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Adolescência e autonomia: negociações familiares e construção de si

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Academic year: 2021

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(1)Capa Adolescência_Layout 1 1/16/13 11:19 AM Page 1. Outros títulos de interesse:. Sexualidade e Afectos Juvenis José Machado Pais. José Machado Pais René Bendit Vítor Sérgio Ferreira (organizadores). José Machado Pais. Fazendo Género no Recreio A Negociação do Género em Espaço Escolar Maria do Mar Pereira. Tempos e Transições de Vida. Foto da capa: Milena Seita, What's a place like that doing in a girl like you (2012). Portugal ao Espelho da Europa José Machado Pais Vítor Sérgio Ferreira (organizadores). Marcas que Demarcam Tatuagens, Body Piercing e Culturas Juvenis Vítor Sérgio Ferreira. Lia Pappámikail Adolescência e Autonomia. Jovens e Rumos. Eis-nos perante um livro que nos transporta às encruzilhadas da autonomia dos jovens adolescentes, onde se jogam irreverências e transgressões, espaços de intimidade e de sociabilidade, conflitos familiares e existenciais, sonhos do presente e do futuro, conquistas de liberdade e de independência. Um livro cujas conclusões valem pelos caminhos que as alcançam, do mesmo modo que as chaves teóricas usadas se revelam adequadas pelas fechaduras que abrem a valiosas interpretações sociológicas.. Lia Pappámikail é professora adjunta convidada da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Santarém e assessora da direcção do Observatório Permanente da Juventude do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Doutorou-se em Sociologia em 2010 no mesmo instituto onde, desde 2001, tem desenvolvido investigação na área da juventude, família, educação e políticas sociais.. Lia Pappámikail. Adolescência e Autonomia Negociações Familiares e Construção de Si. Apoio:. www.ics.ul.pt/imprensa. ICS. ICS.

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(5) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:26 PM Page 5. Lia Pappámikail. Adolescência e Autonomia Negociações Familiares e Construção de Si.

(6) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/15/13 6:02 PM Page 6. Imprensa de Ciências Sociais. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9 1600-189 Lisboa - Portugal Telef. 21 780 47 00 – Fax 21 794 02 74 www.ics.ul.pt/imprensa E-mail: imprensa@ics.ul.pt. Instituto de Ciências Sociais — Catalogação na Publicação Pappámikail, Lia, 1977Adolescência e autonomia: negociações familiares e construção de si / Lia Pappámikail. - Lisboa : ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2013. - 300 p. ; 23 cm ISBN 978-972-671-309-8 CDU 316.35 CDU 316.7. Capa e concepção gráfica: João Segurado Revisão: Levi Condinho Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. Depósito legal: 353881/12 1.ª edição: Janeiro de 2013.

(7) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:26 PM Page 7. Índice Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 9. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Autonomia e indivíduo: sobre as questões (teóricas) de partida. . A autonomia como reportório de competências e virtudes . . . . . Do corpo que cresce e da autonomia que se constrói: um (novo) olhar sobre a juventude e a adolescência. . . . . . . . . . . . . . . . . A investigação: notas sobre um percurso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 11 12 21 25 37. Capítulo 1 Ampliar as fronteiras do mundo: a conquista de liberdade(s). . . . 47 Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Durante o dia: lógicas de acção individuais e processo de individuação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Sair à noite: tensões e turbulências na família . . . . . . . . . . . . . . . . 77 Concluindo…. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136 Capítulo 2 O valor que o dinheiro tem: reequacionando a (in)dependência juvenil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 Gestão das trocas financeiras: dois modelos, várias interpretações . 155 A entrada no mundo do trabalho: transições estatutárias e acção parental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 Concluindo…. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192 Capítulo 3 Dentro do quarto: partilhas, intimidades e identidades em construção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199.

(8) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:26 PM Page 8. Fazer parte: dinâmicas familiares e construção de um espaço individual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 Estar à parte: subjectividades, narrativas e autenticidade em construção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248 Concluindo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270 Conclusões finais Adolescência, individuação e família em transformação . . . . . 277 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293.

(9) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 9. Agradecimentos Apesar de este livro resultar em grande medida de um longo e, não raras vezes, solitário percurso individual, é da mais elementar justiça reconhecer o papel fundamental que pessoas e instituições desempenharam no sucesso desta «aventura». Em primeiro lugar, este livro não teria sido possível sem o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que financiou a pesquisa com uma bolsa de doutoramento; do Instituto de Ciências Sociais, que garantiu a excelência das condições de acolhimento; e da Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude, que apoia a presente publicação. A todas estas instituições, o meu mais sincero agradecimento. Num nível pessoal, quero agradecer à família, amigos e colegas por não terem permitido que esmorecesse ou hesitasse, ajudando-me a levar este projecto a bom porto. A uns agradeço a motivação e o ânimo e por terem estado sempre lá. A outros, adicionalmente, agradeço leituras, sugestões e críticas. A todos eles, sem excepção, pela paciência e afecto, um infinito obrigado. Ao meu orientador, Professor José Machado Pais quero também agradecer por ter-me empurrado, com uma mestria incomparável, para fora da minha zona de conforto em todas os momentos da pesquisa (e da escrita), fazendo constantes interpelações (e provocações), espicaçando-me com o seu sagaz espírito crítico, forçando-me, enfim, a pensar mais e melhor em todas e cada uma das palavras que fui escrevendo. À Ana, à Guida, ao Fred e ao André uma especial referência por terem ajudado a fazer da minha adolescência um tempo de (enorme) saudade. Sem o saberem, este livro foi escrito muitas vezes com eles no pensamento. Por fim, dedico este livro ao António e ao Lourenço, que me ajudaram a manter o Norte, concentrando-me no que verdadeiramente importa na vida, e à Laura, que chegou entretanto para completar (e alegrar) a nossa família..

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(11) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 11. Introdução Este livro resulta de uma investigação sobre jovens adolescentes em processo de construção de si,1 em que se seguiu o fio condutor da autonomia. E a noção de autonomia surgiu na pesquisa por dois caminhos distintos, cujas interligações se desejaram ver mais bem explicadas. Por um lado, perceber como uma importante norma social como a autonomia é interpretada e acolhida pelos indivíduos. Por outro, aferir os processos através dos quais a autonomia se constrói e concretiza, constituindo-se como um dos eixos centrais da identidade. Em suma, averiguar como se articula um paradigma ético e normativo, onde a autonomia ocupa um lugar de destaque, com os processos concretos (mesmo que inacabados) de emancipação individual. Sendo uma problemática transversal ao ciclo de vida, a pesquisa concentrou-se numa fase em particular – a adolescência – na medida em que esta constitui um período particularmente intenso em experiências relacionadas com a construção da autonomia, a conquista de liberdade e a aquisição de independência. Porquê? Em virtude de os jovens estarem nessa fase particularmente imersos num processo de abertura ao mundo, pleno de desafios e transformações físicas, psicológicas e sociais, em que se interpelam a si e aos outros (Breviglieri 2007). Investigar esta etapa da vida pode, pois, contribuir para a compreensão dos modos como na família se cruzam e confrontam em diferentes contextos culturais, experiências de construção da autonomia e de transformação das relações sociais. Ou seja, à medida que (para além de tudo o resto) os jovens reclamam um novo estatuto na família. Para dar conta da riqueza da informação recolhida ao longo da investigação foi necessário um percurso (por vezes ziguezagueante) em torno de três debates fundamentais, sem os quais teria sido impossível dar um sentido sociológico à realidade estudada. A saber: o debate acerca do lugar 1. A investigação foi financiada com uma bolsa da FCT para a obtenção do grau de doutor em Ciências Sociais, especialidade de Sociologia Geral pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa em Fevereiro de 2010.. 11.

