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Revista
Brasileira
de
CIÊNCIAS
DO
ESPORTE
ARTIGO
ORIGINAL
‘‘Educac
¸ão
do
corpo’’
e
campo
científico:
da
fluidez
do
conhecimento
às
lutas
simbólicas
Guilherme
Gonc
¸alves
Baptista
a,∗,
Pedro
Henrique
Zubcich
Caiado
de
Castro
ae
Sílvia
Maria
Agatti
Lüdorf
baUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,FaculdadedeEducac¸ão,NúcleodeEstudosSociocorporaisePedagógicosemEducac¸ão
FísicaeEsportes(Nespefe),RiodeJaneiro,RJ,Brasil
bUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,NúcleodeEstudosSociocorporaisePedagógicosemEducac¸ãoFísicaeEsportes
(Nespefe),DepartamentodeGinástica,RiodeJaneiro,RJ,Brasil
Recebidoem3dejunhode2016;aceitoem24dejulhode2017 DisponívelnaInternetem7deoutubrode2017
PALAVRAS-CHAVE
Educac¸ãofísica; Corpohumano; Ciênciashumanas; Fronteirasdo conhecimento
Resumo Oartigoobjetivouidentificarosautoresqueusamotermo‘‘educac¸ãodocorpo’’no campocientíficobrasileiroeasáreasdeconhecimentoemqueestãoinseridospara compre-enderas‘‘regrasdojogo’’easlutasconcorrenciaisemtornodatemática.Mediantepesquisa documental,foramanalisados46artigoscientíficos.Detectou-sequetrêsdosquatros pesqui-sadoresmaisrepresentativosnonúmerodetrabalhossãobolsistasdeproduc¸ãoempesquisa pelaCNPq;asprincipaisáreasdeinvestigac¸ãoforameducac¸ãoeeducac¸ãofísica;eamaioria dosautorestemformac¸ãoemeducac¸ãofísica,indicaqueosdebatessobreatemáticaprovêm, sobretudo,dessaáreae,também,apossibilidadedemigrac¸ãodossujeitoscompermanência da‘‘autoridadecientífica’’paraoutrasáreas.
©2017Col´egioBrasileirodeCiˆenciasdoEsporte.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Este ´e umartigoOpenAccesssobumalicenc¸aCCBY-NC-ND(http://creativecommons.org/licenses/
by-nc-nd/4.0/).
KEYWORDS
Physicaleducation; Humanbody; Humanities; Bordersofthe knowledge
‘‘Bodyeducation’’andscientificfield:ofthefluidityoftheknowledgetothesymbolic contests
Abstract Thepaperaimedtoidentify theauthorswho usetheterm ‘‘bodyeducation’’in theBrazilian scientificfieldandtheareasofknowledgewheretheyareinsertedto unders-tandthe‘‘rulesofthegame’’andthecompetitivecontestsaroundthethematic.Througha documentalresearch,46paperswereanalysed.Itwasnotedthatthreeoffourresearchersmost
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:baptista.ufrj@yahoo.com.br(G.G.Baptista). http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2017.07.002
representativeinthenumberofpapersreceive‘‘ProductioninResearch’’furtherancebyCNPq; themainareasofinvestigationwereEducationandPhysicalEducation;andthemajorityofthe authorspossessesgraduationinPhysicalEducation,indicatingthatthedebatesonthethematic mainlycomefromthisareaandthepossibilityofmigrationoftheauthorswithpermanenceof ‘‘scientificauthority’’forotherareasalso.
©2017Col´egioBrasileirodeCiˆenciasdoEsporte.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Thisisan openaccessarticleundertheCCBY-NC-NDlicense(
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
PALABRASCLAVE
Educaciónfísica; Cuerpohumano; Humanidades; Fronterasdel conocimiento
‘‘Educacióndelcuerpo’’ycampocientífico:delafluidezdelconocimientoalasluchas simbólicas
Resumen Elartículotratódeidentificaralospartidariosdeltérmino«educacióndelcuerpo»
enelcampocientíficobrasile˜noylasáreasdelconocimientodondeseinsertanparaentender las«reglasdeljuego»y lasre˜nidas competenciasen tornoaltema. Medianteinvestigación
documental,seanalizaron46artículoscientíficos.Seencontróquetresdecadacuatroautores entrelosmásrepresentativosenelnúmerodetrabajossonbecariosdeProducciónen Investi-gaciónporlaCNPq;lasáreasprincipalesfueronEducaciónyEducaciónfísica,ylamayoríade autoresposeetitulacióneneducaciónfísica,loqueindicaquelasdiscusionessobreeltema procedenespecialmentedeestaáreay,también,laposibilidaddemigracióndeindividuoscon lapersistenciadela«autoridadcientífica»paraotrasáreas.
