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Revista
Brasileira
de
CIÊNCIAS
DO
ESPORTE
ARTIGO
ORIGINAL
Produc
¸ão
de
forma
no
esporte:
sobre
a
estética
do
rúgbi
Michelle
Carreirão
Gonc
¸alves
ae
Alexandre
Fernandez
Vaz
b,c,∗aUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,FaculdadedeEducac¸ão,DepartamentodeDidática,RiodeJaneiro,RJ,Brasil bUniversidadeFederaldeSantaCatarina,CentrodeCiênciasdaEducac¸ão,DepartamentodeEstudosEspecializados
emEducac¸ão,Florianópolis,SC,Brasil
cBolsistadeProdutividadeemPesquisadoCNPq-Nível1D,Florianópolis,SC,Brasil
Recebidoem15demarçode2016;aceitoem12dejunhode2017 DisponívelnaInternetem30deagostode2017
PALAVRAS-CHAVE
Esporte; Estética; Rúgbi;
Obraesportiva
Resumo Aoconsideraroesportecomoartefatoestético,passíveldeelogioedesfrutena soci-edadecontemporânea,perguntamospelaexpressividadedaobraesportivaapartirdoponto devistadaproduc¸ão(dasprópriasatletas).Paratanto,fizemospesquisaempíricajuntoauma equipede rúgbifeminino deFlorianópolis/SC, procuramosmais bementendercomo repre-sentamesteticamenteoesportequepraticam.Questõesligadasàsformasdejogo,aobelo, aofeio,bemcomoàtécnica,àinteligênciaeàcriatividade,sãorecorrentes,configuramuma constelac¸ãoquepareceindicarmodosdefruic¸ãoestéticaporpartedaquelasquesãoasautoras daobraesportiva.
© 2017Publicado porElsevier Editora Ltda.em nome deCol´egio Brasileirode Ciˆenciasdo Esporte.Este ´eumartigoOpenAccesssobumalicenc¸aCCBY-NC-ND(http://creativecommons. org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
KEYWORDS
Sport; Aesthetic; Rugby;
SportOeuvre
Productionofforminsport:Ontheaestheticofrugby
Abstract By considering sport as an aesthetic artifact, amenable to praise and enjoy-ment in contemporary society, we ask for the expressiveness of the sport from the point of view of its production (of the athletes themselves). To do so, we conducted empirical research with afemalerugby team from Florianopolis/SC,toward understandinghow they
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:alexandre.rbce@gmail.com(A.F.Vaz). http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2017.06.005
aestheticallyrepresentthe sporttheypractice. Questions relatedtothe formsofplay,the beautiful,theugly,aswellastothetechnique,theintelligenceandthecreativityarerecurrent. Theyconformaconstellationthatseemstoindicatemodesofaestheticenjoymentbywhoare theauthorsofthesportOeuvre.
©2017PublishedbyElsevierEditoraLtda.onbehalfofCol´egioBrasileirodeCiˆenciasdoEsporte. Thisisanopenaccess articleundertheCCBY-NC-NDlicense(http://creativecommons.org/ licenses/by-nc-nd/4.0/).
PALABRASCLAVE
Deporte; Estética; Rugby;
Obradeportiva
Produccióndeformaeneldeporte:sobrelaestéticadelrugby
Resumen Alconsiderareldeportecomoartefactoestético,pasibledeelogioydisfruteenla sociedadcontemporánea,preguntamosporlaexpresividaddelaobradeportivadesdeelpunto devistadelaproducción(delaspropiasatletas).Paratanto,realizamosinvestigaciónempírica junto aunequipo derugbyfemenino deFlorianópolis/SC,con elfinde másbienentender cómolasjugadorasrepresentanestéticamenteeldeportequepractican.Cuestionesligadasa lasformasdejuego,albello,alfeo,asícomoalatécnica,alainteligenciayalacreatividad sonrecurrentes,configurandounaconstelaciónquepareceindicarmodosdefruiciónestética porpartedelasquesonlasautorasdelaobradeportiva.
©2017PublicadoporElsevier EditoraLtda.ennombredeCol´egioBrasileirodeCiˆenciasdo Esporte.Esteesunart´ıculoOpenAccessbajolalicenciaCCBY-NC-ND(http://creativecommons. org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
Introduc
¸ão
O esporte contemporâneo exige ser considerado em suacomplexidade, fenômeno paradigmático dasociedade hodierna. Espetáculo, rendimento, desempenho, funcio-nalidade,competitividade,técnica,tecnologia,progresso, superac¸ão, impulso de vencer, são, entre outros, valores atuais que encontram realizac¸ão exemplar nas práticas esportivas.
Nopresentetrabalhotrataremosdocaráterestético do esporte, partimos da hipótese de que é ele um impor-tanteparadigmadaestetizac¸ãodasociedade(Welsch,2001) ou,pelomenos, umartefatopassíveldeelogioe desfrute (Gumbrecht, 2007). Não é a espetacularizac¸ão esportiva feitapelas medianemasformasderecepc¸ãodesse espe-táculopor partedopúblicoesportivo,que nosinteressam aqui,massim a pergunta pelaexpressividade estética da
obra esportiva (Gonc¸alves e Vaz, 2017) a partir do ponto devistadaproduc¸ão.Então,comoosatletasrepresentam esteticamenteoesportequepraticam?
