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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES – CEART PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO – PPGT

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO – PPGT

ITAMAR WAGNER SCHIAVO SIMÕES (WAGNER MONTHERO)

EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA EM PROCESSOS DE DRAMA

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ITAMAR WAGNER SCHIAVO SIMÕES (WAGNER MONTHERO)

EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA EM PROCESSOS DE DRAMA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro na Linha de Pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica.

Orientadora: Prof. Dra. Beatriz Cabral

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central S593e

SIMÕES , Itamar Wagner Schiavo.

Experiência e memória em processos de drama./ Itamar Wagner Schiavo Simões. – Florianópolis, 2013.

178 f.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Teatro, Florianópolis, 2013.

Orientadora: Beatriz Cabral. Inclui bibliografia.

1. Drama. 2. Imersão. 3. Performance. I. Cabral, Beatriz. II. Universidade do Estado de Santa Catarina – Mestrado em Teatro. III. Título.

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ITAMAR WAGNER SCHIAVO SIMÕES (WAGNER MONTHERO)

EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA EM PROCESSOS DE DRAMA

Esta Dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em Teatro, na Linha de Pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica, e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, em março de 2013.

Banca Examinadora

Orientadora:_________________________________________________________ Professora Doutora Beatriz Ângela Vieira Cabral

Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro:__________________________________________________________ Professor Doutor Flávio Desgranges

Universidade de São Paulo

Membro:__________________________________________________________ Professor Doutor André Luiz Antunes Netto Carreira

Universidade do Estado de Santa Catarina

Suplente: __________________________________________________________ Profa. Dra. Márcia Pompeo Nogueira

Universidade do Estado de Santa Catarina

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AGRADECIMENTOS

Aos participantes e colaboradores do processo “Nós e Eles”: Agata Baú, Camila Hager, Chaiene Rosa, Clarice Isoldi, Isáuria Zardo, Edna Domênica, Giovana Colombi, Ingrid Capistrano, Lohanny Rezende, Luana Schutz, Luciana Silva, Maíra Wiener, Marcelo Cabral, Maria Luisa Porath, Michele Schiochet, Paulo Soares, Tuany Fagundes e Samantha Silva.

Aos participantes e colaborares do processo “O Balcão”: Catherine Schimid, Fábio Iokomizo, Fernanda Mendes, Fernando Bresolin, Joana Kretzer, Jonas Martins, Leonardo Brandão, Letícia de Andrade, Lindson Mühlmann, Lohanny Rezende, Luana Schutz, Lucas Ferraza, Lucas Heymanns, Lucas Txai, Maíra Wiener, Marlon Spilhere, Marcelo Olympio, Paulo Soares e Samantha Silva.

À Marcelo Cabral pelas fotos dos processos.

Aos colegas das disciplinas do Curso de Mestrado, pelos debates, e pelo compartilhamento das descobertas, das dúvidas e incertezas.

Às funcionárias do PPGT, Mila, Sandra e Francine, pela presteza e competência e, pelo carinho.

Aos professores membros da Banca de Qualificação, Dr. Flávio Desgranges, Dr. André Carreira e Dra. Márcia Pompeo Nogueira pelas valiosas contribuições com o trabalho.

Aos professores membros da Banca de Defesa, Dr. Flávio Desgranges e Dr. André Carreira.

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RESUMO

SIMÕES, Itamar Wagner Schiavo. Experiência e memória em processos de drama. 2013. 178 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro. Florianópolis, 2013.

Esta pesquisa tem como finalidade estudar experiência e memória no contexto do drama. As possibilidades de experiência são investigadas, a partir do envolvimento do aluno com a atividade e também a partir das ressonâncias entre os contextos ficcional e real. Contribui para este estudo, a realização de dois processos de drama. Nesses processos, a atuação do aluno é pesquisada através da exploração sensorial dos materiais introduzidos pelo professor para a construção da narrativa dramática. Para tanto, um recurso de imagens visuais foi preparado e associado ao contexto ficcional, ao uso do texto como pré-texto, à ambientação cênica, aos estímulos compostos e à intervenção do professor no papel, com o objetivo de nutrir o processo da atuação e a criação dos papéis ficcionais. A pesquisa focaliza o potencial destes recursos para favorecer o envolvimento significativo do aluno com o processo e criar as possibilidades de experiência através do intercâmbio de memórias no processo criativo. O relato e a análise dos processos permitem refletir sobre o papel do professor na criação de espaços possíveis para a experiência através do drama.

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ABSTRACT

SIMÕES, Itamar Wagner Schiavo. Experience and memory in drama processes.

2013. 178 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro. Florianópolis, 2013.

This research aims to study both experience and memory in the context of the drama. The possibilities of experiencing are investigated from the student´s engagement with the activity and also from the resonances between the fictional and real contexts. To this study, two processes of drama were accomplished. In these processes, the performance of the student is researched through sensory exploration of materials introduced by the teacher for the construction of the dramatic narrative. Thus, a series of visual images was prepared and paired with fictional context, the use of text as a pre-text, to the scenic setting, the compound stimuli and the intervention of the teacher in the role, with the goal of nurturing the performance and fictional creation of roles. The research focuses on the potential of this resource to encourage meaningful involvement of the student with the process and create the opportunities of experiencing through the insertion of memories in the creative process. The reporting and analysis of the processes allow to reflection on the teacher's role in creating spaces for possible experiences through drama.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 O SENTIDO DE EXPERIÊNCIA NA PRÁTICA DO DRAMA: IMERSÃO E ATIVAÇÃO DA MEMÓRIA ... 19

2.1 PARTE 1 – EXPERIÊNCIA E IMERSÃO ... 19

2.1.1 O drama como experiência estética ... 19

2.1.1.1 A experiência estética na escola ... 22

2.1.1.2 O potencial (trans)formador da experiência ... 26

2.1.2 Imersão ... 28

2.1.2.1 Cruzando fronteiras: Imersão VS Distanciamento crítico ... 32

2.2 PARTE 2 EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA ... 38

2.2.1 Experiência ... 38

2.2.1.1 Por uma pedagogia do sensível ... 38

2.2.1.2 As noções de experiência em Walter Benjamin ... 41

2.2.2 A ativação da memória na criação dramática pelas tensões entre realidade e ficção ... 50

2.2.2.1 A memória na criação de narrativas ... 51

2.2.1.2 A mnemo-criação perceptiva como experiência ... 55

2.2.1.3 A memória e as ações da experiência... 63

3 OS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO DRAMA: CONTEXTO DE FICÇÃO, PRÉ-TEXTO, ESTÍMULO COMPOSTO, EPISÓDIOS EM PROCESSO E TRABALHO COLETIVO ... 67

3.1 O CONTEXTO DE FICÇÃO ... 67

3.1.1 Tensão dramática, manifestação dos sentidos e significados ... 69

3.2 O PRÉ-TEXTO ... 72

3.3 O ESTÍMULO COMPOSTO ... 75

3.3.1 As formas de uso do estímulo composto ... 76

3.4 PROCESSO E EPISÓDIOS ... 79

3.5 A PARCERIA PROFESSOR-PARTICIPANTE ... 82

3.5.1 O professor-dramaturg ... 85

4 RELATOS DAS EXPERIÊNCIAS ... 89

4.1 IMAGENS VISUAIS COMO MATERIAL DE CRIAÇÃO ... 89

4.2 “NÓS E ELES” ... 90

4.2.1 A exploração das imagens: da percepção à partitura de ações ... 90

4.2.2 A partitura de ações no contexto do drama e o texto como pré-texto ... 97

4.2.3 Primeiro Episódio: O Confinamento ... 98

4.2.4 Segundo Episódio: A convivência nos grupos ... 101

4.2.5 Terceiro episódio: Quem somos nós? Quem são eles? ... 102

4.2.6 Quarto episódio: Os novos grupos ... 104

4.3 “O BALCÃO” ... 105

4.3.1 Características do processo: o uso do texto e de imagens como pré- texto e as apropriações do texto para o processo ... 106

