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Espíritos da Neve

No documento VÁRIOS AUTORES 1 (páginas 131-152)

Por:

Roberto Schima

O Grande Norte.

Era a vastidão vazia, branca e gelada.

Um lugar que fazia pensar no princípio de tudo e de todos.

Onde o gelo trincava num lamento vítreo através de profundidades inalcançáveis.

Por vezes, em meio ao silêncio, podia-se ouvir o próprio coração emocionar-se diante daquilo.

A ventania ora sussurrava através das distâncias, ora bramia toda a sua fúria rente aos ouvidos. Vinha de todas as direções no longo crepúsculo e, principalmente na noite sem fim, quando o sentimento de solidão infiltrava-se na alma como se mais alma alguma houvesse no mundo. Sim, podia urrar tão forte quanto um furacão, ameaçando romper

tímpanos e arrancar paredes ou tão suave quanto um cochicho enganador de um amor aquecido.

Entre a ilusão e a realidade, o frio reinava absoluto. Era o grande nivelador entre aqueles capazes de resistir as suas agruras ou através delas perecer. Podia atravessar a pele e atingir os ossos até a Morte Branca se instalar, fazendo do corpo a sua morada, ou, tornando-o parte dele, do frio. De tão poderoso e soberano, fazia acreditar que até o fogo, se incauto, congelaria.

E assim era o frio.

Assim era o vento.

Assim era o Norte.

Quando os dias eram tão longos que o Sol permanecia por meses no céu, a brancura hipnotizava e, de tão cintilante, era capaz de cegar olhos mais imprudentes. A neve pairava no ar, fazendo sumir o horizonte.

Convidava para longas caminhadas, sempre em frente, chamando, sem fazer retornar.

Era um mundo de extremos que não admitia erros. Poderoso e indomável. Belo e impiedoso. Possuía um fascínio tão arrebatador quanto o canto da sereia. "Venha, venha, venha..." Quantas almas não foram assim desviadas de seu rumo e perdidas para sempre?

Ah, se os homens tivessem a mínima noção do que havia sob as calotas eternas...

Em um universo irreal como aquele onde, vez ou outra, o céu da noite exibia suas extraordinárias auroras boreais, não seria de admirar a

existência de várias lendas e mitos. Estranho seria se não existissem.

Algumas falavam de vozes sussurando junto ao vento ou de esferas de luz ziguezagueando no céu. E, particularmente durante as nevascas, diziam ser devido a proximidade dos Espíritos da Neve. Eram somente contos de fada, diriam aqueles que se achavam civilizados. Superstições apenas. Todavia, para os homens e mulheres que narravam-nas ao redor da chama de uma lamparina de óleo de baleia e para aqueles que ouviam

— nascidos, criados e crescidos na imensidão do Grande Norte —, não eram, de modo algum, histórias inventadas. Havia o temor, o respeito e a reverência. O uivar da ventania lá fora, assim o confirmaria, fazendo seus corpos encolherem-se ainda mais sob suas vestimentas de pele. O Grande Norte era o lar das divindades, um lugar onde os homens seriam sempre intrusos.

♦ Era a época do longo crepúsculo.

O Sol ondulava pouco acima do horizonte, às vezes oculto pelas montanhas mais altas, mas sem se pôr. Levaria semanas até ele desaparecer, deixando uma fina moldura dourada que, por fim, sumiria, dando lugar à escuridão da Grande Noite e suas intermináveis estrelas.

Por enquanto, as pessoas ainda podiam vagar entre as casas do vilarejo. Todavia, sempre alertas às mudanças súbitas do clima, tão imprevisíveis quanto traiçoeiras àquela latitude.

A região conseguira ultrapassar o período de miséria e algum desenvolvimento chegara àquelas bandas, juntamente com o contato

maior com o mundo exterior. A fome que assolara a geração anterior ficara para trás e, não obstante todas as dificuldades que enfrentavam naquela vastidão inóspita, seus habitantes podiam considerar-se privilegiados.

No bar de Eiluk, os homens aproveitavam o curto período restante para socializarem um pouco mais, tomar alguns drinques e relembrar velhas aventuras antes de retonarem para suas cabanas onde permaneceriam trancafiados por meses, durante o longo inverno.

— Mais uma garrafa, Eiluk!

— Acabou — mentiu. — Quer café?

— Eu, Chaluk, tomando café? Bah!

