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A entrada no mundo do trabalho: transições estatutárias e acção parental

A condição perante o trabalho não constituiu um factor determinante na selecção dos entrevistados, foi antes a faixa etária (sendo o limiar da maioridade o critério de referência). No entanto, a estratégia de bola de

neve fez que a amostra se tivesse revelado diversificada a este nível: estu-

dantes em exclusivo, estudantes que trabalham ocasionalmente, estudan- tes-trabalhadores, trabalhadores-estudantes; trabalhadores em exclusivo. Mais, alguns contactos ocasionais posteriores com o núcleo de jovens entrevistados permitiram ainda perceber que as suas situações de vida foram mudando ao longo do tempo, variando as suas possíveis situações

perante o trabalho, ainda que sempre no sentido de um controlo cada vez maior sobre o próprio quotidiano. Para dar apenas alguns exemplos, jovens que, no momento da entrevista, eram apenas estudantes, procu- raram mais tarde empregos a tempo parcial: Sónia (18 anos, estudante do ensino superior, mãe doméstica, pai pequeno patrão, periferia) pro- curou uma fonte de rendimento (trabalhava aos fins-de-semana numa loja) que constituísse um contra-argumento na negociação da limitada liberdade de circulação e acção concedida pelos pais; Filipa (18 anos, es- tudante do ensino superior, mãe profissional liberal, pai quadro superior, capital) procurou ocupar os tempos livres de forma produtiva (até ao Natal daquele ano trabalhou numa grande loja de decoração) com a van- tagem de assim aliviar o desconforto causado pela necessidade de ter de pedir dinheiro aos pais para os seus consumos quotidianos. Estes ele- mentos adicionais, a par das pistas resultantes da análise dos testemunhos dos jovens e suas famílias que no momento do primeiro contacto já eram trabalhadores a tempo inteiro, e apesar da diversidade intrínseca das suas experiências, confirmam a hipótese levantada nos casos em que os jovens são estimulados a procurar, através de trabalhos ocasionais, auferir um rendimento suplementar.

Ter um rendimento regular e substancial que permita ser mais inde- pendente de facto (estar na posse dos recursos materiais que permitam concretizar as acções de uma forma sistemática no tempo), no que diz respeito aos consumos individuais de lazer, vestuário e afins, alivia signi- ficativamente o exercício da autoridade parental no que diz respeito à restrição da liberdade de movimentos. Mais, um tal processo acarreta ha- bitualmente uma redução progressiva do leque de técnicas de influência à disposição dos pais. Ou seja, quanto maior a independência financeira, menos densa é a rede de vigilância e controlo parental que limita a liber- dade de acção e circulação. Importa pois perscrutar de que forma se pro- cessa essa perda de densidade.

Ainda que a co-residência implique frequentemente a manutenção de significativas âncoras de dependência familiar, tende a verificar-se um duplo processo na reformulação das relações familiares quando o filho passa a trabalhar regularmente e, sobretudo, a financiar o seu estilo de vida: por um lado o estatuto dos filhos eleva-se no sistema familiar, por via de uma nova representação da alteridade por parte dos pais, progres- sivamente mais empática (além de filho, o jovem passará a ser visto como indivíduo dotado dos atributos adultos da responsabilidade e maturi- dade); por outro lado, ao perder amplitude, a condição de dependência material deixa de constituir um argumento coadjuvante da validação da

autoridade parental. Ainda assim, isto não significa dizer que os pais al- terem necessariamente as suas visões sobre quais são as formas correctas de os filhos agirem e estarem no mundo, mas sentirão que o seu poder de imposição se reduziu substancialmente.

Recorde-se que muito embora em muitas famílias se negoceiem acti- vamente regras e os pais sejam sensíveis aos argumentos dos filhos (e às pressões sociais exercidas pelo grupo também), o que é sintoma da de- mocratização relativa das relações familiares, o uso, no limite, da impo- sição de regras justificada exclusivamente pela autoridade estatutária é um recurso de que os pais não abdicam no processo de construção dos limites dos perímetros de liberdade de acção e circulação. Mas para essa imposição se concretizar parecem ser necessárias algumas condições em que a dependência material total, ou quase total, parece jogar um papel decisivo. Assim, tratar-se-á, antes de mais, de um comedimento auto-im- posto na acção parental, ou seja, são os próprios pais a retrair-se, estabe- lecendo novos e mais restritos limites para a sua intervenção, em função de determinadas transições estatutárias dos filhos.