(12) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 12. Adolescência e Autonomia. da autonomia enquanto valor, processo e conceito na nossa sociedade; o da sua importância nas abordagens ao indivíduo no quadro da sociologia e o da adolescência enquanto experiência de transformação individual, familiar e social. Sobre este percurso, antecedendo um breve esclarecimento acerca dos passos metodológicos percorridos, impõem-se, portanto, algumas notas introdutórias.. Autonomia e indivíduo: sobre as questões (teóricas) de partida Ainda que a função de comando da teoria seja um princípio fundamental que neste trabalho se subscreve (Almeida e Pinto 1995), foi no contexto de pesquisas anteriores que foram surgindo as pistas empíricas que motivaram esta investigação (Pappámikail 2004, 2005; Pappámikail e Pais 2004). Constatou-se a dada altura, analisando os testemunhos de jovens entrevistados para uma pesquisa sobre apoio familiar nas transições da escola para o mercado de trabalho, a afirmação recorrente da autonomia de escolhas e decisões como um traço importante de afirmação de si, pelo que a centralidade que a autonomia tinha nos discursos dos jovens emergia como um interessante tema de investigação. Mais, falando sobre o seu quotidiano actual, a maioria situava no passado «adolescente» um período tenso ou mesmo turbulento na relação com a família, de fixação de limites e regras de convivência, mas sobretudo um período fundamental para nela forjar um novo estatuto, mais igualitário face aos progenitores. Por outro lado, outra importante questão continuava por obter resposta de forma satisfatória: porque é que, apesar de objectivas situações de dependência e influência familiar (instrumental e afectiva), a maioria dos jovens reivindicava uma condição de autonomia na gestão da sua vida, sublinhando o facto de, ao mesmo tempo, ser responsável pelas suas acções? A autonomia reivindicada nos seus discursos parecia assumir um carácter mais retórico do que prático (Thomson et al. 2002). Ou seja, emergia uma (aparente) contradição que se traduzia no facto de muitos dos jovens contemporâneos afirmarem ser autónomos, sem ter autonomia de facto. Mas mais do que tomar esta dualidade como um mero jogo de palavras, adensou-se, isso sim, a ideia de que se lidava com uma noção complexa que se desdobrava em múltiplos sentidos: políticos (a cidadania implica a autonomia dos sujeitos); éticos (devemos ser autónomos ou a autonomia é a plena realização da individualidade), comportamentais (ter autonomia), identitários (ser autónomo), processuais (tornar-se autónomo). 12.

(13) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/5/13 7:40 PM Page 13. Introdução. Dworkin (2001, 6) ilustra bem esta complexidade quando resume algumas das interpretações possíveis para o conceito de autonomia: ela é tomada como equivalente de liberdade, mas também de auto-regulação ou de soberania; é associada à dignidade, à integridade, à individualidade, à independência, à responsabilidade e ao autoconhecimento; é vista como uma qualidade que se relaciona com assertividade, reflexão crítica, libertação dos compromissos, ausência de coacção externa e conhecimento de si; é uma característica atribuível às acções, às crenças, às razões para agir, às regras, às vontades de outros, aos pensamentos e aos princípios. E se recorrer à etimologia da palavra é tantas vezes um exercício esclarecedor, não o é especialmente neste caso, pois o alcance da palavra «autonomia» vai muito para além do seu significado literal: dar lei (nomos) ao próprio (auto). Mais, tentar definir aquilo que autonomia é implica muitas vezes explicitar aquilo que não é, embora muitas vezes se tome por sinónimo como acima se dizia. Tal é o caso, sublinha Christman (1988), da relação que a noção de autonomia tem com as noções de liberdade e independência. E se se refere esta distinção é porque ela é fundamental na abordagem do processo de individuação em geral e na compreensão da experiência da adolescência em particular. Veja-se porquê. Embora autonomia, liberdade e independência se cruzem no seio das fronteiras da noção de emancipação, não podem ser consideradas como equivalentes num sentido estrito, sob risco de adensar os paradoxos semânticos em que frequentemente se esbarra quando se faz um uso superficial do conceito. Ainda assim, liberdade e independência devem ser vistas como condições favoráveis à construção da autonomia, o que estabelece uma relação entre os conceitos e, mais importante, entre os processos que lhes correspondem. Na verdade, argumenta Singly (2005b), a aquisição de independência material é um processo potencialmente distinto da construção da autonomia identitária e, hoje em dia, particularmente dessincronizado (Pappámikail 2005). A independência reporta pois aos recursos (materiais, financeiros ou mesmo simbólicos) que permitem ao indivíduo concretizar ou não a sua autonomia em acções, ou seja, a dependência pode constituir um entrave à capacidade de o indivíduo se expressar nas acções que deseja encetar, razão que leva aliás Singly (2005b, 113) a sublinhar que autonomia sem independência tende a ser socialmente menos valorizada. Esta distinção já contribui para situar definitivamente a autonomia no plano da subjectividade, ou seja, ao nível das motivações para agir. Mas Christman (1988, 2003) vai mais longe, ao sublinhar que não é só 13.

(14) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 14. Adolescência e Autonomia. com independência que autonomia se confunde. Na tese de Singly não figura uma outra distinção fundamental, porventura mais importante, e que tem a ver com a noção de liberdade, muitas vezes tomada como sinónimo de autonomia, e com a qual, aliás, partilha a condição dual (valor e processo). Há importantes sobreposições entre os significados atribuídos aos dois conceitos, e qualquer distinção deve reconhecê-lo. Porém, não significará o uso corrente da expressão ter autonomia, por contraponto à ideia de ser autónomo, uma forma de referir o grau de liberdade de acção de que um indivíduo pode gozar por contraponto à sua capacidade de tomar decisões livres de pressões externas? Na realidade, abstractamente falando, liberdade diz respeito à capacidade de agir sem constrangimentos e com os recursos e o poder necessários para objectivar as intenções que motivam a acção em primeiro lugar. As intenções podem ser autónomas, sem haver liberdade e/ou independência para as pôr em prática, por via de um constrangimento material ou simbólico (imposição parental ou falta de recursos, por exemplo) ou um constrangimento legal (conduzir um automóvel ou votar antes da maioridade, nomeadamente). Posto de uma forma simples, portanto, o conceito de liberdade constrói-se como propriedade primária da acção onde confluem as intenções e motivações, por um lado, e o conjunto de potenciais restrições e constrangimentos exteriores ao actor – nomeadamente a falta de meios ou recursos –, por outro. Autonomia situa-se no primeiro plano, pois diz respeito ao modo como as intenções e motivações são construídas, o que está implícito na definição que Christman (1988, 112, itálico adicionado) fornece de liberdade: Ser livre significa que há uma ausência de constrangimentos entre a pessoa e a concretização dos desejos formados autonomamente.. Em suma, distinções à parte, os problemas que decorrem da mobilização da autonomia como objecto de pesquisa prendem-se com o facto de circularem demasiadas concepções para um só conceito, como argumenta Dworkin (2001, 9), referindo-se à importância de se proceder à sua clarificação. Uma clarificação com propósitos operacionais, mas que também cumpre o objectivo de contextualizar a noção através da sua geneologia conceptual e normativa. Sobretudo porque se trata de um conceito que também evoca um valor social e cultural com profundas implicações na génese das ciências sociais e, por conseguinte, nas suas abordagens à vida social e à experiência humana.. 14.

