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VÁRIOS AUTORES 1

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Academic year: 2022

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Texto

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VÁRIOS AUTORES 1ª EDIÇÃO

ISBN:

ELEMENTAL EDITORAÇÃO

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Ficha do Livro

Nightmares 3 – outroos pesadelos para quem dorme acordado, Vários Autores

Organizador: Fernando Lima ISBN:

Capa: Fernando Lima

Imagem da Capa: Gabriel 714976

Diagramação e Edição: Elemental Editoração Revisão de Texto: Feita pelos próprios participantes Copyright desta edição: 2020 © Elemental Editoração

1. Coletânea 2. Contos 3. Português 4. Nightmares 1. Título 2. Livro Digital 3. Coleção

Todos os direitos sobre esta obra são de exclusividade do selo independente Elemental Editoração, para qualquer tipo de informações ou reproduções sobre a mesma, é necessário a autorização antecipada pelo selo assim como pelos autores participantes deste projeto.

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Sumário

FICHA DO LIVRO APRESENTAÇÃO A HORA MORTA A CASA AZUL A CUCA VAI PEGAR A CURIOSIDADE MATA A ESTRADA DO SILÊNCIO A MORSA

A MORTE CABE NA QUITINETE A PONTE

A VERDADE PODRE AS TRÊS DA MANHÃ BOB – O ESTRANHO BORBOLETAS CARMESIM

CINQUENTA TONS MAIS SANGRENTOS ESPÍRITOS DA NEVE

GRYZUN

MAR VERMELHO

MEU ÚLTIMO CARNAVAL

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O CHAMADO DE DR. HAYTHAM O CHIFRE

O ENIGMA DA VIDA

O FUNERAL DE JANE PARKER O GOLEM

O PAI CORUJA

O PÃO QUE O DIABO AMASSOU O PRIMEIRO QUARTO

O REPLICANTE O SEGREDO

O SER NA BANANEIRA OS GÊMEOS

QUEM TEM MEDO DE ESCURO REMÉDIO PARA A INSÔNIA

SALTOS E SOBRESSALTOS DE UM AMANHECER TOQUE DA MEIA-NOITE

UM SOLITÁRIO

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Apresentação

Por:

Fernando Lima

Nightmares 3 — outros pesadelos para quem dorme acordado, é a terceira edição da coletânea Nightmares lançada em 2018. Com textos de novos participantes, o livro conta com alguns nomes da edição anterior.

Chegar a terceira edição, só mostra o quanto há escritores querendo se livrar dos seus pesadelos e como há inúmeros leitores querendo ter estes pesadelos. Fico realmente feliz em saber que o projeto continua a receber inúmeros pesadelos e que alguns são tão bons que acabam fazendo parte deste sonho.

Fiz esta seleção desejando agradar ao máximo, um vasto publico dos gêneros horror, mistério e derivados. Sou suspeito para falar, mas, espero que neste terceiro livro, sua experiência se assemelhe a minha.

Aproveite a leitura e se gostar, compartilhe e avalie o livro.

Boa Leitura!

Fernando Lima Organizador

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A Hora Morta

Por:

David Leite

Baseado na ilustração the last hour of the night, de Harry Clarke (1922)

Para ele, não estava muito claro a necessidade de vigilância daquele local. O apartamento decadente devia ter sido abandonado a pelo menos dois pares de décadas, a julgar por seu avariado estado e pela antiga arquitetura que podia ser imaginada na visão daquele quase escombro de habitação. Mas o estado do prédio não era diferente dos arredores em que se instalava. Aquele subúrbio ermo, onde vivalma parecia não existir, era coalhado de sobrados, casas, comércios e demais edifícios em semelhante situação. Onde deveria haver vida e prosperidade outrora, agora apenas o silêncio, a ruína e o desamparo reinavam.

Mas o serviço era bem pago. Então, mesmo acreditando que vigiar aquele lugar era desnecessário, ele havia aceitado o trabalho sem

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pestanejar. Os donos do quarteirão em que ficava o pequeno prédio o contrataram para início imediato, o informando que o vigilante anterior, infelizmente, havia deixado o serviço por questões de saúde, e eles não poderiam deixar o prédio a descoberto por muito tempo. Ele não questionou o porquê disso e prontamente aceitou a vaga de vigilante noturno.

Uma única ressalva os patrões fizeram a ele: Deveria deixar seu posto antes da meia noite. Um outro vigia atenderia o próximo turno, mas deveria chegar apenas após à uma hora da madrugada, portanto não seria necessário espera-lo.

Em seu primeiro dia, chegou ao lugar carregando apenas uma mochila. Nenhuma linha de ônibus do centro onde morava iria deixa-lo no bairro esquecido. Apenas uma linha o levava para os lugares mais afastados da cidade e uma caminhada de quase hora para ele finalmente chegar ao seu local de serviço.

Apenas um quarto do apartamento estava em condições habitáveis.

Reformado, o quarto deveria também ter sido o posto de trabalho do vigia anterior. Com as paredes pintadas, uma pequena cozinha equipada e o banheiro limpo e funcional. Além de um conjunto de telas, que ele rapidamente descobriu como operar, ligadas às câmeras de vigilância por todo o quarteirão.

Ficaria ali, então, apenas monitorando os televisores.

Nas primeiras noites, a desconfiança de sua utilidade ali se confirmava. Nada acontecia naquela zona lúgubre. Apenas as horas

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passando morosamente. Nem um animal na rua era captado pelos monitores. O bairro havia sido completamente deixado. Não havia ninguém para invadir ou reclamar aqueles prédios. Os seus próprios patrões pareciam desinteressados. Não entraram em contato com ele durante todas essas noites, solicitando reportes ou apenas para saber se ele estaria comparecendo ao seu posto. Também não havia se encontrado com o vigia diurno, já que havia um hiato entre seu horário de saída e a entrada dele.

Entediado, ele tentava descobrir, todos os dias, alguma maneira de passar as vagarosas horas. Trazia palavras cruzadas de casa, seu passatempo predileto, as preenchendo com atenção enquanto levantava a cabeça raramente para olhar as telas filmando o nada acontecendo.

O relógio despertador que trouxe de casa contava as horas em seus ponteiros precisamente com um clique a cada segundo. Às onze da noite ele soaria alto, informando o que dali a quinze minutos deixaria seu posto e retornaria para casa, caminhando pela noite com sua lanterna.

A caminhada no breu que fazia durante esses dias possivelmente deixaria qualquer um em temor. A escuridão e o silêncio despertam essas emoções comumente. No entanto ele não se sentia afetado por isso. Há tempos que estava na profissão de vigilante, e para exercer esse ofício era imprescindível a falta de melindres. Era ele também um tipo que gostava de solidão, portanto nada melhor que o caminho de volta a sua residência para a contemplação.

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Em uma dessas reflexivas caminhadas começou a questionar o que deveria ter acontecido de tão insueto a ponto de fazer residentes daquele bairro deixa-lo daquela forma. Embora achasse curioso no princípio, quando conheceu o bairro, não era tão incomum o êxodo em sua cidade, dado o momento de crise econômica em que viviam. No entanto, o bairro parecia ter sido enjeitado por outras circunstâncias.

Em uma das noites, após a costumeira palavra-cruzada e servir-se de sua janta, ele repara jogado displicentemente sobre uma das mesas um caderno. Era a folha de ponto, onde estava anotado os horários de serviço.

Não havia sido orientado a preencher nenhum relatório, mas parece que era algo que deveria ter feito. Diariamente, durante quase um ano inteiro, o vigia noturno anterior havia marcado seus horários. Sempre com certa pontualidade, chegava ao cair da noite e deixava o local pouco depois das onze horas.

Nos últimos dias de serviço, no entanto, havia estendido seu horário. Onze e meia, quinze para a meia noite, até culminar na última noite, onde havia anotado seu horário de saída a meia-noite e um, exatamente.

Aquilo o alarmou por um instante. De repente, o abandono do bairro e a saúde do vigia anterior começaram a lhe parecer algo mais grave do que pensou a princípio. Preocupado, começou a vasculhar o quarto em busca de alguma pista do que teria acontecido. Embaixo da cama, então, encontra uma mala de viagem. O nome na etiqueta dela não deixava dúvidas de que pertencia ao antigo vigia.

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Ao abri-la e vasculhar seu interior, ele se depara com recortes de jornais e livros antigos. Os recortes pareciam seguir sempre o mesmo tema. Reportagens sobre casos macabros ocorridos na cidade. Possessões demoníacas, avistamento de espíritos, assassinatos ritualísticos. Tudo relatado em recortes de tabloides datados de dezenas de anos atrás, com um antecedente em comum: Aquele bairro.

