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A REPÚBLICA POPULISTA E A LEI DE DIRETRIZES E BASES DE 1961

1. A INSTITUIÇÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL: aspectos conceituais e

1.4 A REPÚBLICA POPULISTA E A LEI DE DIRETRIZES E BASES DE 1961

Com a derrocada do Estado Novo em 1945, a política educacional autoritária que vinha sendo construída desde 1931 deu lugar à retomada de antigas lutas no campo da educação. Entretanto, no período da República Populista8, que durou até 1964, nada se vislumbrou em

relação a um ensino superior consistente. Embora ainda vigente nesse período, o Estatuto das Universidades, mesmo proclamando ser esta o padrão para a organização do ensino superior, admitia a existência de estabelecimentos isolados, os quais eram a grande maioria e nos quais se encontravam muito mais estudantes matriculados do que nas universidades propriamente ditas9.

Assim, permanecia o regime de cátedra, os exames vestibulares e o cumprimento de demais exigências para ingresso nos cursos superiores, bem como a onerosidade dos cursos, mesmo nos estabelecimentos oficiais, o que se constituía numa tradição secular no ensino superior brasileiro10 (CUNHA, 2007b). Tais questões, envolvendo a expansão da demanda por ensino superior, a gratuidade, a modernização e as diretrizes e bases foram pontos importantes verificados nesse período.

Segundo Schwartzman (1979) e Cunha (2007b), verifica-se na década de 1940 uma rápida expansão do processo de matrícula no sistema de ensino superior. Cunha atribui isso ao processo de deslocamento dos canais de ascensão social das camadas médias, propiciado pela

8 Segundo Cunha (2007b), o populismo foi um complexo fenômeno político surgido no Brasil, após a Revolução

de 1930, como resultado da emergência das massas na política. Constituiu-se numa tentativa de resolução da crise de hegemonia que marcou a política brasileira desde os anos 1920, utilizando-se, porém, não da ditadura, como no período de 1937 a 1945, mas da busca do consentimento ativo. Esse processo de incorporação tutelada das massas na política se deu com o reconhecimento de antigas reivindicações dos trabalhadores, como a organização sindical, o salário mínimo, as férias remuneradas, etc.

9 Cunha (1982) aponta que em 1945 o ensino superior brasileiro compreendia 5 universidades (Universidade do

Brasil, Universidade de Porto Alegre, Universidade de São Paulo, Universidade de Minas Gerais e Universidade Católica do Rio de Janeiro), 293 estabelecimentos isolados, com um total de matriculados correspondente a 27.253 estudantes.

10 Essa onerosidade dos cursos estava relacionada ao pagamento, por exemplo, ao pagamento de taxa de inscrição

em exame vestibular, matrícula em cada ano, taxa por cadeira (disciplina) e por período (semestre), inscrição em exame, certificado de exame, guia de transferência, certidão de frequência, diploma, etc.

industrialização, intensificação da urbanização, intervenção do Estado na economia e pela monopolização. Schwartzman (1979, p. 181) descreve esse processo da seguinte forma:

O rápido processo de urbanização, bem como as comunicações e consumo de massa, contudo, estavam conduzindo as universidades numa direção diferente. As pessoas agora queriam mais educação e os privilégios a ela associados, sem necessariamente estarem dispostas a seguir mais cursos. Havia, naturalmente, uma demanda efetiva por mais engenheiros, advogados, doutores e professores. Menos reconhecido, embora talvez mais importante, era o desejo das classes médias de alcançar prestígio social e os benefícios decorrentes de uma boa situação profissional. Um título universitário prometia um certo nível de prestígio social e renda, independentemente da qualidade da educação recebida. Com o correr do tempo, foram-se criando privilégios legais para os detentores de diplomas, não somente em relação às profissões tradicionais – médicos, advogados e engenheiros –, mas também para ocupações novas, como economistas, estatísticos, administradores, jornalistas, bibliotecários e psicólogos.

Com o fito de satisfazer essas demandas, a expansão da educação superior no período em análise se deu basicamente mediante um processo de aglomeração de instituições autônomas. O governo federal criou várias universidades públicas federais, absorvendo em muitos casos velhas instituições estaduais, municipais, ou mesmo comunitárias ou particulares, incapazes de se manter e expandir com seus recursos próprios. Também surgiram várias universidades particulares católicas no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Recife e Porto Alegre, ao lado da crescente expansão das faculdades autônomas, especialmente nas áreas de menor custo de investimento como, por exemplo, na área de Humanas.

