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AÇÕES AFIRMATIVAS NA UFMA: uma análise das reservas de vagas a partir

3 AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO

3.3 AÇÕES AFIRMATIVAS NA UFMA: uma análise das reservas de vagas a partir

No âmbito da UFMA, poucas foram as iniciativas de discussão sobre a adoção de políticas de ações afirmativas. Entre os escassos debates promovidos na UFMA, destacam-se três importantes eventos: o III Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros (CBPN), realizado em setembro de 2004; o seminário “Ações Afirmativas nas Universidades Públicas”, promovido em maio de 2005; e o Seminário para Implantação de um Programa de Ações Afirmativas na UFMA, que ocorreu em agosto de 2006.

O reitor da UFMA assumiu a adoção de um programa de ações afirmativas não só como um compromisso administrativo, mas também como uma bandeira que passou a defender juntamente com o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros – NEAB. Exerceu um papel decisivo no processo, ao pressionar para que a questão fosse discutida nas assembleias departamentais, nos conselhos de centro e entre os membros da Administração Superior com a presença do NEAB. Tais espaços de discussão no âmbito institucional constituíram a estratégia necessária para a

legitimação e aprovação de uma proposta de ações afirmativas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE.

Conforme apontado em minha dissertação de mestrado:

A iniciativa do reitor que culminou com a adoção de cotas para negros, índios, pessoas com deficiência e estudantes de escolas públicas, partiu muito mais de um cálculo político em termos das bases sobre as quais reconstruir a legitimidade da UFMA, até certo ponto erodida pelo novo regime de Estado-mínimo, em que políticas sociais e de assistência passam a ser de responsabilidade de ONG’s e demais entidades parceiras do Estado (PANTOJA, 2007, p. 130).

Ainda na dissertação, observei que o empenho do reitor da UFMA foi crucial não só para que a adoção de cotas fosse aprovada num espaço mínimo de dois meses de discussão com alguns membros do corpo docente dessa universidade, como também fosse aprovado por unanimidade no CONSEPE. Ressaltei, ainda, que alguns professores que integram este conselho haviam, em reuniões anteriores realizadas em seus conselhos de centro, se posicionado de forma contrária à adoção de cotas na UFMA. Entretanto, durante a reunião do CONSEPE, acabaram omitindo suas opiniões e votando pela aprovação da medida.

Isto leva ao entendimento de que a política de cotas na UFMA não resultou de uma opinião generalizada do corpo docente, que deveria controlar tais conselhos, muito menos de uma situação específica vivenciada pela universidade a ponto de que a comunidade acadêmica mobilizada levasse uma proposta ao CONSEPE. Não se assemelhou, dessa forma, à iniciativa vivenciada pela UNB cuja elaboração da proposta e discussão da temática naquela instituição partiu de uma experiência de conflito racial vivenciado naquela universidade (PANTOJA, 2007, p. 130).

Concluí, ainda, que a UFMA, apesar de isoladas manifestações contrárias às cotas, aceitou pacificamente a implementação da medida. Nos dizeres do professor Álvaro Pires, do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA (DSA/UFMA): “estabeleceu-se um silêncio que certamente significa que algo está por vir, provavelmente nas demandas jurídicas de provável contestação aos resultados do processo seletivo”.58

A proposta originalmente aprovada pelo CONSEPE em 31 de outubro de 2006 previa que 50% (cinquenta por cento) das vagas do Processo Seletivo Vestibular (PSV) para cada curso seriam destinadas às cotas, o que correspondia à seguinte distribuição: 25% (vinte e cinco

58 E isto de fato veio a ocorrer, conforme estudos realizados por Josedla Carvalho (2016) concernentes às causas

e efeitos da judicialização intentada à política de cotas sócio raciais da universidade, cujo campo em disputa envolveu atores como candidatos ao processo seletivo, a Comissão de Validação de Matrícula de Cotas de Negros (CVM), a administração superior da instituição e a Justiça Federal no Estado.

por cento) para candidatos que se autodeclarassem negros ou pardos, passíveis de sofrerem discriminação, e os outros 25% (vinte e cinco por cento) para candidatos que comprovassem ter cursado ou estar concluindo os três anos de Ensino Médio em escola pública (federal, estadual e/ou municipal).