Embuscadeencontraralgumasrespostas,fizemosuma pesquisa com jogadoras de rúgbi de uma equipe sediada nacidadedeFlorianópolis/SC.Osresultadosforamobtidos pormeiodeincursõesetnográficas1 edeentrevistas
semi-1Elasforamfeitasnassessõesdetreinamento(entrejulhoa
outu-brode2011),bemcomoemoutrosmomentosdarotinadotime (eventossociais,encontros,viagens,jogos,assembleiasdoclube), alémdaparticipac¸ãonacondic¸ãodeobservadoresdaseletivapara comporoplanteldoselecionadofeminino,ocorridaemmarc¸ode 2011nacidadedeSãoPaulo/SP.
estruturadas (em número de quatro) feitas em 2013 com jogadorasdaequipelocal,mascomexperiêncianaselec¸ão nacional.
Neste artigo nos concentraremos nas falas das infor-mantes,paratentarmaisbementendercomorepresentam esteticamenteorúgbi.Questõesligadasàsformasdejogo, aobelo,aofeio,bemcomoàtécnica,àinteligênciaeà cria-tividade,sãorecorrentes,configuramumaconstelac¸ãoque pareceindicarmodosdefruic¸ãoestéticaporpartedaquelas quesãoasautorasdaobraesportiva.
Formas
de
jogo:
aberto
e
fechado
Nopresentetrabalhonosreferimosnãoàestética artís-tica, mas sim a uma de tipo esportivo e, para tanto, ao refletiraquestãoapartirdascontribuic¸õesdeTheodorW. Adorno(que seocupoudaestéticanosmarcosdaobrade arte,enãodoesporte),consideramosqueaformaé tam-bém elementoprimordialpara aanálise desse fenômeno. Aqui a entendemos, um tanto inspirados no filósofo ale-mão,comoumaunidadequecongregaaarticulac¸ãoentre anormatividadedojogo(ouseja,asregraseimposic¸õesde cadaesporte)easpossibilidadesdeexecuc¸ãodovocabulário técnico-gestualdamodalidadeparaalcanc¸arofimúltimo: vencer.Nesseprocesso,desenhos,dinâmicas,ritmos, movi-mentosejogadassãocriadose recriadosenquantoojogo durar,dãoumaforma(ouformas)aele.
Encontramosnasfalasdenossasentrevistadasduas for-masdejogoque seriampreponderantesnorúgbisevens2:
abertaefechada.Aprimeiraseriamaisdinâmica,semmuito contatofísicoentreosconcorrentes,enquantoaoutra,mais lenta,commaisembatecorporal,maisforte.Osevens favo-receria o jogo aberto, por conta do número reduzido de jogadoras, proporcionamuitoespac¸o livrenocampo;mas neleétambémpossívelencontrarumjogodetipofechado, adependerdaescolhaedascaracterísticasdecadaequipe. Por exemplo, times mais pesados, usariam mais a forc¸a, enquanto osmaislevesfugiriamdochoque direto, procu-ramopc¸õesdejogo.Talac¸ãoexigiriaaltodomíniotécnico paraexplorac¸ãodosgestos,comopassesechutes,afimde evitarocontato,poisseabolasemantém‘‘viva’’,ouseja, emjogo,ésinaldequeoembatecorporalénegado,jáque sóépossíveltacklear(derrubar)umajogadoraquandoessa temapossedebola.Alémdisso,paranossasentrevistadas, emalgunsmomentosasequipes‘‘jogamoqueojogodá’’, querdizer,trabalhamapartirdaspossibilidadeselimitac¸ões impostaspeladinâmicadecadapartida,nãoserestringea umououtroestilo:
Temestilosdiferentes.(..)Temtimequesójogaabola deumladoparaoutroatéadefesa[adversária]searrasar denãoaguentarmaiscorrer.Ficadeumladoparaoutro, atéadefesamorrer econseguir gerarumespac¸o.Tem timesque fazem umadinâmica paraa bolavoltar sem contato.Queeuprefiro,àsvezes.(...)Temoutrosque jogamoqueojogodá.Queéoqueeuprefiromaisainda. [risos]Porquenãobitolanumacoisaounoutra.Fazuma corridadiferente, fazumajogada. Temmaisliberdade parajogar.(Viviane3)
Vemos nocomentário acima umelogio à improvisac¸ão eàcriac¸ãoquedemarcariamumestilodejogomaislivree ‘‘maisinteligente’’,precisamenteporquepreocupadocom amanutenc¸ãodapossedebolaecomtrabalhoemequipe, evita-seocontatodiretocomaadversária.Ouseja,umjogo aberto,engenhosoecriativo,queéinteligenteporquesabe
2Oformatotradicionalemais antigodoesporte éorúgbi 15,
disputado com 15 jogadores em cada time, em dois tempos de 40minutoscada.Jáoformatode7s,ousevens,éjogadocomsete integrantesporequipe,emdoistemposdeseteminutos.NoBrasil aindanãohácompetic¸õesde rúgbi15paramulheres, apenasno formatode7.