O vigia então começa a se preocupar ainda mais com o ar insólito daquilo. O estado doentio do guarda anterior parecia ter se manifestado em alguma obsessão pelo histórico tétrico do bairro. O clima sombrio e nebuloso daquela área parecia tê-lo prejudicado de tal forma que precisou se retirar.

Os livros contidos na mala eram ainda mais curiosos. Uma bíblia e um caderno antigo, de capa dura e desgastada, onde conseguia-se ler apenas A última hora, em baixo relevo. Em seu interior, as páginas amareladas estavam em branco, exceto por alguns versos, escritos à mão, na última página..

Lenta, lenta hora.

Em tudo ecoa Alma que se ignora Tudo é tão doente

Um pesadelo que se sente De si próprio ausente E ainda ela bate à porta

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Lenta, lenta Hora morta Que haja piedade

Bruma e ocaso que invade Hora vazia e sem vida E sombria e perdida

Em agonia que não se conforta Lenta, lenta

Hora morta.

O sino do relógio então o retirou do estado absorto em que ficou após examinar o conteúdo da mala. Onze horas. Deveria se preparar para ir embora. No entanto, confuso sobre o que pensar daquilo, decide ficar mais um tempo. Esperar ali até pelo menos o próximo guarda rende-lo.

De fato, havia ficado um tanto atarantado pelo material. Repentinamente o peso de estar ali, no quarto no meio do vazio, do lugar rejeitado e disjunto de tudo, o assombrou. O guarda anterior havia aguentado aquela solidão e escuridão por tempo demais, até enlouquecer. Com ele não seria tão diferente assim.

De qualquer forma, um medo se instalou nele e o ambiente, antes sereno, tomou ares funestos e vestes pesadas. Ele fecha a porta do quarto, senta-se a frente dos monitores e aguardaria ali pelo próximo empregado, enquanto via a falta de movimento da rua e ouvia apenas o tique taque do relógio despertador a contar o tempo, resoluto.

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Quinze para a meia noite. Nada. Apenas a pressão no peito e um certo desconforto que não experimentou antes. Como se algo houvesse mudado repentinamente. Não lhe agradava a ideia de permanecer ali até depois do expediente, no entanto também lhe incomodou o fato de que teria que fazer o longo trajeto até as cercanias da cidade. Sua perna começou a se mexer com certo nervosismo que lhe era novidade.

Cinco para a meia noite. O ponteiro do relógio, de repente, pareceu- lhe lutando contra alguma força invisível, e cada segundo era vencido com um esforço extra, tornando os segundos mais lentos e distendidos.

Meia noite. A campainha do relógio toca um único timbre e o ponteiro, então, finalmente se rende. O relógio para. O vigia tenta bater nele, retirar as pilhas e recoloca-las, mas nada surtia efeito. Havia parado completamente, como se tivesse desistido. Uma coincidência nem um pouco alentadora.

O vigia então se vira para os monitores. Aguardaria ali até amanhecer, se necessário.

O vagar lento do tempo, já sentido antes, agora tornava-se ainda mais insuportável. Algo iria acontecer no meio do silêncio, no meio da penumbra, no meio do abismo daqueles momentos. Como um grito preso na garganta, o vigia aguardava temeroso o tempo dilatado e agora sem medida.

Então, uma sombra escorre por um dos monitores. Algo se espalhava pela imagem na tela como piche. Do grito na garganta, o vigia, assombrado, solta apenas um soluço, enquanto a sombra se estendia para

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os outros monitores e em poucos e aterrorizantes segundos cobria a sua visão do exterior.

Alarmado, o vigia tenta organizar seus pensamentos, tentando conceber o que deveria fazer. Corre para a janela, de onde poderia avistar algo. Nada. Com a lanterna que sempre carregava tenta a câmera mais próxima para averiguar o que a havia coberto. Não consegue avistar a câmera da posição da janela. No entanto, contornando a esquina, um tênue brilho avermelhado irradiava, como se um fogueira tivesse sido acesa, ou mesmo o alvorecer começasse a despontar. Atônito, o vigia tenta novamente colocar seus pensamentos em lugar, e decide que então iria descer para a rua e checar o que estava acontecer. Aliás, era essa sua função.

Ele abre a porta de supetão. No corredor escuro e destruído do andar, uma avantesma adiantou-se a fugir do facho de luz enquanto o vigia já aflito processava a visão fugaz, tentando vencer o terror. Sem muito o que raciocinar, corre para as escadarias que levavam até a rua, por onde o vulto havia também se projetado.

A rua escura, agora, parece coberta de uma emanação avermelhada, que dançava como a luz de uma chama. Mas o ar estava frio e espesso, tanto que a respiração entrecortada do vigia assustado evolava de sua boca na forma de vapores brancos. O vigia tenta se recompor antes de correr para a rua principal, de onde a luz surgia e o único lugar para onde a sombra fugitiva poderia seguir. Na rua, deparou-se com um horizonte próximo em um ardor de chamas, com um brilho místico e aterrador,

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como em um pesadelo ou delírio. A poucos metros dele, uma figura esquálida, uma forma negra e vagamente humana, ainda mais escura com o lumiar das chamas em seu contorno, estava parada a sua frente.

Novamente a vontade de gritar surge na garganta do vigia, quando a figura começa a se virar para ele, revelando seu demoníaco semblante ao mesmo tempo em que crescia em tamanho, assim como as chamas do horizonte, se tornavam maiores e mais vigorosas a medida que engolia os prédios e as ruas.

Então, o grito não dado por ninguém foi ouvido. Apenas, ao findar a terrível hora, o clique do relógio retoma sua contagem, decidido.

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A Casa Azul

Por:

Alison Silveira Morais

— De novo não — resmungou Alfred para Susan às 3:30 da madrugada.

— Eu vou ou você vai? — Perguntou Susan.

— Acho melhor irmos juntos, fazia tempo que ela não chorava assim.

Ao entrar no quarto de Emma, acenderam a luz e a viram enrolada no cobertor tentando entrar de baixo da cama. A menina estava com o rosto inchado de tanto chorar e ainda soluçava muito quando a pegaram no colo para tentar acalmá-la.

— “A caja ajul papai, a caja ajul de mônstoros” — repetia a menina de 5 anos.

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— A casa azul de monstros de novo minha linda? Pronto, pronto, passou. A gente já conversou sobre isso, não é? A casa azul é só imaginação. Você teve um...?

— “pejadelo?” — resmungou a menina enxugando os olhos.

— Um pesadelo, isso mesmo. Vamos voltar para cama agora.

Cedinho pela manhã papai faz as suas panquecas favoritas tá bom?

— Tá!

Alfred e Susan Sullivan já tinham levado Emma à psicólogos infantis e pediatras especialistas em comportamento e traumas, mas parecia que nada resolvia. Desde quando se mudaram para aquela casa, Emma tinha pesadelos com uma tal casa azul, onde havia um monstro enorme que gritava e a perseguia, muitas vezes que tinha esses sonhos, ela acordava desesperada. Alguns profissionais propuseram que seu quadro podia estar de alguma forma relacionado com o trauma de mudança de casa, no entanto, Emma tinha apenas 6 meses quando isso aconteceu.

A frequência com que sofria com esses sonhos parecia aleatória, às vezes passava-se semanas sem nenhuma interrupção noturna, e às vezes simplesmente tinha o mesmo pesadelo por dias seguidos, e o mais curioso, era sempre, exatamente o mesmo pesadelo.

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Alfred era um homem extremamente cético, trabalhava com finanças e Susan era agente imobiliária. Chegaram a cogitar por um tempo se mudarem novamente, mas não tinham certeza se isso melhoraria ou pioraria a situação de Emma. Apesar de cético, Alfred um dia resolveu se dirigir à prefeitura de Casper, onde morava, em Wyoming, seu primo Alphonse trabalhava lá há uns bons vinte anos e queria ver com ele sobre os registros de sua casa. Queria conhecer a história dela, a que famílias pertencera antes deles e tudo mais. Enquanto aguardava o sinal vermelho ficar verde, na última esquina antes do enorme prédio da prefeitura, sentiu-se meio estúpido por estar fazendo aquilo. Afinal de contas, pra que serviria saber ou deixar de saber sobre a casa? Por acaso acreditava em maldições, assombração? Unicórnios?