(15) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 15. Introdução. Christman (2003) lembra, justamente, que «a autonomia está [...] no vórtice 2 da complexa discussão acerca da modernidade», e este é um debate vibrante sobre o qual se tem debruçado uma miríade de teóricos sociais (Taylor 1989, 2004; Alexander 1995; Turner 1990; Wagner 2001; Corcuff, Ion e Singly 2005; Kaufmann 2008; Wagner 2002 [1994], só para citar alguns dos mais relevantes; Giddens 1994; Beck 1992; Beck e Beck-Gernsheim 2002; Beck, Giddens e Lash 2000; Beck e Lau 2005). Convém lembrar que um tal protagonismo deriva do facto, seguindo a argumentação de Wagner (2001, 4) – que parte de uma tese central da obra de Castoriadis (1975) –, de que a autonomia do Homem enquanto indivíduo, a par da racionalidade que permite ao ser humano controlar a relação consigo próprio e com a natureza, constitui a dupla significação do imaginário da modernidade. Assim, muito para além de um conceito aplicável a processos empíricos, a autonomia está na base dos princípios filosóficos e políticos que permitem compreender o percurso da modernidade e das sociedades contemporâneas bem como mapear as paisagens éticas e morais que servem de pano de fundo às trajectórias de vida singulares, como as dos jovens que aqui se estudam. Falamos de um debate que remete para as mais profundas origens das Ciências Sociais, desde cedo preocupadas em ajudar a «resolver», através de uma abordagem científica e secular, os paradoxos da experiência moderna. Simmel ilustra exemplarmente a natureza das inquietações que os pensadores sociais foram levantando acerca das ambiguidades da existência humana crescentemente confrontada com um cenário cultural tendendo para o individualismo, na medida em que o século XVIII teria lançado «ao homem o repto de se libertar de todos os laços históricos no Estado e na religião, na moral e na economia», mas em que se mantinham os contextos marcados pelas habituais e novas assimetrias (culturais, económicas, políticas). Na abertura de «A Metrópole e a Vida Mental» (Simmel 2004 [1903], 75) pode ler-se que Os problemas mais profundos da vida moderna decorrem da exigência por parte do indivíduo que visa preservar a autonomia e a individualidade da sua existência face a avassaladoras forças sociais da herança histórica, da cultura e da técnica da vida que lhe são exteriores.. Com efeito, para se perceber o alcance da discussão em torno da noção de autonomia é, em primeiro lugar, importante recuperar um ar2 A referência ao vórtice, por contraponto à ideia de vértice, remete para o carácter dinâmico de tal debate, uma vez que vórtice evoca a ideia de um fluxo em espiral, em constante movimento de rotação.. 15.

(16) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 16. Adolescência e Autonomia. gumento reiterado em múltiplas narrativas do nosso tempo. Isto é, o argumento de que a autonomia é um valor social matricial, ou seja, um valor central no paradigma ético e cultural que rege as sociedades ocidentais contemporâneas ao ponto de, inclusivamente, ser apontada como uma ou «a» injunção normativa por excelência que regula a nossa existência. Isto porque, dizem-nos Beck e Beck-Gernsheim (2002, 3), querer e dever ser autónomo na construção do percurso de vida não é tanto uma escolha como quase uma obrigação: Por todos estes requisitos os indivíduos não são tanto compelidos como peremptoriamente convidados a constituírem-se como indivíduos: a planearem-se, compreenderem-se, desenharem-se e agirem como indivíduos [...].. Vivemos, como justamente sublinha Martuccelli (2010, 7), numa sociedade singularista, uma expressão eficaz que condensa «essa transformação da nossa sensibilidade social» que tem vindo progressivamente a transformar o indivíduo (enquanto ideal) como «escala para a nossa vida singular». Se no século XIX a promoção do individualismo (herdeiro dos movimentos filosóficos e políticos na génese da modernidade) elevou valores como a autonomia e a liberdade ao topo dos ideais da paisagem ética e moral, hoje assiste-se a uma conversão e intensificação desse individualismo no sentido de um singularismo (ou acentuação generalizada da singularidade) que exige novas teorizações de forma a tornar inteligíveis as vidas concretas, desenroladas nos múltiplos palcos da vida social. Com efeito, parte das crises e tensões que caracterizarão a existência individual na contemporaneidade resultam, segundo Singly (2003), do facto de as instituições modernas terem sido historicamente modeladas para tratar os indivíduos como se estes fossem unidimensionais. Abordagem que, como argumentam os autores empenhados em dar conta da pluralidade e complexidade do indivíduo, não consegue dar conta da experiência contemporânea (Lahire 1998; Dubar 2001; Dubet 2005; Thévenot 2006; Martuccelli 2006). Daí, precisamente, o interesse crescente pelos temas de sofrimento, ansiedade e tensão vividos pelos indivíduos de hoje, resultado das exigências da vida social, que impõe um trabalho subjectivo constante de coordenação ou articulação de competências, disposições, pertenças, contextos múltiplos, patrimónios normativos e/ou registos de acção. A apreensão da autonomia enquanto processo empírico revela-se pois indissociável da sua «existência» enquanto norma, mais ainda quando a autonomia do Homem surge como premissa fundadora do sistema de pensamento e organização social nascido da modernidade (Wagner 2001, 2002 [1994]). E este é um passo fundamental para contornar uma utilização acrítica de 16.