Antes da aprovação das cotas, havia duas modalidades de seleção para o ingresso na graduação da UFMA: 50% das vagas para o Processo Seletivo Vestibular (PSV) e 50% restante para o Processo Seletivo Gradual (PSG), instituído no final da década de 1990. Esse último se destinava a estudantes do ensino médio, com três etapas avaliativas, respectivamente equivalentes aos conteúdos curriculares de cada série do ensino médio, desenvolvidas num interstício de três anos e integradas por meio de Subprogramas.59

Desse modo, considerando o ainda existente PSG, as Resoluções nº 500 e nº 501 aprovadas pelo CONSEPE, em 31 de outubro 2006, regulamentaram a extinção gradativa dessa modalidade de seleção60 e instituíram políticas de ações afirmativas, com ingresso por meio de cotas, da seguinte forma: 30% das vagas da graduação para o PSG e 70% para o Vestibular. Estas eram redistribuídas, sendo 50% para a categoria universal, 25% para cota de negros e 25% para candidato que tenha cursado todo o ensino médio em escola pública. Também era ofertada uma vaga cortesia para pessoa com deficiências e uma para indígena (em caso de não preenchimento, elas seriam desativadas).

A Resolução nº 501 do CONSEPE sobre as cotas vigorou nos ingressos de 2007 e 2008. Além dela, foi aprovada em 24 de outubro de 2007, a Resolução nº 568 do CONSEPE, que instituiu Comissão Especial para validação das inscrições de candidatos autodeclarados negros, com base em critérios fenótipos. Em 2008, com a aprovação da Resolução nº 633 do CONSEPE, a política de cotas da UFMA sofreu sua primeira alteração, associando critérios socioeconômicos às cotas raciais. Isto visando assegurar o ingresso de candidatos vulnerabilizados duplamente: pela discriminação racial e pelas desigualdades socioeconômicas.

Dessa forma, as cotas raciais passaram a ser destinadas a candidatos autodeclarados negros (pretos ou pardos) passíveis de discriminação racial que: tivessem cursado os três anos

59 Conforme apontam Josedla Carvalho (2016, p. 104) e Marques et al. (2018, p. 287), não havia nessa modalidade

qualquer inclusão da diversidade de categorias sociais. Pelo contrário, caracterizava-se por uma homogeneidade em termos de participação, com a predominância de estudantes das escolas que integravam a rede privada de ensino.

60 A extinção gradativa do PSG se deu na medida em que se encaminhavam para conclusão os Subprogramas 2004

letivos do ensino médio em escola pública; ou que tivessem estudado em escola da rede privada, cuja mensalidade no ano letivo anterior ao processo seletivo não fosse superior ao valor previamente estabelecido nas normas que regiam esse processo seletivo (a Resolução nº 633/2008 do CONSEPE estabeleceu esse valor em R$ 150,00 – cento e cinquenta reais); ou que tenham sido beneficiados com bolsa integral em escola da rede privada nos três anos letivos do ensino médio, independente do ano de conclusão. Ainda no que se refere a Categoria Negro, os candidatos nela inscritos deveriam anexar, no devido prazo, fotografia colorida 5 x 7 (tamanho passaporte), contendo a data do ano letivo anterior ao da realização das provas.

A primeira alteração da política de cotas na UFMA vigorou apenas no processo seletivo realizado em 2009. No dia 30 de abril daquele ano, por meio da Resolução nº 677 do CONSEPE, a UFMA aderiu integralmente ao SISU, passando a tê-lo como critério exclusivo de acesso a partir do ano seguinte (2010), submetendo-se também às portarias do MEC orientadoras do processo seletivo. Desse modo, entre os anos de 2010 e 2012, o acesso se deu com 50% das vagas destinadas ao acesso universal, sendo os outros 50% destinados a cotas para escola pública (geral 25% e negros 25%). As vagas da Categoria Especial (índio e pessoa com deficiência), por sua vez, passaram a ser subtraídas previamente do conjunto de vagas disponibilizadas (antes eram subtraídas apenas da Categoria Universal).

