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Open Estudo da autoadvocacia e do empoderamento de pessoas com deficiência no Brasil e no Canadá

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

ESTUDO DA AUTOADVOCACIA E DO EMPODERAMENTO DE

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL E NO CANADÁ

TAÍSA CALDAS DANTAS

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TAÍSA CALDAS DANTAS

ESTUDO DA AUTOADVOCACIA E DO EMPODERAMENTO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL E NO CANADÁ

Trabalho de Tese apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I, como exigência institucional para obtenção do grau de Doutora em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Dorziat Barbosa de Mélo

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D192e Dantas, Taísa Caldas.

Estudo da autoadvocacia e do empoderamento de pessoas com deficiência no Brasil e no Canadá / Taísa Caldas Dantas.-- João Pessoa, 2014.

237f. : il.

Orientadora: Ana Dorziat Barbosa de Mélo Tese (Doutorado) – UFPB/CE

1. Educação. 2. Pessoas com deficiência – Brasil e Canadá. 3. Autoadvocacia - estudo. 4. Empoderamento - estudo.

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TAÍSA CALDAS DANTAS

ESTUDO DA AUTOADVOCACIA E DO EMPODERAMENTO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL E NO CANADÁ

Aprovado em 11/07/2014

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Ana Dorziat Barbosa de Mélo Orientadora – UFPB/PPGE

Profª. Drª. Kátia Regina Moreno Caiado Examinadora- UFSCar/PPGEEs

Prof. Dra. Joana Belarmino de Sousa Examinador- UFPB/PPJ

Profª Drª Maria Eulina Pessoa de Carvalho Examinadora- UFPB/PPGE

Profª Drª Elisa Pereira Gonsalves Examinadora- UFPB/PPGE

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu pai, Paulo Dantas (in memorian): meu grande exemplo e maior professor que tive ao longo da minha história.

Com ele eu aprendi a ter foco na vida, a aproveitar o meu tempo como algo muito precioso, a ter sonhos grandes e a não me intimidar diante dos obstáculos, a encontrar amor em tudo o que eu precisasse fazer... Com ele eu aprendi que as sementes lançadas com esforço e dedicação sempre darão frutos bonitos e recompensadores, e a sua vida foi o maior exemplo disso. Foi o meu pai que me ensinou a beleza de olhar para o próximo como algo que traz muito mais gozo que olhar para mim mesma, e que fazer diferença na vida de pessoas é o bem mais sublime que eu posso desejar alcançar com aquilo que as minhas mãos se dispuserem a fazer.

Por tudo isso e por todos os ensinamentos que poucas palavras não são capazes de expressar, ele foi, indubitavelmente, o maior responsável por eu ter chegado até aqui. Ele foi meu braço forte, meu maior incentivador, meu apoio constante e a certeza que eu poderia ir mais longe, pois acreditou em mim mais que eu mesma, investiu em todos os meus sonhos e me deu as melhores oportunidades que eu poderia ter para alcançá-los.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, minha fonte de abundante vida e paz mesmo nos dias tempestuosos. Ele é a minha grande força, a certeza que não estou sozinha e a razão principal de tudo o que faço e almejo para todos os dias em que eu respirar.

À minha mãe, Glauce Dantas, agradeço porque você é o meu sustentáculo de vida, minha companhia todos os dias, minha proteção e meu grande suporte em todos os momentos, sejam eles alegres ou tristes. Você me ensinou a viver, investiu muito do seu tempo em minha educação, proporcionou-me preciosas oportunidades e, portanto, a você também pertence esta vitória. Eu sou mais forte perto de você e o simples fato de você existir trouxe-me fôlego para continuar sonhando e concluir este trabalho. Agradeço, mãe, porque você é a expressão mais sublime do que é o amor!

Ao meu irmão, George, agradeço por fazer parte da minha vida desde o dia em que nasceu e por ter dividido comigo todos os momentos mais importantes da minha história. Sua amizade, parceria e a certeza de seu apoio enquanto viver são fundamentais para mim e também foram essenciais na realização deste trabalho! À minha irmã, Milena, nossa caçula, agradeço porque você veio para completar nossa família e nos traz muita alegria. O seu perene cuidado comigo ajudou-me a chegar até aqui.

Ao meu amor, Antônio Toscano, agradeço pelo ombro estendido em todos os momentos, por todo incentivo e amor imensuráveis. Obrigada pela sua espera paciente nos momentos de ausência, por toda sua capacidade de compreensão, por sua confiança em mim, enfim, pela sua doce presença em minha vida. Sem a sua cumplicidade e apoio eu não teria conseguido chegar até aqui! A cada dia você me ensina mais sobre o profundo significado da palavra amar.

Ao meu avô, José Caldas (in memorian), minha torre forte e grande referencial de amor, agradeço pela companhia diária em todos os dias em que esteve vivo e por ter me inspirado a seguir uma carreira de visão altruísta. O seu legado de amor permanecerá eternamente vivo dentro de mim e a minha missão é perpetuá-lo! À minha avó, Margarida Caldas, agradeço por ser coluna de força em nossa família e em minha vida. A sua história e tudo o que construiu ao longo dela, conduz-me a ter garra e dedicação em tudo o que faço.

À minha orientadora, Ana Dorziat, agradeço a grandeza de sua sapiência que tanto me inspira. Você foi para mim uma professora não só da academia, mas da vida! Sua sabedoria e ensinamentos levarei sempre comigo. Obrigada pela sua parceria e dedicação que viabilizou a realização deste trabalho.

Aos/Às Professores/as Maria Eulina, Elisa Gonsalves, Kátia Caiado, Joana Belarmino, Maria Creusa e Francisco Lima, agradeço pela disponibilidade para participar da banca de qualificação e/ou defesa e por todas as contribuições que trouxeram a esta pesquisa. Vocês foram escolhidos porque, de diferentes formas, fizeram parte da minha trajetória acadêmica e me ensinaram sobre a arte de uma docência humana, sensível e voltada ao próximo.

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alcançar voos mais altos. Agradeço porque você me acolheu e abriu muitas portas em meu percurso na academia.

Aos meus tios Carlos Alberto e Meire, distantes fisicamente mas tão próximos ao mesmo tempo, agradeço pela certeza do incondicional apoio de vocês e por vibrarem comigo em cada conquista alcançada. Agradeço pela preciosa participação que tiveram neste caminho e por terem me proporcionado ricas oportunidades de crescimento! Às minhas primas Amanda e Camila, as irmãs que a vida me presenteou e que dividem comigo a minha história desde o berço, agradeço pelo amor e amizade tão preciosos para mim!

À minha tia Maria da Guia e a toda sua família, agradeço porque vocês são o renascer constante da memória do meu pai, e ter vocês em minha vida é manter sempre viva a história dele para mim. Sou muito grata porque o nosso laço de amor tornou-se ainda mais profundo nesse percurso.

A Tio Rossano e Tia Leyla, agradeço por serem extensão da minha família, por terem me recebido como filha e por compartilharem comigo, desde criança, tantos momentos especiais, alegrias e também tristezas. O amor, os braços sempre prontos para acolher e a sabedoria de vocês são fontes de vida para mim e foram cruciais na conquista deste sonho. Essa vitória também pertence a vocês, pois vocês também são responsáveis por quem hoje eu sou e pelos caminhos que me conduziram até aqui.