O desenvolvimento trouxera algum progresso e bem-estar às pessoas sofridas. A bebida não foi um deles. Mas, rapidamente, alguns inuit mergulharam nela a fim de afogar suas amarguras e buscar consolo onde a consciência era incapaz de confortar. Para esses, as lembranças eram um fardo pesado demais para os ombros carregarem.

Era o caso de Chaluk.

Ele era pequeno na época, porém, recordava-se quando as criaturas tinham penetrado através de uma das janelas de seu barraco. A neve como que explodira para dentro, trazendo o inverno, o vento e a noite. Sua mãe escondera-o sob uns punhados de pele de foca, num canto mais escuro.

Ele ficara imóvel o quanto pudera, fingindo-se de estátua para não ser apanhado pelos "pedaços da noite". Todavia, através de um orifício num dos pedaços de couro, Chaluk vira. Em meio ao seu pavor, testemunhara

a entrada estrondosa daquelas coisas negras de asas enormes e garras afiadas. Um deles apanhara sua mãe e cravara os dentes em sua garganta.

Ela emitira um grito sufocado e logo em seguida, afogara-se em seu próprio sangue. O pai conseguira atirar contra um dos monstros, mas apenas perfurara uma das asas. Então, fora pego e, igualmente, tivera o seu sangue sugado até nada mais restar do que um recipiente vazio. Os corpos caíram pesadamente no piso de madeira. A seguir, as coisas escuras emitiram um guincho pavoroso e saíram para procurar outras vítimas através da nevasca.

Chaluk permanecera imóvel, amedrontado demais até para respirar.

O vento insistira em criar redemoinhos de neve em frente à lareira e seu som parecera-se com as vozes dos mortos a lamentar o ocorrido. E choravam. E gemiam.

Quando, finalmente, o menino pensara em sair de seu esconderijo, algo tão ou mais horrível acontecera: os cadáveres de seus pais puseram-se de pé. Apesar dos olhos abertos, não existia mais vida dentro deles e, embora se mexessem, aqueles corpos não mais pertenciam ao mundo dos vivos.

Chaluk continuou paralisado. Seu pavor, agora, era redobrado.

Incerto a princípio, aqueles que um dia foram os pais do menino moveram-se pelo aposento até decidirem-se a sair de casa, atraídos por um chamado invisível.

O pequeno inuk, não obstante o medo e a tristeza, sentira alívio ao vê-los partir. Entrementes, um último susto o aguardava.

Aquela que fora a sua mãe de repente estacara e olhara direto para o monte de peles de foca. Farejara o ar, revirando a cabeça de um lado para o outro. Até fizera menção de retornar, porém, por alguma razão, mudara de idéia e seguira a outra coisa que fora seu cônjuge para a nevasca lá fora.

Talvez um resquício de humanidade ainda tivesse sobrevivido no corpo de sua mãe e forçara a coisa que se tornara a ficar longe de seu filho.

Esse derradeiro gesto de amor maternal, contudo, não apaziguaria a alma de Chaluk nos anos que se seguiram. E, tanto os terríveis pedaços da noite quanto as criaturas nas quais seus pais se transformaram iriam assombrá-lo por toda a vida.

Hoje, como duas décadas atrás, uma nevasca súbita abatera-se sobre o lugar. Poderia durar uma hora ou uma semana. Não cabia aos homens decidir. No Grande Norte, suas presunções valiam menos que nada.

O bar estava lotado. Havia alguns negociantes brancos retardatários, todavia, a maioria dos frequentadores era do próprio lugar e tinha o sangue dos inuit.

Chaluk já se encontrava embriagado o bastante quando pedira outra garrafa para Eiluk. Ante a negativa, decidiu que era momento de retornar ao seu barraco.

— Vou-me indo, Eiluk — falou para o amigo atrás do balcão. — Dê o café para outro. Até mais!

Eiluk ficou apreensivo. Largou os copos que estava lavando e foi em direção à porta.

— Fique, Chaluk. O tempo está horrível lá fora. Espere até melhorar. Se for preciso, tenho uma cama sobrando acima do bar.

Eiluk bem sabia do trauma do amigo, pois ele e muitos outros sentiram na pele aqueles acontecimentos antigos, entretanto, ao contrário de Chaluk, ele e sua família tinham sobrevivido. Oona, sua segunda mãe, poderia entender o drama de Chaluk, pois perdera o marido e a filha em razão dos monstros das trevas, entretanto, fazia três anos que ela falecera, ainda chamando por aqueles que amava.

— Que nada, estou bem! — teimou Chaluk.