A partir da adesão ao SISU e às portarias do MEC, as cotas raciais não mais compreendiam uma categoria autônoma na UFMA, passando a estar incluídas na Categoria Escola Pública, considerada como cotas sociais. Passou-se, então, de cota racial dentro da qual havia critérios sociais – inclusive mais amplos, pois beneficiavam, além dos estudantes da rede pública, aqueles de escolas particulares com mensalidade até determinado valor e bolsistas de escolas da rede de ensino privada – para cotas sociais, atinentes a estudantes que haviam cursado o ensino médio em escola pública, dentro das quais a cor/raça era um de seus critérios.

Após a aprovação da Lei Federal nº 12.711/2012 e suas regulamentações específicas, o ingresso em cursos de graduação na UFMA, de 2013 a 2017, se deu em três categorias: universal ou ampla concorrência, correspondendo a 50% das vagas; escola pública com 50%; e 2 vagas para pessoa com deficiência, enquanto política afirmativa própria da instituição. A categoria de escola pública contou com a seguinte subdivisão: a) estudante egresso de escola pública com renda familiar bruta de até 1,5 salários mínimos per capita, desdobrando-se em dois grupos – aqueles que se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas e aqueles que não se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas; b) estudantes egressos de escolas públicas,

independente da renda, também dividido em dois grupos – aqueles que se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas e aqueles que não se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas.

Do total de vagas em cada curso, eram subtraídas duas especiais (candidato com deficiência e indígena) e as demais eram divididas igualmente em universal e escola pública61. O percentual para composição da cota racial na UFMA, a partir da Lei nº 12.711 de 2012, considerou os 70% de pretos e pardos existentes no estado do Maranhão, de acordo com o Censo do IBGE realizado em 2010, sendo estabelecido nesse patamar. Por outro lado, tendo a lei se referido à autodeclaração de pretos, pardos e indígenas, tal dispositivo foi interpretado pelas IES como indicativo da desnecessidade de comissão específica para averiguação62, uma

vez que esse critério havia passado a prevalecer sobre outros como o fenótipo e o pertencimento étnico-racial, por exemplo.

Com o advento da Lei nº 13.409, publicada em 28 de dezembro de 2016, houve uma alteração na Lei de Cotas, na qual pessoas com deficiência foram incluídas na reserva de vagas para escola pública. A aplicação dessa previsão legal pela UFMA se deu pela primeira vez no Edital PROEN nº 01/2018, para ingresso no primeiro semestre de 2018, de modo que passou a constar dentro das subdivisões de cada categoria de cotas, conforme quadro síntese elaborado no final desse item (Quadro 01).

Em análise aos editais de processo seletivo da UFMA no contexto pós-Lei de Cotas, Josedla Carvalho (2016) observou uma preocupação da instituição em esmiuçar os critérios sociais para ingresso na categoria escola pública, uma vez que: enfatizava a Portaria nº 18/2012 do MEC que definia o termo “escola pública”63; identificava, nos editais de seleção a partir de 2014, quem não poderia por essa categoria concorrer64; e esclarecia, nos editais publicados a

61 As vagas remanescentes, oriundas da ausência de candidatos classificados em número suficiente para o

preenchimento das vagas reservadas a PPIs após as chamadas regulares do SISU, são ofertadas aos estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

62 Richard Christian teceu, em Seminário sobre Ações Afirmativas na UFMA realizado em 24 de outubro de 2018,

um breve histórico de atuação da Comissão de Validação de Matrícula (CVM) na instituição. Segundo o professor, no caso dos declarados negros, a comissão já atuava, como mecanismo de verificação. Porém, em decorrência dos muitos casos de fraudes, a CVM passou a receber, presencialmente, os candidatos e a estabelecer adequação dos critérios. Segundo o professor: “Inicialmente, qualquer pessoa negra tinha acesso às vagas, depois ficou restrito aos oriundos de escola pública e estudantes de escola privada, até determinado limite de valor das mensalidades. Em um novo momento, passaram a ser aceitos apenas bolsistas negros de escolas particulares, e mais tarde apenas egressos de escola pública. Apenas um critério permaneceu inalterado: o fenótipo, que observa as características físicas do candidato” (UFMA, 2018).