A Eduardo Fonseca, amigo, professor e referencial que ganhei na reta final deste trabalho, agradeço por ter tornado extensivo a mim o apreço que sentia pelo meu pai, por ter acreditado nos meus sonhos e ter me oferecido seu apoio e parceria na trajetória de luta em prol das pessoas com deficiência. À Rievani Damião, sua esposa e amiga querida, agradeço pela companhia, o cuidado que tem comigo, o carinho, os preciosos ensinamentos e por ter me trazido alegria em dias tão nublados. A presença de vocês em minha vida trouxe afago e força na conclusão deste trabalho!

Agradeço a todos/todas os/as amigos/as que ganhei na Universidade, por dividir comigo as alegrias e angústias deste percurso. Em especial, agradeço à minha amiga Jackeline Susann, por ter sido meu braço forte e apoio fundamental na conclusão desta etapa.

A todos os meus demais amigos, aqueles que escolheram gratuitamente me amar e me ensinam a cada dia que o tesouro da vida está no compartilhar, quero estender o agradecimento deste momento tão especial para mim!

A todas as pessoas com deficiência, do Brasil e do Canadá, as quais participaram desta pesquisa e me deram a honra de conhecer suas histórias de vida, agradeço porque vocês não apenas enriqueceram este trabalho, mas, principalmente, porque vocês marcaram minha história e me transformaram em uma pessoa melhor. Muito obrigada por ratificarem em mim o desejo de continuar nessa jornada em prol de uma vida mais digna para todos/todas, independente das condições que nos diferenciam e nos fazem sujeitos únicos e singulares!

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RESUMO

Este estudo tem como foco a realidade político-global e coletivo-individual da educação de pessoas com deficiência no Brasil e no Canadá. O seu objetivo é analisar, pela ótica dos Direitos Humanos, experiências individuais, sistemas (leis, políticas, diretrizes) e atitudes sociais que colaboram (ou não) para o processo de empoderamento e autoadvocacia na vida de pessoas com deficiência dos dois países. A história ilumina que não é de hoje que as experiências de exclusão marcam a vida do grupo social constituído pelas pessoas com deficiência, o qual permanece em uma situação de desvantagem social intensa. O movimento internacional das pessoas com deficiência vem dando destaque à necessidade urgente de garantia dos direitos humanos para o exercício da cidadania e participação social desse grupo. O argumento central deste estudo é o de que o acesso a processos educacionais formais ou informais constitui a base para a vivência dos direitos humanos e promove a construção de um processo de empoderamento e a vivência da autoadvocacia, rompendo com o ciclo de impossibilidades instalado desde cedo em suas vidas. Esta pesquisa se insere no campo de conhecimento dos Estudos Culturais em Educação, a partir do qual o caminho teórico-metodológico baseou-se justamente na „fluidez‟ propagada pela pós-modernidade e aderiu à abordagem de pesquisa qualitativa, em que foram entrevistadas vinte e oito pessoas com deficiências de contextos distintos do Brasil e do Canadá. A análise da realidade entre dois países distintos constituiu um importante fator de análise, pois se tornou a base para a identificação dos elementos que contribuem para o empoderamento e autoadvocacia de pessoas com deficiência com destaque para os arranjos culturais, sociais e econômicos de cada realidade. Os achados desta pesquisa revelam que pessoas com deficiência vêm modificando suas realidades através de suas histórias de vida e, além de superarem suas situações de opressão, suas ações são decisivas na vida de outras pessoas. Essas são, sem dúvida, situações que ilustram os maiores benefícios da autoadvocacia e do empoderamento para mudança social, independentemente de sistemas políticos, contextos culturais e oportunidades particulares de vida. A autoadvocacia e o empoderamento, portanto, ajudam a romper com uma tradição de silenciamento e submissão às normas jurídicas impostas verticalmente e principalmente às normas subjetivas nas relações cotidianas.

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ABSTRACT

This study is focused on the global political and collective-individual reality of people with disabilities in Brazil and Canada education. Your objective is to analyze from the perspective of human rights, individual experiences, systems (laws, policies, guidelines) and social attitudes that contribute (or don't) to the process of empowerment and selfadvocacy in people's lives with disabilities in the two countries. The story illuminates that is not today that the experiences of exclusion mark the life of the social group, consists of people with disabilities, who remains in a situation of intense social disadvantage. The international movement of people with deficiency has been highlighting the urgent need to guarantee human rights to citizenship and social participation of this group. The central argument of this study is that access to formal and informal educational, processes forms the basis for the experience of human rights and promotes the construction of a process of empowerment and the experience of selfadvocacy, breaking the cycle of impossibilities installed early in their lives. This research falls within the field of knowledge Cultural Studies in Education, from which the theoretical-methodological approach was based on precisely 'fluidity' advertisement by post modernity and adhered to the qualitative research approach, based on interviews of twenty-eight people with deficiencies in different contexts from Brazil and Canada. The analysis of reality between two different countries was an important factor to analyze because it became the basis for the identification of the elements that contribute to the empowerment and selfadvocacy of people with disabilities with emphasis on the social and economic arrangements of each reality. The findings of this research have shown that people with disabilities have been modifying their realities through their life stories and in addition to overcome their situations of oppression, their actions are decisive in the lives of others. These are undoubtedly situations that illustrate the major benefits of self-advocacy and empowerment for social change, regardless of political systems, cultural contexts and life chances. The selfadvocacy empowerment and thus help to break with a tradition of silencing and submission to the legal standards imposed vertically and mostly subjective norms in daily relationships.

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RESUMÉN

Cet étude a comme objet la réalité politique-globale et colective-individuelle de l‟éducation

de personnes handicapées au Brésil et au Canada. Notre objectif c‟est d‟analyser, sous l‟optique des Droits Humains, des expériences individuelles, des systèmes (lois, politiques, directives) et attitudes sociales qui collaborent (ou pas) pour le processus d‟autonomisation et

auto advocacie dans la vie des personnes handicapées des deux pays. L‟histoire illumine que

ce n‟est pas d‟aujourd‟hui que les expériences d‟ exclusion marquent la vie du groupe social

constitué par les personnes handicapées, lequel reste dans une situation de désavantage sociale intense. Le mouvement international des personnes handicapées est en train de souligner

l‟urgente nécessité de garantir les droits humains pour l‟exercice de la citoyenneté et la participation sociale de ce groupe. L‟argument central de cet étude c‟est que l‟accès aux

processus éducatifs formaux ou informaux constitue la base pour l‟expérience des droits

humains et promeut la construction d‟un processus d‟autonomisation et l‟expérience de l‟ auto advocacie, en rompant avec le cycle d‟impossibilités installé depuis tôt dans leurs vies. Cette

recherche s‟insère dans le champs de connaissance des Études Culturelles en Éducation, à

partir duquel le parcours théorique-méthodologique s‟est basé justement dans la „fluidité‟ propagée par la pos-modernité et a adhéré à l‟approche de recherche qualitative, où ont été interviwés vingt et huit personnes handicapées de contextes distincts du Brésil et du Canada.