Cunha (2007b) aponta que nesse período o crescimento das matrículas no ensino superior se dava mais rápido do que o do ensino médio e o deste, por sua vez, mais intenso do que o do fundamental. Havia, pois, uma intensa pressão das camadas médias pela obtenção dos graus escolares, progressivamente mais elevados, exigidos tanto pela expansão do aparelho governamental quanto das empresas. Isto levou a uma intensa mobilização estudantil, principalmente a partir dos anos 1960, o que também gerou um “processo de politização das questões universitárias por parte de professores, pesquisadores e estudantes pressionando o governo para reformas do ensino e universalização do acesso à universidade pública” (PRATES e COLLARES, 2014, p. 87).

Esse clima de debates, num contexto de redemocratização, envolvia importantes questões relacionadas ao ensino superior, entre elas o acesso e a permanência, especificamente no tocante à defesa de sua gratuidade e a uma estrutura universitária mais aberta às camadas

menos privilegiadas da população. Conforme visto anteriormente, o ensino superior no Brasil era pago pelos estudantes desde o início do século XIX. A Constituição de 1946, seguindo essa tradição, afirmava ser o ensino superior oficial (assim como o ensino médio) gratuito “para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”. Entretanto, como afirma Cunha (2007b), certos setores do Estado defendiam, já no início da república populista, a gratuidade total do ensino superior oficial:

À medida que a prática populista se firmava e generalizava, o critério de julgamento de subsídio ao estudante individual, com ou sem falta de recursos para pagar as taxas escolares, foi se deslocando para o plano coletivo. O mesmo processo político- econômico que deteriorava os orçamentos das instituições de ensino levava as camadas médias, por meio dos estudantes universitários (e secundaristas), a reivindicar a gratuidade geral. Reivindicaram o subsídio do Estado ao seu projeto de ascensão educacional/ocupacional/social, impulsionado, quantitativa e qualitativamente, pelo processo de monopolização que estava na raiz da própria espiral inflacionária (CUNHA, 2007b, p. 77).

As discussões sobre “diretrizes e bases”, que se prolongaram de 1948 até sua aprovação em 1961, compreenderam 14 anos de intensos conflitos sociais na arena de debate sobre educação brasileira. De acordo com Cunha (2007b), às forças sociais, políticas e econômicas que determinaram a expansão, a integração e até mesmo a modernização do ensino superior, se contrapunham as forças defensoras da situação reinante, em particular do ensino elitista e arcaico.

O processo de transformação do ensino superior nesse período continuou se desenvolvendo, tendo como efeito contraditório dessas forças a criação, em 1961, de um modelo de universidade considerado moderno e de vanguarda, no que se referia à sua estrutura de funcionamento e à sua concepção sobre o relacionamento entre ensino e pesquisa: a Universidade de Brasília (UnB). No mesmo ano de sua criação foi enfim aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, vista muito mais como um reforço a uma concepção oposta de ensino, principalmente no nível de ensino superior.

Com um viés conservador, essa lei, entre outras medidas, institucionalizava o ensino superior em escolas isoladas, mantinha o regime de cátedra, fortalecia o Conselho Federal de Educação enquanto órgão normativo, e estabelecia a representação estudantil nos órgãos colegiados sem especificar a proporção dessa representação.

A criação da UnB, tendo nascido desse ambiente de insatisfação e busca de alternativas institucionais para o desenvolvimento da pesquisa no país, que propiciou inclusive a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em 1948, se estruturava com base em institutos centrais de pesquisa e seguia o departamento de ensino e pesquisa, abandonando as antigas estruturas das escolas profissionais sem, contudo, extinguir a cátedra. Segundo Prates e Collares (2014), sua concepção, enquanto modelo organizacional, serviu de base para mudanças importantes do sistema universitário brasileiro do século XX, expressas na Reforma Universitária de 1968.

Entretanto, após o golpe de 1964, a ditadura militar buscou interromper o processo em que a universidade se tornava cada vez mais crítica nos sentidos propostos11 por Cunha (2007b),

o que se deu via expulsão de professores, triagem político-ideológica dos novos docentes, e pela contenção e repressão do movimento estudantil à medida que este se organizava. Apesar disso, a crise da universidade continuou a se aprofundar, de modo que o Estado buscou a inversão dessa tendência, tomando para si a bandeira da “reforma universitária”, defendida pela UNE desde a sua criação.