Antes de ir até lá já havia alinhado o assunto com Alphonse, e quando chegou ao prédio se dirigiu diretamente à mesa dele, sem precisar esperar na fila, agarrou uma pasta de documentos da casa sobre a mesa, jogou aquela piscadinha, e quando estava se virando ouviu de Alphonse:

— Temos os registros somente a partir de 1911, mas parece que foi construída antes.

— Sem problemas, obrigado.

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Em casa, junto de Susan, eles deram uma boa olhada nos documentos, enquanto isso Emma desenhava na mesa da cozinha, ela estava cantarolando e falando enquanto desenhava:

“Agora o amarelo, e o “vêde” com “chinza”, não não quero pintar de “vemelho”, nem de “lananja”, só “ajul”. Só “ajul”.”

Susan lembrou de já ter visto os documentos, afinal de contas, ela mesma tinha escolhido essa casa para que comprassem, fora um ótimo negócio. Fizeram uma busca na internet nos nomes e sobrenomes das famílias que ali moraram antes deles, porém nada chamou atenção. Com uma expressão que era um misto de deboche e decepção Alfred falou a Susan:

— O que eu esperava afinal? Uma história de fantasmas num registro da prefeitura?

Susan esboçou um risinho de canto de boca.

No dia seguinte seria o aniversário de 6 anos de Emma, ela era uma menina muito esperta na creche e adorava as professoras, mas a verdade era que Alfred e Susan agradeciam que seu aniversário era durante as férias de verão, pois nunca conseguiam convidar tanta gente como fazem os outros pais, com festas de aniversários barulhentas em pleno pátio das escolas. Docinhos e bolo para uma legião de pequenos gafanhotos famintos por qualquer tipo de açúcar. Naquela noite enquanto

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Emma dormia, organizaram toda a temática da festa, que certamente aquele ano teria que ser “Frozen”, a menina era aficionada pela animação.

Também compraram um vestido igual à da Elsa, balões e docinhos enfeitados com flocos de neve. Estava um primor.

Faziam quase doze dias que Emma não tinha pesadelos, quase batendo o próprio recorde de quatorze, estavam empolgados. Porém, a madrugada seria mais longa do que podiam imaginar.

Susan dormia pesado, estava frio aquela noite, quando sentiu algo gelado lhe tocando as bochechas. Parecia uma sensação quase etérea, e ela transitava entre o mundo dos sonhos e o real, quando abriu os olhos em um enorme susto, achando que poderia ser algum inseto, acendeu a luz do abajur e deu de cara com Emma ao lado de sua cama. Por muito pouco não deixou escapar um grito de susto e medo, quando olhou a menina de pijamas com as mãos e a boca completamente sujas de tinta azul.

Susan acordou Alfred imediatamente e começaram a perguntar o que tinha acontecido com Emma, enquanto a enrolavam em seu edredom, a menina estava congelando e tremendo os lábios.

Emma, ainda muito sonolenta, falava enrolado, dizendo que na casa azul, a menina não queria outras cores, ela queria só o azul, então o

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monstro a fez comer três giz de cera azul e pintado à mão com cola colorida também, porque ela não tinha se comportado.

Em poucos minutos a menina se aconchegou entre seus pais e dormiu profundamente de novo, enquanto Susan e Alfred, perplexos, se olhavam já sem mais nem um pingo de sono.

Toda aquela coisa com a cor azul, eles teriam que leva-la novamente à Dra. Saybeen Colen, a melhor pediatra que encontraram em Wyoming, talvez ela pudesse criar algum tipo de lógica em toda aquela loucura. Sentiam-se péssimos pais por não entenderem o que acontecia na cabeça de sua pequenina.

A festa afinal foi um sucesso. É realmente gratificante ver a reação sincera e sem rodeios de uma criança, quando ela gosta, todo o mundo consegue perceber que ela gosta, quando ela não gosta, não consegue disfarçar, o presente mais mesquinho que as pessoas recebem ao longo da vida é a habilidade de serem falsas, e as crianças eram inocentes.

Depois de um dia cansativo, Emma abriu os presentes e viu que um deles era um vestido azul. Queria vesti-lo naquele mesmo momento, Susan a ajudou a vesti-lo e depois daquele dia, aquele se tornou sua roupa favorita, usava o vestido dia e noite, e seus pesadelos começaram a ficar cada vez mais distantes. Quatro meses depois, Alfred e Susan estavam

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quase comemorando, que nesse tempo, Emma tivera somente três pesadelos.

A menina um dia havia pedido para que pintassem seu quarto de azul, e depois de uma consulta com a Dra. Colen, que revelou não serem raras as obsessões de crianças por algo e que elas de fato não eram prejudiciais, teve seu quarto dos sonhos.

Uma semana depois da discreta comemoração pelas noites sem sustos e correria, Alfred recebeu uma promoção em seu trabalho, e caso aceitasse a vaga, precisariam se mudar de Wyoming para Oregon. Por um lado, ficou extremamente apreensivo, pois tinha medo de arruinar o progresso de Emma, mas por outro lado estava muito animado de poder ir morar no litoral. Susan ficou um pouco relutante também, mas sabia que seu cargo poderia ser exercido de qualquer parte do país, sem dizer que adorava praias e seu marido receberia o dobro.

Em uma noite, durante o jantar, sondaram Emma sobre a viagem e a mudança, perguntando se ela lembrava das vezes que tinham ido na praia e se ela gostaria de morar perto de uma. A menina parecia também muito empolgada. Todos os sinais apontavam para Oregon, estava na hora de começarem a se mexer para a mudança.

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Um dia, enquanto esvaziavam a casa aos poucos, e organizavam um “Yard sale”, ou um bazar, para vender algumas coisas da casa, encontraram um enorme espelho com bordas de madeira. Estava no sótão, embrulhado com dezenas de camadas de papelão, nunca tinham o notado, pois simplesmente largavam algumas “tranqueiras” que não queriam mais por lá e saiam. Decidiram vende-lo também.

O dia estava ensolarado, era domingo, os vizinhos se aproximaram da casa dos Sullivan aos poucos. Emma estava brincando no jardim, correndo e girando até ficar tonta e tropeçar. Ela caiu na frente do espelho, endireitou-se, ficou de pé e começou uma curiosa conversa.

Susan sorria para Alfred, imaginava que a menina estava fazendo auto elogios, e foi se aproximando, quando ouviu o que ela falava:

— Eu não sei, eu não vi mais ela, eu não sei aonde ela tá — seu rosto foi começando a ficar vermelho e continuou com voz trêmula — não me briga tia, não fui eu — seus olhos enchiam de lágrimas quando finalmente sussurrou — eu não chô achacina.

Susan a pegou pelo braço e perguntou com quem estava conversando, então a menina começou a andar pelo bairro e apontou para uma das casas e falou:

— Essa!

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Bastante desconfortáveis e ainda incrédulos, Susan e Alfred cancelaram as vendas do dia e foram até a casa que a menina tinha apontado, não faziam ideia como conseguiriam explicar a situação para a pessoa que os atendessem, mas teriam que o fazer de qualquer forma.

Na terceira vez que apertaram a campainha, uma senhora muito idosa atendeu a porta. Com uma cara de poucos amigos e uma das córneas do olho acinzentada, ela perguntou se podiam ajuda-los em algo. Alfred se apresentou como vizinho da casa número 223, perguntando se podiam conversar. A senhora destrancou o ferrolho, abriu a porta telada e os convidou para entrar.

— Meu nome é Beatrice Moore, acho que eu conheço vocês, se mudaram faz mais ou menos uns 5 ou 6 anos, não é? Vocês têm uma menininha adorável, qual o nome dela?

Susan sentindo que aquele papo era um bom quebra gelo respondeu:

— Emma

— Que coincidência! Como Emma Krueger que morou naquela casa

Confusos o casal se olhou, e Alfred perguntou:

— Morou uma Emma naquela casa?

— Sim, por pouco tempo, a conheci um pouco antes da tragédia...

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— Tragédia? Que tragédia? — Perguntou sem medir palavra Alfred.

Talvez percebendo que não era uma boa ideia associar Emma Krueger com a filha deles, Beatrice disse:

— Isso é história de velho meus queridos, deixem isso pra lá, o que trouxe vocês até aqui hoje?

Ansioso Alfred emendou dizendo:

— Foi Emma, ela disse que conversou com a senhora através de um espelho, ela tem pesadelos desde quando chegamos aqui, fui até a prefeitura para conhecer a história da casa e não encontrei nenhum Krueger.