(17) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 17. Introdução. vocábulos e conceitos de uso comum, ou seja, é fundamental escrutinar as razões pela quais pensamos as coisas como as pensamos, na medida em que também são as ideias que dão forma aos ideais que os sujeitos utilizam para guiar a sua experiência. Vivemos, portanto, numa sociedade (normativamente) singularista, regulada por uma dada versão do ideal da autonomia. Um ideal que, longe de ter um significado universal, deve ser visto como uma norma plural nas suas interpretações. Explicando, falar de singularismo nas sociedades contemporâneas significa que os modelos de individuação remetem para normas como as da revelação da essência identitária, da autenticidade, do compromisso com a plena realização de si, ao invés de apenas determinados por constrangimentos ou simplesmente ajustados às expectativas sociais de desempenho de papéis prescritos – o que corresponderia às formas de individuação características de um passado recente. Teremos, pois, assistido a uma substituição mais ou menos progressiva dos modelos de individuação dominantes: de um, estruturado por uma lógica de conformação, por outro, dominado por uma lógica de afirmação (de si enquanto indivíduo singularizado). A desafiar o simplismo deste dualismo surge, porém, uma terceira lógica, transversal: a lógica da confirmação que evoca, como tem reiterado Honneth (1995, 2007), a importância das dinâmicas de reconhecimento de si pelo(s) outro(s), logo, central quando se aborda qualquer questão relacionada com a autonomia individual. Pois se esta pode ser concebida como um atributo da acção ou ainda como uma capacidade do sujeito, não é menos importante a concepção de autonomia enquanto condição que só existe quando é reconhecida no espaço intersubjectivo das (suas) relações sociais.3 Com efeito, o estudo sistemático do indivíduo tem mostrado que as revelações ou as realizações de si (presentes em tantas narrativas identitárias) acabam por ser sempre construções de si, trabalhadas sobre a mente (que as pode efectivamente subjectivar e essencializar), mas também sobre o corpo, numa relação estreita com os contextos familiares, sociais e culturais nos quais os sujeitos desenvolvem relacionalmente os seus trajectos. 3. Resgatar o espaço intersubjectivo para o centro da reflexão teórica é um meio, como defende Corcuff, de romper com o esquema paradigmático dual, investindo numa matriz metodológica e interpretativa nem individualista, nem holista, mas sim relacional. Em seu entender o relacionismo metodológico «constitui as relações sociais em realidades primeiras, caracterizando assim os indivíduos e as instituições colectivas como realidades segundas, como cristalizações específicas de relações sociais» e que permite o desvio do olhar sociológico da oposição para a combinação no mesmo quadro interpretativo das duas dimensões (Corcuff 2005). Este é um movimento teórico-empírico que Thévenot, com Boltansky, reclama ter inaugurado (Thévenot 2006, 227). 17.

(18) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 18. Adolescência e Autonomia. Não quer isto dizer que o discurso «essencialista» dos indivíduos contemporâneos não tem importância. Trata-se, isso sim, de sublinhar que esse discurso assenta sobre uma interpretação da mudança social que defende a existência de um processo de valorização dos elementos expressivos do individualismo moderno simultâneo a um de desvalorização das dimensões relacionadas com um individualismo mais racionalista, isto é, aspectos como a racionalidade desafiliada e estratégica (ao jeito do discurso utilitarista de raiz kantiana),4 por referência à manutenção da ordem e à integração, perdem vigor e importância. Porém, a realidade é pouco dada a binarismos conceptuais, paradigmáticos ou de qualquer outra espécie.5 E, acreditando na tese de Taylor (1989), as fontes culturais que constituem o cenário da nossa existência são plurais, pelo que, mesmo perdendo algum relevo no plano dos discursos normativos, traços de um individualismo racionalista ainda se mantêm como importantes elementos na paisagem ética e moral. Em suma, todos estes argumentos convergem na ideia de que cada vez mais os indivíduos sentem que não basta sê-lo (indivíduos integrados, responsáveis e bem-sucedidos), há que, simultaneamente, buscar ser singular, original, realizado e autêntico (exibindo eficazmente estas capacidades e qualidades). Uma tendência que longe de ser «nova» encontra as suas raízes na resposta do movimento romântico à racionalidade exacerbada promovida pelos fundadores do projecto moderno (Taylor 1989; Honneth 2007).6 4 É fundamental sublinhar que é na moral kantiana, inspirada pelo Iluminismo racionalista do século XVIII gerador desse grande e complexo projecto que se chama modernidade, que a relação entre autonomia e razão é definitivamente estabelecida: pois o actor que se autogoverna fá-lo-á apenas se agir de acordo com imperativos exclusivamente racionais, o que implica, por seu turno, um autocontrolo sobre as pulsões e os desejos imediatos. Esta afirmação arredou filosoficamente a subjectividade e a emoção da acção moralmente superior, ou seja, a acção autónoma. Nesta perspectiva, a autonomia é um valor, por definição, universal e uma característica essencial que o sujeito pensante e dotado de razão deve possuir para almejar o acesso à condição de indivíduo. Reconhecer no sujeito a capacidade de agir de acordo com razões, orientado por «leis» morais que adopta exclusivamente através de actos de vontade individual é uma interessante proposta para a compreensão da noção de autonomia. 5 A este propósito Alexander (1995, 14) sugere que a modernidade se construiu sobre um código binário que, em seu entender, cumpriria a função simbólica de dividir o mundo em sagrado e profano, providenciando um quadro normativo de categorização, compelindo à filiação num pólo ou no outro. Com efeito, as Ciências Sociais construíram o seu discurso fazendo uso, em grande medida, de um código binário (herdado do dualismo cartesiano), como prova o uso frequente de «conceitos emparelhados» – individual/colectivo, subjectivo/objectivo ou tradicional/moderno para dar apenas alguns exemplos (Corcuff 2007, 7). 6 A referência ao Romantismo alemão como origem de uma resposta assente na expressividade individual, ancorada numa visão mais essencialista do sujeito, por oposição. 18.

(19) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 19. Introdução. Assim, o relevo crescente dos elementos expressivos do individualismo, que explicaria em parte o singularismo que Martuccelli acredita ser um traço das sociedades contemporâneas, não se verifica de forma homogénea devido à manutenção de uma desigual distribuição de recursos e oportunidades (sejam de ordem material ou simbólica) como algumas leituras mais críticas da tese da individualização têm precisamente feito notar (Blöss 2002; Will 2007). A paisagem cultural contemporânea surge então como uma composição (tensa e paradoxal) de injunções morais e éticas em que tanto se deseja ser igual (e incluído, integrado e até conformado) como diferente (original, autêntico ou, lá está, singular). Ou seja, não se deseja uma ou outra coisa em alternativa, mas procura-se, na medida do possível, conjugar ambas. Kaufmann (2008, 11-29) é um dos autores que retornam sistematicamente este argumento, ao realçar esta mesma tensão como o paradoxo fundamental da experiência moderna: a tolerância crescente pela diferença é concomitante a uma obsessão igualmente crescente pela normalidade. E esta ambiguidade desafia a capacidade dos indivíduos de construírem uma unidade subjectiva que de forma mais ou menos conseguida articule ambos os desígnios. Em suma, como sugere Singly (2005a), os debates acerca das ambiguidades da experiência humana nas sociedades contemporâneas tiveram a vantagem de resgatar uma visão do indivíduo autónomo para o centro da teoria sociológica. Um indivíduo tendencialmente definido como o sujeito singular(izado), envolvido na difícil coordenação e articulação de diferentes registos de acção, em si plurais, heterogéneos e mesmo contraao indivíduo dotado de uma racionalidade instrumental pura, é obrigatória, pois, como afirma Taylor (1989, 376), a individuação expressiva protagonizada por este movimento filosófico-artístico também é uma das pedras-de-toque da cultura moderna. Na verdade, Marx também se propõe resgatar o sujeito empírico preso nas malhas do racionalismo estratégico dos utilitaristas, inspirados em parte pelo sujeito kantiano. Corcuff (2005) sublinha como Marx se dirigia ao «homem completo» feito de razão e emoção, por oposição ao sujeito tolhido pela alienação mercantil do capitalismo, entendendo as paixões e as pulsões que Kant se propunha controlar, como as verdadeiras forças criativas da singularidade individual. Em seu entender era o «ter» que inibia o verdadeiro «ser», ideia que subjaz a todo o seu projecto filosófico-político. Todas as correntes que invocam a autenticidade como eixo fundamental da autonomia são, pelo menos em parte, herdeiras destas linhas de pensamento. Nesta perspectiva, a capacidade que qualquer actor tem de dar início a uma qualquer acção não lhe confere necessariamente autonomia. Nesses casos, o sujeito será dotado, porventura, de uma independência comportamental que não é, nesta perspectiva, equiparável à autonomia (uma condição do plano interior e subjectivo, como postulam Schiller, Hölderlin e Hegel por exemplo). Segundo estes autores a reflexão moral que divide o sujeito entre razão e sensibilidade (privilegiando a primeira), retira o sentido e o significado da acção do horizonte da acção humana.. 19.