©2017Col´egioBrasileirodeCiˆenciasdoEsporte.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Estees unart´ıculoOpenAccessbajolalicenciaCCBY-NC-ND(http://creativecommons.org/licenses/
by-nc-nd/4.0/).
Introduc
¸ão
Aanáliseculturaléintrinsecamenteincompletae,oque é pior,quantomaisprofunda, menos completa.É uma ciênciaestranha,cujasafirmativasmaismarcantessãoas quetêmabasemaistrêmula,naqualchegaraqualquer lugarcomumassuntoenfocadoéintensificarasuspeita, asuaprópriaeadosoutros,dequevocênãoestá enca-randodemaneiracorreta.
(CliffordGeertz,2011,p.20)
Antropólogos, historiadores, sociólogos, educadores e artistas,entreoutrosespecialistas,estudamatualmenteas práticascorporais e suas representac¸õescomo intuito de compreender as civilizac¸ões do passado e as culturas do presente(Sant’Anna,2007).Noentanto,ocorpo1nem sem-pre foiunidadede análiseespecíficae alvo dediferentes domíniosdosaber.
Se antes era tratado fundamentalmente na intersec¸ão entre anatomia, fisiologia e tecnologia (Vieira, 2003), o corpo sofre alterac¸ões em seu status, de maneira mais intensa,apartirdosanos1970e1980nocenáriocientífico. Entreasexplicac¸õesparaessamudanc¸a,pode-sesublinhar
1Aqui,ocorpoestánosentidodemarcadoporSoares(1999)como oprimeiroplanodevisibilidadehumana,lugarprivilegiadodas mar-cas da cultura e espac¸o de imposic¸ãode limites psicológicos e sociais.Entende-sequeocorpoé‘‘territóriotantobiológicoquanto simbólico’’(Sant’Anna,2006,p.3).
opapeldosmovimentosculturaisduranteasegundametade doséculoXX,osquaisdenunciavamocorpocomovivênciae expressividadedeuminteriordesistemasculturais particu-lares(Porter,1992).ParaShilling(2005),oreconhecimento docorpocomo portador das relac¸ões depoderfoi funda-mentalparasuaemergêncianoâmbitocientíficonamedida em quepassou a constituirpontofulcral paraanálises de questõessocioculturais.
Essasalterac¸õesdo tratodo corpoevidenciaram novas temáticasdeestudoquesedisseminaramporgrandeparte dasciências humanas e sociais, requerendo e conjugando diferentesbasesteóricasparaestudosem tornodocorpo. ConformeLeBreton(2006),ocorpocomoobjetodeestudo exigeumolharmultidisciplinarparacompreensãodesuas inúmerasrepresentac¸ões.
Ao inseriro corpocomo unidade deanálise específica, osagentesdecadaáreaseapropriamdessecomlinguagens particulares.Anoc¸ãodecampo(Bourdieu,1976), especial-mentedecampocientífico,éfundamentalnessecontexto:
Alinhada à perspectiva bourdieusiana, Brandão (2010)
ressaltaqueasposic¸õesconquistadasnocamposão resultan-tesdasdisputasenegociac¸õesentreseusagentes---aqueles que conservam ou transformam as regras nesse universo. O campo científico, assim, designa um espac¸o relativa-menteautônomo,dotadodeleispróprias,emborapassívela influênciasexternas,sendoasrelac¸õesconcorrenciais esta-belecidasque definem osmaisou menoshabilitadospara proporalterac¸õesnas‘‘regrasdojogo’’(Bourdieu,2004).