— Bem, desculpe ter entrado no assunto. Os Krueger moraram na casa em 1909, naquela época eu tinha 11 anos, mas lembro bem, mesmo com 111 hoje. Aconteceu que a menina Emma foi sequestrada, desapareceu sem deixar rastros. A família já vinha vivendo com problemas, pois o Sr. Arnold era um boêmio inveterado, muito agressivo.

A Sr. Katia, mãe de Emma passou por maus bocados. Eles se mudaram em janeiro e a menina desapareceu no final de novembro daquele mesmo ano, até hoje ninguém sabe o que aconteceu com ela.

Perplexos e um pouco atordoados com o que ouviram, foram aos poucos amenizando a conversa, tomaram um café juntos e saíram dali.

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Era algo muito misterioso ainda, uma coincidência boba que não parecia fazer nenhum sentido.

Ao final das duas semanas que precisavam para organizar tudo para a viagem, Susan estava analisando a casa junto com outro agente imobiliário, queriam calcular um valor e coloca-la à venda. Foi feita uma vistoria quando a família chegou na casa, estruturas impecáveis, uma construção datada do início do século XX, o estilo rústico clássico foi mantido, encanamentos, iluminação e gás central em perfeito estado, não viram necessidade de mexer em nada na época.

Estava pensando isso enquanto olhava para o enorme armário do quarto de Emma, decidindo se o deixava ali ou o retirava. Ele parecia em bom estado, mas não queria levar nada velho para a casa nova em Oregon, chamou então Alfred para ajudá-la a mover o armário para frente para checar a parte traseira dele e também as paredes.

No início foi estranho, pois parecia grudado à parede, mas quando o forçaram e conseguiram arrasta-lo, observaram uma enorme rachadura, tanto no armário, quanto na parede. Aquilo parecia uma infiltração esquisitíssima, Susan bateu com a palma da mão em seu rosto, expressando um “puxa vida, não acredito!”

Ao tocar na superfície da parede, o concreto se esfarelou e sem nenhuma explicação, um bloco enorme caiu ao chão, abrindo um buraco

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de quase um metro de diâmetro. Bastante poeira levantou, ocupando o ar, atrapalhando a visão e a respiração de todos no quarto.

Depois de muitas tosses, Alfred deslocou o bloco de concreto para o lado e puderam ver algo que o atormentariam até o fim de suas vidas.

Dentro do buraco havia a ossada de uma criança, intacta, as órbitas vazias e escuras se posicionavam para as próprias mãos, minúsculas e cheias de ossos que pareciam palitos de fósforo, ela estava com um vestido maltrapilho e segurava junto a si, em seu colo, uma casinha de bonecas azul.

Jornal Casper Star-Tribune

Caso Emma Krueger desvendado depois de um século.

Um dos casos mais conhecidos de Wyoming foi desvendado nesse último domingo. O caso de Emma Krueger aconteceu em 1909, quando em uma tarde de domingo desaparecera sem deixar nenhum rastro. A polícia trabalhou no caso por mais de 30 anos, porém, sem pistas, acabou arquivado.

Seu corpo foi encontrado dentro de um bloco de concreto que fazia parte de uma das paredes da casa onde vivera na época. A casa atualmente pertencia a família Sullivan, que não quis dar nenhum depoimento sobre o caso devido ao trauma.

Especialistas forenses verificaram que havia DNA do pai de Emma, Arnold Krueger, em sua roupa, e em uma análise mais detalhada do laudo final, foi revelado que a causa da morte fora sufocamento,

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aparentemente causado por corpo estranho obstruindo a traqueia. Peritos ainda analisam os objetos, mas ao que parece, se tratam de giz de cera.

A polícia esteve no bairro buscando informações, e conseguiram o depoimento de Beatrice Moore, uma senhora de 111 anos que sempre morou naquele local. Segundo ela, Arnold era muito violento com sua esposa Katia Krueger e sua filha, e na época havia desconfiado dele, no entanto, era somente uma adolescente e o caso foi perdendo a força.

A família Krueger foi influente na cidade e por muitos anos foram os principais gerentes de informação imobiliária da prefeitura.

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A Cuca vai Pegar

Por:

Eduardo Canesin

11h30 da noite. Estava frio e as ruas estavam quase desertas — afinal, ainda era segunda-feira e, acima de tudo, aquela região era famosa por ser perigosa. Raiane corria, descalça, noite adentro. Dirigia-se ao bairro da Luz, antiga Cracolândia, seu lar.

A menina tinha oito anos e corria desesperada e sozinha. Aliás, não poderia ser diferente: nascida e criada nas ruas, só podia estar sozinha.

Sempre. Mesmo quando acompanhada de sua mãe — o que não era o caso agora.

Ranho escorria pelo seu nariz e seus olhos estavam embaçados com o choro. Suas mãos sujas esfregavam a cabeça dolorida. Estava quase sem fôlego, mas não parava de correr. Não podia parar.

Se parasse, aquilo — fosse o que fosse — a pegaria. Ela sabia disso.

Aquelas ruas, mesmo desertas e escuras, nunca atemorizaram Raiane, que estava acostumada a percorrê-las independentemente do

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horário. Era assim, afinal, que ela conseguia levar drogas ou desempenhar as tarefas que lhe exigissem — tudo em troca de algumas moedas, que sempre eram confiscadas por sua mãe (que invariavelmente as usava para comprar crack).

Raiane nunca conheceu seu pai e tudo que tinha era uma mãe viciada que também vivia nas ruas. Uma mãe que não amava a filha — afinal, se amasse, jamais teria deixado aquele velho fazer coisas tão terríveis com ela, em troca de dez reais. Mas aquilo era história antiga, já acontecera há uns dois meses. O que preocupava a menina era um outro assunto, bem atual e ainda mais terrível.

Tudo começou na tarde daquele dia. Após passar horas infrutíferas mendigando, a menina não conseguiu muito dinheiro. Voltou para a Praça da Sé, local que estava lhe servindo de morada nas últimas semanas

— dado que sua mãe estava sendo procurada na Luz, por ter roubado um comerciante da região.

Ao chegar na praça, tentou implorar algumas moedas para os turistas que saíam da catedral, mas rapidamente foi enxotada dali, já que outras crianças, maiores e mais fortes, tinham aquele espaço como seu ponto de mendicância.

A menina tentou argumentar da melhor forma que podia: com socos, pedradas e pontapés. No entanto, acabou derrotada pelos meninos da região, que também dominavam (e melhor do que ela) as regras e argumentos do debate das ruas.

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Machucada e nervosa, saiu de perto deles e procurou pela mãe.

Apesar de a progenitora sempre ficar em algum canto da praça, não era uma busca tão simples: havia muitas pessoas naquela mesma situação, amontoadas pelos cantos, ociosas, sob efeito de alguma droga.

Ainda assim, a menina encontrou quem procurava. O curioso é que Raiane nunca parou para se perguntar o motivo para procurar tal pessoa:

a mãe não lhe fazia bem, tampouco cuidava dela. Apenas a agredia, gritava e tirava suas moedas. A despeito disso, a garota sempre continuava com suas buscas e voltava para aquela mulher.

O sol começava a se pôr. Raiane se aproximou da mãe e viu, pela atitude nervosa dela, que estava com crise de abstinência, desesperada para conseguir crack. Sem receber nenhum cumprimento ou saudação, a menina foi puxada e chacoalhada, para lhe entregar as moedas.

Raiane gritou alguns palavrões, mas, por fim, cedeu e entregou o parco dinheirinho. De tão parco, ainda apanhou da mãe, que estava irritada. Tudo aquilo acontecia em frente a um policial que passava pela praça e fazia vista grossa para eventos daquele tipo: seu dever era impedir que os miseráveis assediassem os cidadãos de bem. Entre si, os viciados poderiam se matar, que ele não se importaria. Até ficaria feliz, pois significaria menos gente dispensável no mundo. De todo modo, naquela tarde ninguém matou qualquer outra pessoa — ao menos não lá.

Com as moedas colocadas no bolso, a mãe de Raiane andou até um traficante, que ficava na praça, agindo numa semi-clandestinidade: todos

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sabiam que ele era traficante, mas, como não criava problemas e pagava o pedágio corretamente, os policiais o deixavam agir em liberdade.

A mãe deu o dinheiro, recebeu uma pedrinha e, com as mãos trêmulas, começou a fumar a única coisa que a acalmava. A única coisa que amava.

Raiane seguiu a mãe durante todo o trajeto, chorosa e irritada.