Tem-se verificado que a norma da razoabilidade nos investimentos na imagem pessoal tende a ser diferente para pais e filhos, pois a impor- tância simbólica desta dimensão enquanto terreno de mediação identi- tária é maior para os últimos do que para os primeiros. Ilda (professora do ensino secundário, 46 anos, periferia) reconhece a divergência, critica discursivamente os excessos do filho, mas sabe que não tem legitimidade para fazer mais do que isso: criticar, ou, melhor dizendo, moralizar:

É, onde ele gasta imenso dinheiro é em roupa, mas é ele que a paga, não sou eu. Às vezes chateio... É assim «ó Luís, por amor de Deus, tanta gente a morrer ao frio», «ó mãe, deixa lá mãe», e como não sou eu que pago calo- -me...

Com efeito, alguns dos jovens que viveram essa transição referem jus- tamente essa transformação. De repente (sem que eles próprios se sintam necessariamente diferentes enquanto sujeitos), a acção educativa parental reduziu o seu nível de controlo e constrangimento. A nível dos gastos fi- nanceiros particularmente, mas não só: se antes havia limites horários e restrições objectivas, passou a haver menos ou nenhumas; se antes havia tensões e/ou conflitos quanto ao uso dos recursos financeiros, que im- plicavam constrangimento e imposição de regras, estas converteram-se, no máximo, em discursos de moralização ou motivação. Cristina (18 anos, empregada de balcão, 10.º ano, mãe empregada doméstica, pai empregado de balcão, periferia) dá conta dessas alterações no comporta-

mento parental, imputando-as à sua integração no mercado de trabalho e à normalização do quotidiano laboral:

A minha mãe deixou-me de ligar para saber onde é que eu andava. Foi mais ou menos a partir da altura em que eu comecei a trabalhar, também, que às vezes até me admirava, «fogo, a minha mãe ainda não ligou», é ver- dade, deixou aos poucos. [...] Era diferente antes, eu agora fico o dia inteiro com a cama por fazer se estou em casa, é capaz de não me dizer nada. Para além de todos os outros factores que intervêm no processo de individuação e na reformulação das relações de filiação (a idade, as provas de maturidade e responsabilidade dadas nos vários territórios de existên- cia, os perfis de reivindicação, os argumentos e as interacções), é uma al- teração estatutária, mais do que uma transformação identitária do próprio sujeito, que conduz nestes casos a transformações significativas nas rela- ções familiares.

No entanto, não se pode falar de casos de emancipação total, pois a situação de co-residência mantém-se. Na verdade, a presença ou ausência de participação dos rendimentos dos filhos no orçamento doméstico constitui mais uma variável relevante a tomar em consideração quando se observa a transformação da relação de forças entre pais e filhos nos sistemas de gestão dos seus quotidianos. Catarina (18 anos, 10.º ano in- completo, empregada de balcão, pais operários, vila), por exemplo, par- ticipa no orçamento doméstico. No plano relacional, esse facto confere- -lhe, na sua perspectiva, uma legitimidade acrescida para ignorar as orientações comportamentais fornecidas pelos pais (com quem mantém uma relação conflituosa, acrescente-se). Senão, veja-se:

Tanto eu como a minha irmã normalmente damos sempre dinheiro para a casa. Só vivo em casa deles. Os gastos... que eles têm comigo é só comida – pouco, mas como qualquer coisa quando estou de folga – é comer e dormir e roupa lavada... Porque de resto... dinheiro, roupa... já sou eu tudo que eu compro. Não [dá conta aos pais daquilo que gasta], porque o dinheiro é meu e faço dele o que quiser. Mas mesmo assim, a minha mãe, se compro umas calças diz logo: «Já foste gastar dinheiro noutras calças» e não sei quê. E eu respondo logo: «Não tens nada a ver com isso.» O dinheiro é meu. Eu já viro costas, já nem digo nada.