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4.3.3 Segundo Episódio: As Confissões dos desejos ... 112

4.3.4 Terceiro Episódio: A encenação dos desejos e fantasias ... 115

4.3.5 Quarto episódio: O Balcão é sitiado. As máscaras caem?! ... 119

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 134

ANEXO A – FRAGMENTOS TEXTUAIS DO PROCESSO O BALCÃO .... 140

ANEXO B - PROTOCOLOS DO PROCESSO O BALCÃO ... 144

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1 INTRODUÇÃO

O fazer teatral denominado drama, desenvolveu-se na Inglaterra através da introdução da atividade teatral no ambiente escolar. A associação de elementos da mídia teatral ao processo de ensino-aprendizagem levou ao desenvolvimento de metodologias que se consolidaram no que, hoje, é conhecido como drama na educação, process drama ou simplesmente drama. No Brasil1, o drama está inserido no campo da pedagogia do teatro como uma subárea do fazer teatral.

O drama é uma atividade criativa realizada em grupo que se configura como um processo de investigação artística e pedagógica. O desenvolvimento do processo ocorre a partir do uso de procedimentos e estratégias teatrais na perspectiva de um contexto de ficção. A delimitação do contexto permite a criação de situações e acontecimentos não-reais, mas que fazem parte da nossa realidade, através dos quais questões relativas à vida social e aos relacionamentos humanos são explorados. Neste sentido, o drama pode gerar aprendizado e proporcionar apropriação da linguagem cênica.

O aprendizado é decorrente da maneira como os participantes de um processo respondem às situações ficcionais criadas. No entanto, é necessário imersão no contexto da ficção, envolvimento com as situações a serem investigadas e com os materiais introduzidos para o desenvolvimento do processo. Estar imerso significa ter presença, operar dentro daquele contexto e de suas situações. A imersão mobiliza o participante à ação.

A questão que se coloca é: ao atuar no contexto dramático, diante das propostas do professor e dos materiais introduzidos por ele, o participante pode passar por uma experiência? Em que medida o envolvimento com a ficção e com elementos da mídia teatral pode gerar uma participação que seja significativa para o sujeito?

Esta pesquisa investiga a atuação em drama pela perspectiva da experiência. O processo da experiência na atividade dramática é visto como diretamente relacionado com o devir de memórias em cena. Em drama, falar de memórias é falar de cruzamento entre as fronteiras da realidade e da ficção. A ressonância do contexto ficcional no contexto real pode trazer à tona as imagens da memória

1 O drama foi trazido para o Brasil por Beatriz Cabral depois de seu doutorado em Birmingham/UK

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fundamentais para as possibilidades de experiência. Neste sentido, a criação de um espaço propício ao envolvimento sensível do participante e que gera novas formas de percepção amplia as possibilidades de experiências.

O meu envolvimento com o drama teve início com a participação em oficinas realizadas no DAC - Departamento Artístico Cultural da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC ministradas pela Prof. Dra. Beatriz Cabral. Fiquei bastante curioso e motivado em saber dos procedimentos e em conhecer as estratégias e como elas poderiam ser utilizadas. Outro aspecto com o qual me identifiquei é relativo ao papel do professor como provocador do grupo e como coartista no desenvolvimento do processo. Esses primeiros contatos foram estimulantes e também inquietantes, e revelaram o meu interesse e o quanto eu havia sido tocado pelas particularidades do drama.

Posteriormente, na Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC, ao cursar a disciplina de Metodologia do Ensino do Teatro I, ocorreu outro contato com o drama, quando da realização do Processo O Inimigo do Povo, baseado no texto homônimo de Ibsen.

Neste processo, através de um trabalho físico orientado, que se desenvolveu em várias sessões, os alunos exploraram as características corporais de personagens típicos da Commédia Dell´Arte2, como suporte para a atuação. As características dos tipos seriam utilizadas para criar os tipos sociais, os papéis no drama. Cada aluno identificou dois tipos, escolheu aspectos de cada um e cruzou-os na busca de um tipo original, criando, desta forma, o seu papel nesse processo.

Esse trabalho prévio foi realizado com o engajamento de todos os alunos. No entanto, observei que durante o desenvolvimento do processo, muitos participantes apresentaram dificuldade em manter as características do papel construídas na fase de exploração expressiva, intensificando o seu modo particular de agir e responder às situações introduzidas pelo professor.

A partir desta leitura do trabalho, o processo da atuação no drama intrigou-me. Que outros recursos poderiam ser utilizados para ativar e alimentar a criação dos papéis? Isso contribuiria para o engajamento do aluno com o contexto e com as

2 A Commédia del Arte é uma manifestação teatral que surgiu na Itália no começo do século XVI,

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investigações? Estes questionamentos motivaram a realização desta pesquisa e, neste aspecto, a atuação ficou definida como o foco principal de investigação.

A revisão bibliográfica relativa ao drama foi iniciada com publicações de Beatriz Cabral. Neste estudo, procurei enfocar as características essenciais do drama, os recursos metodológicos e as especificidades que dizem respeito ao papel do professor. Um aspecto teórico evidenciado nesses estudos, relativo à presença das subjetividades na criação dramática, aproximou-me de outro eixo de investigação, o tema da experiência.

A relação entre individualidades em cena e experiência permitiu-me pensar sobre o tema proposto da atuação, na tentativa de identificar o recurso que pudesse contribuir para o processo da atuação e favorecer o envolvimento do participante com a atividade.

Outro eixo fundamental de investigação para este trabalho é a memória. Curiosamente, a exploração deste tema não estava prevista no projeto da pesquisa e as primeiras leituras que fiz sobre experiência não foram suficientes para a identificação da relação essencial entre um tema e outro.

Durante minhas buscas teóricas acerca do problema da atuação, um número especial da Revista Sala Preta, o qual continha artigos que versavam sobre o estudo da memória aplicado ao teatro chegou às minhas mãos. Li alguns destes artigos e fiquei encantado com o assunto. Descobri a teoria de Henri Bergson sobre percepção e memória e este acontecimento provocou-me. Não consegui atribuir-lhe a condição de um mero incidente para poder esquecê-lo e deixar de lado estes achados. E mesmo que eu quisesse isso seria difícil depois de estudar Walter Benjamin. Desta forma, as noções de percepção e memória foram enriquecedoras para a pesquisa, para o estudo da experiência e da atuação.

Uma vez que a construção de narrativas é um dos princípios que fundamentam a prática do drama, a intertextualidade entre história pessoal e ficcional faz-se presente no desenvolvimento do processo. A ênfase no sensorial, efetivada na maneira como o professor introduz o contexto e as suas situações através de procedimentos e estratégias teatrais, sobrecarrega a percepção do aluno e favorece as tensões entre realidade e ficção.

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contribuições destes autores encaminharam-me para a questão da verossimilhança e da credibilidade no processo de construção de narrativas e, assim, a fonte de pesquisa foi complementada com um artigo de Donald Blumenfeld-Jones.