Pouco depois, correu para ganhar a sopa que era distribuída toda noite naquela praça. Pegou a fila rotineira e conseguiu se alimentar. Aquilo e algum lanche que ganhava durante sua mendicância diária eram os únicos alimentos que a menina tinha a cada dia. Justamente por isso, estava esquelética e doente — embora não soubesse de sua doença, já que não consultava um médico. E, além do mais, não estava tão esquelética quanto sua mãe, a qual não pegou sopa naquela noite, já que tinha um manjar muito mais apetecente, sua droga.

Sem estar saciada ou aquecida, tampouco com o humor melhor, a menina terminou a sopa e voltou para perto de sua mãe. Os minutos se passaram e viraram horas. Quando já era umas dez da noite, a adulta se levantou, como em transe, e começou a andar.

Raiane não estranhou aquilo: no que lhe dizia respeito, sua mãe sempre aparentava estar em transe, quando sob efeito de drogas.

Acompanhou a progenitora, sem lhe dirigir palavra e sem que a palavra lhe fosse dirigida: esse era o diálogo entre as duas, o silêncio que nada dizia.

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Andaram e andaram por bastante tempo (a menina não sabia precisar quanto e, mesmo se soubesse, não faria diferença). Estava ficando com sono, queria dormir, mas a mãe continuava em sua caminhada.

Passaram pela República, já deserta àquela hora. Tudo estava escuro. A mãe seguia com sua caminhada incerta, com os passos lentos e fracos. Em determinado momento, Raiane ficou apreensiva: aquelas ruas vazias não costumavam ser percorridas pelas duas àquelas horas. O que sua mãe pretendia?

Será que a mulher estava irritada por ter recebido poucas moedas e emprestaria a filha para mais algum velho, em troca de dinheiro? Raiane estremeceu e ficou nervosa só de pensar nisso. Ainda assim, não resmungou, pois sabia que não faria diferença.

Já passava um pouco das onze quando Raiane viu, no fim de uma rua pouco iluminada, uma pessoa parada. Uma mulher baixinha, idosa, com alguma terrível deformidade na face desfigurada. O que era aquilo, que a menina nunca tinha visto na vida? Raiane só pensava que não gostaria de ser daquele jeito: a cara retorcida tinha uma cor esverdeada, os dentes, irregulares e pontudos, saltavam para fora da boca. A velha não parecia ter narinas, apenas orifícios cravados em um rosto detestável.

O mesmo valia para as orelhas, que Raiane não conseguiu localizar.

A idosa usava uma peruca loira, tão velha quanto sua usuária:

várias partes estavam desbotadas ou tinham sido arrancadas. Olhando de perto, aliás, seria possível ver que haviam tufos de várias cores de

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cabelos, todos sujos e desgrenhados. Era, sem sombra de dúvidas, a pior peruca já feita — não que Raiane tivesse alguma experiência para analisar isso objetivamente ou estivesse pensando em tal assunto naquele instante.

Na verdade, a menina apenas pensava que estava com medo.

Conforme se aproximava daquela idosa, sua espinha gelava, sobretudo quando via em mais detalhes o estranho rosto numa cabeça desproporcionalmente grande, se comparada com o resto do corpo. Ela tentou puxar a mãe, mas sua progenitora seguiu andando, em transe.

Quando estavam a uns três metros da idosa, Raiane ouviu que ela balbuciava algumas palavras melodiosas ininteligíveis. Será que estava cantando? A menina não parou para refletir sobre o assunto, apenas continuou em pânico. Estacou e não queria mais se mexer. Sua mãe, que até então andava, indiferente à filha, também parou e segurou a menina pelo braço.

A idosa se aproximou os últimos passos, tropegamente, e ficou em frente das duas. De perto, era ainda pior do que Raiane imaginara.

Justamente por isso, assim que a velha segurou uma mexa de cabelo da garota, Raiane empurrou a mãe e saiu correndo. Sentiu uma forte dor, já que a velha puxou seu cabelo. Quase caiu, mas, recuperando o equilíbrio

— e perdendo alguns fios de cabelo —, continuou com a fuga, indiferente à progenitora e com um temor que jamais poderia ser colocado em palavras.

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Ouviu um forte grito — não sabia se vinha de sua mãe, caída no chão, ou da velha, que começou a correr em disparada (numa velocidade que seus passos trôpegos de poucos segundos antes jamais permitiriam prever). Olhou para trás mais uma ou duas vezes e sempre percebia que aquela idosa maligna estava atrás dela.

Nisso, passaram-se vários minutos. Raiane estava quase sem fôlego, com ranho escorrendo pelo nariz e os olhos embaçados pelas lágrimas. Não sabia o que estava acontecendo, só sentia que tinha de correr. Correr e correr. Fugir. Mas para onde?

Tentava chegar à Luz, local em que era conhecida por alguns moradores de rua e no qual se sentia segura. Mas teria como ficar segura contra aquilo? Contra aquela terrível idosa?

Raiane estava apavorada, quase caindo no chão, sem forças. As ruas estavam desertas, não havia quem pudesse socorrê-la. E, mesmo que houvesse, alguém a socorreria? Desesperada, a menina pisou em falso, com os pés doloridos com a corrida, e caiu.

Ficou no chão por alguns segundos, recuperando o fôlego — sem êxito. Tudo estava tão escuro, vazio e silencioso… Raiane olhou ao redor e não viu nada, mas não pôde se alegrar. Ouviu, próximo a si, um assobio melódico e algumas palavras sendo proferidas. O som ficava mais alto a cada segundo e a garota não tinha forças para se levantar.

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A Curiosidade Mata

Por:

Condessa da Escuridão

Chamo-me Katherine, e vou contar uma história da qual eu e minha melhor amiga Alice passamos.

Alice é uma jovem doce, alegre, apaixonada pela vida que em seus 26 anos esbanjava beleza, enquanto eu, uma mulher de 25 anos, cheia de traumas, desconfiada e introvertida.

Eu e Alice entrávamos sempre em uma sala de bate papo para fazer novas amizades, entrava sempre com o apelido ‘A Gata de 25’’ e Alice como ‘’A Curiosa-26’’, mas com tantas decepções por lá, resolvi parar de entrar, mas Alice continuou.

Mais tarde, naquele mesmo dia.

Em uma sala de bate papo virtual com o tema amizade, A Curiosa- 26 entra na sala.

Do outro lado da tela um rapaz misterioso também entrou com o apelido de O Esquisito33.

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A Curiosa ficou alguns instantes olhando para a tela esperando algo acontecer, até que recebeu uma mensagem de O Esquisito33.

‘’ — Olá, boa noite, posso saber o porquê desse apelido?’’

A Curiosa-26: - Boa noite, o apelido é porque só entro nesse site por curiosidade mesmo e sempre me surpreendo com quem conheço por aqui.

O Esquisito33: Ah entendi, aqui tem muita gente, vamos teclar no privado.

A Curiosa-26: Vamos sim, também acho que aqui tem muita gente, mas é uma sala de amizades né kkk.

Após um tempo conversando no privado, A Curiosa-26 decidiu passar seu contato pessoal para O Esquisito33, trocaram informações pessoais, como fotos, os verdadeiros nomes e localizações.

O Esquisito se chamava Alex, tinha 33 anos, solteiro e residia no bairro do limão, São Paulo. Conversa vai, conversa vem decidiram marcar de se encontrarem no parque do Ibirapuera, uma vez que era um local seguro e próximo de tudo.

Sábado, um dia ensolarado e radiante para a jovem Alice, mas Katherine parecia incomodada com algo e dizia para a amiga tomar cuidado, pois ela não sabia quem estava do outro lado da tela, amores virtuais, perigos reais, estava sendo maluca de sair com um cara que mal conhecia.

Alice, por sua vez ria da amiga a chamando de protetora e afirmando que tudo iria ficar bem.

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Katherine pediu para Alice ligar ou mandar mensagem caso alguma coisa acontecesse.

O dia passou tranquilamente, quando foi por volta das 15h Alice tomou um banho, comeu alguma coisa e partiu rumo ao parque chegando uma hora depois, devido a um pequeno acidente que fazia um trânsito enorme na cidade de São Paulo.

Marcaram de se encontrarem na famosa passarela Ciccillo Matarazzo, às 16h30min. Alice havia chegado às 16h00min, passou no toalete rapidamente e foi para o ponto de encontro.

Nisso chega uma mensagem no celular: ‘’Estou vestindo uma camisa pólo na cor preta e uma calça jeans, estou de óculos escuros. ’’

De longe Alice admirava, ele era alto, moreno, charmoso, um verdadeiro príncipe, cujo só lhe faltava o cavalo.