Se a participação no orçamento doméstico por parte dos filhos é uma prática ainda comum em muitas famílias (que evoca precisamente a ma- nutenção de funções instrumentais dos filhos no quadro das relações fa- miliares), nomeadamente aquelas com menores recursos económicos, também é verdade que há quem dela abdique. Com efeito, prescindir

dessa contribuição pode ser, para além da convicção de que promove a facilitação da vida futura dos filhos (permitindo-lhes poupar), quer um sinónimo da afirmação social do bem-estar financeiro da família (ou do sucesso do seu percurso relativo de mobilidade social), quer uma estra- tégia implícita de manutenção de um lugar activo no sistema de gestão do quotidiano do filho. Na verdade, o provimento (alimentação e abrigo) é porventura o dever parental mais consensual, dentro do eixo da neces- sidade/vontade de protecção, sobre o qual não restam grandes ambiva- lências normativas. E, sendo o primeiro dos palcos da acção parental, poderá ser visto também como o último reduto da sua capacidade de in- tervenção, vigilância, controlo e/ou, caso surja uma situação mais pro- blemática, o constrangimento da acção.

Maria do Carmo (empregada doméstica, 45 anos, periferia) explica que, depois de começar a trabalhar, Cristina, a filha de 18 anos, nunca mais lhe pediu dinheiro. No entanto, não obstante a situação financeira débil da família (devido aos baixos salários que o casal aufere), insiste em financiar a sua alimentação: uma obrigação que decorre, afirma, da co-residência. Sobre a alimentação em casa, mas também quando vai trabalhar, diz:

Não, nunca me pediu dinheiro, portanto, eu dou-lhe para ela comer, por- tanto, ela come fora, mas muitas das vezes, a maior parte das vezes até ela leva de casa, nem quer comer lá, que ela ao princípio levava, dava-lhe di- nheiro e assim para a comida. Ela está a trabalhar, o dinheiro é dela, é para ela, não ficamos com dinheiro nenhum, mas a comida, se ela está cá em casa, está à nossa responsabilidade, nós é que temos por obrigação de lhe dar de comer ainda, e assim... Pronto, de resto não, o dinheiro que ela me pedisse para alguma coisa para ela, não, não.

Mas, insistindo mais um pouco neste ponto, terá a dependência a nível da alimentação e abrigo o mesmo valor negocial da dependência a ní vel dos consumos juvenis? Alguns dos testemunhos mobilizados ao longo do ca- pítulo chamam precisamente a atenção para o facto de o potencial de di- vergência e conflito residirem no território dos consumos juvenis a nível da imagem (o dinheiro gasto em roupa). Na linha do que tem defen dido Le Breton (2008) este é justamente aquele que, do ponto de vista simbó- lico, é um dos mais importantes para os jovens em processo de construção de si (há jovens, como se viu, que abdicam de gastar o dinheiro em comida para financiar investimentos na imagem e nas sociabilidades). Assim, o facto de os pais financiarem a alimentação e o abrigo, muito em- bora no limite seja este financiamento que determina as objectivas con- dições de sobrevivência material, acaba por não constituir um argumento

tão forte como aquele que limita ou constrange, por via da não transfe- rência de recursos financeiros, os quotidianos juvenis.

Num outro registo, para além das reacções parentais à mudança esta- tutária e à aquisição de independência financeira, há que tomar em con- sideração as motivações que levam a que alguns jovens tenham abando- nado ou dado por concluído o seu percurso escolar, representando essa opção (que poderá até nem ser propriamente uma opção, ver-se-á) um ingresso no mercado de trabalho (um passo que não é irreversível, como têm notado vários autores que salientam a reversibilidade das transições juvenis contemporâneas (nomeadamente Pais [1996, 2001]).

Na verdade, nalguns dos casos em que os jovens entrevistados já ti- nham efectuado a sua transição para o mercado de trabalho, a relação entre os processos de construção da autonomia, conquista de liberdade e aquisição de independência foi distinta, mas reveladora da diversidade de lógicas sociais que participam nesse entrecruzamento. Não sendo pos- sível esgotar todas as configurações possíveis, permite ainda assim subli- nhar quer a complexidade quer a multiplicidade de trilhos de que se fazem os percursos de individuação dos jovens.

