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A aprendizagem da responsabilidade: o dinheiro como território educativo

Uma socialização para o dinheiro que obedeça ao objectivo de apren- dizagem da responsabilidade no uso dos recursos financeiros (ou seja, parci- mónia e planeamento) resulta a maioria das vezes de uma estratégia de familiarização progressiva com o dinheiro, desde a infância em muitos casos, através da atribuição de mesadas/semanadas. No entanto, também no que diz respeito às trocas pecuniárias os calendários bem como a ini- ciativa de constituição de sistemas deste tipo variam: nalguns casos re- sultam de reivindicações juvenis, vendo nesta modalidade um possível acréscimo na sua independência, noutros é iniciativa dos pais, que con- cluem que desta forma controlam melhor os montantes atribuídos ao mesmo tempo que assinalam o momento como um nó transicional, uma conquista e a prova de que se chegou a um patamar de confiança que permite acrescentar, às trocas afectivas, trocas financeiras relevantes.

Semanadas e mesadas Quantidade finita

Fui aumentando. Comecei logo aí aos 12 anos a dar um euro a cada um... Não era um euro, eram para aí 20 escudos ou coisa assim, não era um euro, ainda havia escudos, ou 50 escudos... [António, professor do ensino secundário, 47 anos, periferia].

A mesada foi para aprender a gerir e porque dia a dia ou venho tarde e não me lembro ou esqueço ou pode estar sem dinheiro. Foi para saber gerir o di- nheiro. A irmã também já tem [Isabel, técnica supe- rior, 42 anos, periferia].

E depois, se a pessoa não dá conta, todos os dias compra qualquer coisa e a dada altura nós percebía- mos que isso era o que nos estava a acontecer ou então cria-se aquela coisa, a pessoa vai à escola, passa na papelaria, sempre qualquer coisa, e era o boneco

Familiarização progressiva com o dinheiro... ... promovendo exercícios de planeamento e gestão... ... mas também uma forma mais eficiente de limitar os montantes atribuídos

isto, portanto aí foi uma decisão nossa que era [dar- -lhe a semanada]. Porque depois fomos dando-lhe di- nheiro e embora ele talvez ainda fosse pequeno, dá- vamos qualquer coisa, agora já não sei, era em função da semana e ele comprava aquilo com aquele di- nheiro [Susana, quadro superior, 48 anos, capital].

Estas definem-se, pois, como quantias predeterminadas, inicialmente não negociadas, entregues regularmente para despesas próprias. O espec- tro do que é considerado despesas próprias ou responsabilidades dos filhos também varia entre famílias e, para cada família, ao longo do tempo. Al- guns pais incluem nestas apenas e exclusivamente consumos pessoais, realizados nos tempos e espaços que os jovens usufruem de liberdade de acção e circulação. Pertencem ao conjunto dos consumos não essenciais, estando tudo o resto, alimentação e vestuário e mesmo alguns lazeres, os mais dispendiosos sobretudo, garantido pelos pais, a pedido. Outros ampliam os montantes para incluir os gastos com os lazeres, mas também com o vestuário (não excluindo, ainda assim, a possibilidade de suple- mentar com ofertas ocasionais) e/ou a alimentação e/ou transportes. Quer isto dizer que há uma grande variedade de esquemas de regras quanto aos usos legítimos a dar ao dinheiro, preferindo alguns pais man- ter a seu cargo directamente (os outros não deixam de o fazer, mas indi- rectamente) todos os gastos relacionados com a sobrevivência material. Essas diferenças representam inevitavelmente para os filhos diferentes níveis de desafio na gestão e planeamento e, por consequência, alcances diversos para o exercício da responsabilidade e do autocontrolo. Por outro lado, os arranjos descritos não deixam de ser provisórios, representativos do momento presente, que por norma significa mais dinheiro do que no momento de referência anterior e, nalguns casos, acrescidas responsabi- lidades, realçando o carácter tendencialmente progressivo e cumulativo do processo. Atente-se nalguns exemplos:

Já, já há alguns tempos [que tem mesada]. A minha mãe todos os meses dá-me a mesada mas é... é para gastar, para gastar com as senhas de almoço ou os transportes. Agora já é diferente, porque antigamente era mais só para o almoço mas agora ultrapassa os cem euros, porque com o passe... [...] Ela diz «dou-te o dinheiro e agora gere-o no máximo possível» [Hugo, 18 anos, estudante do ensino superior, mãe técnica superior, pai economista].