Eiluk cogitou de dar um murro em Chaluk para desacordá-lo. Logo, porém, um freguês, depois outro e mais outro chamou a sua atenção, pedindo cerveja ou algum petisco. Ademais, quem Eiluk pensava que era? Provavelmente, quebraria a mão e o cabeça dura do Chaluk sequer sentiria.

— Biona! — gritou para a mulher que estava na cozinha. — Veja se consegue segurar Chaluk.

— Se eu deixar isso aqui, vai queimar tudo! — resmungou ela. — Se ele quer se matar... Mate-se!

Não podia culpar Biona. Ela viera de outro vilarejo, não passara pelo que eles passaram. E, não raro, Chaluk arranjava encrenca com

outros clientes. Para não mencionar a dívida dele no bar, cada vez maior e que Eiluk sempre se "esquecia" de cobrar.

Assim, antes que Eiluk pudesse se voltar para o amigo, a rajada súbita de vento disse-lhe que o coitado já saíra para enfrentar o tormento do frio.

Os fregueses xingaram e reclamaram do vento.

Eiluk correu na direção da porta. Olhou rapidamente para fora. O cenário era de um branco em rápidas pinceladas. Chaluk morava próximo dali. Embora tivesse acabado de sair, já não era mais visível por causa do vendaval e da neve. Eiluk pensou na Morte Branca e temeu pela sorte do amigo. Receou deparar-se com o cadáver dele a alguns metros do bar, tão logo a nevasca cessasse.

— Cabeça dura...

Fechou a porta.

As primeiras bofetadas do frio deixaram Chaluk sóbrio.

Imediatamente, deu-se conta da estupidez que fizera. Mal conseguia enxergar um palmo adiante do nariz. Ergueu o capuz de seu casaco e olhou em todas as direções. A ventania fez seus olhos lacrimejarem. A respiração condensava-se de imediato. O ar frio feria os pulmões.

Inexistiam pontos de referência. Era inútil gritar devido ao rugir do vento.

E a neve fustigava e fustigava seu corpo, fazendo-o cambalear.

"Idiota... IDIOTA! Você fez por merecer. Cometeu o erro mais primário de todos e, agora, morrerá feito besta. Em uma lápide de gelo, vão escrever 'Aqui jaz Chaluk, o idiota'. É isso aí... IDIOTA!"

Respirar era difícil; caminhar, quase impossível. A camada macia de neve estava na altura de seus joelhos. Mantinha os braços estendidos, mas suas mãos nada encontravam pela frente.

"Então, é assim", pensou, mal sentindo seus dedos. O corpo, até então atormentado pela sensação de milhares de farpas de gelo, encontrava-se dormente. Ele sabia o que isso significava. Breve, o torpor iria atingir-lhe o cérebro. Ele cairia, deitaria e esperaria o sono sem fim.

E foi assim que se sucedeu.

Chaluk tombou sobre um monte de neve. Seu corpo afundou e a neve caiu sobre si feito um cobertor.

"Tão macio... Aconchegante... Faz quase valer a pena morrer."

A consciência fugia-lhe na mesma proporção em que mais e mais neve cobria seu corpo. Trêmulo de frio, começou a delirar devido a hipotermia somada ao álcool. Chorou. Chamou por seus pais. Riu. Além da brancura sem fim, julgou divisar sombras aproximando-se. Relembrou o passado distante e os pedaços da noite. Sentiu-se tomado por um terror maior do que o medo de morrer. Quis gritar, contudo, a voz congelara-se a meio caminho. Não conseguia falar e, tampouco, mover-se. Mais uma vez, estava a mercê das terríveis criaturas aladas, filhas do pesadelo. Com o tempo e em conversas com outros inuit e até forasteiros, compreendeu que os pedaços da noite originaram-se da Europa Oriental, um lugar

muito distante, para além do oceano. Isso não o confortou nos anos seguintes. Nem trouxe alívio algum agora. As sombras cresceram. Com ela, ouviu as vozes. Vinham no fluir do vento. Inúmeras vozes. Não conseguia compreendê-las.

As formas aproximaram-se mais e mais. Moviam-se em torno dele, indiferentes à força do vento. Era impossível avaliar distâncias sob uma nevasca e, muito menos, distinguir os contornos. As vozes continuavam incompreensíveis diante do rugir da ventania, como o lamentar de maus espíritos reverberando numa cabana deserta.