331anos,comec¸oua treinarrúgbiem 2000; atuou naselec¸ão
brasileiraentre2001e2013.
trabalharcomosespac¸oseasoportunidades,asaberturas surgidasnodesenrolardapartidaquepropiciamacriac¸ão, apresenc¸adealgonovo.Sobreojogo‘‘inteligente’’,vale destacarque encontramosna faladenossasentrevistadas duasformasdeconceituá-lo.Umaestariarelacionadaaum padrãodejogopré-estabelecidoe executadopelaequipe, aoutraligadaàcriatividadeeàperspicáciaindividual.No primeirocaso, a‘‘inteligência’’ estávinculada aoestudo, àanáliseeàaprendizagemdeumaformadeterminadade disputa,queexigedisciplinaeobediênciaaoesquematático previamente treinado. No segundo aparece uma visão de jogomaisamplaquepermiteaberturasparacriac¸õesenovas jogadas,dependedodesenrolardapartida,umaespéciede rebeldiaouresistênciaao enquadramentoque umpadrão predeterminadopoderiaoferecer.Vejamososdoiscasos:
Eugostodejogointeligente.Eugostodeterumpadrãode jogoeseguiropadrãodejogo.Eugostodojogoestudado. Comoeunãosoutãocriativa,eugostodesaberoquevai serfeito.(Joana4)
[gostodejogarumjogo]Semcontato,ojogomaisaberto. O ataquenão busca o contato [com a defesa]. De um driblemaismalandro,usaropé,usarchutinho.Eugosto dejogoassim.Rápido,semsertruncado,comcontato. Umjogomaisinteligente.(Viviane)
Tendoemcontaafaladenossasentrevistadasnoque con-cerneàssuasformasdejogopreferidas,épossíveltrac¸arum paralelocomatesedePasolinisobreofutebolemprosae empoesia.Segundoele,ofuteboléumalinguagem,poisse configuracomoumsistemadesignos.Ecomotodalíngua, ‘‘tambémpossuisubcódigos,na medidaem que,de pura-mente instrumental,se torna expressivo.Há futebolcuja linguageméfundamentalmenteprosaicaeoutroscuja lin-guagem é poética’’ (Pasolini,2005, p. 5). Aquele futebol quesepreocupamaiscomosistema,comasintaxedojogo, éjogadoemprosa,jáoqueseocupadainvenc¸ão,da cria-tividade,empoesia.Assim,numaanalogiacomasfalasde Joanae Viviane,poderíamos dizer quea primeiraprefere jogarrúgbiemprosaenquantoqueàsegundaaprazojogo derúgbiempoesia.
Valeressaltarqueaspreferênciasparecemrecairsobre aquiloqueseriamascaracterísticasindividuaisdas jogado-ras.Querdizer,Joana,queseautodenomina‘‘nãocriativa’’, preferejogaraqueleestilomaisligadoaosesquemastáticos, aosdesenhospreformados,quenãodeixatantoespac¸opara aimprevisibilidade,enquantoVivianeexaltaamalandragem comoumelemento-chaveparaconstruc¸ãodeumaforma(ou formas)dejogoconsideradaaprazível,justamenteporser, segundoela,o jogomalandrointeligenteporquesabe tra-balharcomosespac¸oseasoportunidades,comasaberturas surgidasnodesenrolardapartidaquepropiciamacriac¸ão, apresenc¸adealgonovo,comoveremosaseguir.
Malandragem
e
criac
¸ão:
o
jogo
inteligente
Otemadamalandragemnãoénovidade quandosepensa emesportenoBrasil,algoinauguradoporRobertoDaMatta ao analisar o futebol. Em seu O universo do futebol, ao
argumentarsobreasrelac¸õesentresociedadebrasileiraeo referidoesporte,tomadocomodramatizac¸ãosocial,oautor apresentaofutebolnacional comomalandro,comjogode cintura(emoposic¸ãoàquelejogadonaEuropa,seaproxima, masapartirdeoutrascategorias, daanálise dePasolini), capazdeconfundirefascinarosoponentes,‘‘criandoformas insuspeitadas’’(DaMatta,1982,p.28).Essamalandrageme essejogodecinturaseriamprópriosdofutebolàbrasileira, baseadonomodusoperandide‘‘sabersair-sesemprebem’’ (DaMatta,1982,p.28)característicodomalandro.