Alice: - Olá, boa tarde, prazer em conhecê-lo Esquisito, que de esquisito não tem nada rs, devo chamá-lo de Alex?

Ele sorriu timidamente e a cumprimentou beijando-lhe a mão: - Boa tarde senhorita Curiosa rs, ou devo chamá-la de Alice.

Ambos sorriram, conversaram um pouco mais e decidiriam ir darem uma volta no parque.

Entre um gole de água de coco e colocar uma mecha de cabelo para trás da orelha, Alice descobriu que Alex já fora casado, mas que atualmente era viúvo, sua ex-mulher morrera em um acidente de carro.

Mas isso não a impediu de admirá-lo, ele realmente a atraía de forma impossível de descrever.

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Sentaram-se em um banco e ficaram olhando alguns poucos meninos jogarem, até que ele a elogiou ao ponto de se abraçarem e finalmente se beijarem. Foi um beijo rápido, mais intenso.

Por volta das 18h, ambos decidiram irem embora, mas que marcariam no próximo final de semana.

Assim que se despediram, Alice ligou para sua amiga Katherine e lhe contou tudo, do outro lado da linha Kathe soube que haveria um problema, só não sabia qual, mas sentia, nunca havia visto sua amiga apaixonada tão repentinamente por alguém assim.

Mas não disse nada para não chatear a amiga.

Os dias foram passando e a ‘’paixonite’’ entre Alex e Alice aumentava ao ponto de mesmo sendo um dia de semana, passar a madrugada toda conversando e dizendo o quão um havia gostado do outro.

Final de semana chegou bem rápido, e dessa vez eles marcaram de se encontrarem em um shopping, onde poderiam assistir filme, comer e quem sabe irem para outro lugar.

Alice foi recebida com um buquê de rosas vermelhas, ainda na entrada do shopping, ficou envergonhada, mas muito feliz com a demonstração de afeto de Alex.

Ele entrelaçou os dedos nos dela e seguiu para o cinema, o filme escolhido foi uma sessão especial de assassinos em série, Alice tinha medo, já Alex adorava.

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Quando apareciam cenas do assassino cortando a jugular da jovem moça na tela, Alice se escondida nos braços de Alex, quanto o mesmo fixava ainda mais o olhar para as cenas.

Após o filme se beijaram intensamente, então Alex disse: - Vamos comer alguma coisa, e depois você escolhe para onde iremos.

Alice olhou no relógio que tinha no pulso, e notou que já eram 22h30min, mas respondeu: - Vamos sim, estou adorando sua companhia Alex, umas horinhas a mais não terá problema, afinal, amanhã é domingo rsrs.

Após comerem e conversarem sobre o filme sentaram-se em um dos bancos e em meios a carícias e beijos Alex a convidou para sua casa, mas Alice recusou, alegando ser apenas o segundo encontro, o que prontamente ele entendeu e respeitou.

Alex se prontificou para levá-la até em casa, e Alice aceitou.

No meio do caminho o tempo todo Alex a provocava com uma mão no volante e a outra na coxa e tocando-lhe as partes íntimas.

Ao que Alice correspondia na mesma intensidade, beijando-lhe o pescoço e massageando-lhe o órgão enquanto ele dirigia concentrado.

Chegaram ao local combinado e quando se despediram Alice não resistiu aos encantos de Alex e o convidou para entrar. Era tudo o que Alex queria.

As coisas aconteceram tão rapidamente que quando viram, estavam se pegando no sofá, no chão, no banheiro e em todos os lugares possíveis e impensáveis.

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Alice gemia de prazer com o órgão grande e cheio de nervo de Alex a penetrando freneticamente enquanto as mãos grandes apertavam-lhe o pescoço, até lhe faltar o ar.

Quando Alex estava prestes a ejacular, deu um tapa na cara de Alice a chamando de puta safada.

Alice espantou- se, mas aquecida pelo prazer, achou prudente, questioná-lo depois.

Terminaram na confortável cama de Alice, que após o ato disse: - Nossa Alex, nunca tinha feito um sexo tão selvagem, gostei bastante, me senti nas nuvens, mas por que gosta de transar apertando a garganta? Por que me deu um tapa na face?

Alex por um instante ficou sem reação, mas olhou fixamente nos olhos de Alice, sorrindo e respondeu: - Porque eu gosto!

Alice riu alto e imediatamente montou em cima dele, encaixando o membro já viril nas suas partes, cavalgando devagar.

E disse: - Então parece que agora é minha vez, vamos ver do que mais gosta seu puto safado!

Levantou a mão e lhe deu uma bofetada no rosto, Alex virou a face impressionado com a reação, e com isso mudou a expressão de extasiado para revoltado.

Prendeu os braços de Alice ainda cavalgando no membro e começou a incitar cada vez mais rápido, virou-a de bruços na cama, puxou-lhe o cabelo e quando ele ia profanar seu ânus, Alice caiu em si do que lhe estava acontecendo.

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Alice: - Não, Alex, eu nunca... nunca fiz anal, não estou preparada, por favor não.

Alex estava transtornado, deitou sobre o corpo de Alice e sussurrou em seu ouvido: - Cala a boca, eu vou ter o que eu quero, aqui e agora, sua piranha, ninguém mandou entrar naquela maldita sala de bate papo e me seduzir, agora vai ter que me dar tudo o que eu quero, ou vou ter que te matar.

Alice chorando, tentou gritar, tarde demais. Alex tapou-lhe a boca e introduziu de uma vez só o membro no ânus de Alice.

Uma mancha de sangue cobria o lençol, Alice não parava de chorar e tentar mordê-lo ou gritar.

Mas Alex em um ato brutal puxou tanto seu cabelo, que seu pescoço já não agüentara mais tamanha tensão. Alex mudou de posição, ainda segurando Alice, deitou-a de costas para o colchão e enfiou seu membro manchado de sangue na boca de Alice, socando sem parar, até Alice perder o ar e ele tirar, para aguardar ela recobrar um pouco a consciência e socar novamente, foi assim até Alice perder de vez o ar.

De olhos esbugalhados ela tentava, mas não conseguia mais ter forças para sequer gritar, quanto mais falar.

Alex tirou o pênis da boca de Alice e introduziu em sua vagina, não parando o ato, e enquanto Alice pedia socorro com os olhos, ele com suas grandiosas mãos a enforcou.

Mas ele não parou, profanou o corpo já sem vida de Alice por mais quatro horas seguidas, e quando já era quase dia, limpou o que pode para

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não deixar impressões digitais e foi embora, levando consigo o celular de Alice e uma peça íntima da jovem.

‘’Para a minha coleção’’ pensou ele.

Era por volta das 10h quando Katherine chamou, chamou e chamou Alice na porta, mas nada de Alice atender, Kathe ligou diversas vezes no celular de Alice, mas sempre caía na caixa postal, e nas dez últimas vezes, dizia que o celular estava fora de área ou desligado.

Katherine achou melhor chamar a polícia que quando chegou e arrombou a porta, adentrou a sala, subiu as escadas e foi para o quarto, que estava trancado, chamou por Alice, e sem obter nenhuma resposta, um dos policiais arrombou a porta, vendo a cena mais horrível para a primeira ocorrência do dia.

Alice estava nua, com suas partes íntimas dilaceradas, olhos esbugalhados, pescoço e face arroxeados, e a cama banhada na cor vermelho sangue.

Katherine adentrou na sequência e quando viu essa cena, não segurou as lágrimas e gritou mesmo sabendo que Alice não a ouviria: - Eu avisei Alice, amores virtuais, podem ocasionar em perigos reais. Não devia ter confiado em pessoas que não conhece. Por que amiga você foi se encontrar com aquele maluco da internet? Por quê? .

Outro policial a afastou levou-a para baixo e pediu para que contasse a história direito. Katherine lhes contou, não escondendo nenhum detalhe.

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Disse-lhes sobre a sala que costumavam frequentar e até os apelidos que usavam até Alice se apaixonar por esse tal de

‘’OEsquisito33’’.

Os policiais se entreolharam e disseram: - Bem, então temos um serial killer á solta, o ‘’modus operandi’’ dele é sempre o mesmo, e sinto dizer, mas sua amiga não foi a primeira e não será a última. Temos que achá-lo.

Do outro lado da rua, um carro preto todo insulfilmado olhava atentamente o entra e sai dos policiais e logo depois avistou uma ambulância, mas não decidiu esperar o IML.