(20) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 20. Adolescência e Autonomia. ditórios, noutros tantos territórios de existência. Coordenação e articulação por referência à composição subjectiva de uma unidade narrativa que o processo histórico de individualização e a norma «singularista» lhe impõe. As sociedades ocidentais contemporâneas oferecem as garantias liberais de independência pessoal que lhe permite esse trabalho sobre si próprio, ou seja, autoriza-o a compor selectivamente a consistência da sua identidade a partir dos seus patrimónios herdados, dos seus laços sociais, das suas experiências tendo por referência uma essência subjectivamente percebida como «anterior» (Kymlica citado por Singly 2006, 13). Essa «anterioridade» fabricada justificaria, aliás, a ideia de que a identidade é algo que se revela, mais do que algo que se constrói. Ainda assim, a matéria da qual se modela, ou seja, os contextos, os recursos, os lugares e as circunstâncias, é algo que não pode, na maioria das vezes pelo menos, escolher. Nesta encruzilhada teórica defendemos, na linha de Thévenot (2006), uma perspectiva que considera o problema da coordenação como manifestação da autonomia do actor, na medida em que este mobiliza competências, mais do que acciona mecanicamente disposições.7 O envolvimento do actor em vários regimes de acção (do mais próximo e familiar ao público e colectivo), que a cada acto concretizado actualizam a sua relação com o mundo, transforma afinal uma dependência (do sujeito em relação ao ambiente e ao contexto) num poder (de produzir juízos, julgamentos, apreciações críticas, numa palavra, reflexividade), permitindo, por consequência, trabalhar a sua autonomia num quadro de diversidade e complexidade (Thévenot 2006, 238). Em suma, lembra Dubet (2005) que se a sociedade é um sistema de integração, e se se reconhece que os patrimónios culturais circulam entre as gerações através de processos inconscientes de constituição do sujeito, cuja identidade também se faz de pertenças, este participa no retrato de um indivíduo socializado, ou seja «fabricado» pelos seus contextos de socialização (ora numa visão mais «encantada» ora numa leitura mais «desencantada», como é possível entrever nos trabalhos de Durkheim 2001[1922]; Parsons 1964; Parsons e Bales 1954; Elias 1995, 1993 [1987]; Bourdieu 1979, 2002 [1972]; Lahire 2005, 1998). No entanto, também é verdade que muitas configurações sociais (que vão do informal e familiar ao formal e institucional) funcionam de acordo com lógicas mercantis ou quase mercantis, onde o sujeito, que faz escolhas e toma decisões com base na antevisão das suas consequências futuras, 7 No que constitui uma inegável crítica ao legado bourdieusiano, nomeadamente o constante da obra de Bernard Lahire.. 20.

(21) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 21. Introdução. mobiliza competências que fazem dele um indivíduo racional (como defenderam Elster 1995; Coleman 1990; Boudon 1979). Por fim, na medida em que a sociedade é um espaço de interacção (a várias escalas) e que o sujeito constrói a sua reflexividade por referência e através da relação com o outro e a ele se relata narrativamente, a intersubjectividade partilhada enquanto espaço de construção de si atribui um carácter eminentemente relacional ao indivíduo (tal como trabalhado, ainda que de forma diferente, por autores como Berger e Luckmann 2004 [1966]; Schütz 1967; Garfinkel 1967; Goffman 1993; Mead 1967; Giddens 1994; Dubet 1994; Thévenot 2006). É evidente que os planos se sobrepõem a nível da experiência (Dubet 1994), incluindo o do indivíduo ético que a modernidade ajudou a construir como ideal, numa composição fragmentada de várias fontes culturais. Com efeito, Taylor (1989, 503) nota precisamente que o indivíduo ético contemporâneo, ou seja, a significação cultural de sujeito à qual os indivíduos concretos de alguma forma reportam, é definido tanto pelas capacidades racionais desafiliadas como pela imaginação criativa; por uma combinação do entendimento moderno de liberdade, da dignidade e dos direitos e da prevalência de ideais expressivos de auto-realização, tudo isto num quadro de exigência de uma solidariedade e uma justiça universais. E são estas sucintamente as razões que justificam que ao longo deste trabalho se recorra a uma concepção de autonomia compósita e plural.. A autonomia como reportório de competências e virtudes Na verdade, como atrás se referiu, o primeiro traço a sobressair dos debates em torno do conceito de autonomia é o da constante dualização, sendo a primeira aquela que força distinguir autonomia moral, amplamente discutida pela Filosofia, de autonomia pessoal. Decantar os principais elementos dos vários debates é pois o objectivo dos parágrafos que se seguem. No que diz respeito à discussão sobre autonomia moral é importante referir a autonomia pensada como a capacidade de um indivíduo se impor princípios morais, conforme definido por Kant no 1.º imperativo categórico, cuja moral pode aliás ser considerada fundadora desta visão racional da acção humana e com a qual, como referimos, o romantismo se irá debater. De um modo geral, reportam a esta concepção de raiz kantiana o entendimento da autonomia como o poder de (racional e livremente) escolher, desejar ou aceitar um determinado código de conduta 21.