Esse personagem que comporia identidade nacional é umafiguraqueoperanaliminaridade,queviveno interstí-cioentreaordemeadesordem,comobemmostraDaMatta (1990).Agrandemarca damalandragemétransformar as desvantagens (lembre-se que o malandro é um ser mar-ginal, oriundo da pobreza) em vantagens, é seu agente subversivo, porque perturba a ordem social por meio da inversão.Astuto,sagaz,lanc¸amão sempredofamoso jei-tinho --- essa maneira de ‘‘utilizar as regras vigentes na ordememproveitopróprio,massemdestruí-lasou colocá--lasemcausa’’(DaMatta,1990,p.239-40)---parafazersuas fac¸anhas,recusaousodaviolênciafísica.Omalandroopera notempopresente,nacircunstância,aproveitaosrecursos quesecolocamnomomento,comointuitodetransformar favoravelmenteparasiasituac¸ãoemqueseencontra.
Masnãosónofutebolnosdeparamoscomoelogioaojogo malandro, algo recorrente também no rúgbi.Tal discurso apareceunãoapenasna faladas jogadorasentrevistadas, comoemoutrosmomentosdenossasobservac¸ões, especial-mentenassessõesdetreinamento,équasesempreumafala dotécnicoafavordessaformadejogarpermeadaporcerta malícia,ludibrioebrincadeira.Domesmomodo, encontra-mosnodepoimentodeVivianeapresenc¸adamalandragem comoelementoestéticoimportante.
Sobreorelatodajogadora,podemosdizerqueuma pri-meirarelac¸ãoentremalandragemeformadejogoconcerne ao lugar da improvisac¸ão, da criatividade e liberdade na gerac¸ãodeumanovamaneiradeserelacionarcomaordem vigente:seja elasocioeconômica (malandro-arquétipo)ou aquela referente à dinâmica do jogo (malandro-jogador). Nocasodorúgbi,sermalandroéagirdentrodanorma,criar possibilidadesdealcanc¸aravantagem(maispontosganhos) pormeiodasagacidade.Issosedáapartirdaexplorac¸ãodos recursosqueseapresentamnaimediaticidadedojogo.Aqui temososegundoelementodeaproximac¸ãoentreo malan-droqueatuasobreaestruturasocialeaquelequeofazno esporte.Amboslidamcomacircunstância,comomomento, comopresente.Enãohánadamaismomentâneodoqueo jogo,emquecadalancepodeserdecisivoparaoresultado finalenadaécapazderevertertalresultado,nemas vitó-riasdopassado,nemasqueaindavirão,poiscadapartida éúnicaeencerradaemsimesma.
Soares (1994) tambémaborda a questão da malandra-gem nofutebol, assim como o fez DaMatta,mas a partir deumoutropontode vista,tomaa interpretac¸ãodo dis-cursonativo,ouseja,dosprópriosjogadores,sobreafigura domalandrodentrodecampo.Assimcomoomalandroda rua,ojogadormalandrotransgrideaordeme‘‘primapela improvisac¸ãoehabilidade’’(Soares,1994,p.46)duranteo jogo.Em suaforma dejogar, a‘‘malícia’’, a ‘‘manha’’e a‘‘catimba’’,representadascomoaartededissimular,de enganar(tantooadversário,quantoojuiz),desempenham
importantepapel,sãosinaisdeespertezadojogador.Assim comoumator,ojogadordefutebolmalandroéaqueleque dominaaartedaencenac¸ãoequeofazdeformaelegantee sagaz,apartirdeumainteligênciaquepropiciaacriac¸ãode situac¸õesdejogoquefavorec¸amseutime.Elatemorigem, porumlado,naexperiênciaacumuladarelativaàdinâmica dacontendae,poroutro,nacapacidadedeantever,dever oqueosoutrosnãoconseguem,oufazerissoantesdeles, nodesenrolardapartida.
Norúgbiobservamos,apartirdosrelatosdenossas entre-vistadas, que amalandragempodeser interpretada como uma espécie de ‘‘inteligência’’ de jogo, na medida em quesignificasaberusarovocabuláriotécnicoquesetem, comavisãoeoentendimentodadinâmicadamodalidade, algosemelhanteàanálisedeSoaresnofutebol,entretanto sem usar recursos que infrinjama regra, poisno caso do rúgbitalposturasecolocadiametralmentecontraosvalores amadoresexaltadosnoesporte.5Amalandragemseria,na
experiênciadorúgbiaquiestudada,umaespéciedecálculo, decapacidadedeanálisedaspossíveisjogadaserespostasa elasporpartedoadversário,deantecipac¸ãodas possibilida-desdemovimentac¸ãoquelevemaoobjetivomaior,pontuar paravencer.Paracriarépreciso,noentanto,ter,antesde tudo,domíniotécnico,bemcomoumgrandeentendimento dojogoderúgbi,comonosdizViviane.