Tudo menos a alimentação e o passe. Pronto, é para o que eu quero fazer, sei lá, para comer qualquer coisa na praia, ou para ir sair, ou para... isto agora nas férias, em aulas é a mesma coisa. Se quiser almoçar fora, se quiser... Des-

pesas extra que não sejam o passe e a alimentação, que eu tenho em casa. Quando preciso [de roupa], os meus pais pagam-me. Nem tenho comprado muita coisa. Mas quando é qualquer coisa que eu quero e que é fora da ne- cessidade ou qualquer coisa, pago eu, tipo mais um top ou assim [Francisca, 18 anos, estudante do ensino superior, mãe técnica superior, pai professor universitário, capital].

Por definição, a ideia de atribuir uma mesada ou semanada implicaria que os pais concedessem ao filho alguma liberdade para um uso discri- cionário dos montantes atribuídos, pois só assim (em princípio) a estra- tégia cumpriria o objectivo de ser um exercício para promover o desen- volvimento de uma racionalidade económica: através da sofisticação das competências de gestão e planeamento das necessidades e desejos de con- sumo. Mas simultaneamente há definições claras quanto àquilo que constitui os gastos legítimos, pelo que essa liberdade no uso do dinheiro parece sê-lo na forma, mas não tanto no conteúdo – controlado e ava- liado –, o que não deixa de evocar uma lógica de encenação parental de li-

berdade que já se observou na gestão de algumas práticas juvenis (o que

não invalida o carácter de exercício e de prova de todo o sistema). Tra- tando-se, por outro lado, de um exercício progressivo e cumulativo, a confiança dos pais vai-se conquistando por via dos desempenhos positi- vos, sinónimos de crédito no sentido financeiro, mas também no sentido do abrandamento do controlo e da vigilância parentais. No caso de Su- sana (quadro superior, 48 anos, capital) e de Nuno (18 anos, estudante do ensino superior) a confiança e liberdade na gestão financeira do di- nheiro atribuído não deixa de ser coerente com a atribuição de liberdade por convicção observada no que diz respeito à acção e circulação fora de casa. Uma convicção sustentada na confiança, por sua vez alimentada por desempenhos considerados responsáveis. Com efeito, para facilitar as trocas, foi estipulado a dada altura, a partir do momento em que a conta bancária pôde ser movimentada pelo filho, um montante que é depositado numa conta, gerida por Nuno com total liberdade, por um lado, e autonomia, por outro, pois já é ele, que escolhe e decide que usos dar ao dinheiro. Senão veja-se:

Susana e Nuno: «faço o que eu quiser com o dinheiro enquanto houver»

Susana conta que actualmente «o dinheiro é depositado na conta, uma conta que é isso apenas, não estamos a falar de outras contas [pou- pança]. Fazemos uma transferência no fim do mês». Acrescenta que foi uma opção do casal: «já que nós íamos pagar uma renda, uma mesada,

eles têm uma conta deles». Não deixa de sublinhar que esta solução só resulta porque o filho foi revelando os sinais de que ia dando conta do recado, ou seja, é uma confiança que resulta da avaliação positiva das provas dadas ao longo do tempo. Com efeito, a convicção com que de- fende que aos filhos se deve atribuir liberdade para que aprendam a fazer os percursos, muito embora do apelo da protecção resultasse que ao fazê- -lo sentisse receios, não tem propriamente um paralelo quando analisadas as trocas pecuniárias, uma vez que a liberdade de gestão financeira é atri- buída depois das provas dadas e não ao contrário: teve primeiro de apren- der para depois poder usufruir dessa liberdade. Diz, portanto, que «é uma coisa que só [resulta] com a pessoa tal, e agora nele já há essa gestão». Não foi imediata, mas antes uma aprendizagem progressiva que, estando na opinião de Susana também relacionada com a sua maneira de ser, não deixa de ser relevante do ponto de vista da tomada de consciência do valor do dinheiro.