L‟analyse de la réalité entre deux pays différents a constitué un important facteur de l‟analyse, car cela est devenu la base pour l‟identification des élèments qui contribuent pour

l‟autonomisation et l‟ auto advocacie de personnes handicapées avec proéminence pour les

dispositions culturelles, sociales et économiques de chaque réalité. Ce que nous avons trouvé dans cette recherche révèle que les personnes handicapées sont en train de modifier leurs

réalités à travers leurs histoires de vie et, outre surmonter leurs situations d‟oppression, leurs actions sont décisives dans la vie d‟autres personnes. Celles là, sont sans doute, des situations

qui montrent les plus grands bénéfices de l‟auto advocacie et de l‟autonomisation pour un

changement social, indépendamment de systèmes politiques, contextes culturels et occasions

particulières de vie. L‟ auto advocacie et l‟autonomisation, donc, aident à rompre avec une tradition de silence et soumission aux normes juridiques imposées verticalement et surtout aux normes subjetives dans les relations quotidiennes.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Descrição dos aspectos que compõem as diretrizes da autoadvocacia no Brasil. Quadro 2: Descrição dos aspectos que compõem as diretrizes da autoadvocacia no Canadá. Quadro 3: Informações gerais acerca dos participantes da pesquisa.

Quadro 4: Determinações para a inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular brasileiro.

Quadro 5: Legislações e diretrizes sobre as Pessoas com Deficiência no Canadá.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Esquema para a Organização e Análise dos Dados de Pesquisa

Figura 2: Transversalidade da modalidade de educação especial nos níveis de ensino brasileiro

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SUMÁRIO

RESUMO ... i

ABSTRACT ... ii

RESUMÉN ... iii

INTRODUÇÃO ... 14

CAPÍTULO I:CAMINHO TEÓRICO-METODÓLOGICO ... 30

1.1 Imersão do Objeto de Estudo no Campo dos Estudos Culturais ... 30

1.2 Procedimentos, Técnicas e Instrumentos de Pesquisa ... 34

1.2.1 Fase exploratória ... 34

1.2.2 Delimitação dos/as Participantes da Pesquisa ... 36

1.2.3 Entrevista Semiestruturada ... 39

1.2.4 Grupo Focal ... 42

1.2.5 Observação Participante e Não Participante ... 45

1.2.6 Diário de Campo ... 46

1.2.7 Procedimentos Éticos ... 47

1.3 Organização e Análise dos Dados ... 47

CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: POLÍTICAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ... 51

2.1 Contribuições das Organizações Não Governamentais na Trajetória Educacional de Pessoas com Deficiência: Breve Contexto Histórico e Práticas Institucionais Atuais ... 54

2.2 Década de 1990: Introdução da Inclusão nas Diretrizes Educacionais ... 65

2.3 Ensino Superior ... 76

2.4 Educação Informal para o Empoderamento e a Autoadvocacia: Modelo Social da Deficiência 84 CAPÍTULO III: EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: O CONTEXTO DO CANADÁ ... 105

3.1 Breve Histórico da Educação Canadense para as Pessoas com Deficiência ... 108

3.2 A Década de 1980: Modelo Integracionista da Educação ... 112

3.3 Paradigma da Inclusão na Realidade Canadense: Primeiras Aproximações com Princípios de Empoderamento e a Autoadvocacia ... 118

3.3.1 Especificações para Inclusão no Manual Special Education Services: A Manual of Policies, Procedures and Guidelines: Contexto Atual da Educação Canadense ... 120

3.3.2 O Ensino Pós-Secundário no Canadá ... 133

3.4 Inclusão de Estudantes com Deficiência no Mercado de Trabalho ... 149

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CAPÍTULO IV: O BRASIL E O CANADÁ: EMPODERAMENTO E AUTOADVOCACIA NAS

DIMENSÕES GLOBAL, LOCAL E INDIVIDUAL ... 162

4.1 Dimensão Global ... 164

4.1.1 Contexto Econômico e Social ... 164

4.1.2 Legislação e o Compromisso Governamental com o Modelo Social da Deficiência... 169

4.1.3 Sistema Educacional Formal ... 172

4.1.4 Ensino Superior ... 178

4.2 Dimensão Coletivo-Local ... 183

4.2.1 Cultura Local ... 183

4.2.2 O Papel das ONGs e Associações no Desenvolvimento das Pessoas com Deficiência ... 185

4.3 Dimensão da Experiência individual de Empoderamento e Autoadvocacia ... 190

4.3.1 Relações Familiares: Ponto de Partida para o Empoderamento e a Autoadvocacia... 190

4.3.2. Conhecimento de Si, Identidade Própria e Eliminação dos Rótulos ... 194

4.3.3 Competências da Autoadvocacia para a Participação Social ... 196

4.3.4 Conhecimento e Comunicação dos Direitos: A Liderança de Sujeitos Empoderados ... 199

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 202

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como foco a realidade político-global e coletivo-individual da educação de pessoas com deficiência no Brasil e no Canadá. O seu objetivo principal é analisar, pela ótica dos Direitos Humanos-DH, experiências individuais, sistemas (leis, políticas, diretrizes) e atitudes sociais que colaboram (ou não) para o processo de empoderamento e autoadvocacia na vida de pessoas com deficiência dentro de um contexto de educação entre o Brasil e o Canadá. Para isto, este estudo parte da seguinte problemática: qual

a realidade político-legal e sociocultural da educação no Brasil e no Canadá que contribui

para a garantia dos Direitos Humanos relacionados às experiências de empoderamento e autoadvocacia de pessoas com deficiência?

É importante ressaltarmos a necessidade de situarmos o Brasil e o Canadá em seus distintos modelos políticos, econômicos, educacionais e culturais. O Canadá destaca-se por ser um país com qualidade de vida, com padrão econômico desenvolvido e por ser uma sociedade industrial consolidada, de alta tecnologia. Este país é o segundo maior do mundo em dimensões territoriais, ficando atrás apenas da Rússia1. O Brasil também é caracterizado pela vasta extensão territorial, assim como pela diversidade cultural. Em termos de economia, o Brasil ocupa o 7° lugar no ranking das maiores economias do mundo (BRASIL, 2012). No entanto, a desigualdade na distribuição de renda é grande e afeta a maioria da população que carece de serviços básicos como saúde, moradia e educação.

Nos últimos anos, ao mesmo tempo em que o Brasil começou a crescer em termos econômicos, o país manteve altos índices de desigualdade social, com o crescimento de favelas e da violência urbana (BRASIL, 2012). Com isso, o governo federal vem investindo em ações pontuais através de políticas públicas de transferência de renda2. O IBGE (BRASIL, 2012) revela que o resultado dessas iniciativas governamentais é que 20% da população mais pobre aumentou sua participação no total de rendimentos de 2,6% no ano de 2001 para 3,5% em 2011.