Dessamaneira,ousodeexpressõesconstruídasemtorno docorpomanifesta, emcertoalcance,asdisputas concor-renciais e as negociac¸ões que o constituem como objeto deestudo,presentesemdiferentesdomíniosdosaber.Para
Fleck(2010),osconceitossãogeradosemdeterminado con-textohistóricoesuasobrevivência(ounão)dependedeseu usooucirculac¸ãopelacomunidadecientífica.Nessesentido, observam-seindíciosdeque‘‘educac¸ãodocorpo’’se cons-tituaem umconceito,conforme detectado emBaptista e Lüdorf(2016),emvirtudedeseuusocadavezmais recor-rentenouniversocientíficobrasileiro.Soares(1996,1998)
pode ser considerada uma das precursoras no uso desse termo,sendotambémresponsávelpelaexplicac¸ãodo ver-bete (Soares,2014) em dicionário específicodaeducac¸ão física.
Umprimeiroesforc¸oparacompreenderasformasdeuso doconceitofoifeitoporBaptistaeLüdorf(2016),que ana-lisaramossignificadosesentidosde‘‘educac¸ãodocorpo’’ na literatura acadêmica brasileira. Naquela oportunidade foramdetectadosdiferentessentidos atribuídos à expres-são,oquepoderiarepresentar,emcertograu,aspróprias lutassimbólicasdocampocientífico.
Entretanto,observa-seumalacunaemrelac¸ãoaestudos que possibilitem analisar como temocorrido a circulac¸ão desseconceito,bemcomoasrelac¸õesdepoderelutas sim-bólicasentre as diferentes áreas de conhecimento que o usam. Assim, a noc¸ão de capital (Bourdieu, 2011), como representac¸ãodeumpodersobredeterminadocampoem dadomomento,éfundamentalparaanalisarascondic¸õesde lutadospesquisadoresqueempregam‘‘educac¸ãodocorpo’’ eocontextoemtornodasdisputasconcorrenciaisnocampo científico.
O objetivo do presente estudo é, portanto, identificar osautoresque usamo conceitode‘‘educac¸ãodo corpo’’ nocampocientíficobrasileiroeasáreas deconhecimento em que estão inseridos, com intuito de compreender as ‘‘regrasdojogo’’ e aslutas concorrenciaisque compõem essecampo.
Métodos
Para atingir o propósito desta pesquisa, optou-se pela pesquisadocumental(LavilleeDionne,1999)combase prin-cipalmente em artigos científicos. É importante ressaltar quese priorizoua selec¸ãoapenas deartigospor conside-rarque o sistemapeerreviewadotadopelos periódicosé umfatorquequalificaomanuscritonouniversocientífico, emborasesaibaqueesseprocessonãoéneutronemisento daslutasdessecampo(MaiadaSilvaeSoriano,2014).Assim, buscou-seotermo‘‘educac¸ãodocorpo’’nasbasesdedados
SciELO, Scopusenoportal deevidências científicasBVS.2 Oacessoaessasbasessejustificapelofatodeseremtrês importantesfontesdeartigoscientíficosusadaspela comu-nidadeacadêmicabrasileira.
Oprimeirocritériodeselec¸ãodosartigosfoiofiltroda línguaportuguesa,devidoaocrescentenúmerodeadeptos desse termo noBrasil e pelo escopo de compreender seu usonesseespac¸o.Posteriormente,selecionaram-seartigos publicadosaté2015nointuitodeavaliaroquantitativode estudosporanosconcluídos.
Osdemaiscritériosdeselec¸ãoforam:a)permitiroacesso
onlineaotextonaíntegra;b)serartigooriginal,derevisão ouensaio;c)mencionarotermo‘‘educac¸ãodocorpo’’em seutítuloe/outexto,em procedimentofeitovia localiza-dordepalavrasdoprogramaAdobeReader;ed)exclusãode artigosrepetidos.Apósaselec¸ãodosartigoscientíficospelos critériosdescritos,foramcontabilizados46artigos científi-cospublicadosemdiversosperiódicosde2000a2015.Esse processopodeservistonafigura1.
Essesartigosforamsistematizadosemumaplanilhacom as seguintes informac¸ões: data de acesso, referência do texto, autor(es), área do autor principal,3 instituic¸ão do autor,anodapublicac¸ão,númerodeocorrênciasdotermo, revista da publicac¸ão e o estrato em que se posiciona no Qualis 2014 e observac¸ões gerais. Cumpre mencionar que asinformac¸õesreferentes àautoria dizem respeito a todos os envolvidos no trabalho. Por outro lado, os itens ‘‘área do autor’’ e ‘‘instituic¸ão do autor’’ representam detalhesacercadoautorprincipaldoartigo.Demodo com-plementar foram usados documentos da Coordenac¸ão de Aperfeic¸oamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), comoaslistasdeprogramasdepós-graduac¸ãoeperiódicos Qualis,conformenecessário.