Temosprincípios básicos dojogo.Setutens eles bem nítidosjánatuacabec¸a,tuconseguescriaralgumacoisa diferente.Sesabescorrer,sabespassar,sabescorrerem ângulo,sabes fazerum2 contra1 bem feito,sabesas coisasbásicasmuitobem,nahoradojogotuconsegues fazeralgumacoisa...Porquetucriasnatuacabec¸a pri-meiro:‘‘Eu vou correr assim,a pessoavai vir em mim aqui,euvoudara bolaassado,já voubuscar dooutro lado,porquevai sobrarumespac¸oali’’.(...)Eufac¸oe vejo o que acontece.Se caírem e oespac¸oabriu para mim,euvou.Daíeutenhoquedecidirnahoraoqueeu voufazer.(Viviane)
Essa fala deixa ver o quão complexo é o processo de criac¸ãodurante umapartida derúgbi, quantoselementos são necessários mobilizar (conhecimento técnico, tático, regras,visãodejogo,antecipac¸ão,criatividade, experiên-cia,entreoutros)parapoderformarumaac¸ãoimprevisível, quefujadalinearidadedojogo.Eoscálculoseastomadas dedecisãoprecisamserfeitosquasequeinstantaneamente devidoàprópriavelocidadedapartida.Seerrarotempode fazerdeterminadaac¸ãooujogada,perde-seomomento,o
timing,essefenômenotemporalque, segundoGumbrecht (2007),éessencialemtodososesportesequese caracte-rizacomoa‘‘fusãoperfeitaentreapercepc¸ãodoespac¸oeo iníciodomovimento(...)éacapacidadeintuitivadecolocar ocorponumespac¸oespecíficonomomentoexatoem que eleprecisaestarlá’’(p.140).
5Oamadorismonorúgbinãoétemadestetrabalho,masédigno
Ojogoaberto,aquelecriativo,gerador deespac¸oe de oportunidades, é o que exige mais pensamento, segundo nos disse Talita,6 o que parece indicar uma
equivalên-ciaentreinteligência eabertura nocontexto do jogo,na interpretac¸ão dessas informantes.7 Para ela, é necessário
entender muito de rúgbipara poder criar jogadas. Nesse sentido,parece concordarcom acompanheira deequipe, que assinala a importância do conhecimento da técnica do esporte para haver criac¸ão, mas também do entendi-mentodesuadinâmicainterna,dosmeandrosdojogo,oque implicaumaentregaaele.É‘‘deixarviver,deixarjogar’’, comoassinalouVivianequandosereferiuaodesenrolarda partida.
A fala de Viviane nos remete à análise de Gumbrecht sobreaexpressãodePabloMorales(nadadorestadunidense medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos de 1984 e 1992) queserefereaosentimentodoatletaduranteacompetic¸ão como um ‘‘perder-se na intensidade da concentrac¸ão’’ (Gumbrecht,2007,p. 45). ParaMorales, estar perdidona intensidade da concentrac¸ão significaria estar indiferente à multidão de torcedores e espectadores, bem como aos adversários (em especial nasmodalidadesesportivas indi-viduais, como na natac¸ão) durante a contenda. É estar entregueapenasàdinâmicadaatividade.
Gumbrecht interpreta a afirmac¸ão do nadador como a fórmuladaexperiênciaestéticaesportiva.Paraele, perder--seestáligado aodesinteressepresentenojuízodegosto kantiano,namedidaemqueoatletaperdidoestádesligado do que é externo ao momentoespecífico da competic¸ão, assim como aqueleque emite o juízoestético, que o faz livredequalquerinteresse,poisestarperdidoéomesmo, segundo o autor, que estar desinteressado. A intensidade
seriaaamplificac¸ão,oaumentodasimpressõesemocionais daqueles que estão em contato com o evento esportivo, enquanto que a concentrac¸ão consistiria tanto na capaci-dadedeeliminaraspotenciaisdistrac¸õescomonadeestar abertoaacontecimentosnovoseinesperados.
Podemos então dizer, a partir das sugestões de Gum-brechtconfrontadascomomaterialempírico,queháuma perdadesi,em especialnocasodaqueles querealizam a
obraesportiva(osatletas,ou,aqui,asjogadorasderúgbi), quandodamisturacomodesenrolardojogo.Nãopodemos deixardelembrarAdornoquandoafirmaque‘‘aexperiência especificamenteestética[é]perder-senasobras’’(Adorno, 2008,p.272),oquepressupõeumaimersãonelas.Édigno de nota que o frankfurtiano trata daqueles que fruem a obradeartecomoespectadores,masnossasanálises pare-cem indicar uma aproximac¸ão dessa assertiva no que se refere também à experiência estética em relac¸ão à obra esportiva,maisespecificamentequandopensamosnas joga-dorasemsuacondic¸ãodeprodutorasdetalobra.Ésomente quandosedeixamimpregnar nessecomplexoemaranhado
622anos,praticaoesportedesde2011eatuanaselec¸ãodesde
2012.