Nesse contexto, a renda per capita de 20% da população mais rica caiu de 24 vezes superior para 16 vezes, em comparação à população mais pobre (IBGE 2001/2011). Em contrapartida, a diminuição da desigualdade nos últimos anos não foi suficiente para que a

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população mais rica deixasse de manter 57,7% do total do rendimento econômico do país, enquanto predominantemente 27% dos domicílios têm rendimento per capita de até ¼ do salário mínimo. Se for considerada a renda familiar na Região Nordeste, as desigualdades são ainda mais intensificadas que nas demais regiões do país. O IBGE registra, em 2011, uma renda per capita de R$ 348,00 no Nordeste contra R$ 650,00 na Região Sudeste. Esses dados revelam que a desigualdade socioeconômica é determinada também por questões geográficas, que relativizam as condições de pobreza e de custos de vida.

Em 2013, o Brasil aparece em 85ª posição, enquanto o Canadá ocupa a 11ª posição, no

ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano-IDH (ONU, 2003). A construção

desse índice é baseada no registro do Produto Interno Bruto-PIB de cada país, anos de escolaridade da população, expectativa de vida e dados gerais sobre as condições de vida que variam desde a assistência básica de saúde, condições de moradia e até o acesso à educação formal. A efetivação dos Direitos Humanos (DH) aos cidadãos/ãs também serve de parâmetro para definir as posições do IDH mundialmente, além da garantia das liberdades civis, condições dignas de trabalho, análise das relações sociais e de gênero, entre outras características populacionais que afetam a qualidade de vida (SCARPIN; SLOMSKI, 1997).

A discussão sobre esses elementos é importante porque os fenômenos da desigualdade e pobreza estão intimamente relacionados à exclusão social. Assim, um indivíduo é considerado pobre se o seu padrão de vida é menor significativamente ao padrão de vida médio da sociedade no que se refere à renda e acesso aos recursos e serviços sociais. As percepções das desigualdades e pobreza observadas pelos indicadores sociais do IBGE (BRASIL, 2012) visibilizam as condições de vida da população, que são resultados das características pessoais e coletivas, incluindo a análise de grupos que historicamente vivenciaram condições de vulnerabilidade social em razão de gênero, cor ou raça3, condição financeira, deficiência etc.

O Relatório Mundial da Saúde-OMS (2011) faz a relação entre qualidade de vida, pobreza e deficiência. Dados mundiais contidos no Relatório indicam que pessoas com deficiência sofrem taxas de pobreza mais altas do que a população sem deficiência. Em geral, os lares com pessoas com deficiência possuem taxas mais altas de privação de direitos humanos, que incluem habitação em condições sub-humanas, desemprego e falta de acesso à alimentação, água potável, saneamento básico, serviços de saúde e educação. Dessa forma, potencialmente, as pessoas com deficiência que residem no Brasil sofrem diversas

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vulnerabilidades se comparadas às pessoas com deficiência que vivem no Canadá e que têm os direitos humanos preservados.

Além disso, o Canadá apoia financeiramente países em desenvolvimento como no caso do Brasil. Os projetos financiados pelo país têm como foco responder às necessidades locais para estimular o crescimento econômico e sustentável, fornecer segurança alimentar e criar oportunidades para crianças e jovens que vivem em situação de exclusão. O papel da educação no desenvolvimento do país ganha destaque nesse financiamento internacional, uma vez que o Canadá também se compromete com a formação para o trabalho e projetos educacionais4.

Mundialmente, as discussões acerca dos DH fazem parte das medidas políticas para a garantia da qualidade de vida da população, inclusive daquelas pessoas que fazem parte de grupos sociais que sofrem algum tipo de vulnerabilidade e risco de exclusão. Desde 1948, as Nações Unidas aderiram à Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) como base para promover o respeito aos direitos e liberdades civis da diversidade dos povos (em nível nacional e internacional- interculturas). Os artigos 1° e 2° do texto admitem que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos sociais, e assim deve ser criada uma cultura de fraternidade entre a população, sem que seja admitido qualquer tipo de distinção negativa, baseada em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, bem como origem nacional ou social, riqueza, entre outras condição de vida.

A concepção de DH vem sendo defendida desde o século passado pelo movimento internacional das pessoas com deficiência, dando destaque à necessidade urgente de garantia de todos os direitos fundamentais para o exercício da cidadania e participação social. Ao mesmo tempo em que a luta pela efetivação dos DH é uma resposta contra o Estado, uma vez que ele é o principal responsável em potencial pela violação desses direitos, o movimento em favor dos DH torna-se contraditório quando admite que é somente esse mesmo Estado que pode garantir a efetivação dos direitos fundamentais para a vida em sociedade, considerando a qualidade de vida para todos e todas (SANTOS, 1995).

Essa tensão permite analisar a atividade em oposição à passividade que o movimento das pessoas com deficiência experienciou ao longo dos últimos cinquenta anos. A reivindicação em favor dos DH articulada à crítica ao modelo de governo já revela o caráter protagonista do grupo de pessoas com deficiência, que, mesmo diante de uma realidade de exclusão e segregação, vem historicamente buscando reverter esse quadro de omissão do

4

Mais informações em:

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Estado e, com isso, gerando diversas conquistas mundiais como os acordos das Nações Unidas (ONU, 1981; 1948; 1993; 1994; 2006) e, no Brasil, o crescimento expressivo da legislação em favor desse grupo (BRASIL, 1988; 1996; 2000; 2004; 2007; 2008; 2011).

A história ilumina que não é de hoje que as experiências de exclusão marcam a vida do grupo social constituído pelas pessoas com deficiência, o qual permanece em uma situação

de desvantagem social intensa especialmente no que se refere à “participação e aos direitos humanos básicos” (NEVES, 2000, p.48). A invisibilidade social e a omissão das lideranças

políticas na efetivação dos direitos desse grupo geram falta de oportunidades, não acesso à educação e uma série de restrições impostas pela sociedade (FERREIRA, 2009; SOARES 2010; FARIAS, 2011).

É justamente por isso que os diferentes movimentos das pessoas com deficiência se reuniram para discutir e consolidar o texto que resultou na Convenção sobre os Direitos das

Pessoas com Deficiência (ONU, 2006). Na atualidade, este documento representa um marco,

por trazer as reivindicações de mudança social a partir da contestação das barreiras e da falta de garantia de todos os direitos fundamentais a esse grupo, reforçando a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948).

A Convenção traz a necessidade de incluir a voz das próprias pessoas com deficiência em todos os espaços sociais, ao adotar o lema “Nada sobre nós sem nós”. Essa busca por direitos e espaço para a afirmação da identidade das pessoas com deficiência redundou no movimento mundial da autoadvocacia (DUSCHATSKY; SKILIAR, 2001). O documento surgiu, portanto, para promover, defender e garantir condições de vida com dignidade aos cidadãos e cidadãs do mundo que apresentam alguma deficiência. As contribuições sociais das pessoas com deficiência para o bem-estar comum e a diversidade também são reconhecidas no texto oficial, que evidencia o papel histórico desse grupo no desenvolvimento das sociedades. A Convenção destaca que a plena participação é resultado do fortalecimento do senso de pertencimento da pessoa com deficiência à sociedade (ONU, 2006).