Em seus anos frequentando o bar após a pesca, Chaluk ouvira diversos relatos. Não era raro alguns deles enveredarem para o sobrenatural, afinal de contas, fazia parte da cultura de seu povo milhares de anos antes da chegada dos brancos... e dos vampiros. Entre eles, havia um sobre a procissão dos mortos na forma de auroras boreais. Dizia-se que seus espíritos transformavam-se em luzes e percorriam uma longa e sinuosa trilha no céu até as estrelas. Chaluk, desde o ocorrido em criança, perguntava-se se seus pais estariam lá, cintilando no firmamento.

Chamara-os milhares de vezes em todos os invernos, porém, eles nunca responderam. O tempo e a amargura tornaram-no um descrente, ou melhor, um falso descrente, do tipo que dizia em nada acreditar e, não obstante, blasfemava e desafiava os alvos de sua descrença. Em verdade, ele lutava contra a própria mágoa em, no fundo, acreditar.

O vento gélido rodopiava ao seu redor, cada vez mais intenso.

Deu boas vindas à morte branca, enquanto um passaporte para a liberdade.

As sombras tornaram-se mais densas, maiores, mas ainda difusas no cenário glacial.

— Leve-me — implorou a custo os lábios enregelados.

Entorpecido, Chaluk percebeu seu corpo ser erguido. Era estranho, pois quase perdera o tato. Parecia ser o corpo de outra pessoa. Não era algo palpável, mas uma força como se a própria nevasca o carregasse. E fosse o vento, fossem as formas escuras, fosse o frio ou a neve. o caso é que, por um verdadeiro milagre, acabou por encontrar-se de volta na entrada do bar.

♦ Rapidamente, a porta foi aberta.

— Venham — gritou Eiluk no dialeto local. — Ajudem-me!

Os inuit rapidamente atenderam. Os forasteiros, sem compreender, limitaram-se a olhar curiosos.

Chaluk foi carregado para perto do fogo. Não falava coisa com coisa.

Eiluk pôs-se a massagear os braços e as pernas do amigo, a fim de normalizar sua circulação.

— Traga-me sopa! — gritou para a esposa, Biona, a qual atendeu visivelmente contrariada.

Aos poucos, as faces de Chaluk foram recuperando a cor.

Conseguiu focalizar o rosto de Eiluk. Balbuciou:

— Pensei que fosse um pedaço da noite...

— Sei que não sou bonito, mas não exagera! — exclamou Eiluk, aliviado. — Seu cabeça dura de miolo mole, poderia ter morrido!

O outro não respondeu, fisionomia distante. Então, indagou:

— Como é que eu fui encontrado?

— Não o encontramos. Escutamos as batidas na porta.

— Batidas? Que batidas?

Eiluk franziu a testa.

— Você não bateu?

— De que jeito? Eu estava congelado, quase morto. Não conseguia ver nada, nem me mexer, muito menos caminhar até aqui e bater na porta.

— Tem certeza?

— Por que eu bateria, se pudesse?

Os demais inuit miraram-se sem saber responder. Todos tinham escutado as pancadas.

Por fim, o mais velho entre eles, que trabalhava como guia para os brancos ocasionalmente, limitou-se a afirmar:

— Espíritos da Neve.

Um dos clientes indagou de sua mesa o que estava acontecendo.

O velho explicou, traduzindo.

Todos os brancos sorriram do que atribuíram a histórias de gente sem cultura.

Então, novas batidas foram ouvidas, agora vindas de uma janela próxima.

Incrédulas, as pessoas observaram formas fantasmagóricas, vultos ou penumbras, a moverem-se do outro lado do vidro, como se fitassem curiosas para dentro, a fim de ver de Chaluk estava bem.

— Le-levantem-me! — pediu Chaluk. — Rápido!

Eiluk e os demais atenderam. Até um dos forasteiros foi ajudar.

— Quero ir até lá — apontou Chaluk para a janela.

Os outros recuaram, exceto Eiluk e o velho inuk. E ambos ajudaram Chaluk a dar os poucos passos até a vidraça, onde as formas escuras lá permaneciam.

Chaluk apoiou-se na beirada da janela e aproximou o rosto do vidro. Ouvia o uivar do vento, desejando entrar. E o frio. A lembrança fê-lo tiritar.

Subitamente, as formas do outro lado da janela começaram a mudar, tornar-se mais definidas...

... e reconhecíveis.

— Mamãe! Papai! — gritou Chaluk.

