos maiores males atuais é a forte doutrinação”, e que essa seria uma das maiores causas dos problemas de aprendizagem dos alunos brasileiros, Jair Bolsonaro e seus apoiadores iniciaram um movimento de mudanças no debate educacional brasileiro, no qual passaram a priorizar temáticas como “marxismo cultural” e “ideologia de gênero” e a estabelecer como periféricos, ou mesmo optando por negligenciar, metas e desafios que vinham sendo debatidos na área da educação para sua superação.

De acordo com Louzano e Moriconi (2019, p. 250):

Temáticas relativas ao enfrentamento das desigualdades também não estão presentes nos discursos dos bolsonaristas. Muito pelo contrário: a tendência é tornar invisível toda e qualquer diversidade e as propostas específicas visando ao alcance da equidade e da justiça social, haja vista a promessa de Bolsonaro de que, se eleito, acabaria com o que chamou de “coitadismo” de negros, gays, mulheres e nordestinos, afirmando que políticas afirmativas como cotas para ingresso em universidade reforçam essa noção.

Ainda em campanha, de acordo com Domingues (2019), Jair Bolsonaro, ao se posicionar sobre a política de cotas, reforçava, além do discurso meritocrático, o discurso de que cotas raciais seriam um equívoco uma vez que reforçavam o preconceito. Afirmava, ainda, que, para combater o racismo, o ideal seria não tocar no assunto. Assim, declarava abertamente

46 Singer e Venturi (2019, p. 366-367), realizando um estudo exploratório no curso de graduação em Ciências

Sociais da USP sobre as razões de voto em Jair Bolsonaro, colhidas antes do início oficial das campanhas eleitorais,