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sociais, podendo exercer (ou não), com isso, em maior ou menor grau, o empoderamento na sua vida.

A educação, nesses dois contextos, tem um papel fundamental, sobretudo ao ser vista à luz da teorização pós-estruturalista de Michel Foucault (1979; 1988), que desoculta as intenções de disciplinamento dos sujeitos e a legitimação de determinados saberes, fortalecendo relações de poder. Neste caso, a educação é revelada na sua subjetividade, no discurso e na normatização que acontecem tanto na sua formalização através do sistema de ensino como também na sua informalidade, nas relações sociais e individuais.

A escola ganha destaque porque ela (re)produz a subjetividade através de seus currículos, projetos pedagógicos, objetivos, metodologias, séries, níveis de ensino, conteúdos, entre outros aspectos. Louro (2011) admite que o sistema de ensino é responsável por construir identidades escolarizadas, informando o papel de cada um na escola e fora dela, bem como reforçando e produzindo estereótipos, diferenças, semelhanças e fronteiras através dos modelos educacionais. Segundo Valeirão (2009, p. 71), a educação, na concepção moderna, surgiu da necessidade de tirar a população de seu estado de „selvageria‟, sendo a escola um

espaço de “governo da alma dos sujeitos, operando a partir de sua subjetividade, fazendo uso do poder que a sustenta”.

A educação inclusiva é um produto desta época. Este paradigma educacional foi consolidado com a Declaração de Salamanca: Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área

das Necessidades Educativas Especiais (ONU, 1994), documento assinado por diversos

países, entre eles Brasil e Canadá. A partir desse documento foi fortalecido o questionamento da exclusão do sistema de ensino regular dos estudantes identificados com necessidades educacionais especiais, que são aqueles que correm risco de não ter acesso à educação formal ou evadirem-se por serem pessoas com deficiência, superdotados, moradores de rua, trabalhadores, nômades, da minoria linguística, étnica ou cultural ou qualquer grupo que seja marginalizado na sociedade. Dessa forma, o discurso oficial que legitima a educação formal como um direito também de crianças, jovens e adultos com deficiência começa a impactar nos dias atuais e, portanto, possibilita provocar mudanças que podem ser positivas ou negativas no processo educativo desse grupo.

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deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação foi determinada a educação especial através de serviço de apoio especializado em classes ou escolas especializadas sempre que for preciso (BRASIL, Art. 58).

Além do caráter normativo do direito à educação de pessoas com deficiência, é através de processos educacionais que essas pessoas aprendem sobre os discursos vinculados às suas identidades (WOODWARD, 2000), isto é, a educação, através da escola e outras instituições sociais, baseia-se nas relações que, muitas vezes, são também responsáveis pela reprodução de preconceitos, estereótipos e discriminação. Por outro lado, é através da educação (formal ou informal) que é possível que pessoas com deficiência tenham efetivados os seus direitos humanos básicos e desenvolvam habilidades e competências necessárias para seu empoderamento e autoadvocacia.

O empoderamento articulado à autoadvocacia é visto aqui como expressão individual de sujeitos dentro de uma dimensão coletiva como, por exemplo, o Estado, a escola, a família, os movimentos sociais, a educação superior, as relações trabalhistas, os grupos identitários (negros, indígenas, pessoas do campo, mulheres e outros) caracterizados pela diversidade étnica, econômica, geracional etc.

O argumento central deste estudo é o de que o acesso a processos educacionais formais ou informais constitui a base para a vivência dos direitos humanos e promove a construção de um processo de empoderamento e a vivência da autoadvocacia, rompendo com o ciclo de impossibilidades, contribuindo para a participação social. Por isso, esta pesquisa tem entre seus objetivos descrever a autoadvocacia e empoderamento em suas peculiaridades teórico-práticas, muitas vezes intrinsecamente dependentes da história do movimento mundial das pessoas com deficiência que aderiram a essa filosofia. A análise da realidade entre dois países distintos como Brasil e Canadá se torna importante fator de análise, pois serve de base para a identificação dos elementos que contribuem para o empoderamento e autoadvocacia de pessoas com deficiência em contextos culturais, sociais e econômicos diferentes. Nesse sentido, o empoderamento constitui um processo tanto coletivo quanto individual, no desenvolvimento de potencialidades, visando tornar a pessoa capaz de direcionar a sua vida de acordo com seus desejos.

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conceito de empoderamento foi incorporado ao movimento internacional de pessoas com deficiência (BERESFORD, 2013).

A maior expressão da ideia de empoderamento, no fim do século XX, foi associada com o movimento de Direita, caracterizado pelo incentivo ao mercado privado contra a filosofia do estado de bem-estar social, como ocorreu no Reino Unido, onde havia uma forte tradição de intervenção do Estado em larga escala. A abordagem do empoderamento industrial baseava-se em um modelo consumista, individualista de mercado (BERESFORD, 2013).

Posteriormente, o conceito de empoderamento foi se alargando e atingindo outros objetivos sociais que não apenas aqueles objetivos direcionados ao mercado, marketing e indústria. Com reforço dos movimentos negros, feministas e das pessoas com deficiência, surge uma vertente popular do conceito de empoderamento, que afirma que todos têm influência sobre as atividades e debates sociais e, portanto, têm responsabilidade sobre as transformações na sociedade e diminuição da opressão.

Nesse contexto popular, o empoderamento adquiriu formas a partir das perspectivas teóricas de estudiosos/as que se baseavam na realidade de países pobres e em desenvolvimento, como é notável nos escritos de Steve Biko, na África do Sul, e Paulo Freire, na América do Sul (BERESFORD, 2013). No Brasil, Freire foi referência nas reflexões progressistas sobre libertação e participação, aproximadas ao empoderamento, especialmente na área de trabalho comunitário. Freire criou o termo conscientização, processo pelo qual as pessoas oprimidas passam a compreender as raízes de sua opressão e, assim, fazem o movimento contrário que é o de libertação e empoderamento, realizado a partir de uma educação contextualizada, sobre e para a vida (FREIRE, 1970).

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A autoadvocacia, uma característica fundamental para o empoderamento, é conceituada por Beresford (2013) como uma proposta filosófica, científica e social, com o objetivo de romper com o ciclo de desempoderamento que circunda a vida das pessoas com deficiência e “revela a possibilidade de qualquer indivíduo ser advogado de si mesmo” (SOARES, 2010, p. 15). O objetivo desta filosofia de vida é exatamente resgatar o valor que as pessoas com deficiência possuem como seres humanos e fazê-las autoras de suas próprias histórias. Esse movimento torna audíveis as vozes de pessoas com deficiência que permaneceram emudecidas por tanto tempo, dando-lhes a oportunidade de viverem de forma autônoma, liberando-se da dependência única de terceiros (GARNER, SANDOW, 1995; GLAT, 2004; NEVES, 2005; SOARES, 2010; DANTAS, 2011).