63 Segundo Portaria nº 18/2012 do MEC, considera-se “escola pública” a instituição de ensino criada ou

incorporada, mantida e administrada pelo Poder Público, consoante inciso I, do artigo 19, da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/1996).

64 Por meio dos editais dos processos seletivos, a Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) previa que, em conformidade

partir de 2015, que as escolas do Sistema S – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) – bem como escolas conveniadas, filantrópicas, fundações ou instituições similares, apesar de sua gratuidade, não eram consideradas instituições da rede pública de ensino para participação no processo seletivo SISU, para efeito de aplicação da Lei de Cotas.

De acordo com Josedla Carvalho (2016, p. 121), não se verificou essa mesma preocupação da UFMA em relação às cotas raciais, apesar da relativa autonomia conferida pela Lei de Cotas às IFES para regularem as suas políticas de cotas. Segundo a autora, as cotas raciais pareciam, a cada edital publicado, ter sido quase suplantadas pela discussão social, fazendo parecer que, ao não adentrar na discussão racial, a intenção da instituição seria a de inviabilizá-las.

A partir do Edital nº 119/2016 da PROEN para ingresso no segundo semestre de 2016, a UFMA estabeleceu como um dos documentos a serem apresentados à Comissão de Validação de Matrícula, por parte dos candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas aprovados no processo seletivo, formulário em que esses apresentavam os motivos que justificavam sua autodeclaração, como história de vida, características fenotípicas, identificação com pertencimento étnico negro ou etnia indígena.

Em 2017, a UFMA iniciou o projeto “Debates e Seminários sobre Ações Afirmativas na Graduação da UFMA”, cujo principal objetivo tem sido debater formas de controle, no intuito de evitar possíveis fraudes na autodeclaração dos candidatos. A própria universidade apontou, como justificativa para a realização desses seminários, um aumento do número de denúncias de fraudes, o que fora reforçado pelo Ministério dos Direitos Humanos e por membros do Ministério Público Federal, levando a um movimento dentro das IFES de reativação das comissões específicas de averiguação.

Até o presente momento de escrita dessa tese, foram realizadas duas audiências públicas na UFMA que fazem parte do referido projeto. Na primeira audiência pública, realizada em outubro de 2017, estiveram presentes representantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Defensoria Pública e do Ministério Público Federal, além de antropólogos, professores,

escola pública os estudantes que, em algum momento, cursaram em escolas particulares parte do ensino médio. A finalidade é impedir a burla ao sistema de cotas por parte de alunos de escola privada que tenham cursado o ensino médio concomitantemente com supletivo em escola da rede pública.

alunos e servidores. O tema principal concernia à adoção de novos critérios que garantissem a melhor utilização da política afirmativa, em especial no que se refere às cotas para indígenas.

Como resultado dessa audiência pública, a UFMA, por meio da Resolução nº 1710 aprovada pelo CONSEPE em 21 de maio de 2018, instituiu Comissão Específica com a finalidade de verificar, em caráter complementar, a autodeclaração de pertencimento étnico- indígena de estudantes que concorrerem às vagas reservadas a indígenas no SISU, para ingresso nos cursos de graduação da UFMA. Estabeleceu, ainda, os procedimentos (como a realização de entrevistas) e demais critérios a serem utilizados por essa Comissão Específica. O início das atividades se deu a partir do Edital PROEN nº 113/2018 para ingresso no segundo semestre de 2018.

A segunda audiência pública, realizada em outubro de 2018, teve como tema os mecanismos de combate às irregularidades na ocupação das cotas para pretos e pardos. Nela, foi discutido o “retorno das comissões de validação que têm por finalidade verificar, em caráter complementar, a autodeclaração de pertencimento de candidatos às vagas reservadas para pretos e pardos nos níveis de graduação” (UFMA, 2018).