Nuno usufrui de uma liberdade de gestão financeira que, muito em- bora não trabalhe e todos os recursos tenham origem na família, lhe rende sentimentos de independência face a esta, o que remete para a hi- pótese de a relação entre a independência e a autonomia se fazer por via dos capitais identitários que os sentimentos de independência podem re- presentar. Nuno sente-se livre para gerir o seu dinheiro, afirmando que o dinheiro que recebe é «para tudo: almoços, jantares... para o que eu qui- ser, faço o que eu quiser com o dinheiro enquanto houver». Por outro lado, não deixa de ser interessante notar que uma mesada ao fim do mês dispensa a reafirmação constante da dependência (e da assimetria), ine- rente ao acto simbólico que pedir ao pai/mãe dinheiro pode constituir. Como diz Nuno, este sistema, incluindo a conta e o cartão, tem portanto múltiplas vantagens: «estar o meu pai sempre a dar era pior, assim tenho e não preciso de andar com dinheiro ainda por cima. É tudo mais fácil». Mais à frente reconhece, confirmando aliás as impressões da mãe, que não deixa de ser uma oportunidade para o desenvolvimento de impor- tantes competências: ter uma mesada, apesar de tudo finita, permite-lhe aprender a gerir «o dinheiro e mesmo que eu não utilize tanto esse mês tenho a oportunidade de poupar...».

É certo que o exercício de gestão do dinheiro será mais complexo quando, além dos gastos pessoais, ao jovem são confiadas algumas res- ponsabilidades objectivas, como a obrigação de vestir-se e, sobretudo, alimentar-se (fora de casa). Nessa medida, os casos de Hugo e Nuno, por exemplo, são distintos. Ainda assim, a ideia que subjaz à acção educativa tende a ser a de que os filhos, com quantias ajustadas à idade e às neces- sidades, devem aprender a fazer escolhas conscientes e responsáveis face a recursos objectivamente finitos, aprendendo a poupar se possível, por

um lado, e consciencializando-se de que não existe uma disponibilidade ilimitada de recursos, por outro.

Como no caso de Susana e de Nuno, se há descobertas que este exer- cício promove a nível dos traços de personalidade, também há expecta- tivas e riscos em jogo, pois ao revestir-se de um carácter probatório, os desempenhos dos filhos a nível da gestão pecuniária estão inevitavel- mente sujeitos à avaliação, ao controlo e ao (re)ajustamento, o que obriga, precisamente, a relativizar o princípio da liberdade de gestão financeira implícito na ideia de mesada. A liberdade tende a ser, para a maioria dos jovens entrevistados, sempre vigiada e controlada.

O caso de Sónia (18 anos, estudante do ensino superior, mãe domés- tica, pai pequeno patrão, periferia) é paradigmático dessa dinâmica. Se por um lado diz que pode usar o dinheiro como quiser, por outro, conta como o pai está sempre atento, controlando as contas e os gastos através da consulta de saldos e movimentos (algo que apesar de tudo Susana diz não fazer de todo, «os extractos ficam para aí e nunca lhes mexo»). A este pro- pósito relata um conflito recente, fruto, em seu entender, de um mal-en- tendido quanto às justificações para o facto de num dado mês ter exce- dido o valor da mesada, gastando parte das verbas que tem acumuladas na mesma conta. O conflito emerge, precisamente, da divergência quanto aos critérios de inclusão de certas despesas no espectro de legitimidade, ou seja, de como se define necessidade legítima (Brague 1999). O di- nheiro é atribuído para ser gasto livremente mas não pode ser mal gasto, sendo que mal gasto remete para o universo do imaterial, do lazer e do supérfluo (almoços com colegas, por exemplo), ao passo que o bem gasto se reveste do carácter de investimento na carreira escolar (fotocópias e trabalhos) – o que redunda numa liberdade afirmada mas não praticada. A chamada de atenção, sublinhando o controlo parental é, portanto, outra forma de reforçar o estatuto de dependência e o carácter condicio- nal da disponibilização de recursos financeiros.