7Segundonossasentrevistadas, nemsempreo jogoabertoéo
maisinteligente.Essecongregariatantoasopc¸õestáticasdaequipe quantoa capacidadede trabalharcom aspossibilidadesde ac¸ão surgidasnaimediaticidadedapartida,mesmoqueissosignifique, vezououtra,sairdosesquemaspreviamentedelineados.
dedeterminac¸ão(regulac¸ão)eliberdade(abertura)queéo jogoquepodemsubverteroscriptefazersurgiralgonovo. Essa mistura parece apontarparaum elemento impor-tantequecompõeoesporte,tantonoqueconcerneaoseu aprendizadoquantoàsuarealizac¸ão:amimese,essaforma arcaicadesernomundo(In-der-Welt-Sein),darelac¸ãoentre homeme naturezaprototipicamente anteriorà separac¸ão entresujeito e objeto (Adorno, 2008), pela aproximac¸ão entre os seres envolvidos sem a mediac¸ão do espírito. Nessesentido, baseado em Adorno, Gebauer (1995) argu-menta que o esporte gera um produto mimético numa dupla dimensão: primeiro porque se aproxima da práxis socialpormeiodesímbolosecódigospróprios,numa espé-cie de representac¸ão daquela com o uso de movimentos muitoespecíficos; segundo porque ao fazer o que chama de codificac¸ão (Codifizierung) da práxis social, o esporte configuranovasexperiênciasconcentradasnocorpo,nonão conceitual, geradas a partir da capacidade de agir prer-reflexivamente que tem como fundamento esquemas de percepc¸ão,apreciac¸ãoe ac¸ão resultantesde experiências anteriores,aquiloquePierreBourdieu(1999)denominoude ‘‘sensoprático’’.
Nesse contexto de entrega, aproximac¸ão, mistura, representac¸ão e assemelhamento, haveria um momento, paraGebauer(1995),emqueacisãocaracterísticada raci-onalidadeestariasuspensa,namedidaemqueafeiturados movimentosnãoestásubmetidaaumegoordenadoreum corpoobediente,algo presente, exatamente,noagir que prescindedereflexão,jáque,noesporte,refletirantesde umajogada pode gerar dificuldade (não esquec¸amos que o atleta precisa, com frequência,responder instantanea-menteàsdemandasdadinâmicadojogo).Nissoconsistiria, segundooautor,ocaráterutópicodoesporte noque con-cerneaos usos instrumentalizados docorpo, oferece uma chanceànaturezareprimida,pormeiodotrabalho mimé-ticodastécnicascorporais.Aquelemomentoguardaemsia representac¸ãodohumanonãocindido,oquelevaàcriac¸ão deumaimagem de reconciliac¸ão (Versöhnung)ou,ainda, uma‘‘combinac¸ãoreconciliatória’’entretécnicaemimese (Vaz, 2001), na medida em que ambas são responsáveis, conjuntamente, pela produc¸ão de forma e de momentos consideradosbelos,segundosepodeextrairdodiscursodas jogadorasderúgbi.
Técnica
e
produc
¸ão
de
beleza:
o
que
apraz
as
jogadoras
Mas é preciso atentarainda para a questão datécnica e seupapel nasrepresentac¸õesestéticas dasjogadoras. Em suasfalas,encontramosavalorizac¸ãodograudedificuldade envolvidoem movimentos específicos quando consideram algobelonodecorrerdeumapartida. Muitasvezes oque tomamcomobonitoemumjogotemrelac¸ãocoma preci-sãotécnica na execuc¸ãodos gestosdamodalidade, como nosmostraTalita:
Esserelatopareceindicarque,narepresentac¸ãoestética dasjogadorasprodutorasdaobraesportiva,técnicaebeleza andamjuntas, aprimeira é umrequisito para a segunda. Comosabemos,a técnicaé fundamental narealizac¸ão do esporte. Dominar tecnicamente os gestos de cada moda-lidadeé essencial para odesempenho atlético e,a partir dafala denossasentrevistadas,é possível inferirqueo é tambémparaodesempenhoestético.
Oesportepareceserumdosfenômenoscontemporâneos quemaisglorificamatécnica,quesefazpresentetantona preparac¸ãopormeiodotreinamentoesportivo(essaforma cientificamenteelaboradadecontroleedomíniocorporal) quantona suaprópriamaterializac¸ão,pormeiodafeitura regulada demovimentoscodificados, nelehá ‘‘uma certa
educac¸ão dos gestos humanos engendrada pela crescente tecnificac¸ão’’(BassanieVaz,2008,p.106).Poroutrolado, nãopodemosesquecerqueatécnicacompõetambém ele-mentoimportantenaproduc¸ãoestética,apresenta-secomo o domínio do material na elaborac¸ão das obras de arte (Adorno,2008).
Senaartetem-seumaequac¸ãoentretécnicaemimese, parece que encontramos os mesmos termos no caso do esporte,oquenãosignificaqueambospossamser iguala-dos em sua capacidadeexpressiva --- pois aarte teria um caráterdecríticadapráxissocial,enquantooesporteseria conservadorde tal práxis(Gebauer e Wulf, 2004) ---, mas indicaquepodemostomaroesportetambémemsua dimen-sãoestética. Quandoasjogadorasde rúgbio interpretam esteticamente,colocamoacentodaproduc¸ãodebelezana perfeic¸ãotécnica.Seelaé destacadacomoelementoque fazumjogoserbonito,suaausênciarefletiria, consequen-temente,ofeionoesporte.