A pesquisa do drama progrediu com o estudo de publicações de autores ingleses, como Cecily O’Neill, John O’Toole e Gavin Bolton. O’Neill e O’Toole são autores importantes para o entendimento das características processuais do drama. Bolton traz algumas referências sobre a prática de Dorothy Heathcote, importante pesquisadora de drama, para quem o sentido de experiência estava diretamente relacionado com o papel do professor.

A experiência no drama foi investigada em relação ao jogo interativo entre a subjetividade do aluno e as formas artísticas e os conteúdos introduzidos pelo professor. O sentido do jogo, tal como proposto na prática do jogo dramático (atividade teatral de origem francesa) foi analisado e associado à maneira como a improvisação processa-se no drama. Neste sentido, aspectos teóricos de autores que abordam práticas teatrais distintas – Jean Pierre Ryngaert (jogo dramático) e Cecilly O’Neill (process drama) –, mas que possuem afinidades, foram relacionados.

Motivados pela ideia de subjetividades em cena e provocados pelos conceitos de experiência e memória, os processos de drama desta pesquisa foram planejados. Dois processos foram realizados, em diferentes momentos. O objetivo foi investigar as implicações entre experiência e os processos de criação no contexto do drama, enfocando a atuação.

O recurso de imagens visuais, entendido como material de criação foi utilizado. O conceito de materiais, proposto por Matteo Bonfitto, foi agregado ao trabalho e, desta maneira, publicações deste autor também serviram como fonte de pesquisa. Isso ocorreu devido ao fato de eu ter participado do Seminário Temático O ator e o performer, ministrado por Bonfitto, como disciplina do Programa de Pós-Graduação da Udesc. Nesse seminário, foram discutidas, em âmbito teórico-prático, dentre outras questões, as tensões entre representação e performação e as suas relações com a experiência.

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que foi realizado durante o meu estágio-docência, junto com os alunos da disciplina de Metodologia do Ensino do Teatro II, do curso de Bacharelado e Licenciatura em Teatro da UDESC. Com esta turma, foi realizado o processo “O Balcão”. As imagens visuais foram utilizadas associadas ao pré-texto, também de forma a nutrir a atuação. O recurso de imagens foi preparado com o objetivo de favorecer o despertar sensorial, buscando o envolvimento sensível do participante, ampliando as possibilidades de experiências pelo devir das particularidades do sujeito no processo da construção da narrativa.

No primeiro capítulo, o sentido de experiência na prática do drama é abordado. Esse capítulo está dividido em duas partes com o objetivo de que o tema da experiência seja primeiro investigado na perspectiva da imersão, para, depois, ser investigado em suas relações com a memória. A maneira como essa investigação foi dividida é justificada pelo entendimento de que a imersão é uma condição fundamental para a experiência.

No primeiro item da parte um, a prática do drama é tratada como experiência estética e o seu potencial pedagógico é considerado em relação às suas origens artísticas. A relação entre arte e pedagogia leva a uma problematização acerca das possibilidades de experiência com o ensino do teatro no âmbito escolar. O papel do professor é questionado em relação ao potencial transformador da experiência, pois a criação de realidades sensíveis que geram as possibilidades de mudança está associada ao impacto do aluno frente à significância das situações dramáticas elaboradas pelo professor e à quantidade/qualidade do material introduzido por ele. As principais referências bibliográficas deste item foram publicadas por Cecily O’Neill e Beatriz Cabral.

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dimensão pessoal leva a um desvio do mundo virtual; desvio este que permite ao sujeito contextualizar e investigar a sua própria realidade a partir da ficção. Assim, esse item também aborda a maneira como o distanciamento crítico-reflexivo processa-se no drama.

Na parte dois do primeiro capítulo, apresento uma revisão teórica dos conceitos de experiência e de memória. Os conceitos de experiência foram estudados nas perspectivas de Walter Benjamin, Jorge Larrosa e Giorgio Aganbem. A ideia de recriação do passado nas ações da experiência, defendida por Benjamin, encontra, na teoria da memória, muitas associações, principalmente no que se refere ao conceito de memória inconsciente. Larrosa e Aganbem corroboram o pensamento benjaminiano e auxiliam na atualização de suas ideias na perspectiva da contemporaneidade.

O estudo da memória, primeiro, é focalizado em relação ao processo de criação de narrativas na perspectiva do drama. A ressonância entre os contextos ficcional e real é abordada em relação à fidelidade e à credibilidade das narrativas criadas pelo intercurso de memórias. Os principais autores, aqui, são Sandra Jatahy Pesavento, Beatriz Cabral e Donald Blumenfeld-Jones. Os conceitos de percepção e memória são trazidos, por fim, através da teoria formulada por Henri Bergson. Algumas peculiaridades do funcionamento da memória são revisadas e permitem-me o entendipermitem-mento do conceito de permitem-memória criadora. Em suas relações com a experiência, a memória é vista como recriação do vivido. A configuração de realidades sensíveis no processo da experiência dá-se não pelo deslocamento do sujeito para o passado, mas pelo prolongamento ativo dos afectos do sujeito através da memória no presente pelas demandas do presente.

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do contexto ficcional na dimensão pessoal. A relação professor-aluno é focalizada discutindo o papel do professor-dramaturg, apontando para a questão da mediação como um elemento de potencialização da experiência. As referências deste capítulo são Beatriz Cabral, Cecily O´Neill, John O´Toole, Gavin Bolton e John Somers.

No último capítulo, o relato dos processos, a atuação é focalizada em relação aos conceitos de memória e experiência abordados. A experiência no processo da atuação é analisada através do uso do recurso de imagens visuais como material de criação no contexto do drama. O Método das Ações Físicas de Stanislavski é, aqui, referenciado em relação à teoria da memória. Algumas ideias de Richard Schechner para o intérprete do teatro ambientalista são também trazidas para discutir o caráter performativo da atuação no drama, permitindo pensar a atuação como experiência.

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2 O SENTIDO DE EXPERIÊNCIA NA PRÁTICA DO DRAMA: IMERSÃO E ATIVAÇÃO DA MEMÓRIA

2.1 PARTE 1 – EXPERIÊNCIA E IMERSÃO

2.1.1 O drama como experiência estética

Essencialmente, um processo de drama evoca uma atmosfera de ficção limitada no tempo e no espaço, focalizando diferentes situações dramáticas. É um trabalho que se desenvolve em grupo e que necessita da participação de todos os seus integrantes na criação e na manutenção desse mundo ficcional. Através da identificação ativa com papéis e situações imaginárias, os participantes exploram problemas, situações e relacionamentos dentro de um contexto ficcional que delimita o processo, construindo gradativamente uma narrativa teatral.

Para Cecily O’Neill (1995, p. xvi), “a proposta principal é estabelecer um mundo imaginário, uma situação dramática em um outro lugar, criada pelos participantes na medida em que eles descobrem, articulam e sustentam papéis ficcionais e situações”. A instauração de uma atmosfera de ficção é, neste sentido, enfatizada com o intuito de favorecer a imersão do participante. O mergulho no universo ficcional possibilita a experimentação de uma série de situações imaginárias ampliando a participação e contribuindo para a atuação dos integrantes do grupo. A partir dessa condição, de estar envolvido com o contexto, o participante pode passar por uma nova experiência e ser tocado por ela.

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Os participantes são provocados pelo professor3 a criar dentro de diferentes situações imaginárias que demandam ações e atitudes, logo, eles são convocados a atuar em função do modo como percebem o contexto e as suas distintas circunstâncias. São estas ações, as atitudes e a interação com os demais participantes que deslancham o desenvolvimento do processo.