Então fico por mês com cerca de 60 euros. Foi na altura em que tive de comprar as lentes, custaram 30 euros e depois, nessa semana, havia muitos trabalhos e eu às vezes não tinha tempo de ir almoçar a casa, levantava 10 euros, e na semana seguinte já levantava outros 10, ou seja, cheguei a ultra- passar [o valor da mesada], esse mês descontrolei-me um bocado. E o meu pai como é muito controlador nisso, chamou-me à atenção... «Andas a gastar mais do que aquilo que deves, em que é que gastas?» E eu comecei logo: «almoçar fora e tal» e o meu pai começou logo a pensar... «então isto é assim, não tens almoço em casa, tens alguma necessidade de ir almoçar fora»... «ó pai também gastei dinheiro nas fotocópias!», ele deve ter pensado que eu só

andava a gastar o dinheiro mal gasto... E eu, «mas estás a dizer que eu gasto o dinheiro mal gasto e essas confusões»... «Tu disseste que estes últimos dias tens almoçado fora e levantas sempre dinheiro...»

Com efeito, também subjacente à formulação de estratégias de socia- lização para o dinheiro está a convicção de que a experiência de privação de recursos promove o desenvolvimento de virtudes, por oposição ao fa- cilitismo e ao excesso consumista que tantos lamentam existir nas socie- dades contemporâneas. Alguns pais parecem almejar reproduzir, num meio controlado – e sem o nível de dureza que vivenciaram –, as apren- dizagens resultantes das suas próprias experiências de privação. Ainda no caso de Sónia, verifica-se que a discordância total com os argumentos justificativos da acção parental quanto à liberdade de circulação que gos- taria de ter, mas que os pais não entendem como necessária, não se re- produz no que diz respeito à sua interpretação da socialização para o di- nheiro promovida pelos seus pais. A este propósito já afirma identificar-se totalmente com a herança cultural familiar e com os hábitos de rigor, parcimónia e comedimento que são ensinados pelos progenitores e que se inscrevem numa ética de trabalho e poupança que contradiz de certa forma as tendências sociais para o hedonismo consumista (aqui personi- ficadas na família dos vizinhos, com quem, a par e passo, se estabelece o paralelo).

Eu admiro o meu pai, aquela responsabilidade, e acho que ele nos educa de uma forma mesmo ideal... porque nós temos a comparação aqui com os nossos vizinhos... é um casal que também tem três filhos, só que são dois rapazes e uma rapariga. E eles em relação à nossa família, nós fazemos muitas vezes essa comparação e eu acho que o meu pai nisso é completamente certo, porque ele tenta incutir-nos os princípios de que não podemos gastar mais do que aquilo que recebemos e nós temos de ser racionais e responsáveis... que é o contrário deles. É o que o meu pai diz... nós não podemos viver só para o dia de hoje, porque amanhã acontece alguma desgraça e nós precisa- mos para alguma situação e não temos... não temos com que nos governar. É o que acontece muitas vezes com os nossos vizinhos, eles trabalham os dois... cá em casa só o meu pai trabalha, e só trabalham para as coisas, para comprar coisas supérfluas... a toda a hora comprar roupa para os miúdos, brinquedos, jogos de playstations, semana a semana... que não são assim tão baratos... esbanjam dinheiro de uma maneira...

O discurso em torno da relação entre os desejos e as possibilidades objectivas de concretização desses desejos está, pois, no cerne da relação educativa. Esse discurso e as práticas educativas que dele decorrem não

deixa de ser, nalguns casos, uma forma de os pais incluírem nesta apren- dizagem uma consciencialização do lugar social relativo e das assimetrias económicas na distribuição dos recursos financeiros na sociedade em geral, onde existe um nós (somos assim) e um outros (mais abonados, mais esbanjadores) que servem de referência.

Ainda assim, não se trata na maioria dos casos de uma condenação radical dos desejos de consumo juvenis, quaisquer que eles sejam, à ile- gitimidade. Ou seja, reconhece-se aos jovens a legitimidade para querer, característica que partilharão com os seus pares, mas caberá aos pais o dever, umas vezes fruto da vontade, outras da necessidade, de refrear esses desejos com referência àquilo que objectivamente se pode ter através da imposição de uma moratória entre o pedido ou a formulação do desejo e a sua concretização.