Em termos conceituais, Sutcliffe e Simons (1993) argumentam que a autoadvocacia não é passível de uma única definição, uma vez que ela remete a vários significados, e tem crescido em complexidade ao longo dos anos. Williams e Shoultz (1982, p. 159) indicam que

“a autoadvocacia diz respeito a falar ou agir por si mesmo. Significa escolher o que é melhor para você e assumir a responsabilidade de consegui-lo (...)” se levantando em prol dos seus direitos enquanto pessoa humana. Constitui um meio de as pessoas que tiveram seus direitos negados assumirem suas próprias vozes (BHAVANI, 1990). Por todos os estereótipos existentes, a autoadvocacia é destinada, prioritariamente, aos indivíduos com deficiência intelectual e àqueles que apresentam problemas de desenvolvimento, como forma de eles afirmarem o controle e poder sobre suas vidas.

Assim como o empoderamento, a autoadvocacia pode ser vivenciada tanto em nível individual quanto em uma perspectiva coletiva, dentro de uma experiência grupal. No nível individual, a autoadvocacia refere-se a um processo por meio do qual uma pessoa vem a ter a confiança e a capacidade de expressar seus sentimentos e pensamentos de forma assertiva, fazer escolhas e decisões pessoais, bem como conhecer os seus direitos (Sutcliffe; Simons, 1993). Por outro lado, há uma importante ligação entre atos individuais de autoadvocacia e a vivência da autoadvocacia dentro de um ambiente grupal. Pessoas com deficiência muitas vezes aprendem sobre habilidades eficazes de autodefesa a partir da socialização e interação com o grupo. É dentro desse contexto que um grupo de autodefensores do SABE (SelfAdvocates Becoming Empowered) definiu a autoadvocacia como:

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mais independentes. Ela também nos ensina sobre os nossos direitos, mas junto com a aprendizagem sobre os nossos direitos aprendemos responsabilidades. A nossa forma de aprender sobre nós mesmos é defendendo, apoiando uns aos outros e ajudando uns aos outros a ganhar confiança em nós mesmos, para que possamos falar por aquilo em que acreditamos (SABE, 1991, p. 23).

Tal aspecto coletivo da autoadvocacia, em que indivíduos com deficiência se tornam empoderados e aprendem não apenas a expressar seus desejos mas formam uma rede de apoio mútuo, que lutam em prol dos direitos do seu grupo social, tem sido a base para o movimento internacional de autoadvocacia em expansão. Neste estudo, abordamos tanto o aspecto individual, quanto a dimensão político-coletiva, tomando por base processos educacionais formais e informais, pois entende-se que estes constituem a base para a vivência dos direitos humanos e da autoadvocacia em todas as suas esferas (grupal e individual).

Embora seja difícil determinar quando o movimento de autoadvocacia começou oficialmente, pode-se dizer que ele foi formalmente reconhecido e definido por pessoas com deficiência na Europa durante a década de 1960 e início dos anos 1970. A ênfase na normalização e desinstitucionalização na década de 1970 e os movimentos de autoajuda de 1980 (WEHMEYER, AGRAN & HUGHES, 1998) estimularam o desenvolvimento do movimento de autoadvocacia para pessoas com deficiência. O movimento de vida independente também proporcionou um trampolim para o ativismo da autoadvocacia em todo o mundo (BROOKE, BARCUS e INGE, 1991). O movimento de vida independente foi criado na Universidade de Berkeley, Califórnia, na década de 1960, e caracteriza-se pela busca de

uma melhor qualidade de vida para as pessoas com deficiência, “fortalecendo-as

individualmente e resgatando seu poder pessoal para uma vida ativa e participativa” (RIBAS,

1995, p. 137).

Autoadvocacia como um movimento de direitos civis para pessoas com deficiência possui suas raízes no movimento do People First (LONGHURST, 1994; WILLIAMS & SHOULTZ, 1982), organização pioneira na promoção do movimento da autoadvocacia no mundo. O People First, cuja tradução significa “pessoas em primeiro lugar”, nasceu a partir da insatisfação de pessoas com deficiência intelectual, ao perceberem que suas deficiências estavam sendo historicamente colocadas acima de suas características pessoais, e se constrói, portanto, sobre a filosofia de que os sujeitos humanos existem antes de suas deficiências ou qualquer outra condição.

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tratadas. Essa lista foi apresentada a um grupo de pais que os apoiaram. Como fruto dessa ação reivindicatória, a Suécia sediou diversas conferências nacionais em 1968 e 1970, que passaram a incorporar os pontos de vista das pessoas com deficiência (GOODLEY, 2000), representando um grande avanço para a história. Notícias dessas conferências começaram a se espalhar por todo o mundo e, como consequência, em 1972, conferências semelhantes ocorreram no Reino Unido e no Canadá (WILLIAMS & SHOULTZ, 1982, p. 52-53).

Diversos profissionais, professores, mediadores e pessoas com deficiência do Oregon - EUA participaram da conferência que ocorreu no Reino Unido no início da década de 1970 e, após o regresso, começaram a trabalhar para construir o seu próprio fórum estadual. Este fórum ou convenção ocorreu em Otter Crest, Oregon, em 1974, e marcou o início do movimento People First e o surgimento da primeira rede estadual de autoadvogados no Oregon. Os membros dessa rede criaram modelos de como desenvolver e executar grupos de autoadvocacia. A partir desse momento, o movimento de autoadvocacia tornou-se conhecido em todo o mundo e se espalhou por diversos países (BERESFORD, 2013).

Apesar de ter surgido oficialmente na cidade de Oregon, o People First desenvolveu-se no Canadá e, ao longo dos anos, tem realizado um trabalho de relevância para a vida de pessoas com deficiência, despertando-as para as suas potencialidades e empoderamento, principalmente através da participação na luta por melhores condições de vida e intervenções em reuniões de governo. Foi justamente devido ao lugar de destaque que o Canadá possui nesse movimento, como também em razão do material pedagógico de qualidade que tem sido desenvolvido sobre autoadvocacia e direitos humanos, que o escolhi para constituir um dos campos da presente pesquisa.

No Brasil, especificamente, o conceito de autoadvocacia foi lançado em 1986, durante o IX Congresso Mundial da Liga Internacional de Associações para Pessoas com Deficiência Mental, realizada no Rio de Janeiro, sob o comando da Federação Nacional das APAES. Esse congresso foi o passo inicial para o desenvolvimento da autoadvocacia no nosso país e, desde então, esse movimento vem paulatinamente se difundindo, mas ainda é pouco conhecido e incentivado(GLAT, 2004).

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juízo e a palavra autodeterminação implica em o sujeito ter determinação e coragem para lutar pelos seus ideais de vida.

Ao apresentar o significado dos referidos termos, é possível perceber que nenhum deles, isoladamente, poderia apresentar a exata dimensão de todos os princípios que norteiam o movimento de autoadvocacia, o que, certamente, resultaria no empobrecimento da abrangência do conceito “self-advocacy” em inglês.

Nesta pesquisa, utilizei a expressão autoadvocacia que constitui a tradução adequada para o termo na língua inglesa, a qual compreende a conjunção dos três outros termos, quais sejam, determinação, defensoria e advocacia. A abrangência e complexidade do conceito residem no processo de empoderamento e exercício das pessoas com deficiência que

“determinam suas metas, defendem seus interesses e advogam a necessidade de serem ouvidas e de terem a liberdade de decidir” (NEVES, 2005, p. 40).