O contexto ficcional é criado pela atuação e pela mediação do professor e sustentado pelos participantes através de improvisações que exploram convenções teatrais e os conteúdos do drama. O contexto, na abordagem proposta por O’Neill, é criado a partir de um texto entendido como pré-texto, que não significa necessariamente dramaturgia – pode ser uma notícia, um fato histórico, um conto...4 A premissa é que o pré-texto alimente todo o processo, configurando e delimitando as situações propostas e as improvisações através das quais estas situações são desenvolvidas.

Para O’Neill (1995, p. xvi), a improvisação é um elemento essencial do processo, é a fonte vital da invenção dramática: na medida em que o processo desenvolve-se, ele conterá elementos de composição e contemplação, “mas os encontros improvisados permanecerão no coração do evento como a fonte de grande parte de seu poder dramático”.

A improvisação no drama adquire um caráter complexo, pois está sempre ligada ao contexto. Ela é restringida por circunstâncias que seguem os parâmetros do contexto que está sendo explorado. A atuação do participante, nestas condições, é espontânea, mas se configura como uma resposta dada a questões, estímulos e desafios específicos.

Pretendemos fazer, aqui, uma breve consideração sobre a natureza e o significado do jogo na tentativa de aproximá-lo ao processo da experiência na criação em drama. O jogo está relacionado com a capacidade de expressão do sujeito através da criação de linguagens simbólicas paralelas à realidade em que vivemos. Enquanto metáfora da vida e do conhecimento, o jogo permite a

3 Embora as possibilidades de trabalho com o drama estejam ampliadas para além do contexto

escolar – os procedimentos podem constituir metodologias a serem aplicadas no âmbito da ação cultural em comunidades, oficinas de arte etc. ao longo deste texto, utilizaremos o termo professor referindo-nos também ao coordenador ou ao condutor do processo de drama. Na bibliografia inglesa, é comum o termo professor devido à tradição do drama na educação.

4 As particularidades do contexto de ficção e do pré-texto, assim como os demais elementos

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construção e a sustentação de outros lugares através dos quais podemos atribuir sentido e significado à realidade e à ação.

No drama, o aluno joga com o contexto, com os materiais introduzidos pelo professor, com o espaço, com os outros integrantes do grupo ao experimentar as diferentes situações e enquadramentos dramáticos. Nestas experimentações, o aluno expressa-se a partir da maneira como ele relaciona-se com ele próprio e com os outros e também a partir do modo como ele percebe este momento que tem um caráter fictício e representativo.

Sobre as peculiaridades desta relação do sujeito com o momento do jogo, algumas considerações de Jean Pierre Ryngaert, relativas à prática do jogo dramático5, podem ser relevantes. Para ele (2009, pp. 198-9), a importância da situação experimentada pelo jogador6 está ligada à percepção dessa situação e revela a maneira como o imaginário conjuga-se com o presente: “as práticas de improvisação absorvem como uma esponja a realidade imediata e constroem um referente a partir da experiência instantânea dos jogadores e de sua percepção da situação”.

O presente intervém nas escolhas ficcionais, tem um peso sobre o desenvolvimento da improvisação. O sentido surge de elementos imediatos do aqui-agora experimentados no momento em que se inicia a ficção. Para Ryngaert (p. 196), as considerações do sentido fazem parte do aprendizado dos jogadores, mesmo quando elas não passam pela fala e pela análise. No âmbito desta pesquisa, sentido é entendido pelas suas relações com a percepção. O sentido nasce da percepção – de um texto, uma fala ou um discurso, um gesto, uma ação, um objeto etc. – e estrutura significados; o significado estaria na dimensão da análise, da reflexão7.

Se o presente ou a realidade imediata tem um peso sobre o desenvolvimento da improvisação, o momento fictício, em sua duração, torna-se real pelo jogo, pelos

5 O jogo dramático, tal como proposto em sua origem e tradição francesa, é uma atividade teatral

realizada em grupo. Nesta atividade, o indivíduo elabora, por si e com os outros, criações cênicas sem, no entanto, perder o prazer próprio ao jogo espontâneo, almejando a capacidade dos jogadores em conquistar, analisar, emitir e organizar um discurso cênico (Desgranges, 2006, pp. 94-5). Algumas considerações de Ryngaert, relativas ao sentido do jogo nessa atividade teatral, são, aqui, aproximadas da maneira como a improvisação processa-se no drama, ou seja, na dimensão da improvisação tal como proposta por O’Neill.

6 No drama, o termo jogador estaria relacionado ao participante ou atuante do processo, ao aluno que

assume papéis diante das situações propostas dentro do contexto de ficção.

7 Considerações mais amplas sobre esta questão de sentido e significado e a sua relação com a

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sentidos que surgem e pelos significados que serão atribuídos. No jogo entre subjetividade e ficção pode haver ressonância entre os contextos ficcional e real e a consequente ativação da memória8.

A ativação dos resíduos da memória é uma condição fundamental para o processo da experiência. O devir das particularidades do sujeito gera um presente denso que torna possível a experiência através da atividade artística. Neste sentido, em quais espaços e esferas a experiência estética pode ocorrer? Ela seria possível de acontecer no âmbito escolar?

2.1.1.1 A experiência estética na escola

Pretendemos aqui, introduzir algumas ideias com o objetivo de estabelecer um diálogo com o ensino do teatro na escola, tendo a prática do drama como eixo norteador deste diálogo e como um meio de possibilitar experiências com a atividade teatral no âmbito escolar.

A origem e o desenvolvimento do drama, no contexto educacional inglês, seguiu uma tradição que dependeu fundamentalmente de uma filosofia educacional aliada à presença do teatro na escola. Harriet Finlay-Johnson e Henry Caldwell Cook9, por exemplo, professores considerados pioneiros na atividade do drama, eram partidários da educação progressista defendida pelo filósofo e educador John Dewey. Os princípios que constituíam as bases para o pensamento da educação progressista eram a ação, a liberdade, a individualidade e a autonomia do aprendiz; e a educação progressista, nesta perspectiva, não consistia um meio, mas um fim em si mesmo: é no fazer que se educa. Dentre os aspectos da proposta educativa dos pioneiros do drama, que dialogam com os princípios da filosofia educacional

8 A influência da memória no processo da experiência será analisada em detalhes no final deste

capítulo.

9 Harriet Finlay Johnson (1871-1956) iniciou suas atividades com o drama em 1897 como diretora e

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progressista defendida por Dewey, destacam-se: a aprendizagem ativa e vivencial; a responsabilidade democrática; e o conceito de parceria professor-aluno no processo de ensino e aprendizagem (Hitotuzi, 2010, p. 63).

A discussão sobre a importância e o valor das atividades artísticas no processo educacional foi um dos fatores que deram consistência ao desenvolvimento de metodologias nas primeiras décadas do século XX, que, mais tarde, consolidaram o que, hoje, é conhecido como drama na educação, process drama, ou simplesmente, drama.

Para Tadek Lewicki (1996, p. 19), as metodologias de ensino e aprendizado que usaram elementos das artes, ou que foram baseadas em atividades artísticas, foram comumente vistas como pioneiras e progressivas. Nesta perspectiva, muitos professores do ensino fundamental adotaram o drama como metodologia de ensino em suas aulas. Isso ocorreu, aponta Lewicki, principalmente pela identificação do drama, por parte de seus praticantes, como uma eficaz ferramenta de ensino-aprendizagem.

Aqui, consideramos importante destacar o potencial pedagógico do drama considerando a sua origem artística. A conexão entre arte e educação está relacionada às próprias características da atividade que permitem a criação de situações ficcionais utilizadas como pretexto para introduzir o aluno a uma série de temas diferentes, seja histórico, político, científico, ou artístico. Essas condições, segundo McGregor (2003), possibilitariam ao aluno investigar e expressar ideias, relações sociais e um número ilimitado de funções hipotéticas e atitudes no plano simbólico, a partir do conhecimento que tem de si e de seus pontos de vista.