Como
o
jogo
é
jogado
Osjogadoreseocapitalcientífico
Entreosartigosanalisadosapartirdoscritérios estabeleci-dos, ‘‘educac¸ão docorpo’’ aparecepela primeiravez em um artigo de autoria de Soares (2000) publicado em um periódicodaeducac¸ão.Desdeentão,essetermopassaaser empregado de modo mais recorrente nocampo científico brasileiroapartirprincipalmentede2010.Aperiodicidade decadaanopodeserverificadanafigura2.
O número de artigos que usam ‘‘educac¸ão do corpo’’ apresenta umatendênciade crescimento, principalmente entre2009e2015.Édignodenotaomaiornúmerode tra-balhosnosdoisúltimosanos,fatoqueindicasuacirculac¸ão (Fleck,2010)nocampocientífico.
2Procedimentofeitoem23/03/2016.
3A classificac¸ão da áreado autorfoi organizada conforme os seguintescritérios:1◦)Programadepós-graduac¸ão(PPG),emque
oautorprincipalestávinculadoaoperíododapublicac¸ão;2◦)caso
oautorapresentevínculocommaisdeumPPGouausênciade vín-culocomaPG,verificou-se,pormeiodocurriculumlattes,emque áreahámaiorfrequênciadepublicac¸ões;3◦)senãohouvesseesses
dados,optou-sepelovínculoinstitucional;4◦)naausênciade
SciELO
Bases científicas usadas BVS
Busca por “educação do corpo’’ nas bases
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14 26
26
22
21
18
7 29
29
28
25
25
Total de artigos: 46 1° critério: língua portuguesa
2° critério: artigos até 2015
3° critério: acesso online ao texto na íntegra
4° critério: ser artigo original, de revisão ou ensaio
5° critério: termo no título e/ou texto principal
6° critério: exclusão de artigos repetidos
Scopus
Figura1 Processodemapeamentodosartigos
Legenda:Etapasfeitasdoprocessodemapeamentodeartigos Fonte:Dadosoriginaisdapesquisa.
Número de artigos
Número de artigos
1 1 1
2 2
5 5
6 6 8
9
0
2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Figura2 Númerodeartigos
Legenda:Quantidadedeartigosxanodapublicac¸ão Fonte:Dadosoriginaisdapesquisa.
Aliada aessedadoquantitativo,umaanáliseminuciosa revelaaspectosrelevantesparaoobjetivoempreendido.O primeiroéousodotermoporcadavezmaisautores,visto terem sido encontrados 35 autores principais. O segundo aspectoé amaiorrelevância conquistada nocenário aca-dêmiconosúltimos anos,jáqueseuusoaparecenotítulo de23dos46trabalhosanalisados.Osdadostambémilustram aevidênciaadquiridapelocorpocomoobjetodeestudonas ciências humanase sociais, umavez que todosos artigos estãovinculadosaessesreferenciais.
Noqueserefereàutilizac¸ãoeàevidênciadoconceito ‘‘educac¸ãodocorpo’’nouniversocientífico,osdados cor-roboramoargumentodeseuprestígio.Alémdeseuusonos títulos dos trabalhos analisados e da indicac¸ão do cresci-mento de trabalhos que o empregam, sua importância é observadaapartir donúmeroderepetic¸õesdotermo nos estudos.Nota-sequeosartigosapresentamvariac¸ãoquanto
aonúmerodeusosdaexpressão,essataxaécompreendida entreumae27ocorrências.4
SobasluzesdeBourdieu(1976),pode-seconsiderarque ‘‘educac¸ãodocorpo’’ganhaprestígio nocampocientífico porqueasreivindicac¸õesdelegitimidadedoconceitovêm de grupos cujos interesses são exprimidos pelo seu uso, possibilitandoaacumulac¸ãodecapitalsimbóliconocampo científico.Argumenta-sequeseuempregomaisrecorrente está alinhado às novas possibilidades de acumulac¸ão de capital simbólico (reputac¸ão, prestígio, reconhecimento, fomentosetc.)naformadecapital científicopuro, adqui-rido através da produc¸ão intelectual reconhecida pelos pares de determinado campo (Bourdieu, 2004), a partir deinvestigac¸õesacercadocorpoqueganhamprojec¸ãono campo.