De acordo com autores brasileiros, como Glat e Fellows (1999 apud GLAT, 2004), a autoadvocacia está alicerçada em quatro diretrizes fundamentais, que englobam tanto o aspecto político quanto o educacional:

Aspectos Descrição

Eliminação de Rótulos

A pessoa é considerada em primeiro lugar e não a deficiência, pois o rótulo de deficiente tem um efeito muito limitador e discriminador na história desse grupo social. O movimento de autoadvocacia se contrapõe aos estereótipos que são impostos aos indivíduos para classificá-los.

Identidade Própria

As pessoas com deficiência têm suas identidades ressignificadas e passam a serem vistas como indivíduos singulares. Ao se tornarem autoadvogados, as pessoas com deficiência ganham uma identidade própria que não se resume à deficiência que possuem, mas que envolve todos os aspectos que compõem a complexidade do ser humano que são.

Autonomia e Participação

Um dos grandes objetivos da autoadvocacia é proporcionar aos jovens com deficiência independência e autonomia nas decisões que afetam as suas vidas. O princípio que norteia essa diretriz é o pressuposto de que todos/as, como cidadãos/ãs, possuem o direito de fazer escolhas e arcar com os erros e consequências advindas delas.

Defesa dos Direitos

A autoadvocacia desenvolve nas pessoas com deficiência a habilidade para serem porta-vozes de seus direitos, sem necessitarem de pais ou tutores para falar em nome deles. A autoadvocacia luta para que as pessoas com deficiência exerçam os seus direitos e deveres como cidadãos.

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Na literatura internacional, pesquisadores (DAVIDW et al., 2003) também apontam elementos que caracterizam a autoadvocacia e, apesar de serem nominalmente distintos dos elementos apresentados pelos autores brasileiros, assemelham-se na sua filosofia e essência:

Aspectos Descrição

Conhecimento de si

O primeiro passo para a autoadvocacia é adquirir conhecimento dos próprios interesses, preferências, pontos fortes, necessidades, estilos de aprendizagem e características de sua deficiência. O conhecimento de si é visto como a base da autoadvocacia, porque é necessário primeiro os indivíduos compreenderem e conhecerem a si mesmos antes que eles/elas possam dizer aos outros o que querem.

Conhecimento dos direitos

Outro passo para a autoadvocacia é o conhecimento dos seus direitos como cidadão/ã, como um indivíduo com uma deficiência e/ou como estudante que recebe os serviços de apoio especializado na escola.

Comunicação

A pessoa com deficiência precisa desenvolver a habilidade de se comunicar de forma eficaz e assertiva. Aprender a comunicar, tanto desejos e vontades pessoais quanto informações na presença de outras pessoas para negociação e/ou resolução de problemas, é fundamental para a autoadvocacia a nível individual e coletivo.

Liderança

O componente liderança permite que uma pessoa mova-se da autoadvocacia individual para a defesa de outros, como um grupo de indivíduos com interesses comuns. A liderança envolve aprender os papéis e dinâmicas de como trabalhar em um grupo e ter responsabilidades.

Quadro 2: Descrição dos aspectos que compõem as diretrizes da autoadvocacia no Canadá.

Destaca-se que a autoadvocacia pode ocorrer em vários níveis de complexidade ao longo da vida de um indivíduo: este pode com sucesso se tornar um autoadvogado de suas próprias necessidades, ou desenvolver habilidades de autoadvocacia no nível de sistema. Isso significa que os indivíduos não precisam adquirir todos os componentes, incluindo a liderança, para serem autoadvogados.

Os conceitos de empoderamento e autoadvocacia, neste estudo, estão estritamente relacionados ao modelo social da deficiência adotado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), em que as pessoas com deficiência não são vistas como sujeitos isolados, mas como pessoas que vivem em contextos sociais e, portanto, são abarcadas pelos DH.

Em recente levantamento de referências acerca do empoderamento e da autoadvocacia5 é possível constatar um número bastante reduzido de pesquisas que se

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preocupam com esta temática no Brasil (GLAT, 2004; NEVES 2001, 2005; JUNIOR, 2010; SOARES, 2010; DANTAS, 2011; DANTAS, SILVA, CARVALHO, 2013). Constatei quanto à articulação deficiência, empoderamento e autoadvocacia somente duas dissertações de mestrado que se preocuparam diretamente com essas questões (SOARES, 2010; DANTAS, 2011). Soares (2010) teve como objetivo identificar e analisar os fatores que favorecem o desenvolvimento da autoadvocacia de jovens com deficiência no âmbito do Projeto de

Extensão Universitária Pró-Líder: promovendo a autoadvocacia de jovens com deficiência. E

Dantas (2011), dissertação de minha autoria, buscou analisar as condições que contribuem para o exercício da autoadvocacia interligado à vivência de um processo de empoderamento na história de vida de quatro jovens com deficiência.

Meu interesse em estudar o empoderamento e autoadvocacia na experiência de pessoas com deficiência no Brasil surgiu, justamente, do meu contato com a organização

People First, e, no Brasil, com o grupo de Extensão Universitária Pró-Líder6 (João

Pessoa/PB), e com a Associação Carpe Diem7 (São Paulo/SP), projetos que têm como foco o desenvolvimento da autoadvocacia e do protagonismo juvenil no dia a dia de pessoas com deficiência de diferentes contextos regionais, sociais e econômicos e em meio a oportunidades distintas de vida. Esses trabalhos, que se destacaram pela relevância social, tornaram-se campo da minha pesquisa de mestrado (DANTAS, 2011), que indicou como resultados: (a) As pessoas com deficiência precisam vivenciar experiências que eliminem os rótulos

consequentes da visão patológica da deficiência. Este é o primeiro elemento para acabar com o efeito limitador e discriminador, de modo que pessoas com deficiência possam contrapor-se aos estereótipos a elas impostos;

(b) Jovens oriundos de contextos regionais, sociais e econômicos distintos, empoderaram-se por meio das diversas oportunidades a que foram expostos, admitindo a sua identidade própria. Nesse processo há uma ressignificação da identidade do grupo de pessoas com deficiência, afirmando as suas identidades como indivíduos únicos e singulares. Essa identidade depende do contexto específico, que é mutável e que, portanto, não se limita à única condição da deficiência, mas inclui outros marcadores de identidade: “a deficiência deixa de ser uma categoria fechada em si mesma e a pessoa deficiente passa a ser vista

como um sujeito histórico, situado em um espaço e tempo determinados” (CAIADO,

2003, p. 89);

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(c) Umas das principais características de pessoas empoderadas é o exercício da autonomia e participação social de modo que a pessoa com deficiência se perceba como cidadã que possui todos os direitos para fazer escolhas e assumir sua responsabilidade social como expresso na CDPcD (ONU, 2006);

(d) O exercício da autoadvocacia na vida de pessoas com deficiência inclui o conhecimento acerca dos direitos e deveres que possuem e a aquisição de uma compreensão acerca do que significa ser cidadão, por isso a pesquisa revela a força e a importância do jovem se sentir como parte – membro – de um grupo específico: o de autoadvogados, porque ao engajarem-se nos grupos ou associações (como no caso do movimento de vida independente) ou projetos que aderem à filosofia do movimento, acabam por constituir verdadeiras redes sociais fundamentais para o apoio mútuo e a reflexão contínua. Dessa forma, a defesa de seus próprios direitos permite que as pessoas com deficiência se assumam como sujeitos políticos e que, portanto, têm responsabilidade na luta pelos DH.