(22) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 22. Adolescência e Autonomia. (disponível e transmitido socialmente) como o princípio organizador de toda a moralidade individual, exercendo controlo sobre influências, pulsões e desejos contingentes. Nesta perspectiva, os indivíduos, para serem verdadeiramente autónomos, são responsáveis por desenvolver e criticar os seus princípios éticos, pelo que a força da consciência individual deve preceder qualquer tipo de autoridade e tradição (Dworkin 2001, 10-11). Recorde-se como a tipologia da acção de Weber (1991 [1922]) vai justamente neste sentido, ao situar a acção tradicional na base da hierarquia dos tipos de acção, na medida em que uma conformação acrítica às normas traduz a incapacidade de o sujeito agir racionalmente e por referência aos valores universais, as formas mais elevadas da acção individual. Isto não quer dizer que o sujeito tenha de negar os modos de ser e agir em que foi socializado, mas para ser autónomo tem de os rever criticamente fazendo um uso activo das suas competências de reflexividade. Vale a pena sublinhar, também, que nesta perspectiva da autonomia (enquanto síntese do valor ideal e da práxis quotidiana) está implícita a ideia de que a autonomia identitária implica a desafiliação (de qualquer laço que restrinja a liberdade para materializar a autonomia em acções, como serão os laços familiares em certos tempos e espaços da vida, por exemplo), ideia em tudo coerente com o projecto emancipatório iniciado com a modernidade e que deve ser reproduzido à escala da existência individual. Há, igualmente, num plano que não se reduz aos aspectos identitários mas que se aplica também aos aspectos mais pragmáticos do quotidiano, uma ênfase em competências básicas, como a capacidade de pensamento racional e o autocontrolo. Por outro lado, nesta perspectiva não só se atribui um conteúdo normativo à autonomia, como esta ocupa um lugar de grande destaque na hierarquia de valores, ou não fosse o eixo central de toda a moralidade. Do ponto de vista das fontes culturais da identidade moderna, a autonomia constitui-se, pois, como uma norma que não deixa de representar a relação do homem com o mundo social por via dos valores (implicando-o nas suas prescrições), ao remeter o seu comportamento para uma referência universal de justiça e de bem, o que compromete, pelo menos em parte, tanto a sua acção (Ricoeur 1996) como a sua justificação perante os outros (Boltanski e Thévenot 1991; Thévenot 2006). É preciso não esquecer que o exercício da autonomia tem sempre como corolário a responsabilidade perante si e perante os outros, ou não fosse outra das implicações morais do exercício da autonomia o respeito pelo outro (Honneth 2007). Nessa medida desafiliação e afiliação constituem mais dois pólos a reforçar a dualidade do conceito de autonomia, sempre tenso e paradoxal qualquer que seja o ângulo de observação. 22.

(23) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 23. Introdução. Já do debate acerca da autonomia pessoal importa salientar a ideia de que autonomia se define na capacidade de alguém reflectir e se identificar com motivações, desejos ou valores reconhecendo-os como seus. Nesta perspectiva a autonomia é concebida para lá das suas implicações morais, desligando-a de um quadro de valores específicos ou superiores. Isto implica, nomeadamente, que a autonomia seja uma característica que os indivíduos podem exibir em qualquer dimensão das suas vidas. Autonomia deixa assim de ser exclusivamente usada para referir a condição global do sujeito por referência a valores morais e princípios éticos para poder ter uma aplicação mais contingente e processual, ou seja, como uma competência situada, como defendem grosso modo os autores que fazem uso de uma perspectiva relacional do sujeito (Mead 1967; Goffman 1993; Berger e Luckmann 2004 [1966]; Schütz 1967; Garfinkel 1967; Dubar 1991, 2001; Dubet 2005). Quer isto dizer que se o usa o conceito de autonomia para referir indivíduos autónomos em relação a um determinado traço, conjunto de acções, ou esfera de vida e, também, para caracterizar processos de aquisição ou construção de autonomia. A dificuldade de conciliação destes dois eixos ao longo do percurso de discussão do conceito de autonomia é, por seu turno, reveladora da complexidade que justamente lhe confere interesse (Dworkin 2001, 7), daí a insistência na importância de construir abordagens dialógicas que recusem visões unívocas da autonomia (e, por consequência, do indivíduo). Isto conduziu a que, para olhar os dados, construísse uma perspectiva teórica e analítica em que as formas culturais (como a própria noção de autonomia, aliás) foram encaradas como plurais, coexistindo num mesmo tempo e espaço. Desta forma, o conceito de autonomia que nesta investigação se mobiliza, quer enquanto valor quer enquanto processo, gravita, essencialmente, em torno de dois eixos de sentido fundamentais, intimamente relacionados e que ora colidem, ora se ajustam sem gerar tensões. O eixo da integração – construtivista –, que define a autonomia como a capacidade de os sujeitos, através do autocontrolo e da regulação, intervirem sobre si de forma a adequar a sua forma de estar e ser às normas morais e sociais que, por sua vez, subscrevem mais ou menos reflexivamente, e aos projectos identitários que constroem e almejam exibir de forma a (idealmente) obter o reconhecimento que os valida. O eixo da integridade – essencialista –, que entende a autonomia como a capacidade de o sujeito ser autêntico e verdadeiro, respeitando aquilo que crê ser a sua essência ou, pelo menos, agir com o propósito de realizar a plenitude de si, assumindo perante os outros as suas características e princípios 23.

(24) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 24. Adolescência e Autonomia. éticos, ou seja, sendo fiel a si próprio independentemente de pressões e constrangimentos externos. Isto porque, convém não esquecer, não existe autonomia sem alteridade e sem uma profunda imersão na rede de interdependências que é a base constitutiva da vida em sociedade (Elias 1993 [1987]). Como corolário, portanto, emerge uma noção de autonomia, por um lado, enquanto condição interior e subjectiva, distinta de liberdade e independência, ainda que estas lhe estejam intimamente associadas; e cujo exercício substantivo, por outro, obriga a integrá-la no quadro de outros valores e injunções como a lealdade, a autoridade, a empatia, a integração, etc. Na verdade, o exercício prático da autonomia é sempre, lembra Ricoeur (1996, 302), um processo ancorado à reciprocidade (respeito devido a cada um, que pode justificar acções que indiciem dependência, passividade ou impotência e que obriga a situar a autonomia no quadro de outros valores e referências), mas que tem sempre por referência uma norma «exterior» de justiça e liberdade. No mesmo sentido argumenta Honneth (2007, 191) quando sublinha que o sujeito autónomo está «condenado» ao uso constante de uma fundamental sensibilidade contextual. Por último, qualquer que seja o ângulo ou perspectiva preferencial (racional e/ou expressiva; integração e/ou integridade), emerge uma noção de autonomia que se baseia na construção e exibição de um reportório de competências e virtudes – cognitivas, comportamentais e identitárias – que vão da racionalidade à reflexividade, passando pelo (auto) controlo, pelo respeito e pela responsabilidade. E foi com base nesta tripla constatação (a importância da alteridade e do reconhecimento, a autonomia como condição interior, distinta de liberdade e independência, e a autonomia como reportório de competências) que se olharam os processos de construção da autonomia juvenil na adolescência com referência à dinâmica familiar. Esta é uma conceptualização que permite abordar os indivíduos numa perspectiva relacional e dialógica, pois toma em consideração a complexidade da sua acção e a diversidade dos múltiplos contextos onde se desenrola a sua existência, entendendo que é no trabalho de coordenação e articulação subjectiva dos vários registos de acção que se experimenta e materializa a autonomia. Assim, na encruzilhada entre os patrimónios familiares e culturais em que se forjam o hábito e as estratégias e registos da sua transmissão; as acções (mais ou menos estratégicas) e as interacções quotidianas; e o trabalho subjectivo de construção de uma narrativa identitária, procuraram-se as lógicas socioculturais que permitem explicar os processos de individuação observados. Processos em curso, pois não se deve esquecer o leitor de que todas estas questões se pretendem ver examinadas numa fase particular da vida como é a da adolescência e juventude. 24.