Para Bourdieu (2004), as estratégias de reconversão tomadaspeloscientistasqueosconduzematrocarde domí-niosoude temas sãodiferenciadas conformeo agente, o capitaldequedispõeedeacordocomarelac¸ãocomo capi-taladquiridosegundoseuprópriomododeobtê-lo.Assim, osagentesquetêmosensodojogo---artedeantecipar ten-dênciase permitir maioreschances defazerescolhas que compensemapartirdaincorporac¸ãodasregraspostasem jogo--- e osque já dispõem deumaposic¸ão vantajosa no campoadquiremcondic¸õesmaissatisfatóriasparausufruir dessas novas possibilidades de pesquisa e para acumular capitalsimbólico.
Nessesentido,observa-sequeosautoresmais represen-tativos na uso do conceito, por meio do quantitativo de
trabalhos,5 são: Alexandre Vaz; Carmen Soares e Antonio JorgeSoares,cadaumcomcincotrabalhos,eEdivaldoGóis Junior, comquatro. Sublinha-seque ostrês primeiros são bolsistasdeProdutividadeemPesquisa6em educac¸ãopelo ConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoe Tecnoló-gico(CNPq),7oquepodeseroutroindíciodavalorizac¸ãoda expressãonocampocientíficoedaspossibilidadesde acú-mulode capital simbólicoeventualmente derivadasdesse uso.
Para Maia da Silva e Soriano (2014), alémde status e reconhecimentonocampocientíficobrasileiro,essetipode bolsapermiteapreenderaltocapitalcientíficopuroe,com isso,seusdetentores ‘‘conhecemosmeiosdeapropriac¸ão simbólicadocapitalespecíficoesãoreconhecidospelos pró-priosparescomo aquelesquetêmcondic¸õesdeocuparos postosquelhesdãoodireitodeavaliaroutrosjogadores’’ (p.291).Emoutraspalavras,essespesquisadoresadquirem apossibilidadedeocuparposic¸õesdepodere, consequen-temente,de acumularcapital científico institucionalizado (Bourdieu,2004)nessecampo.
Osespac¸osdojogoeasestratégiasdosjogadores
No que diz respeito aos espac¸os em que o conceito ‘‘educac¸ão do corpo’’ é propagado de modo mais recor-rente, observa-se que classificac¸ão da área do autor principalcontemplouquatrodomíniosdosaber:educac¸ão, com24trabalhos;educac¸ãofísica,com 20;esociologia e artes/música,comumtrabalhoemcadaárea.
Contudo,é relevantenotarque, apesardeaeducac¸ão física aparecer em segundo lugar quanto ao emprego da expressão,essa áreasurge como umpossível espac¸o legí-timoeprestigiadoparaestudosassociadosà‘‘educac¸ãodo corpo’’.Essaafirmac¸ãosustenta-seaoanalisarqueamaioria dosautores8temformac¸ãoinicial(graduac¸ão)emeducac¸ão física.Apenascincodos35autoresprincipaisnãotêmessa formac¸ão,oquedemonstraindíciosdeumaassociac¸ão do usodotermocomessaárea.
Há sinais, portanto, de que a circulac¸ão da expressão decorra de discussões provindas desse domínio do saber, ou,antes,deagentesprovenientesdaeducac¸ãofísicaque atuamnaprópriaoumigraramparaoutrasáreas.Essa pos-sibilidade de transic¸ão de áreas é expressa, sobretudo, pelos 26 trabalhos localizados na educac¸ão, sociologia e artes/música, que sugerem que o conceito também tem ganhadoprestígioelegitimidadeaoseinserirnesses domí-nios.
5Paraessa classificac¸ão, acoautoriadostrabalhosfoitambém contabilizada.
6Informac¸õesdisponíveisnaPlataformaLattes.