Pegou um celular novo no porta-luvas, ligou, criou uma conta para apenas aquele celular, acessou o site de buscas e digitou: bate papo, escolheu a sala ‘’amizade’’, ‘’amizade virtual’, ‘’sala 33’’.

Digitou um novo apelido, Alex, O Esquisito33, passaria a se chamar de ‘’OBundyReal’’ em menção honrosa ao seu mais novo ídolo.

Largou o celular no banco do carona, ligou o carro e foi em direção a sua casa, em busca de sua nova vítima.

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A Estrada do Silêncio

Por:

Rangel Elesbão

Inspirado no caso Christopher Chandler, ocorrido em 11/12/2002.

Olivia estava sonolenta. Piscava os olhos tentando manter a atenção voltada na estrada. Dirigia desde o início da manhã, e agora já estava cansando. Sua namorada Barb, dormia no banco do carona.

A estrada era uma longa reta asfaltada e pouco movimentada, naquela hora da madrugada. Era costeada por uma região pantanosa, com árvores e lagos.

— Estacione no próximo motel para dormirmos! — disse Barb com os olhos fechados, se remexendo no banco.

— Sim! Mas não passamos por nada na estrada, há tempos... A cidade mais perto fica a uns trinta quilômetros daqui, aguento dirigir até lá.

Juntas há cinco anos, elas haviam planejado sua viagem minuciosamente, para fazer turismo na região. Depois de meses de

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planejamento, finalmente conseguiram conciliar suas férias, e concretizar seus planos.

— A neblina está ficando mais densa...

— Deve ser a formação dos vapores vindos do pântano...

— Ainda bem que a luz da lua, ajuda a iluminar o caminho...

— Pare o carro! Estou apertada!

Olivia reduziu a velocidade, e estacionou no acostamento.

Enquanto Barb descia correndo, se encostou na porta acendendo um cigarro.

— Tem um carro vindo em nossa direção. É o único que vejo desde a ultima cidade que passamos...

Barb levantou a cabeça e viu as luzes dos faróis se aproximando lentamente.

— Que estranho... Porque será que está tão devagar?

— Que sinistro! O motorista deu a seta para estacionar... Está vindo atrás de nós!

— Vamos sair daqui! — disse Barb recolocado a roupa, e entrando no carro.

O carro parava atrás delas no acostamento. Um Cadillac preto, coberto de lodo e musgo do pântano. O vidro do para-brisas estava tão sujo, que Olivia só conseguiu ver o vulto do corpo do motorista.

— E se for alguém precisando de ajuda?

— Ande, Olivia! Estou com medo! — ela falou, vendo o carro parado atrás delas.

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Olivia ligou e arrancou. Logo, o casal já trafegava sozinho na estrada novamente.

— O Cadillac parecia ter mergulhado no fundo do pântano...

— Pare de falar nisso! Ainda estou toda arrepiada!

— Mas você não viu nada, o motorista nem sequer desceu do carro...

— É isso, que torna tudo mais assustador! Não saber quem estava lá, e o que queria... Esse algo desconhecido, que me deixa encucada...

Olivia segurou a sua mão e apertou.

— Eu a protejo! — disse.

De repente, as luzes alta dos faróis se acenderam, atrás delas.

As duas não contiveram seus gritos de susto.

— Está bem atrás de nós, de novo!

— Ele estava com os faróis apagados, o tempo todo!

Olivia pisou no acelerador, tomando distância.

— Corre! Vai amor, acelera!

— Tô indo o máximo que eu posso, Barb!

— Ele está chegando muito perto!

O Cadillac acelerava e quase encostava ao lado de Olivia, que já estava na sua velocidade máxima. Quando as duas janelas, ficaram lado a lado, ela pode ver o lodo escorrendo pelos vidros e lataria, misturados com algas, folhas e detritos. Ainda estava molhado, como tivesse acabado de se sujar.

— O que você quer com a gente? — gritava Barb, histérica.

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Mas sua namorada conseguiu acelerar e pegar mais velocidade na descida do asfalto, e ganhou vantagem na perseguição.

Logo o Cadillac sujo de lodo, já estava mais próximo, retomando a distância perdida.

— Ele de novo, Olivia! Como esse carro velho, consegue andar tão depressa?

— Agora quem está ficando com medo, sou eu!

Subitamente, elas sentem uma batida atrás do carro.

— Está batendo no para-choque!

Olivia acelerou, pisoteando o pedal. Mas não adiantou. O outro carro investiu com força contra elas, batendo e as empurrando.

— Esse louco quer empurrar a gente para fora da estrada!

— Ele quer nos empurrar para dentro do lago, Barb!

Quando acabou de falar, Olivia viu ao longe outro carro vindo na sua frente. Parecia se aproximar em alta velocidade, e dava vários sinais com o farol alto.

Barb sentiu seu sangue gelar.

— É outro carro! Estou com medo! Vamos ser assaltadas!

— Deixe de ser histérica, Barb! Para de gritar, ou perco a direção e capotamos.

— Então continue correndo!

Luzes coloridas se acenderam em cima do veículo vindo na sua frente, piscando intermitentemente.

— É uma sirene! É um carro da polícia, Olivia!

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Quando olharam no espelho retrovisor, viram o Cadillac atravessado no meio da pista. Tinha parado de persegui-las.

— Ele ficou com medo e parou!

A viatura da polícia fez sinal para que elas encostassem no acostamento.

— Aquele Cadillac está nos seguindo faz tempo, bateu atrás de nós!

— disse Barb, assim que desceram do carro.

O policial direcionou o facho da sua lanterna para o Cadillac.

Estava parado no meio da pista, com os faróis acesos.

— Que sorte encontrar a viatura...

— Não é sorte! — o policial interrompeu Olivia — Estamos fazendo buscas nessa região. Recebemos ligações de alguns motoristas, relatando ser perseguidos por um Cadillac Fleetwood, preto, modelo 1949...

O policial sacou a arma do coldre e a empunhou. Caminhou lentamente na direção do veículo.

— Desça do carro, com as mãos na cabeça! — gritou.

Nenhum movimento no Cadillac. Apenas o barulho do seu motor ligado.

— Desça com as mãos...

Olivia e Barb se olharam assombradas. Pareciam compartilhar o mesmo pensamento:

— Se ele tiver armado? — quis saber Barb.

— Ele já teria atirado... — falou o policial.

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O casal permaneceu abraçado, junto ao seu carro. Barb tremia incontrolavelmente.

Quando chegava na frente do capô, os faróis do Cadillac começaram a piscar, dando sinais de luz alta e baixa.

Parado ao lado da janela, apontou a arma, e novamente ordenou:

— Saia com as mãos pra cima!

Silêncio total na estrada.

De repente, o estrondoso som da buzina dispara.

Num pulo, o policial atira, assustado; estilhaçando o vidro.

— Que merda é essa? — ele falou num fio de voz, enquanto abria a porta e dava um salto para trás. Arregalou os olhos, horrorizado com o que via.

As duas correram em direção ao policial, que chamava reforços pelo rádio.

Barb deu um grito rouco, e se abraçou em Olivia, escondendo o rosto no peito dela.

Pela porta aberta, elas viram o que as perseguia. Sentado no banco do Cadillac, estava o cadáver de um homem em estado de decomposição.

Pedaços de carne pútridas e de coloração esverdeada, desprendiam-se dos ossos. O cheiro adocicado de carne podre era nauseante, e rapidamente se espalhou quando a porta foi aberta. Havia um saco de plástico amarrado na sua cabeça, e o seu corpo estava imerso em lodo e sujeira do fundo do pântano.

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— O identificamos pela placa do veículo. O nome dele era Robert Baxter. Seu irmão registrou seu desaparecimento, há cinco meses atrás...

Parece ter emergido do fundo de um pântano...

— Mas como? — balbuciou Barb. — Como um esqueleto, nos perseguia daquela forma?

Antes que pudesse imaginar uma explicação, Olivia sentiu um calafrio percorrendo todo o seu corpo.

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A Morsa

Por:

Mariano Storti

Incrédulos e com uma expressão de terra arrasada, os pais de Camila fitavam um álbum de fotografias. Nele, a garota, invariavelmente, aparecia com um largo sorriso. Ela tinha apenas...

— Meu Deus! Por que fizeram isso com ela? Quem fez isso com ela? — perguntavam-se, chorosos, aqueles pais que, desde que Camila se fora, passaram a ser feitos de carne, ossos e lágrimas. Eles estavam vivos por fora. E mortos por dentro.