Ela tem, nunca lhe faltou nada, graças a Deus, dentro das nossas possi- bilidades. Porque isto é assim, a gente vive só do trabalho, e do trabalho mesmo, o dia-a-dia praticamente, não se pode ter grandes luxos, por vezes não se podia ter logo aquilo que ela queria, que isto é assim mesmo, tinha que esperar. Às vezes ela pedia como a irmã, mas «ó Cristina agora não pode ser, tens que esperar porque sabes que isto não dá e não sê quê», pronto, mas nunca lhe faltou nada, dentro de coiso [Maria do Carmo, empregada doméstica, 45 anos, periferia].

Por vezes a moratória tem outros objectivos. Mais do que conscien- cializar os filhos quanto às dificuldades familiares, pode ainda revestir-se do carácter de estímulo para o que o filho encontre as suas próprias solu- ções para obter aquilo que deseja, ou seja, para que avalie os contextos, estabeleça os objectivos, defina estratégias e se esforce por atingir os seus propósitos. Isto é, um estímulo a que a independência não se fique pela forma e ganhe um conteúdo: conseguir as coisas pelos seus próprios meios e não por via da mediação familiar. A concretização individual de objectivos, de forma independente da família, é pois uma importante via de reunir capitais identitários que não só ajudam a exercitar como refor- çam os sentimentos de autonomia e independência. No caso de Hugo (18 anos, estudante do ensino superior, mãe técnica superior, pai econo- mista), como aliás para a maioria dos jovens entrevistados, um dos mais importantes objectivos a atingir nesta fase é a carta de condução, sendo que para a maioria (havendo recursos disponíveis) é uma espécie de pré- mio pela maioridade, há muito prometido, oferta dos pais. Também o é neste caso, embora Hugo ainda não o saiba. Veja-se porquê.

Hugo e Isabel: um incentivo a que tome a iniciativa

A mãe, Isabel (técnica superior, 42 anos, periferia), até já juntou o di- nheiro para oferecer a carta de condução ao filho. Mas afirma que não lhe diz, embora a decisão esteja tomada. Justifica-se: «também não digo porque aí incentivo... a que ele tome a iniciativa». Acrescenta depois que está convencida de que «funciona como estímulo», no caso deste filho pelo menos (noutros momentos vai sublinhar como os filhos são dife- rentes entre si, o que recorda a importância de se analisarem as relações familiares como o resultado da interacção de indivíduos, com diferentes perfis). Diz que no caso de Hugo tem de facto funcionado «porque ele está convencido de que não tem e quer fazer coisas». Mobiliza-se, procura trabalhos ocasionais, junta presentes de anos e de natal dos familiares. Assim reuniu os montantes necessários para a carta, embora afirme que vai esperar uns mesinhos, pois estava (à época) a iniciar a faculdade e em processo de ambientação a um novo quotidiano. A mãe no entanto, não o deixará dar esse passo: como previsto inicialmente Isabel afiança que «ele quando a for fazer depois dou-lhe o dinheiro».

Nesta lógica de acção parental, que aborda as trocas financeiras como um território educativo, é também comum o recurso a uma estratégia de

co-responsabilização financeira quando estão em causa determinados dese-

jos/necessidades dos filhos, como a aquisição de equipamentos ou de vestuário de marca que impliquem investimentos volumosos. Nestas si- tuações estabelece-se um acordo (e não negociação, porque acaba por re- sultar de uma imposição) entre as partes, exigindo a participação de ambas. Os pais dão uma parte e os filhos dão a outra: no caso de um bem de marca, os pais dão a quantia que achariam razoável pagar por esse bem, encarregando-se os filhos de pagar o resto das suas mesadas e poupanças; já no caso dos bens electrónicos, mais ou menos essenciais à carreira escolar, o acordo passa por subtrair à mesada os valores adian- tados pelos pais. Com esta estratégia, também se estabelece uma clara distinção entre aquilo que é responsabilidade do filho (o que torna o di- nheiro atribuído pelos pais o seu dinheiro, conferindo adicionais senti- mentos de independência) e aquilo que é responsabilidade dos pais. Mais, a constituição de uma parceria financeira contribui e é um sintoma do processo de reformulação das relações de filiação que resulta da aqui-