Esta consideracão de McGregor, assim como a de outros pesquisadores e praticantes ingleses de drama, pode soar um tanto utópica se pensada em relação ao contexto educacional brasileiro. Em nosso país, como será discutido em seguida, os avanços no campo da pedagogia teatral confrontam-se com a dificuldade de articular o processo de ensino-aprendizagem do teatro na escola, principalmente na rede pública de ensino, por várias razões.

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silêncio é importante; e a produção sonora necessária à composição artística cênica acaba sendo vista como um elemento nocivo no já conturbado ambiente escolar. Os professores têm de lidar também com a indisposição, a incompreensão ou a intolerância de diretores e coordenadores pedagógicos em relação à arte no currículo e com a falta de material didático, fatores que, somados à desvalorização da profissão docente, acabam reduzindo os investimentos do professor para promover a aprendizagem (Farias, 2010, pp. 23-6).

Nesta discussão, é necessário levar em conta a rede pública de ensino, pois, segundo Farias (p. 27), a escola pública ainda é o lugar onde a população menos contemplada com os bens econômicos, materiais e culturais pode encontrar referências significativas. Uma política pública de ensino que considere diferentes espaços e sistemas de aprendizagem (caminhadas ecológicas, visitas constantes a museus e outras instituições artísticas, estímulo adequado à atividade física e prática de esportes, incentivo à leitura e a frequentar bibliotecas etc.) poderia resultar na configuração da escola como polo cultural. Além dos ganhos intelectuais em várias áreas de conhecimento, a escola constituiria, assim, uma rede pronta para a efetivação de políticas culturais e de dinamização e fruição da criação artística. No que tange ao aperfeiçoamento organizacional e curricular do ensino, Farias aponta a inclusão da arte como um dos fatores importantes para este aperfeiçoamento.

É nesta perspectiva que convidamos o leitor a observar as diferenças entre os contextos educacionais brasileiro e inglês com o objetivo de refletir acerca da efetividade do teatro como método de ensino-aprendizagem. A questão não envolve apenas satisfação salarial dos professores, tempo e espaço adequados para preparação e realização das aulas, turmas com número apropriado de alunos, aperfeiçoamento profissional, mas também, e principalmente, uma política educacional adequada em torno da presença do teatro na escola.

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Se, por um lado, a licenciatura em educação artística polivalente não mais se justifica, perdendo espaço para licenciaturas específicas (artes cênicas, música e artes visuais) que privilegiam tanto a formação artística quanto pedagógica; por outro lado, salvo em algumas excessões, no âmbito curricular, a disciplina que consta na grade curricular não é artes cênicas, ou música ou artes visuais, mas artes. Isso leva o professor egresso de uma licenciatura específica a ter que trabalhar com conteúdos que fogem ao seu domínio e conhecimento, por uma questão de formação.

A falta de uma política educacional que assegure melhorias no ensino do teatro faz com que os professores muitas vezes optem pela realização de atividades na sala de aula que não são coerentes com os princípios da linguagem teatral. Beatriz Cabral (2008, p. 44) aponta algumas destas atividades que acabam por estabelecer uma rotina e fazem com que o processo de ensino-aprendizagem afaste-se da reflexão teórica e prática:

aquecimento sem relação com a aula propriamente dita, improvisação sem contextualização, atividades que não introduzem conhecimentos específicos em teatro (dinâmicas de grupo que tendem a se constituir como a aula em si), tarefas ou trabalhos em grupo sem o input do professor, falta de concepção cênica que direcione o processo, aulas baseadas em ‘uma novidade para cada encontro’ – o jogo do dia, baixas expectativas quanto ao trabalho a ser desenvolvido, bareteamento dos resultados – aceitação dos produtos apresentados sejam eles quais forem.

Seria possível conduzir, na escola, um processo de ensino-aprendizado coerente com os princípios da linguagem teatral? Toda esta problemática é, aqui, ressaltada com o objetivo de suscitar uma reflexão também acerca do papel do professor. Infelizmente, é necessário constatar que o seu desempenho está bastante relacionado com uma necessidade de enfrentar dificuldades para conseguir desenvolver um trabalho com qualidade estética no âmbito escolar.

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Neste sentido, o drama, ao comtemplar o fazer, o apreciar e o contextualizar, três aspectos propostos pelo PCN/artes (Parâmetros Nacionais Curriculares)10 que norteiam o aprendizado, surge como uma alternativa. A associação entre a prática do drama e os conteúdos de outras disciplinas, inclusive, pode proporcionar que o conhecimento seja transmitido não apenas verbal e conceitualmente, mas também que ele seja experimentado pelo aluno, através de símbolos e imagens significativas que podem ser fundamentais para o processo de aprendizado.

Um determinado conteúdo de história ou geografia, por exemplo, pode ser o ponto de partida para um processo que envolve a investigação de mapas e documentos antigos; um processo sobre a exploração de cavernas pode levantar uma série de questões a serem investigadas relativas ao meio ambiente e ao campo das ciências, além de gerar temas que podem ser trabalhados em outras disciplinas11. A peculiaridade da investigação ativa por meio da atividade dramática é vista pelo seu potencial de promover o envolvimento do aluno com o processo de aprendizagem. As convenções e técnicas teatrais utilizadas representam meios de desenvolver a percepção das formas teatrais paralelamente à compreensão dos conteúdos trabalhados através do teatro. A importância do papel do teatro na aprendizagem, em seu sentido mais amplo, é assim constatada e é nesta perspectiva que Cabral (2006, p. 11) pontua que o drama oferece ao indivíduo a oportunidade de definir e clarificar a sua própria cultura. Para a autora, o potencial estético do teatro na educação está na utilização das formas artísticas. A exploração da dimensão estética gera o envolvimento emocional que potencializa a busca e a construção do conhecimento.

2.1.1.2 O potencial (trans)formador da experiência

Flávio Desgranges (2006, p. 20) avalia que a ação educativa proposta pela experiência teatral pode ser compreendida como uma provocação dialógica. Neste sentido, ele considera que o espectador, ou atuante, ou participante, ou jogador, a partir de variados contextos e procedimentos pode ser estimulado a efetivar um ato

10 (Laranjeira apud Vidor, 2010, p. 10).

11 Em Drama como método de ensino, Cabral apresenta uma série de estruturas e processos

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produtivo, elaborando, reflexivamente, conhecimentos, tanto sobre o próprio fazer artístico-teatral, quanto acerca de aspectos relevantes da vida social.

A construção de distintos contextos ficcionais traz a possibilidade de estar dentro e entre diferentes lugares, onde é possível contextualizar ou re-experimentar relações entre nós e os outros: outras pessoas, histórias, práticas e realidades. A dimensão estética é potencializada pela inserção das formas artísticas que viabilizam a ampliação do olhar e da percepção, podendo promover uma quebra nos padrões de comportamento. Mas, para tanto, é necessário que a atividade seja significativa: “se o fazer artístico for significativo, e tiver ressonância com os interesses e preocupações dos participantes causará impacto e provavelmente mudanças de percepção; caso contrário, será um desserviço à causa a que se propõe” (Cabral, 2012a)12.