A garota desaparecera durante a festa de formatura. Uma semana depois, seu corpo fora encontrado em um matagal por um grupo de jovens que estava fazendo trilha no local. Camila tinha o pescoço quebrado. Na fratura, houve um deslocamento da glote, impedindo a passagem do ar.

Ela morrera sufocada. Estava nua e com sinais de violência sexual. O crime abalou aquela pequena cidade, que até então carregava uma gostosa monotonia e um aprazível sossego em suas vielas.

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Camila não iria mais para a faculdade. Camila tinha apenas...

Os policiais iniciaram as investigações. Foram ao local onde o cadáver padecia com a ação do tempo. Colheram depoimentos dos pais, dos outros estudantes, dos convidados do baile. Os estudantes e os convidados pouco se lembravam daquela noite. Haviam bebido.

Os investigadores analisaram fotografias. Caçaram pistas. Apesar do labor investigativo, possuíam mais perguntas do que respostas. O mistério os encolerizava. O mistério atormentava os habitantes da pequena e outrora pacata cidade.

— Haveria na cidade outro crime tão cruel como esse? — questionavam-se os moradores durante as missas, na quitanda, na praça.

— Os policiais descobririam quem matou Camila?

— Ou o assassino confessaria seus crimes?

Sim, haveria outros crimes cruéis na cidade.

Não, os policiais, inexperientes com tão vis homicídios, não descobririam a identidade do assassino.

Sim, o assassino se entregaria. Mas antes disso, mataria mais algumas pessoas. Pretendia deixar um legado de sangue.

Seu Dimitri era um septuagenário de cabelos brancos, olhos azuis- turquesa, nariz aquilino e queixo pontiagudo. Simpático e conversador, possuía um sotaque peculiar. Adorava uma dose de vodca antes do almoço.

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— É para abrir o apetite — dizia aos seus clientes antes de sorver o líquido em um gole só e bater o pequenino copo de vidro no balcão de carnaúba que ele mesmo fizera. Seu Dimitri detinha algum conhecimento de marcenaria e, às vezes, criava alguns móveis.

Após a bebida escorregar goela abaixo, queimando a garganta, seu Dimitri desfrutava do almoço. Apreciava em demasia uma sopa de peixe, com cogumelos, pepinos, azeitona, batata, creme de leite e repolho. Fazia a refeição no trabalho mesmo e sempre a interrompia quando chegava algum cliente.

O velho tinha uma simplória mercearia onde era possível comprar desde frutas e legumes a sabão em pó e amaciantes de roupa. O pequeno comércio servia mais para a distração de seu Dimitri do que para o lucro, que, na maioria das vezes, era irrisório. No entanto, era o suficiente para a sobrevivência. Não necessitava mais do que isso.

O corpo de seu Dimitri foi enterrado com o caixão fechado. O rosto do idoso ficara esfacelado depois de incontáveis golpes de martelo e de foice. Um policial que costumava comprar pães e leite fresco na mercearia antes de voltar para a casa encontrou o defunto, que tinha os miolos no chão misturados à sopa de peixe. Sobre o balcão, estava escrito

“De volta para sua terra” com letras recortadas de páginas de revista.

Seu Dimitri era viúvo. Não tinha filhos. Poucas pessoas, na maioria fregueses que haviam se tornado amigos, foram ao velório daquele velho que distribuía simpatia e sempre uma boa história.

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Depois de Camila, uma garota alegre de apenas..., agora um idoso, dono de uma comezinha mercearia. Aparentemente dois brutais assassinatos sem qualquer elo.

— Será que esses dois homicídios não tem nenhuma relação? — interrogavam-se os fregueses de seu Dimitri

— Uma garota...e um idoso. Quem está matando nossa gente?

— E o que a polícia está fazendo? Quem será a próxima vítima?

Os investigadores continuavam seu trabalho. Sim, haveria outra vítima. O pânico na pequena cidade recrudesceu mais ainda.

— Senhor, o salão não está aberto ainda. Ainda está muito cedo — disse o barbeiro para um cliente, que batia à porta.

— Mas eu só queria fazer a barba. Daqui a pouco, tenho um compromisso. Prometo-lhe uma gorjeta muito boa.

O barbeiro suspirou.

— Está bem, então. Entre, por favor.

— Obrigado. Posso deixar minha sacola ali? — pediu o cliente, apontando sobre uma mesa que ficava no centro do salão.

O barbeiro deixou o cliente passar, olhou para a rua. Não viu ninguém e fechou a porta novamente. Era muito cedo. Estava ainda escuro. A loja demoraria para abrir. As persianas pretas estavam abaixadas.

O cliente sentou-se confortavelmente numa cadeira acolchoada de tecido preto. Logo em seguida, o barbeiro o cobriu com uma capa branca

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e reclinou a cadeira. Enquanto preparava a espuma, o barbeiro iniciou uma conversa.

— Você não é daqui, é?

— Não, não sou.

— Tem nome?

— Morsa.

— Morsa? Como aquele bicho?

— Exatamente, como aquele mamífero que vive em águas geladas e tem presas enormes.

— Curioso, muito curioso.

— Eu sou Morsa — disse o cliente, sorrindo de um jeito sinistro.

O barbeiro besuntou de espuma a face do cliente. Logo em seguida, já estava passando uma navalha extremamente afiada com incríveis cuidado e habilidade.

— Vê estas fotografias?

O cliente meneou a cabeça da maneira mais suave que pôde para que a navalha não o ferisse.

— São de alguns fregueses antigos. Viraram amigos.

A essa hora, a lâmina deslizava na altura da jugular direita do cliente, que estava imóvel.

— Sabe, o salão é um excelente lugar para compartilhar histórias.

Depois que eu acabar, se você quiser, pode me contar uma.

O freguês concordou, erguendo a mão e o polegar esquerdos.

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O barbeiro prosseguia o escorregar da navalha na pele do cliente.

Minutos depois, anunciou:

— Pronto, seu Morsa. A barba que havia aqui não há mais.

O cliente passou sua mão áspera pelo rosto agora liso e se aproximou do espelho. Aprovou o serviço e entregou ao barbeiro uma nota graúda.

— Fique com o troco.

— Muito, muito obrigado — agradeceu o barbeiro. Virou de costas e se dirigiu ao balcão para guardar a nota.

Morsa, agilmente, retirou um vidro com clorofórmio e um lenço de algodão do bolso. Abriu o recipiente e encharcou o pano. Seguiu o barbeiro e o segurou pelo pescoço, pressionando a junção do antebraço com o braço na garganta dele. Em seguida, comprimiu o úmido lenço nas narinas do barbeiro. Ele desmaiou.

Algum tempo depois, o barbeiro já estava com as mãos amarradas na poltrona onde se enxaguavam os cabelos depois do corte. Na boca, um pano o impedia de gritar.

— Aqui está a sua gorjeta.

Morsa retirou o pano e, rapidamente, introduziu a ducha na boca do barbeiro. Em seguida, ligou-a. A água começou a descer pela garganta, fazendo-o se debater. O líquido passou pela traqueia, chegou aos pulmões e ao estômago. O barbeiro morreu afogado.

O assassino fazia mais uma vítima. Após Camila, uma garota alegre de apenas..., um idoso, dono de uma pequenina mercearia, agora um

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barbeiro, que obtinha o sustento em um reles salão de beleza. Qual era a relação entre esses assassinatos que apavoravam a pequena cidade? Era isso que intrigava seus habitantes. Essa era a pergunta a qual as autoridades policiais ainda não tinham a resposta.

— Haveria outros crimes bárbaros como esse? — interrogavam-se homens e mulheres, que, por medo, evitavam sair de suas residências.

— A polícia, enfim, descobriria quem estava fazendo aquela barbárie?

— Ele se entregaria?

Morsa colocou na sacola o vidro de clorofórmio, os panos e as cordas que amarraram o barbeiro. Deixou o salão. Ainda estava muito cedo. Ainda estava muito escuro. A cidade ainda dormia. E ele foi ao seu compromisso. Caminhou até a delegacia. O assassino revelaria sua identidade.

...

— Bom dia — cumprimentou Morsa.

— O que deseja? — perguntou o policial que estava próximo à entrada da delegacia.

— Eu sou Morsa.

— Sim, e daí?

— Sou o assassino em série que vocês estão procurando.

— Quê?! — assustou-se o policial, retirando a arma do coldre e apontando para o homicida.

— Não se mexa. Fique aí parado — ordenou o policial.

Referências

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