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de controlo e de negociação imediata

Todos os pais querem saber antecipadamente quais os locais que os filhos vão frequentar. Uma minoria até se deu ao trabalho de verificar se esses locais cumpriam os requisitos mínimos de segurança ou ainda de os visitar para testar o ambiente. São casos raros e considerados exagera- dos por alguns. Mas saber de antemão aonde se pretende ir não basta. De um modo geral, há um relativo consenso quanto à necessidade de estar contactável para o caso de acontecer alguma coisa e ser preciso con- tactar os pais ou, mais importante ainda, estes poderem contactar os fi- lhos para verificar se está tudo bem. Sofia (47 anos, professora do ensino secundário, capital) assume-o claramente quando diz que o telemóvel é «para a comunicação, para saber onde é que elas estão, para controlar, é uma forma de controlo». Por vezes servem para antecipar regressos como sublinha Manuela (assalariada agrícola, 45 anos, vila) ao relatar que

«quando ele começou a ter telemóvel e ele não estava àquela hora em casa, eu ligava-lhe e ele vinha...».

O estar permanentemente contactável é uma das condições de usu- fruto da liberdade de acção. Portanto, para além da hipotética necessidade de um contacto urgente, o telemóvel surge, como esclarece Sofia, como um recurso para os pais, que lhes dá a sensação de poderem vigiar os filhos à distância, a cada momento se for preciso, para se assegurarem de onde

se está e se está tudo bem. Em alguns casos constituem-se verdadeiros postos

de vigia (à distância) que acompanham todos os passos e movimentos. Joana (41 anos, vendedora, secundário incompleto, capital) conta que «as primeiras vezes que eles saíram, obviamente que sim, ligava n vezes, ‘já entraram, não entraram?’, porque eram mais pequeninos. Agora não». Como o último testemunho assinala, é mais intenso o controlo na fase inicial, em virtude da ansiedade e, também, do relevo de uma repre- sentação dos filhos como especialmente frágeis e indefesos. Importa ainda assim assinalar que, não obstante as divergências, as tensões e os conflitos mais ou menos acentuados que cercam o processo, tendem os pais que concedem alguma liberdade a fazê-lo na condição de poderem controlar (a cada passo), para assim ficarem mais descansados.

Nós quando vamos à noite e esquecemo-nos de mandar uma mensagem a dizer «está tudo bem, chegamos às x horas», telefona para saber se está tudo bem connosco e onde é que nós estamos. Mas não é aquela coisa de eu vou sair e cinco minutos depois está a telefonar. Pede-me é para que eu diga sem- pre qualquer coisa, «está tudo bem...» [Matilde, 119 anos, estudante do ensino superior, mãe professora do ensino secundário, pai empresário, capital]. Aparentemente, esta solução de ajustamento, como atestam as pala- vras de Matilde, tende a ser um compromisso negocial relativamente bem aceite e considerado justo, pois resulta no benefício de todos (os filhos saem, os pais ficam descansados).

Descansados é efectivamente o termo, pois, tratando-se do uso do

tempo nocturno, há uma clara interferência das sociabilidades juvenis (e os receios e ansiedades que motivam) com o tempo de repouso dos pais, não sendo raro ouvir que não se dorme e/ou não se descansa enquanto não

chegam a casa. Alguns jovens entrevistados sabem disso e tentam aliás

conciliar os seus interesses tendo em conta o distúrbio que provocam no descanso dos pais.

Passar a dormir enquanto os filhos não chegam é aliás um sinal de que a rotinização e o hábito se instalaram de tal forma que a ansiedade e o receio são superados por uma sensação de relativa segurança quanto

ao comportamento do filho (cumpridor dos limites de horário, nomea- damente, quando ainda os há). Maria (profissional liberal, 45 anos, capi- tal) sublinha o carácter processual e progressivo quando salienta que

depois as regras vão-se tornando mais flexíveis... ao ponto de muitas vezes nós acabarmos por adormecer, que era uma coisa que não acontecia antes. É interessante verificar que esta sensação de segurança só volta a di- minuir para alguns pais quando, chegada a maioridade, a locomoção através de transportes públicos ou de outros meios assegurados por adul-

tos é preterida pelos meios assegurados pelo próprio ou pelos seus pares

com carta e acesso a carro e/ou mota. Esta relativa inflexão reforça a ideia de que liberdade de acção se compõe de vários elementos que incluem, como se dizia, os espaços físicos, as configurações relacionais e a circula- ção entre os vários territórios, que vão sendo feitas segundo diversas mo- dalidades.

É também significativo o facto de a própria definição de comunicação móvel reenviar para a questão da confiança, pois há seguramente margem (devido à mobilidade), caso o jovem assim decida, para afiançar que está num lugar com determinadas pessoas e efectivamente não estar. Sendo a verdade e a honestidade valores fundamentais nas culturas familiares, a maioria dos pais não desconfia por princípio, muito pelo contrário, tende a acreditar por norma, o que simultaneamente também traduz o desejo de confirmar o sucesso da estratégia educativa e a transmissão dos princípios fundamentais (como a honestidade) que se definiram para a educação dos filhos.

Ainda assim, o telemóvel não é somente uma ferramenta de controlo parental. Com efeito, para os jovens este também se torna um recurso de negociação instantânea de suplementos de liberdade, na forma de acrescidos períodos de tempo (pedir para ficar até mais tarde) ou, em fases mais adiantadas do processo de reivindicação, em casos onde dor- mir em casa de amigos é uma prática habitual, de notificações de última hora (de que se vai ficar até mais tarde e/ou se vai dormir em casa de algum amigo/a por conveniência de transportes, por exemplo), algo que, antes da generalização desta tecnologia era mais complicado fazer. Lou- renço (19 anos, estudante do ensino superior, mãe vendedora, pai me- diador de seguros, capital), por exemplo, diz ter utilizado essa estratégia de negociação instantânea amiúde:

E depois quando uma pessoa tem horas marcadas é do tipo, telefona à mãe, «ah, deixa-me ficar mais meia hora».

Já na família de Susana (quadro superior, 48 anos, capital) é possível, desde que se cumpra a regra de notificar os pais, avisar que se foi dormir a casa de um amigo (que os pais afirmam conhecer, ver-se-á adiante):

A única coisa, a regra é, se ele dorme fora, é mandar uma mensagem, o que dá imenso jeito, portanto eu neste momento, ao princípio não, sou capaz de ir dormir sem ele ter chegado. É uma coisa que, se por acaso não vier dormir e não tiver dito, manda uma mensagem, já a pessoa de manhã sabe.

Nem todos os jovens entrevistados dispõem da liberdade de Nuno, o filho de Susana, para dormir fora de casa avisando no próprio dia, mas o que importa reter é precisamente a ideia de que os mesmos canais que criam novos mecanismos para controlar (apesar do grau de confiança que está implicado na impossibilidade de certificação das práticas e dos paradeiros) também constituem um recurso para novos espaços (e tem- pos) para reivindicar. Sabendo (ou julgando saber) aonde se vai e onde se está, prossiga-se a análise indagando as formas como se aborda a ques- tão das companhias.