7 Essas bolsas são concedidas aos pesquisadores que se des-tacam, valorizam sua produc¸ão científica a partir de critérios normativosestabelecidos pelopróprio órgãoe porseusComitês deAssessoramento(Conselho NacionaldeDesenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico). Importante ressaltar que essa informac¸ão foi retirada do sítio eletrônico do CNPq (http://www.cnpq.br/ documents/10157/5f43cefd-7a9a-4030-945e-4a0fa10a169a), não apresentaanodepublicac¸ãonemonúmerodapágina.
8Essesdadosreferem-seaoautorprincipaldosestudoseforam obtidosapartirdaanálisedocurriculumlattesdecadaautor.
SegundoSánchezGamboaetal.(2007),Lovisolo (2014)
e Castroetal.(2017; 2015),amigrac¸ão depesquisadores da educac¸ão física pode ser motivada pela possibilidade reduzida de orientadores e pesquisas atreladas às ciên-cias humanas e sociais nos programas de pós-graduac¸ão
strictosensunaárea,noBrasil.Emboratenhahavido expres-sivoaumentodeprogramasdepós-graduac¸ãoemeducac¸ão físicanasdécadasde2000e2010,9esseocorreu, hegemo-nicamente, a partir da produc¸ão de dissertac¸ões e teses vinculadasaoviésbiológico(ManoeleCarvalho,2011; Cas-troetal.,2017).
Alémdisso,oêxododeautoresdemonstrasinaisda fragi-lidadedasfronteirasdeconhecimentonocampocientífico easconstanteslutaspordelimitac¸õesdeespac¸osde auto-ridade científica e pelos capitais simbólicos nesses meios (oportunidades, prestígio, recursos etc.), interpretado a partirdeBourdieu(2011).Emrelac¸ãoàscaracterísticasda educac¸ãofísica,Vaz (2003)argumentaqueumdosfatores envolvidos na complexidade de estabelecer fronteiras de conhecimentoéadificuldadedaconstituic¸ãodeuma proble-máticateóricaprópriadaáreapordebatertemasdistantes entresi.
Essaamplitudedetemasnãoécontempladademaneira idêntica na área, sobretudo na pós-graduac¸ão. Conforme
Lüdorf(2002),Hungeretal.(2009)eCastroetal.(2017), a questão biológica se consagrou e, até hoje, configura--se como preponderante nos programasde pós-graduac¸ão
strictosensuemeducac¸ãofísica,representadaemsuas pes-quisascientíficas.Talfatoocorrenãoapenasporquestões deinteressesinvestigativosdospesquisadoresdaárea,mas, também,pelasregrasavaliativasdeinstituic¸õesque norma-tizam a produc¸ão científica em educac¸ão físicano Brasil, entreasquaissedestacaaCapes(MaiadaSilvaeSoriano, 2014).
As consequências dessas regras são observadas na limitac¸ão quanto à publicac¸ão de estudos no viés socio-cultural em periódicos bem avaliados na educac¸ão física, o que não ocorre quanto àquelas atreladas à vertente biológica (Manoel e Carvalho, 2011; Maia da Silva e Sori-ano, 2014). Ademais, a partir da consulta ao WebQualis daeducac¸ãofísicaedaeducac¸ão,nota-sequeas possibi-lidades de publicac¸ão em periódicos nacionais mais bem avaliados pelo sistema Periódico Qualis, classificac¸ão A1, voltados para os saberes das ciências humanas e sociais, sãosignificativamentesuperioresnaeducac¸ãosecomparada comaeducac¸ãofísica.10Nenhumperiódicofoilocalizadona educac¸ãofísica,poroutroladonaeducac¸ãoforamachados 25nessaclassificac¸ão.
9Atualmente,há50programasde pós-graduac¸ão strictosensu cadastrados na área 21, nos quais está alocado o campo da educac¸ão física no Brasil. Deve-se ressaltar queaparentemente trêsprogramasnãosereferemespecificamenteàeducac¸ãofísica, têm enfoque em outros aspectos como terapia ocupacional e reabilitac¸ão funcional.Portanto, o total quecompõe especifica-menteaáreaseriade47programas.Paramaisinformac¸ões,ver https://sucupira.capes.gov.br.