Feio?Umknockon.8Oknockonéfeio.[risos]Temhoras
quevocêfala:‘‘putz!’’,élamentável.‘‘Ai,quepena!’’, porquerealmenteeraumabolamuitobaixa.Mastemuns [passes]quevêmtãobonitinhoseparecequeapessoa, nãosei,estavaaindacorrendoeseesqueceudeesticar amão,pega[abola]meioquenosusto.(Marcela9)
Masafeiura,ouafaltadebeleza,nãoserestringeapenas àsfalhas técnicas que deixariam a contenda mais monó-tona e desestimulante. Somado a isso há também o que as jogadoras denominam de jogo sujo, ac¸ões que violam asregrasdamodalidade.Nessecaso,háumaligac¸ãoentre moralidadee beleza,já que infringir asnormas é moral-mentecondenávele,porisso,tambémfeio,deixaapartida não aprazível ao gosto. A equac¸ão entre moral e beleza ganhaespecialdestaqueemumamodalidadeesportivaque prezapelamanutenc¸ãodeideaisamadores,algoexemplar norúgbi.Elementos como cavalheirismo,fairplay (‘‘jogo limpo’’),respeitoaopróximo,amoraoclubeeaoesporte, compõemoimaginárioeocotidianoqueprocurammanter vivooespíritodorúgbi10apartirdeumatradic¸ãoàinglesa
8Knockonconsisteemumafaltalevedejogo,caracteriza-sepela quedadabola,dasmãosdeumjogador,parafrente,ouseja,no sentidodoataquedopraticantequeestavadepossedela.
932anos,jogarúgbidesde1997,atuounaselec¸ãobrasileiraentre
2001e2009.
10 Expressãonativa quese refere às normasinternas do rúgbi,
calcadasnoidealamador.
dapráticadeatividadescorporaiscompetitivas,masfeitas porsport.
Grac¸aetal(2012)defendematesedequeparaentender oesporteesteticamenteéprecisoterempautaasquestões éticas, pois haveria uma circularidade que expressa uma implicac¸ãomútuaentreestéticaeéticaquandosetratade esporte.Talquestãosecolocaespecialmentequando trata-mosdoqueseriafeio.Emumapesquisafeitacomestudantes deeducac¸ãofísicadePortugal,quandoperguntadossobre quaisconceitosremetemaofeionoesporte, encontraram--se:‘‘cheating,doping,lackoffairplay andviolence[...]
havingthesenotionsastrongethicalconnotation,itis evi-dent thatsomething which can betaken asugly in sport isnot onlyperceivedby thesenseasugly’’ (p.102). Tal-vez essainterpretac¸ãoserelacione aumavisãomoralista doesporte,queoentende comoespac¸odepropagac¸ãode valoresconsideradospositivos,comoexpressãodeumetos aristocrático que funda afigura do amateur,apresentado acima.
Entretanto,queremospensaroesporteaquiapartirde termos estéticos, e não éticos, já que a ideia antiga, ou seja,grega,dequeobom,obeloeojustoseequivaliam, nãocorrespondeaocontemporâneo.Nessadirec¸ão encon-tramosasanálisesdeGumbrecht(2007)quenãorelacionao fascínioestéticocomoâmbitomoral.Umadas característi-casquefazemdoesporteumfenômenoatraenteepassível de elogio é, justamente,seu potencial deviolência, dirá ele. Para o autor, associar beleza e moralidade, como se afaltadasegundacorrompesseaexperiênciadaprimeira, nãofazsentido,porque‘‘aexperiênciaestéticaé‘neutra’ emrelac¸ãoavaloresmorais’’(Gumbrecht,2001,p.7).Sua análisedofeionodesempenhoesportivosegueporumoutro caminho.Ofeionoesporteremeteriasempreàausênciade algo,podeserafaltadecumprimentodasregras,comono caso dojogo sujo,desleal,ou,ainda,dealgum elemento excitante. SegundoGumbrecht, não é possível pensarem conceitosnegativosquandosetratadaestéticanoesporte, masemausência,quepodeserrapidamentesolucionadapor meiodapresenc¸adealgoimprevisívelproduzidoporalgum atleta.O feioé aquiloque nãoexcita,característica pas-sageira,enãocondic¸ãopermanente,entãoremediadapela epifania,aaparic¸ãodealgonovoeinesperado.
Essaseriaavisãodosespectadores,segundoGumbrecht, porémaquicolocamosnocentrodaanáliseaperspectivados praticantesdeesporte.Asjogadorasderúgbipornós entre-vistadasparecemconcordarcomoautorsobreafeiurado jogodeslealesobreofatodeaausênciaterpapel determi-nantenoqueéfeionojogo.Entretanto,asfalasapontam sempreparaafaltadealgomuitomaisespecíficoe,decerta forma,maispalpáveldoqueodrama,agrac¸aeaexcitac¸ão, exemplificadospeloautor.Éaausênciadetécnicaque tor-nariaojogofeio,desinteressante.
caso esportivo, passa primeiro pelo controle extremo do instrumento técnico por excelência, o corpo, e, posteri-ormente,pelosgestosnecessáriosparaaconcretizac¸ãoda modalidade.Logo,atécnicaédeterminantena atribuic¸ão de sentido estético conferido ao jogo de rúgbi por parte das praticantes, o que poderia indicar o que Vaz (2001)
denominoude‘‘combinac¸ãoreconciliatória’’entretécnica emimese,namedidaemqueambastrabalhamjuntasparaa produc¸ãodemomentosconsideradosbelos,poiscomovimos nosrelatos,nãohácriac¸ão(quepassaporuma‘‘entrega’’ aojogo)semtécnica,mastampoucoessa,isoladamente,é suficienteparaaelaborac¸ãodoinesperadoeemocionante.