Lágrimas vieram-lhe aos olhos. Não sabia o que pensar, o que dizer. Mas lá estavam eles, seus fantasmas, pelos menos, ou que nomes quisessem as pessoas inventar. Eram eles.

Era como olhar para figuras feitas de fumaça.

Ninguém mais ria ou sussurrava dentro do bar. Da cozinha, escutava-se somente o chiado de algo fritando.

A voz feita do vento falou no interior da cabana:

"Nós sempre estivemos ao seu lado, pequeno Chaluk. Não podíamos deixá-lo morrer na neve."

— Levem-me com vocês — implorou ele. — Levem-me!

"Tudo a seu tempo. Você salvará o vilarejo do último pedaço da noite. Tenha uma vida feliz."

E, de repente, desapareceram.

— Mãe! Pai! — gritou Chaluk, mas as formas escuras tinham se desfeito.

O velho nativo falou:

— Às vezes os Espíritos da Neve levam e, de vez em quando, eles trazem. Quando levam, nunca mais devolvem. Mas, se dão uma nova chance de vida é por acreditar que a vida dessa pessoa vale a pena.

— Meu pai... minha mãe...

— Eles têm a forma que precisam ter — disse o velho, mirando nos olhos de Chaluk.

— Meu pai. Minha mãe — insistiu Chaluk.

— Que sejam.

O velho concluiu:

— Aproveite bem e sabiamente. Os Espíritos da Neve não costumam dar essa oportunidade duas vezes.

Eiluk falou:

— Venha, Chaluk. Termine de tomar a sopa.

Chaluk aprendeu a lição. Apesar de prosseguir a vida à sombra da fatalidade dos pais, procurou honrar-lhes à memória nos dias que se seguiram, levando uma vida mais digna e sóbria.

De todos, somente Eiluk encontrava-se inquieto. Perguntava-se:

será que somente ele havia escutado aquilo? Ali, nos arredores do vilarejo, ainda havia um último vampiro a espreita! Chaluk iria salvá-los?

Como? Quanto? Tudo o que Eiluk sabia era que, cedo ou tarde, o pesadelo ressurgiria. Só esperava que, nas noites mais escuras, quando as Luzes do Norte brilhassem intensamente no céu, pudesse contar para seus filhos várias histórias e, entre elas, como os Espíritos da Neve salvaram Chaluk numa tarde tempestuosa de um crepúsculo sem fim. E como todos sobreviveram para ver o Sol raiar.

Foi assim que a Grande Noite chegou.

Por vezes, em meio ao silêncio, podia-se ouvir o próprio coração emocionar-se diante daquilo.

Onde o gelo trincava num lamento vítreo através de profundidades inalcançáveis.

Um lugar que fazia pensar no princípio de tudo e de todos.

Era a vastidão vazia, branca e gelada.

O Grande Norte.

Gryzun

Por:

Alison S. Morais

O projeto estava prestes a ser concluído com sucesso. Após anos de negligência, houve de fato um movimento de urgência em tentar salvar a vida marinha e os oceanos, a taxa de poluição do planeta havia chegado a patamares nunca vistos antes e a qualidade do oxigênio era crítica.

Assim a corrida começou, Estados Unidos com suas pesquisas de filtragem de água chegaram a bons resultados, porém levaria muitos anos para obter efeito em escala mundial. Os franceses, liderando um time de biólogos, geólogos, físicos, e químicos na Europa, tiveram resultados interessantes na coleta em massa do lixo com submarinos e redes magnéticas, no entanto, era um processo caríssimo e a corrida contra o tempo ainda parecia perdida. Porém, a Rússia, com o apoio da China, partiu para outra vertente, foi o projeto que mais levou tempo para ser

revelado, porém parecia ser a salvação de toda a humanidade. O

“грызун” ou “Gryzun”, o roedor dos mares.

State Research Center for Applied Microbiology (SRCAMB), Obolensk, Russia, 22 de Setembro de 2035.

Dr. Nikiforov, chefe do departamento de microbiologia, observava os relatórios dos três primeiros testes em êxtase. Gryzun, era uma superbactéria criada em laboratório, munida de enzimas que dissolviam plástico. O primeiro teste feito foi em pequena escala, o projeto em seu estado embrionário já impressionava, o Gryzun se mostrou amigável aos seres vivos, parecia atacar somente os produtos plásticos e em poucos segundos dissolviam pequenas quantidades dele.

O segundo teste foi melhor ainda, a enzima foi reforçada e a bactéria

O segundo teste foi melhor ainda, a enzima foi reforçada e a bactéria

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