Tabela1 Periódicosdepublicac¸ãodosartigos
Revista Númerode
trabalhos
Áreademelhoravaliac¸ãopela Capes
Estrato(PeriódicosQualis)
RevistaBrasileiradeCiênciasdo Esporte
9 Educac¸ãofísica;História; Interdisciplinar
B1
Movimento 8 Educac¸ãofísica A2
Educaremrevista12 4 Educac¸ão A1
Pró-Posic¸ões 4 Educac¸ão A1
CurrículoSemFronteiras 3 Educac¸ão;História A2
CadernosPagu 2 Antropologia/Arqueologia;
Interdisciplinar;Sociologia
A1
Educac¸ãoePesquisa 2 Educac¸ão A1
Educac¸ão&Sociedade 2 Educac¸ão A1
Motriz 2 Educac¸ãofísica;Psicologia B1
RevistaBrasileiradeEducac¸ãoFísica eEsporte
2 Educac¸ãofísica B1
CadernoCedes 1 Educac¸ão;Ensino A1
RevistaBrasileiradeEducac¸ão 1 Educac¸ão A1
RevistaSaúdeeSociedade 1 Planejamentourbanoe regional/Demografia
A1
SociedadeeEstado 1 Sociologia A1
RevistadaEducac¸ãoFísica/UEM 1 Arquiteturaeurbanismo A2
PensaraPrática 1 Planejamentourbanoe
regional/Demografia
B1
RevistaTrabalho,Educac¸ãoeSaúde 1 Ensino;Planejamentourbanoe regional/Demografia;Psicologia; Saúdecoletiva;Servic¸osocial; Sociologia
B1
Mental 1 Semclassificac¸ão Semclassificac¸ão
Legenda:Periódicosdepublicac¸ãodosartigosesuasrespectivasavaliac¸ões. Fonte:Dadosoriginaisdapesquisa.
Essadiscrepância,também,surgeaoanalisaros periódi-cosqueforamalvosdepublicac¸ãoemrelac¸ãoaostrabalhos investigadosquetratavamde‘‘educac¸ãodocorpo’’.Esses periódicospodemservistosnatabela1.11
Observa-sequehámaisperiódicoscomavaliac¸ãoA1em educac¸ão doque em relac¸ão a outros domíniosdo saber. Emborahajadiversasrevistasvoltadasdiretamenteparaa educac¸ãofísica,nota-sequemuitastêmavaliac¸ãosuperior em outrasáreas, em vezda própriaeducac¸ão física.Esse fatoilustra,decertamaneira,aescassezdeveículosmais bemavaliadospeloSistemaIntegradoCapesparapublicac¸ão detrabalhosnaárea.
Essa restric¸ão, possivelmente somada a outros fato-res, pode estimular a transic¸ão dos autores adeptos dos referenciais das ciências humanas e sociais na educac¸ão físicaaoencorajá-losapublicarememoutrasáreas,como afirmaLovisolo(2014).Nota-se,também,ainterferênciade
12 Cumpreressaltarqueapartirde2001aRevistaEducarpassou a serdenominada RevistaEducar em Pesquisa.Assim, osartigos queforampublicadosemambasasrevistasforamcontabilizadosna novadenominac¸ão.
11 Os dados de classificac¸ão foram obtidos através da Pla-taforma Sucupira: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/ public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/
listaConsultaGeralPeriodicos.jsf.
pressõesparaaproduc¸ãoeacumulac¸ãodecapitalcientífico puro,obtido pormeiode trabalhos reconhecidose legiti-madospelospares.Essasregrasavaliativascontribuempara configurar(ou atéreforc¸ar) a lógica interna daeducac¸ão físicanamedida em quecooperam paraafastar pesquisa-doresoriginários da educac¸ão física e, ao mesmo tempo, ajudam na conservac¸ão de sua estrutura ao incentivar a prevalênciadosestudosdeescopobiológicoemdetrimento daquelesdecunhosociocultural.
Nãosetrata,portanto,apenasdeumasimplesmigrac¸ão dedomínios,mas,possivelmente,dabuscados pesquisado-resformadosemeducac¸ãofísicaporespac¸osmaispropícios parapublicac¸õesediálogosentreosagentes,epor prestí-gio,enquantopesquisadoresdasciênciashumanasesociais. Logicamente, os motivos não se esgotam nesses citados, mas,emprincípio,podemseconstituiremalgunsdos prin-cipaisdesseprocesso.