O impacto está relacionado ao reconhecimento estético, à quantidade e à qualidade do material fornecido e à significância das situações ficcionais para os envolvidos. Sob tal ótica, o papel do professor está ligado à construção de circunstâncias dramáticas que sejam convincentes tanto no tratamento do tema quanto na ambientação e nos papéis selecionados; assim como à introdução de materiais artisticamente relevantes que proporcionem o envolvimento do aluno. A criação de um espaço que favoreça a imersão e o engajamento emocional pode proporcionar uma experiência capaz de provocar mudanças na visão de mundo e de perspectivas. Para Cabral (2012), se a cultura e o teatro atingem o emocional e o racional, o engajamento contínuo do indivíduo com atividades culturais e artísticas contribui para a quebra e a mudança de habitus, uma vez que a expressão artística imprime mobilidade de significados, impulsionando novas interpretações.

Conforme teoria proposta por Pierre Bourdieu, a noção de habitus 13 condiciona as atitudes individuais no meio social. É um sistema de regimes consciente e inconsciente adquirido no processo de socialização do indivíduo, que é constituído por esquemas de percepção, apropriação e ação que são experimentados e postos em prática de acordo com condições específicas da existência. Embora esse sistema seja engendrado no passado e orientado para uma

12 Esta referência de Cabral, ano 2012, é utilizada, neste trabalho, sem a informação do número de

página. A fonte, Revista Sala Preta on-line, disponibiliza os textos em uma única e longa página a ser rolada pelo internauta.

13 Aqui, utilizamos a interpretação da teoria concebida por Bourdieu, elaborada por Maria da Graça

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ação no presente, ele está em constante reformulação. Neste sentido, o habitus como reiteração de discursos e ações pode mudar, fato que Pierre Bourdieu considera como decorrente de experiências individuais ou coletivas.

Uma experiência, quando significativa, pode criar novas disposições para pensar e agir pela mobilidade de significados e, neste particular, o teatro pode ser um campo privilegiado, pois lida com comportamentos, contextos e vivências sociais distintas. A mobilidade de interpretação, no âmbito da pedagogia teatral, é vista como a possibilidade de transitar em diferentes espaços, tempos, situações e condições como forma de conhecimento, como forma de modificar o olhar e a percepção.

Ao se instaurar a partir de criação de uma realidade cênica, a experiência teatral, aqui entendida como experiência estética, transporta o olhar [e outras formas perceptivas] para uma nova dimensão, diferente da habitual, o que lhe permite romper com uma visão pré-determinada e estabelecida da realidade. Neste movimento de deslocamento do olhar [...], o aluno passa a ver o mundo e a si próprio com outros olhos, ampliando o seu campo de experimentação criativa da realidade (Soares, 2009, p. 41).

A mobilidade de significação pode ocorrer através do exercício e da fruição da cena com o acúmulo das funções de ator e espectador, e também pela possibilidade de construção de narrativas em âmbito coletivo, abrindo espaço para a expressão e a observação das impressões individuais. A conexão com a dimensão estética está na relação dinâmica e singular do indivíduo com os elementos do ato da criação, o conteúdo e a forma. Nesta perspectiva, o teatro como processo investigativo ou de criação, ao estabelecer interações entre subjetividades, forma e conteúdo, pode promover a ampliação de configurações sensíveis, operando um deslocamento necessário à reflexão e à transformação.

Para tanto, é necessário que haja engajamento com a atividade. O engajamento do participante depende de um ambiente que favoreça a sua imersão no contexto e nos processos investigativos da narrativa. A imersão potencializa a experiência e gera o envolvimento emocional que favorece o surgimento de novos modos de sentir e novas formas de subjetividade.

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Em que medida o aprendizado do teatro pode proporcionar e desenvolver a educação estética? De que maneira a educação estética cumpre o seu papel proporcionando ao aluno a oportunidade de conhecer-se na relação com o outro e com o mundo de maneira integrada, participativa e criativa? Promover uma prática pedagógica fundamentada na relação sensível do aluno com o seu entorno e com o outro é possível através do envolvimento com a aula, a oficina, o contexto, a situação. Neste sentido, o estudo da imersão é uma questão central para uma experiência estética significativa.

O estar em diferentes contextos e circunstâncias, experimentar e viver novas relações é possível através da imersão. Quanto mais elaborado é o ambiente de imersão, melhor pode ser a participação e a atuação. No entanto, o grau de envolvimento em um grupo de trabalho ocorre em diferentes níveis, pode diluir-se ao longo do processo, ou simplesmente pode não ocorrer. Esta perspectiva confronta-se com a função e o deconfronta-sempenho do professor; e diante de uma situação como esta, o que poderia ser feito? Quais alternativas e recursos podem ser utilizados para proporcionar ao participante um mergulho nos processos de investigação, permitindo uma experiência que seja significativa para o sujeito?

Ao investigar imersão e interatividade em contextos ficcionais e a sua intensificação nos meios eletrônico-digitais, Janet Murray (2003, p. 101) afirma que uma narrativa excitante, em qualquer meio, pode ser experimentada como uma realidade virtual porque nossos cérebros estão programados para sintonizar nas histórias com uma intensidade tal que pode obliterar o mundo à nossa volta.

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de predisposição natural para interagir com histórias, com situações e contextos virtuais na tentativa de aproximar e envolver o participante com a atividade. A criação e a sustentação de realidades virtuais é uma premissa que faz do drama um espaço privilegiado para a imersão.

A situação de ser transportado para um lugar simulado é prazerosa em si, independente do conteúdo da fantasia, afirma Murray (p. 102), pois gostamos de sair do nosso mundo familiar, do sentido de vigilância que surge quando estamos neste lugar novo, e do deleite que é aprendermos a nos movimentar dentro dele. Assim entendida, imersão corresponde a estar envolvido por uma realidade outra que se apodera de nossa atenção e de nosso sistema sensorial; corresponde interação com essa outra realidade.

Em um meio participativo, imersão significa aprender a fazer coisas que esse novo ambiente torna possível, logo imersão implica interatividade nesse outro lugar. Estar imerso no ambiente e nas situações ficcionais corresponde a explorar as relações emergentes, a responder às topografias perceptuais, cognitivas e informativas que estão em movimento, de acordo com as regras e as possibilidades do mundo ficcional criado. Estar imerso significa ter presença no ambiente virtual, ter iniciativa e interesse, relacionar-se com propostas e ideias, operar dentro daquele contexto, agir.

Murray (p. 127), ao desenvolver o conceito de agência para ambientes imersivos, ressalta que quanto melhor resolvido é o ambiente de imersão, mais ativos desejamos ser dentro dele e maior é o sentido de agência. Agência, para a autora, é a capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas. Quando as tarefas que realizamos e as coisas que fazemos trazem resultados tangíveis, experimentamos o prazer de estar imerso em um ambiente, o prazer de agir.

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fragmentos textuais promoveria um desdobramento do sentido de agência para atuação? Se imersão implica fazer coisas que o ambiente imersivo torna possível, na perspectiva de contato sensorial com uma série de elementos e estímulos, o participante é provocado a realizar uma composição, a agir no fluxo entre estes diversos elementos, descobrindo e criando conexões, promovendo uma relação dinâmica entre eles, atribuindo-lhes sentido, falando a partir deles e construindo intertextualidades.

Assim, a atuação no drama parte de um sentido de agência e interação com distintas materialidades14 que favorecem e que são partes elementares do processo criativo. O processo de criação implica manipulação e organização de materialidades específicas do fenômeno teatral. O texto, o espaço, os objetos cênicos, o som, a luz, os figurinos, a ação, o gesto, o papel/personagem, o corpo, as situações, os conteúdos etc. são organizados de forma ativa e dinâmica em uma estrutura significante. A atuação está relacionada com a experimentação de estímulos disponibilizados no ambiente imersivo, com o envolvimento sensorial e com o engajamento na realização de atividades neste outro ambiente15.