O evento contou com a participação do NEAB, da Pró-Reitoria de Ensino (PROEN), Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (PROAES) e do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CNNMA), responsáveis pela elaboração e discussão de uma minuta de regulamentação das condições de funcionamento das comissões de validação, cuja edição final seria encaminhada à Procuradoria Jurídica e ao CONSEPE da UFMA para apreciação e consequente ativação da comissão de acordo com as condições preestabelecidas (UFMA, 2018).

Na pesquisa envolvendo notícias e documentos da UFMA que tratavam sobre ações afirmativas, observei que, no que tange à Pós-Graduação65, alguns Programas da instituição66, em atendimento à Portaria Normativa do MEC n.º 13, de 11 de maio de 2016 (que dispõe sobre a indução de Ações Afirmativas na Pós-Graduação), passaram a prever em seus editais de

65 Em 24 de maio de 2018, foi realizado o “Seminário sobre Ações Afirmativas na Pós-Graduação da Universidade

Federal do Maranhão”, promovido pelo Grupo de Trabalho sobre Ações Afirmativas na Pós-Graduação da UFMA. De acordo com o portal de notícias da UFMA: “O seminário reuniu alunos, professores e líderes sociais para discutir o processo de construção de ações afirmativas para negros, indígenas, quilombolas, ciganos, quebradeiras de coco babaçu, pessoas trans e pessoas com deficiência em todos os níveis de pós-graduação da Universidade” (UFMA, 2018). Durante o Seminário, também foi apreciada minuta elaborada pelo referido grupo de trabalho, a qual foi encaminhada à reitora e aos colegiados superiores da Universidade, prevendo recomendações e medidas visando assegurar o acesso das minorias à Pós-Graduação da universidade pelos próximos 10 anos.

66 Cita-se como exemplos o Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física – MNPEF – Polo 47 – UFMA, o

Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade da UFMA e o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFMA.

seleção, além da reserva de vagas para candidatos autodeclarados negros, indígenas e pessoas com deficiência, a existência de comissão de heteroidentificação responsável por averiguar e chancelar a inscrição dos candidatos autodeclarados negros, sendo o fenótipo o critério para aferição da condição declarada pelo candidato.

Para tanto, os programas de pós-graduação têm se pautado na Portaria Normativa nº 04 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG), de 10 de abril de 201867,

que regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais, nos termos da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Essa lei, inclusive, foi declarada constitucional pelo STF no julgamento da Ação de Declaração de Constitucionalidade – ADC nº 41, em 08 de junho de 2017, juntamente com a questão da utilização de critério subsidiário de heteroidentificação, como a exclusividade do critério fenotípico para averiguação da autodeclaração68.

Essa discussão, entretanto, não é pacífica, havendo entendimentos como o de Silva e Braga (2018, p. 610) que manifestam um posicionamento contrário à heteroidentificação, corroborando entendimento da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) no sentido de que cor ou raça possuem uma relação muito maior com construções individuais e coletivas de caráter identitário do que com aspectos fenotípicos, não devendo ser este o único critério a ser considerado de modo subsidiário em relação à autodeclaração. De acordo com as autoras:

O que queremos enfatizar com essa reflexão, é que a contextualização histórica da implantação das ações afirmativas não se resume nas fraudes ou comissões de verificação, mas sim no papel da universidade na reprodução do racismo, o motivo de ter poucos estudantes e professores negros, os currículos eurocêntricos e na exclusão racial dentro da universidade (SILVA e BRAGA, 2018, p. 611).

Além das reservas de vagas na graduação previstas pela Lei de Cotas, a UFMA, por meio do CONSEPE, aprovou por unanimidade a Resolução nº 1653, de 09 de outubro de 2017,

67 De acordo com o art. 9º da Portaria Normativa nº 04/2018 do MPDG: “A comissão de heteroidentificação

utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público”.

68 No acórdão da ADC nº 41 julgada pelo STF, é destacada a seguinte tese de julgamento: “É constitucional a

reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.

instituindo uma nova política educacional afirmativa. Trata-se do acréscimo de 20% nas notas do ENEM para ingresso de alunos que tenham cursado o 9º ano do ensino fundamental e o 1º, 2º e 3º anos do ensino médio em escolas públicas ou privadas do Maranhão, em cursos de graduação de quaisquer dos campi da UFMA.