Dessemodo,acentuam-seaspossibilidadesdeessesagentes disputaremoscapitaispresentes nosnovosespac¸os. Cabe lembrarqueostrêsautoresbolsistas deProdutividadeem PesquisapelaCNPq,AlexandreFernandezVaz,AntonioJorge Gonc¸alvesSoareseCarmenLúciaSoares,sãocontemplados porpesquisasdesenvolvidasnaeducac¸ão.
Essachancedepermanênciada‘‘autoridadecientífica’’, sobretudona educac¸ão --- alvo principal dasmigrac¸ões na investigac¸ão feita --- podeestar associada à própria natu-reza epistemológica dessa área. Segundo Charlot (2006), aeducac¸ãoé umuniverso deconhecimento fundamental-mente‘‘mestic¸o’’,capazdeatenderaosmúltiplossaberes epráticas quecirculamem outrosdiversosespac¸os. Além disso, a educac¸ão física aindase caracterizapor ser uma áreadeconhecimento e intervenc¸ãopedagógica, oque a levaa dialogar com saberes e teorias de outros domínios (Betti, 2005),como, por exemplo, aeducac¸ão. Com base nessasproposic¸ões,ganharealceaideiadequeamigrac¸ão dos agentes da educac¸ão física ocorre, também, porque essespodemserreconhecidosnessenovoespac¸o.Cumpre ressaltar que essa migrac¸ão, certamente, não ocorre de maneiralinear,incontestáveledeterminada.
Por outro lado, tal permanência da ‘‘autoridade cien-tífica’’é possível porque o corpo é objeto de estudo em diferentesáreas,umavezque‘‘Pensarocorpoéumatarefa umtantocomplexa,dadasasdiversasdimensõesquepodem serexploradas’’(Lüdorf,2005,p.243).Emoutraspalavras, o caráter transdisciplinar dos estudos do corpo contribui paraoprocessodemigrac¸ãodadaacomplexidadedas aná-lises,longedeserunidimensional.
Considerac
¸ões
finais
Observou-se que o conceito ‘‘educac¸ão do corpo’’ apresenta-semaisrecorrentemente nocenárioacadêmico nosúltimos anose seususos estão associadosaossaberes dasciênciashumanasesociais.Talcrescimentoecirculac¸ão demonstram, até certo ponto, sua aceitac¸ão pelos pares comoobjetolegítimo eseu prestígio nocampocientífico, uma vez que possibilitam a acumulac¸ão de capital. Esse último item é ilustrado ao destacar que três dos quatro principais autores adeptos dessa temática têm bolsas de produtividadeempesquisa.
As principais áreas nos quais o termo foi localizado foram educac¸ão e educac¸ão física, áreas marcadas pela ‘‘mestic¸agem’’(Charlot,2006).Contudo,amaiorpartedos autorestemgraduac¸ãoemeducac¸ãofísica,oquedemonstra sinaisdequeasdiscussõesprovêm,principalmente,dessa área,o que mereceser maisbem investigado a partir da análisedeoutrosmateriais.
Esse dado, também, indica algumas das estratégias desenvolvidaspelos agentesoriginários daeducac¸ãofísica paraacumularcapitaise,decertomodo,resistiràsregras avaliativasdaCapes,jáqueacabammigrandoparaoutras áreasquetêmcondic¸õesmaissatisfatóriasparapesquisas nasciênciashumanasesociais.Aliás,atransic¸ãodosautores daeducac¸ão física para outros domínios do saber, sobre-tudo a educac¸ão, com a permanência deuma autoridade científica,demonstra quea delimitac¸ão das fronteiras do conhecimentoé bastante fluida, ainda maisem trabalhos voltadosparaoestudodocorpo.
Porfim,aepígrafedotrabalhoéelucidativapor assina-lar caminhosparapesquisasque tratamobjetosmarcados pelahistoricidade, como, porexemplo, ocorpo.Ao suge-rir trabalhar com e na imprecisão, Geertz (2011) oferece nãosomenteaestranhezadeumaciênciafalha,mas, sobre-tudo,anecessidadedeinvestigaracomplexidadedenossos objetosdeestudo.Talvez,‘‘educac¸ãodocorpo’’sejauma tentativanessesentidoaopropiciarapossibilidadede fra-gilizarasfronteirasdoinexistente.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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