(25) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 25. Introdução. Do corpo que cresce e da autonomia que se constrói: um (novo) olhar sobre a juventude e a adolescência 8 Afirmar que nos interessamos por um objecto de pesquisa como a juventude levanta, logo para começar, uma série de dificuldades por se tratar de uma categoria social emergente, volátil e de definição complexa. Emergente porque a juventude, tal como se concebe actualmente (na sua dupla vertente de fase da vida e categoria social), é um produto da modernidade. Não havia na Europa pré-industrial qualquer dúvida quanto ao estatuto de subordinação simbólica da infância em relação à idade adulta, para a qual se transitava directamente. Klein (1990) sublinha, precisamente, que a emergência das próprias noções de infância, adolescência ou juventude são por si só um reflexo de mudanças culturais, possibilitadas pela intensidade da diferenciação social decorrente dos processos de modernização. Entre estes um particular destaque é devido ao domínio económico, na medida em que foi a partir das transformações que nele se experienciaram que surgiu (muito lentamente) um domínio educativo, que foi sucessivamente assimilando, em diferentes moldes consoante as épocas históricas, as novas idades de vida que medeiam a infância e a idade adulta. No entanto, não deixa de ser curioso assinalar que a juventude, se assim se pode chamar o período da vida prévio ao casamento,9 ou seja, o período onde se verificava para muitos algum afastamento da família decorrente da incorporação em aprendizados ou serviço doméstico, era até bastante longa se se conferirem os calendários matrimoniais tardios e um limite para a maioridade legal superior ao actual.10 Manter a subordinação face à autoridade paternal (ou de outro adulto) durante tão longo período não significava, todavia, que existisse um tempo e um espaço exclusivos 8 Esta secção é uma versão do capítulo «Adolescência enquanto objecto sociológico: notas sobre um resgate» incluído na colectânea Jovens e Rumos, orgs. José Machado Pais, René Bendit e Vítor Sérgio Ferreira. 9 Marcador estatutário de término da tutela parental que mesmo assim não era acessível a todos, dada a exiguidade do mercado matrimonial, em função de critérios económicos e sociais de transmissão de patrimónios (Bandeira 1996). No caso das mulheres não se poderá falar de emancipação, mas de transferência de tutela. 10 A maioridade, instrumento jurídico que baliza simbolicamente as fronteiras etárias da juventude, manteve-se em Portugal nos 25 anos (estabelecidos pelas Ordenações Filipinas no século XVII) até ao Código Seabra (1867), em que o artigo 1050.º estabelece os 21 anos como idade da maioridade civil. Só na revisão do código civil de 1977 ela atinge o valor actual, fixado nos 18 anos, com uma total igualdade de direitos e liberdades entre sexos (algo até então inédito) (Portugal 1977).. 25.

(26) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 26. Adolescência e Autonomia. para essa juventude, integrada, grosso modo, desde a saída da primeira infância no mundo dos adultos e das suas actividades (Cunha 2007; Cicchelli 2001; Klein 1990).11 É, ainda assim, um processo lento, como são por definição os processos de mudança social, aquele que dá origem à constituição da juventude como grupo social abrangente e (quase) universal nas sociedades ocidentais. Com efeito, é justamente na encruzilhada de processos como a sentimentalização da criança e posterior reconhecimento da sua condição de indivíduo (Ariès 1988), com a expansão da escola moderna (com especial destaque para os segmentos secundários e universitários do ensino) como espaço de socialização, interacção e aprendizagem (Klein 1990), que se criam as condições para a legitimação de um tempo específico no ciclo de vida, não produtivo (do ponto de vista económico), para a preparação da vida adulta. Com efeito, a escola passa a ser a partir de certa altura o único território legítimo para a vivência de grande parte da juventude, estando às crianças e aos jovens juridicamente vedado o acesso ao trabalho assalariado. Assim, para além dos aspectos especificamente culturais e éticos que a modernidade introduziu na forma como se concebem os indivíduos, na vivência da família (crescentemente sentimentalizada) e no relacionamento intergeracional (cada vez mais regulado pelos ideais democráticos de partilha e reciprocidade) foram, com efeito, fenómenos como a democratização do acesso ao ensino, bem como o prolongamento da sua obrigatoriedade e participação até aos níveis actuais,12 a estar na base do relevo social crescente da juventude (enquanto condição duplamente etária e cultural). De notar que os modelos transicionais que sugerem uma dada sucessão de idades da vida (com os respectivos atributos culturais a orientar expectativas e experiências) não se substituíram, mas coexistem. Da infância directamente para a vida adulta, por via da integração precoce no mercado conjugal ou de trabalho; da infância à idade adulta, passando por uma adolescência e uma juventude dedicadas à formação (e à celebração), são múltiplas as modalidades de trajectória possíveis, embora esta última tenha ganho destaque ao longo do século XX, tornando-se a mais legítima do ponto de vista simbólico. 11 Uma tal constatação em nada constitui novidade. Se apenas nos reportarmos ao contexto português, verifica-se que desde as primeiras reflexões sociológicas sobre o tema se assinala precisamente a relação da emergência da juventude, enquanto categoria social, com as transformações sociais, económicas e culturais promovidas pela modernidade (num sentido lato) e pelo processo de modernização do país (num sentido mais estrito) (Nunes 1968, com especial destaque para as páginas 93-99). 12 Nove anos de escolaridade obrigatória em Portugal, desde 1986 até 2009, ano em que passou para os doze anos de escolaridade (para mais elementos sobre a evolução da população escolar em Portugal, consultar Almeida e Vieira 2006, 27-49).. 26.