À
guisa
de
conclusão
Tudo isso posto, retomamos a pergunta inicial desta pesquisa: comoasjogadoras derúgbirepresentam esteti-camente o esporte que praticam?O que gostam dever e defazer?Oqueachambonitonumapartida?Oqueasatrai easfascina?Nossasentrevistadaselogiaramojogoaberto, aquelequedeixa abola‘‘viva’’,queé dinâmicoe habili-doso.Segundoelas,éesseumformatointeligenteporque exige precisão nas tomadas de decisão, usam-se a criati-vidadee inventividadepara chegarao objetivofinal, algo sóalcanc¸ado,entretanto,pormeiodemuitoconhecimento técnicoetático.
Esseestilodejogocriativoeimprevisívelcaracterizaria oqueocampodenominarúgbiarte,permeadopela malan-dragem, ocupac¸ão correta do território do jogo, drama, ludibrio,encenac¸ão,negaceio,drible,inovac¸ãoe imprevi-sibilidade.Abelezaapareceassociadaàfeituradejogadas nãohabituais,nadaóbviasà dinâmicaregulardojogo,na quebradesualinearidade.Osdadosdenossotrabalhode campo indicam que quebrar a estrutura do jogo, criar o novo,oimpensável,fazeroquenãoestavanoroteiro,tem comoprerrequisitoolongoeárduocaminhodotreinamento. Só é possível criar quando os movimentos técnicos estão incorporados,acondic¸ãofísicapermitecorridasintensase seconheceasformastáticas,adinâmicadojogo.
Assim,atécnicaseapresentou,demaneirageral,como elementodeterminanteparaafruic¸ãoestéticadas jogado-ras,algo pouco considerado pelos autoresque lidam com o tema a partir do ponto de vista do espectador, como
Gumbrecht(2007), Welsch(2001), Wisnik(2008),Gebauer e Wulf (2004), por exemplo. As jogadoras, segundo nossa análise, indicam que o momento estético no esporte se encontranaquelajunc¸ão entretrabalho(técnica) e liber-dade (improviso), entre a seriedade da competic¸ão e a ludicidadedojogo.Talencontrosóocorrequandosedeixam impregnarpeloevento,porsuadinâmicaeporseu desen-rolar, isso mostra que serelacionar esteticamente com o esportenacondic¸ãodejogadoraé,assimcomoocorrecom aexperiênciaestéticadoespectadornocontatocomaarte, ‘‘perder-se nasobras’’ (Adorno, 2008, p. 272), ou ainda, em setratando especificamentedeesporte,estar perdido naintensidadedaconcentrac¸ão,nostermosdeGumbrecht (2007),absorvidopelasituac¸ão(inderSituationaufgehen) comoargumentaGebauer(1995).Somentenessaposic¸ãode entregaao jogo,em quenãoéprecisopensarcomo fazer tecnicamenteummovimento(porqueelejáestá,digamos,
naturalizado),quandoháumdistanciamentodosgestosem
relac¸ão à consciência --- que, segundo Gumbrecht (2007), caracterizaagrac¸anamovimentac¸ãodosatletas---,éque setemespac¸oparacriac¸ãodealgoinesperadoe surpreen-dente.
Aquiencontramosamistura,asoma,naconcretizac¸ãodo esporte(e,consequentemente,nacriac¸ãodesuasformas), deespírito(Geist)enatureza,representadospelatécnicae pelamimese,respectivamente.Assimcomonaarteemque, paraAdorno (2008),técnica e mimese se combinampara gerarobra---docontráriohaveriaapenastecnicismo(a téc-nicadeixadesermeioparatornar-sefim),napredominância daprimeira,oupuraespontaneidade(comonasbrincadeiras infantis),dasegunda(Vaz,2016)---,tambémpareceocorrer omesmonaconstruc¸ãodeformasnoesporte,algo reconhe-cidopelasprópriasprotagonistasdoespetáculo.Paraelas, criarexigedomíniotécnico,bemcomoumaentregaao acon-tecimentoquesóocorrequandoseesquecemdesi,quando se relacionam mimeticamente com esse outro que é o jogo.
Financiamento
OtrabalhoéresultadoparcialdoProgramadePesquisas Teo-ria Crítica, Racionalidades e Educac¸ão (IV)e contou com apoiofinanceirodoConselhoNacionaldeDesenvolvimento CientíficoeTecnológico(CNPq)nasseguintesmodalidades: bolsadedoutorado,bolsadedoutoradosanduíche,bolsade pesquisaeapoioàpesquisa.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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