No entanto, antes de experimentar e agir é necessário aceitar, como verdadeiras, as premissas do trabalho de ficção, é necessário deixar-se levar pela situação, estar vulnerável para ser tomado por ela. Desta forma, o atuante pode passar por uma experiência, por um acontecimento que mobiliza os seus sentidos e que se transforma em algo que lhe é significativo, no aqui-agora da situação que está sendo explorada, no instante da criação.

Neste sentido, a interação com realidades virtuais pode proporcionar acesso às emoções, pensamentos e condutas nem sempre presentes em nosso cotidiano, mas que são dotadas de uma carga simbólica capaz de despertar no atuante o

14 Fayga Ostrower, ao analisar as relações entre a natureza da linguagem artística e a especificidade

da matéria nos processos criativos, esclarece que a materialidade não é um fato meramente físico, mesmo quando a sua matéria ainda o é. As materialidades colocam-se num plano simbólico para o homem e, por meio de suas ordenações possíveis, o homem comunica-se. Nessas ordenações, a existência da matéria é percebida num sentido novo, como realização de potencialidades latentes, tanto da matéria como nossas, configurando um relacionamento nosso com os meios e conosco mesmo (Ostrower, 2001, pp. 33-4).

15 A partir destas considerações, no desenrolar deste trabalho, utilizaremos o termo atuação na

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conhecimento de si mesmo e do meio em que vive. Para tanto é preciso cruzar fronteiras, constantemente, transitar entre ficção e a realidade.

2.1.2.1 Cruzando fronteiras: Imersão VS Distanciamento crítico

As narrativas são objetos liminares, situados em uma zona fronteiriça entre uma realidade externa, que é construída ficcionalmente, e nossas próprias mentes. De acordo com Murray (2003, p. 103), as narrativas oferecem-nos a segurança de alguma coisa exterior a nós mesmos (pois, foi criada por uma outra pessoa), mas sobre a qual podemos projetar nossos sentimentos.

O contexto de ficção do drama opera neste limite, a narrativa teatral possui esta característica liminar, de ser um mundo externo que é fabricado, mas que se torna real pelas sensações, emoções e pensamentos que advém de estarmos envolvidos por ele. O que é real no universo ficcional não está lá, mas é dado, paradoxalmente pela imersão nele. O medo, a raiva, um sentimento de compaixão ou de ternura evocados por uma história não estão necessariamente presentes nessa história, mas surgem através de nosso envolvimento com ela. As sensações e as emoções conferem realidade, fazem com que o mundo virtual torne-se, por alguns instantes, real, caracterizando a experiência imersiva.

A partir destas considerações, constatamos que a elaboração de um contexto ou de um ambiente de trabalho potencialmente imersivo está ligado a estimular o participante no sentido de provocar sensações, emoções e pensamentos que são reais, mas que surgem de circunstâncias ficcionais. É neste sentido que a ênfase no sensorial pode ser entendida como uma qualidade que favorece a imersão.

A premissa é procurar envolver os integrantes do grupo com propostas, situações e formas artísticas que estimulem o imaginário16. O jogo interativo com formas e conteúdos leva o participante a reagir pela ocorrência de estados sensíveis e ideias que possibilitam que o virtual se adense, torne-se palpável. As emoções

16 O imaginário pode ser conceituado como a fonte de todo o simbólico, como um sistema de

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despertadas tornam o mundo virtual, real, no instante da criação, e esta possibilidade indica uma experiência, indica algo que acontece a cada sujeito, que o toca.

No processo de construção de uma narrativa, o diálogo com as circunstâncias, a qualidade do envolvimento com objetos cênicos, fragmentos textuais e com informações fornecidas é particular a cada sujeito participante. Nesta perspectiva, ocorre ressonância entre o contexto ficcional e o contexto real, este enquanto história, identidade do sujeito e memórias.

Ryngaert (p. 89), ao avaliar a improvisação como uma instância de relacionamento entre sujeito e objeto, chama a atenção para a questão da instrução ou contribuição exterior no sentido de não restringir o processo da improvisação à livre expressão e espontaneidade do indivíduo. Para ele, faz-se necessário pensar a improvisação como uma prática que admite que seus conteúdos passam por subjetividades que os iluminam diferentemente. A questão colocada diz respeito à improvisação como um momento de confronto entre uma subjetividade assumida como tal e elementos objetivos. Estas considerações parecem-nos bastante apropriadas de serem associadas à maneira como a improvisação procede no drama. Dentro de um processo dramático, a improvisação só adquire todo o seu sentido num determinado contexto e dentro da proposta do professor; ela é sempre sustentada por condições e materiais diretamente ligados ou originados do contexto. Neste sentido, o jogo de interação entre a subjetividade do aluno e as opções e as propostas do professor é fundamental para que as situações dramáticas sejam investigadas e a narrativa construída.

De acordo com Ryngaert:

A improvisação me interessa como o lugar do encontro de um objeto estrangeiro, exterior ao jogador com o imaginário deste. Ela provoca o sujeito a reagir, seja no interior da proposta que lhe é feita, seja em torno da proposta, explorando amplamente a zona que se desenha para ele, segundo o modo como sua imaginação é convocada. Não se trata de criar uma hierarquia, salientando que o objeto exterior (trate-se de uma situação, de um espaço, de um texto, de uma música) tem mais ou menos importância do que a imaginação do improvisador, ou que o sujeito fará aparecer sentidos totalmente inovadores durante a experiência. Aposta-se, antes de mais nada na

confrontação entre uma proposta e o sujeito num determinado momento de sua experiência (Ryngaert, 2009, p. 90-1).

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reflexão leva-nos a pensar novamente sobre a importância do papel do professor em criar um espaço que seja fértil em provocar o sujeito, em criar momentos, situações e condições que façam vir à tona as particularidades do sujeito, favorecendo a ocorrência de experiências. A provocação leva ao confronto e a experiência surge desse momento de confronto entre o sujeito, as condições ficcionais e os materiais introduzidos para a construção da narrativa. Provocação e confronto, assim sendo, podem ser traduzidos como um deslocamento constante entre as fronteiras da ficção e da realidade, onde o devir de memórias da dimensão pessoal contribui para os processos de construção de narrativas.

O devir de memórias promove o distanciamento necessário às ações da experiência. Esse desvio do campo virtual traz a possibilidade de contextualização e investigação de uma realidade imanente, a nossa própria realidade; de uma realidade desconhecida, por ironia, nossa própria realidade.

Ao tratar da questão da experiência, Walter Benjamin (1994a, 1994b) e, posteriormente, outros filósofos, como Jorge Larrosa (2002) e Giorgio Agamben (2008), são unânimes em afirmá-la como aquilo que não se sabe, mas que, por contradição, integra o sujeito. Benjamin (1994c) talvez tenha sido o primeiro a falar da metamorfose da percepção devido ao impacto da tecnologia e, por conseguinte, propor a ideia de refuncionalização da arte17 e a sua transformação em um instrumento de acesso a esse mundo. Na proposta benjaminiana, a arte pode ser não propriamente um caminho, mas uma trilha para experiências de acesso a nós mesmos e ao mundo em que vivemos. Através da arte, podemos empreender uma análise crítico-reflexiva e sensibilizar-nos a lançar um olhar renovado para a vida lá fora. A experiência, como algo que é desconhecido, acontece e revela-se pelo percurso de rastros ou vestígios do passado que orientam sensivelmente a direção rumo ao presente e ao futuro.