No caso de Paulo (19 anos, 5.º ano de escolaridade, mãe assalariada agrícola, pai operário, vila) a sua transição para o mercado de trabalho não foi propriamente uma escolha. Foi, isso sim, uma inevitabilidade ou uma consequência lógica do trajecto escolar marcado pelo insucesso que ditou a progressiva e precoce exclusão de um projecto escolar. Os ganhos materiais e os ganhos de liberdade e independência em relação à família não foram neste caso imediatos, mas reivindicados progressivamente ao longo dos anos que se seguiram. Com efeito, durante o primeiro ano, entregou o salário na totalidade à mãe para que esta o gerisse, mantendo o sistema de trocas pecuniárias que vigorava enquanto estudou, ou seja, quando precisasse pedia, sujeitando-se aos critérios de legitimidade da mãe quanto aos usos a dar ao dinheiro. No entanto, a vontade de ser mais independente fez que reivindicasse para si a gestão do seu dinheiro: continua a contribuir para a casa, mas reserva uma parte substancial para gastos pessoais. Acrescenta que «assim fico com o meu dinheiro, sei quanto é que hei-de gastar». A reprovação da mãe quanto às escolhas que faz em termos de gastos mantém-se, mas já não o impede de con- cretizar os desejos de consumo. Manuela (assalariada agrícola, 45 anos, vila) considera mesmo que

ele ganha pouco e gasta muito em roupas agora. Acho que agora chegou uma altura em que ele está a comprar assim mais coisas, roupas.

Paulo confirma a divergência da norma, dizendo que

eu há dias comprei uma camisola e ela diz sempre que estou a gastar dinheiro mal gasto. É esse tipo de coisas...

Reafirma no entanto a sua autonomia, numa forma identitária que privilegia o consumo expressivo orientado para o prazer em detrimento da ética de poupança que justifica o consumo somente na necessidade. Diz aliás que mesmo sabendo que «não necessito daquela coisa, mas como tenho dinheiro vou comprar... compro», o que permite concluir que a condição de independência financeira de facto, para além de todos os outros contributos no plano do desenvolvimento de competências, contribui para a concretização em práticas de consumo a autonomia iden titária que se vai construindo (em maior ou menor divergência da cultura familiar).

Noutros casos o abandono escolar já reflecte uma escolha individual, livre na maioria dos casos, mau grado o conformado desacordo familiar que sonhava com um percurso mais longo. Ainda assim, a mesma atitude teve para os vários sujeitos objectivos e contextos muito diversos. Luís (19 anos, atleta profissional, 10.º ano, mãe professora do ensino secun- dário, pai agente desportivo, periferia) fez uma transição progressiva acumu lando os dois percursos (escolar e profissional) durante algum tempo em virtude da insistência da mãe, acabando por abandonar a es- cola assim que os argumentos financeiros já não justificavam o investi- mento escolar. Luís é atleta profissional, daí auferindo um rendimento elevado. A interferência parental no seu quotidiano mantém-se em mui- tos aspectos, mas atenuou-se em intensidade, em virtude da transição es- tatutária, sobretudo no que diz respeito aos usos do dinheiro como o testemunho de Ilda (professora do ensino secundário, 46 anos, periferia) acima demonstrava e que Luís confirma:

Comecei a ter o meu dinheiro, comecei também a geri-lo e comecei tam- bém a comprar as coisas de que eu gostava. [...] Eles às vezes não concordam, se calhar, dizem «ah, compras muita roupa» ou «compras muito isto ou muito aquilo», mas eu prontos.