(27) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 27. Introdução. A novidade moderna está assim na associação aos contextos intergeracionais tradicionais (na família e no trabalho), novos (e cada vez mais democratizados) contextos intrageracionais onde, entre pares, se forjam territórios exclusivamente juvenis, com práticas, consumos e representações específicas, como são os das sociabilidades e dos lazeres.13 Isto significa que às idades/fases da vida se associaram historicamente atributos culturais que com o tempo começaram a destacar-se das categorias biológicas/fisiológicas que lhes deram origem. É interessante verificar que à medida que a juventude se expande (em número de indivíduos que dela acabam por usufruir e no tempo que ela pode «durar»), as melhorias generalizadas nas condições de vida decorrentes do desenvolvimento da sociedade industrial e capitalista se traduziram numa antecipação, em média, do início da puberdade e, por consequência, da maturidade biológica do corpo por via de uma melhor nutrição. Contribuindo para elevar a juventude de mero período intercalar entre a infância e a vida adulta a categoria sociocultural parece haver, assim, uma crescente divergência entre os aspectos simbólicos e culturais da juventude e os aspectos fisiológicos do desenvolvimento do corpo. Significa isto que a análise de indivíduos jovens, aferindo a partir do seu estado de maturação biológica um estado psicossocial correspondente, perde progressivamente adeptos no seio das Ciências Sociais (e não só). Como sugere Lesko (1996), categorias como adolescência (que evoca precisamente o processo de maturação sexual do corpo) sofreram um processo de desnaturalização. Veja-se porquê. Explicar o processo de desnaturalização de uma categoria (e concomitante culturalização) conduz-nos ao contributo dos trabalhos de Hall (1916 [1904]) sobre a adolescência,14 publicados no dealbar do século XX. A formação de um paradigma linearista do desenvolvimento remontará àquele. 13. Territórios que não se cingiam, de modo nenhum, exclusivamente à escola, e em quem nela podia participar. Com efeito, a rua tornou-se o espaço de sociabilidade e lazer mais acessível a tantos jovens (rapazes), cujo trabalho a família não podia dispensar. É justamente nestes grupos de jovens oriundos de classes trabalhadoras operárias a residir nas cidades que se vão centrar muitas preocupações sociais, ao serem associados à delinquência e à desordem (Gillis 1981, cap. 3). 14 O uso alternado ou simultâneo dos termos «juventude» e «adolescência» significa apenas que as categorias não são mutuamente exclusivas, mas antes se intersectam profundamente nos seus sentidos. A referência à adolescência visa sobretudo remeter para os processos de individuação que são simultâneos ao crescimento e amadurecimento do corpo, ao passo que juventude é uma categoria cultural mais ampla que excede de forma mais evidente quaisquer limites biológicos ou etários. Com efeito, os adolescentes são (ou almejam ser) jovens (no sentido cultural) também. Já muitos daqueles que se identificam como, ou se sentem jovens, não são necessariamente adolescentes.. 27.

(28) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/4/13 7:27 PM Page 28. Adolescência e Autonomia. autor e contribuiu decisivamente para a disseminação de uma visão da juventude como um conjunto de etapas sucessivas. Sublinhe-se, ainda, a associação da adolescência (definida como um período de transformações fisiológicas e hormonais que elevam o corpo da criança ao estádio adulto e que rapidamente se constituiu numa categoria simultaneamente clínica e social) a um inevitável tempo de stress e tempestade, determinado por imperativos biológicos e psicológicos que seguiam, basicamente, a linha psicanalítica de Freud. A própria etimologia da palavra parece reforçar esta visão, pois adolescência deriva da palavra latina adolescere, que significa adoecer, embora seja composta por duas palavras (ad e olescere) que querem dizer para e crescer respectivamente. Em suma, palavra e concepção estariam afinadas na ideia de que para crescer é preciso sofrer. Acrescentaríamos que implícita no sofrimento inescapável está também a noção da inevitabiliade de uma ruptura (geracional) cujo palco primeiro seria a família: a afirmação de si andaria a par da afirmação de uma identidade geracional diferente da da geração precedente. Um tal modelo, que pressupõe uma crise no processo de construção da identidade, negligencia quer o papel das transformações éticas mais gerais e que melhor explicariam eventuais distâncias e proximidades intergeracionais, quer a influência dos traços sociais, económicos e culturais na modelação de padrões de comportamento juvenis (não esquecer ainda o carácter civilizacional do próprio processo, como demonstrou Mead 1961), quer ainda a reciprocidade transformativa que o processo da adolescência despoleta na dinâmica familiar. Na verdade, acaba por subjacer a estas abordagens o princípio de que se quer sair da juventude para entrar na vida adulta, como se esta representasse um patamar existencial de suposta maturidade por contraponto à suposta imaturidade da juventude, o que, lembra Boutinet (1998), é uma falácia que ignora quer o carácter dinâmico da identidade, quer o facto de à fase adulta do ciclo de vida não ter de estar necessariamente associada autnomia, liberdade ou independência. Childress (2004) crescenta ainda que o recurso às categorias definidas por uma perspectiva do desenvolvimento sobre os jovens é perigoso, mesmo que a necessidade de nomear por vezes o imponha, justamente, porque pressupõem que os indivíduos se dirigem ao pináculo do ser (a vida adulta), relegando a juventude a mera fase de preparação ou ensaio. Em suma, no centro dos muitos sentidos associados à juventude permanece a ideia de que o jovem é alguém inacabado, em processo de construção ou em devir (Klein 1990). Este facto imprime a esta fase da vida um carácter transitório e ambíguo (entre dois momentos de suposta estabi28.

(29) 00 Adolescência Intro_Layout 1 1/5/13 10:56 AM Page 29. Introdução. lidade identitária que seriam a infância e a vida adulta) que tornou, desde sempre, a sua análise conceptualmente complexa. Até porque, como já se referiu, assistiu-se ao relevo crescente dos aspectos mais expressivos do individualismo moderno, que se traduz na adesão preferencial a formas identitárias concebidas como work in progress sujeitas a permanentes reformulações, por via da acção de múltiplas fontes de aprendizagem e influência, sem que isso implique um tempo certo para a sua estabilização (Giddens 1994; Martuccelli 2006; Kaufmann 2004, 2008; Dubar 2001; Beck e Beck-Gernsheim 2002). Parte do interesse actual na juventude reside, portanto, na constatação de que um legítimo processo de busca de uma identidade própria, por parte dos jovens, se torna cada vez mais complexo à medida que se flexibilizam estruturas sociais (especialmente quando comparadas com as estruturas pré-modernas), surgem novos canais de mobilidade social, e se amplia o campo dos possíveis em que se forjam identidades, trajectórias e projectos de vida (Pais 2001, 2003). Nessa medida, há uma cautela obrigatória na atribuição a efeitos de idade determinados traços culturais, quando podem estar em causa efeitos de geração (reflexo de mudanças sociais mais profundas e a longo prazo) (cf. Pais 1998, 24-29). Numa frase, a abordagem de novas questões e fenómenos sociais fazendo um uso acrítico de velhos paradigmas interpretativos pode redundar na reprodução de preconceitos. E a juventude tem sido um território fértil para normatividades e juízos de valor por via das representações sociais que dela se fazem. São, com efeito, os seus atributos simbólicos que fazem da juventude um conceito que ultrapassa, em larga medida, as fronteiras etárias do ciclo de vida, embora a âncora corpórea da noção de juventude, ou seja, a associação de determinadas performances a uma faixa etária cujo corpo se reconhece jovem, permaneça um incontornável traço da representação daquele grupo social (Ferreira 2006, cap. 3.1). Paralelamente ao movimento mais amplo na abordagem do indivíduo que se verificou na Sociologia,15 a Sociologia da Juventude também se confrontou com a complexificação e a fragmentação das trajectórias de vida, desta feita ao dar conta das existências crescentemente singulares 15 Quer isto dizer que as transformações sociais experimentadas nas últimas décadas redundaram numa maior exposição do indivíduo, ele próprio, e não apenas o suporte físico das estruturas sociais nem tão-pouco uma abstracção teórica, dando origem a um renovado interesse por parte dos investigadores sociais nas questões relacionadas com a individuação. Martuccelli (2005) considera mesmo que esse interesse resultou numa inflexão nas teorias sociológicas no sentido de estas passarem a abordar sobretudo a complexidade e a pluralidade inerentes à experiência individual.. 29.

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Foto da capa: Milena Seita, What's a place like that doing in a girl like you (2012)

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