17 Laymert Garcia dos Santos, em Modernidade, pós-modernidade e metamorfose da percepção

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A memória, aqui, tem um papel de destaque. Vista como o elemento de interlocução neste processo de leitura do mundo, ela pode ser pensada como um elemento deflagrador de experiências no âmbito do ensino do teatro, na medida em que se torna o substrato para a leitura do contexto e das situações, para as ressignificações das materialidades e para as ações e atitudes dos alunos em resposta às circunstâncias dadas. O mergulho no jogo da linguagem teatral implica manipulação dos variados signos que compõem o discurso cênico em ressonância com os registros mnêmicos.

O mergulho na corrente viva da linguagem acende também a vontade de lançar um olhar interpretativo para a vida, exercitando a capacidade de compreendê-la de maneira própria. Podemos conceber, assim, que a tomada de consciência se efetiva como leitura de mundo. Apropriar-se da linguagem é ganhar condições para esta leitura (Desgranges (2006, p. 23).

Diante do exposto, a imersão pode ser pensada na perspectiva de processos de tensão entre envolvimento e distanciamento. Estar envolvido pelo ambiente ficcional requer suspender a descrença e deixar-se levar pelas condições ficcionais propostas. Requer também atenção a tudo que ali acontece, requer saber o porquê dos acontecimentos, requer questionamento. Quando Madame Irma e seu assistente Gérard, por exemplo, interrompem uma noitada no Balcão para dar a notícia de que a casa foi sitiada pelos revolucionários, os clientes são desafiados a enfrentar um problema que é a impossibilidade de sair dali. O que fazer diante de tal fato?18 Uma situação como esta gera discussão, confronto de ideias e dá margem a distintas interpretações. Neste sentido, estar envolvido e imerso implica também encontrar saídas e soluções, exige juízo de valor e posicionamento, o que revela o distanciamento crítico-reflexivo.

A questão do distanciamento pode ser analisada no drama pela própria especificidade do processo ou pela maneira como ele é desenvolvido, o que aponta para a presença de um conflito como estopim para o desenrolar das situações, para o papel do professor como mediador e para a dupla função exercida pelo participante, de atuante e de espectador.

O conflito, ao gerar no participante a necessidade de posicionar-se ou resolver uma situação, leva a um desvio do virtual para o real, permitindo a incorporação da dimensão pessoal na construção da narrativa. O trânsito entre os

18“O Balcão” foi um dos processos de drama realizados nesta pesquisa; será descrito em maiores

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contextos virtual e real permite ao participante atualizar as condições e circunstâncias propostas pela ficção para questões que lhes sejam significativas. Para Cabral (2007, p. 49), a apropriação dos conteúdos do drama traz a possibilidade de refletir sobre seus significados ocultos, padrões de comportamento e aspectos da identidade.

O papel do professor face à questão do distanciamento está relacionado com a sua intervenção ao longo do processo: ao propor novas ações dentro de uma mesma situação; ao direcionar o foco para determinadas opções dos atuantes e questioná-las; e ao identificar e selecionar aspectos do texto em construção que tenham ressonância com o contexto real dos participantes. Sobre esta consideração ressoam as características da abordagem de drama praticada por Dorothy Heathcote. A interferência e a mediação, características fundamentais de seu trabalho, tinham por objetivo a compreensão do aluno sobre questões em foco e a comunicação do entendimento.

Na prática desta professora e pesquisadora, existia um espaço para que as experiências dos alunos pudessem ser não apenas inseridas, mas também questionadas, intensificando a dimensão crítica. O seu método dialético de trabalho era caracterizado pelo processo contínuo de introdução e atualização de conteúdos através das convenções teatrais e da intervenção do professor dentro de enquadramentos dramáticos (Cabral, 1996, p. 215). Aquilo que os alunos diziam ou mostravam era questionado através da introdução de novas convenções: confrontos espaciais, signos visuais de linguagem (cartões, posters, banners, rótulos, manchetes), troca de enquadramentos e papéis, foco no gesto. Estes elementos introduzidos traziam aspectos do conteúdo que ainda não haviam sido considerados.

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O estilo de mediação de Heathcote fornece pistas para o entendimento do modo como o distanciamento processa-se no drama. A intervenção, caracterizada em desafiar o participante através do estabelecimento de novas perspectivas e enquadramentos, impulsiona a busca por significados através da reflexão crítica. A sua abordagem dialética promovia um processo contínuo de ampliação e aperfeiçoamento da percepção dos alunos sobre as questões investigadas.

Finalmente, o distanciamento pode ser observado na condição dada ao participante de assumir a dupla realidade de atuante e espectador. Essa condição, que perpassa todo o processo, pode ocorrer de duas maneiras: simultaneamente – na perspectiva do self spectator ou espectador de si mesmo, que, segundo Cabral (2009a, p. 39), foi proposta por Gavin Bolton; ou alternadamente – quando os participantes revezam-se entre observadores e atuantes.

A ideia de self spectator, que aponta para um espectador implícito, é vista como uma contribuição para manter o envolvimento com o processo dramático evitando a separação entre ação e reflexão. Esta ideia – baseada na noção de percipiente, forjada por Bolton através da combinação de participante e espectador – serve para designar o participante ativamente engajado naquilo que ele observa enquanto responsável por criar a cena e apresentá-la. Desta forma, o papel de espectador é desempenhado em ação, sem interromper o processo, em que o atuante é espectador de si mesmo e de suas ações. Para O’Neill, se sairmos completamente da ação para iniciar a reflexão, podemos descobrir que não há nada lá para ser refletido. Neste sentido, o estado mental de ser espectador deve estar presente no fazer (Cabral, 2009, pp. 38-9).

A condição de observador também é desempenhada na dinâmica do trabalho quando o coordenador determina o grupo que está com o foco da cena e o grupo dos observadores. Este foco pode variar bastante, sendo que, normalmente, não existe uma delimitação definitiva de quando se atua e quando se observa. Conforme Vidor (2010, p. 33), a questão do envolvimento do aluno no processo aproxima-se a este encontro com algo que lhe chama a atenção e lhe estimula como apreciador, ao mesmo tempo em que o encoraja a atuar. O fato de o professor assumir personagens amplia a oportunidade de o aluno ocupar o seu lugar de espectador, além de funcionar como um estímulo à ação.

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promover experiências com o drama no âmbito do ensino do teatro e também da ação cultural. Em outras palavras, de que maneira o artista-pedagogo pode proporcionar a imersão e o envolvimento sensível em processos de aprendizagem teatral e ao mesmo tempo o distanciamento crítico-reflexivo? Essas investigações serão descritas mais adiante. Ainda neste capítulo, pretendo aproximar os conceitos de experiência e memória na tentativa de formular uma base teórica para estas investigações e também para o que já foi colocado nos termos da experiência estética e da imersão.

2.2 PARTE 2 EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA

2.2.1 Experiência

2.2.1.1 Por uma pedagogia do sensível

Para definir experiência, Jorge Larrosa Bondía (2002), no texto Notas sobre a experiência e o saber de experiência, faz um jogo com palavras de várias línguas chamando atenção para a potência das palavras, procurando valorizar o significado e o sentido que elas possuem e podem evocar:

Poderíamos dizer, de início, que a experiência é, em espanhol, ’o que nos passa’. Em português se diria que a experiência é ’o que nos acontece’; em francês a experiência seria ’ce que nous arrive’; em italiano, ’quello che nos succede’ ou ’quello che nos accade’; em inglês, ’that what is happening to us’; em alemão, ’was mir passiert’” (Larrosa, 2002, p. 21).

Referências

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