Luís reconhece, por seu turno, que a interferência parental também se deve ao facto de, por escolha e não propriamente por necessidade ma- terial, gostar de manter certas âncoras de dependência afectiva em relação aos pais que correspondem a outro plano de necessidades tão ou mais im- portantes: também, como outros jovens, contorna algumas regras paren- tais, mas não reivindica um espaço de reserva de intimidade para proteger

a sua autonomia e liberdade de acção. Diz aliás que, apesar de ter condi- ções financeiras que lhe permitem sem dificuldades viver sozinho, que não o fará tão cedo pois faz-lhe falta «o conforto, da companhia, de estar com eles». Uma dependência que se estende a aspectos instrumentais que vão de situações práticas do quotidiano à orientação do percurso de vida. Ou seja, por um lado delega no pai, por exemplo, questões admi- nistrativas. Por outro, os pais constituem, como diz, o seu suporte na to- mada de decisões. É bom saber que se tem o «apoio da nossa família e podemos pedir a opinião e é sempre importante».

Sabe, ainda assim, que deve procurar ser autónomo, ou seja, «temos que nós decidir por nós», mas não se sente ainda totalmente capaz de o fazer sozinho. Neste caso, a precocidade da aquisição da independência financeira (desde criança que recebe bolsas de formação desportiva, que aos 16 anos se converteram num salário superior ao meu, diz a mãe) acaba por preceder e não surgir na sequência do desenvolvimento gradual do reportório de competências que permitem ao sujeito agir, se se exceptuar o plano dos consumos, de forma verdadeiramente livre, independente e autónoma nos restantes territórios da existência.

Para Catarina (18 anos, 10.º ano incompleto, empregada de balcão, pais operários, vila) a transição para o mercado de trabalho também foi progressiva, e o trabalho, mais do que uma necessidade, revelou-se igual- mente como um recurso na afirmação da sua autonomia, por via da aquisição de independência financeira. Desde cedo que trabalha, aos 12 anos já ajudava a mãe nas limpezas para as quais a mãe era contratada. Foi no entanto mantendo o percurso escolar, sustentado pelo gosto e pelo interesse, segundo afirma. A decisão de trabalhar somente, abando- nando a escola aos 15 anos, foi a via que encontrou para contornar os obstáculos familiares à sua liberdade de acção e circulação do ponto de vista das sociabilidades e lazeres, e, nessa medida, considera, foi bem-su- cedida. Diz que

foi mais por causa disso que eu comecei a trabalhar, porque os meus pais prendiam-me muito. Não me deixavam sair de casa, os meus amigos ficavam até mais tarde e eu às nove, nove e meia tinha de vir para casa. Não tinha es- paço nenhum.

A partir do momento em que começou a ganhar dinheiro, os pais passaram a imputar-lhe a responsabilidade pelas suas despesas pessoais, bem como as escolares. Com o passar do tempo Catarina reforçou a con- vicção de que a sua independência era uma vantagem no plano da rei- vindicação da liberdade de circulação e acção. Isto é, mobilizou as falhas

de coerência argumentativa dos pais em seu próprio proveito, subli- nhando o carácter transponível das competências reconhecidas numa es- fera de existência (ter idade para ser responsável para trabalhar) para o seu uso noutra mais significativa do ponto de vista identitário no mo- mento (ter idade para ser responsável para sair com os amigos):

Os meus pais diziam: «Ah, não posso, estás a trabalhar, podes bem com- prar as tuas coisas»... «se eu tenho de comprar as minhas coisas, se eu já te - nho idade para trabalhar também tenho idade para outras coisas, também tenho idade para sair e para estar com os meus amigos».

Já Cristina (18 anos, empregada de balcão, 10.º ano, mãe empregada doméstica, pai empregado de balcão, periferia) viveu uma transição se- quencial, um dia decidiu não continuar (estava farta, não tinha grandes ambições escolares), no dia seguinte foi à procura de trabalho. Tinha objectivos de consumo muito específicos e imediatos (a carta de con- dução e um carro) que as posses familiares não poderiam concretizar. Diz, reproduzindo provavelmente a resposta repetida ao longo do tempo pelos pais salientando a necessidade de moratórias aos seus pe- didos, que

nós temos que compreender que têm as contas deles, têm o dinheiro con- tado também e que não pode ser dado sempre que nós queremos.

Cristina buscava, sobretudo, os meios que lhe dariam mais indepen- dência e, do ponto de vista do planeamento estratégico do percurso de vida, só trabalhar permitiria concretizar os seus objectivos num prazo