A oportunidade de ter tido contato com o grupo People First, na cidade de Winnipeg em 2011, durante o percurso de mestrado e, posteriormente, na cidade de Vancouver no ano de 2012 com um grupo de pessoas brasileiras com deficiência intelectual, despertou-me para as diferenças estruturais, políticas e sociais que favorecem o processo individual de empoderamento e autoadvocacia na vida de pessoas com deficiência. A minha observação sobre as diferenças políticas, culturais e espaciais entre o Brasil e o Canadá foi decisiva para motivar esta investigação, fazendo-me refletir sobre o empoderamento e a autoadvocacia como práticas que devem considerar o sujeito na sociedade onde está inserido. Conhecer e comparar essas realidades é de suma importância porque permite identificar os limites e avanços políticos e culturais que afetam as diferentes áreas da vida de pessoas com deficiência, especificamente a trajetória educacional. Dessa forma, este estudo em nível de doutorado, pretende olhar para além da dimensão individual, mas reconhecer a pessoa com deficiência dentro de uma dimensão coletiva, o que envolve aspectos políticos, legais e sociais.

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Em consonância com as discussões fomentadas por este campo de estudos, questiono o estigma de incapacidade colocado sobre as pessoas com deficiência por séculos, uma vez que, à luz dos Estudos Culturais, as identidades são caracterizadas como “fluidas, instáveis,

complexas” (HALL, 2006) e não podem ser ancoradas em um só ponto de referência. Nesse sentido, com fundamento nos Estudos Culturais, o movimento de autoadvocacia proporciona uma nova identidade social para as pessoas com deficiência que não se resume à deficiência que possuem, mas envolve uma multiplicidade de aspectos que compõe o ser humano.

O caminho teórico-metodológico desta pesquisa baseia-se justamente na „fluidez‟ propagada pela pós-modernidade de modo que a pesquisa nos EC não busca adequar-se a qualquer doutrina, mas ao cruzamento da realidade objetiva e subjetiva entre os sujeitos. Os

EC “não se configuram numa „disciplina‟ mas numa área onde diferentes disciplinas

interatuam, visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade” (ESCOSTEGUY, 2001,

p.27). As expressões culturais estão, portanto, em contextos diversos, instituições e normas com base em relações de poder e na história de vida de cada grupo social.

Este estudo adere à abordagem de pesquisa qualitativa (KINCHELOE, MCLAREN, 2006; CELLARD, 2008; POUPART et al. 2008) através de: (a) levantamento documental do marco político-legislativo que trata dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil e no Canadá; (b) levantamento da literatura que problematiza o empoderamento e autoadvocacia, incluindo traduções de material em Língua Inglesa; e, (c) coleta de dados empíricos através de entrevistas semiestruturadas; observações participantes e nãoparticipantes com vinte e oito pessoas com deficiência de diversos contextos de vida e que vivem em diferentes regiões brasileiras e do Canadá, bem como a participação de coordenadoras de projetos que abordam o protagonismo de pessoas com deficiência da Organização People First (Vancouver/Ottawa) e na faculdade Douglas College (Vancouver), ambos no Canadá, e da Organização Carpe Diem, da APAE (Brasília) e a Universidade Federal da Paraíba, localizadas no sudeste e nordeste brasileiro, respectivamente.

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humanos com o olhar para as relações sociais, institucionais e individuais que favorecem o processo de empoderamento e autoadvocacia de pessoas com deficiência, em seus contextos distintos de vida, com destaque para o papel da educação (formal e informal) nas experiências desse grupo social. Este capítulo também tem como foco trazer a reflexão sobre o movimento mundial das pessoas com deficiência, que historicamente contribuiu para o empoderamento e o fortalecimento desse grupo; Capítulo V: retoma os principais achados e descreve apontamentos acerca das minhas conclusões do estudo.

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CAPÍTULO I:

CAMINHO TEÓRICO-METODÓLOGICO

Para problematizar o processo de empoderamento e autoadvocacia via educação formal e informal na vida de pessoas com deficiência que residem no Brasil e no Canadá, adotei a abordagem qualitativa de pesquisa a partir da perspectiva teórico-metodológica dos Estudos Culturais-EC (COSTA, 2000; 2003; COSTA, SILVEIRA, SUMMER, 2003; ESCOSTEGUY, 2001; JOHNSON, 2006; MATTELART, NEVEU, 2004, SILVA, 2000). Nesse tipo de pesquisa, a problematização é tomada como eixo de análise não apenas do objeto de estudo, mas da própria natureza da pesquisa. A pesquisa no campo dos EC fundamenta-se na própria contestação do rigor dos experimentos herdados das Ciências da Natureza, que influenciaram a área das Ciências Humanas e Sociais. Para os EC, os princípios das pesquisas positivistas não respondem suficientemente às questões que envolvem o/a homem/mulher no ambiente, os fenômenos e os conflitos sociais, pois os mesmos são vistos como produções culturais, situadas em um contexto particular e não universal.

Baseada nessa abordagem, apresento e fundamento, neste capítulo, o caminho da presente investigação, quanto às escolhas dos procedimentos, técnicas e instrumentos de pesquisas, bem como justifico a escolha do campo de estudo e dos/as participantes, que, por meio de seus relatos e vivências, constituíram-se como peças fundamentais para a consecução deste estudo. Ao situar o objeto de estudo dentro do campo do EC na sua interdisciplinaridade analítica, procuro evidenciar a minha posição de pesquisadora e as minhas convicções para a legitimidade daquilo que é científico dentro da visão pós-estruturalista da realidade humana.

1.1 Imersão do Objeto de Estudo no Campo dos Estudos Culturais

O atual momento científico, chamado por alguns/algumas teóricos/as de pós-modernidade, é caracterizado pela fragmentação, negação do universalismo teórico e análises científicas que penetram nas relações microcotidianas (SANTOS, 2009; COSTA, 2002). Para Santos (2009), este é um momento de crise do pensamento científico tradicional, por considerar os processos subjetivos envoltos no ato de pesquisar, em que entra em pauta a relação entre o/a pesquisador/a, o objeto e os participantes do estudo.

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humanas e sistemas sociais. Inaugura-se uma época em que as pesquisas nas Ciências Sociais e Humanas tornam-se mais autônomas na legitimação de seus métodos, antes dependentes dos experimentos testados nas Ciências da Natureza e Exatas. Nesse contexto, os/as pesquisadores/as buscam aprofundar os significados e discursos que regulam a vida humana. A pesquisa qualitativa compromete-se com a dinâmica cotidiana, vivências, contextos históricos, falas, cenas, crenças, valores, atitudes, lutas e hábitos que dão sentido à prática investigada.

Nesse sentido, Kincheloe e McLaren (2006) admitem que nenhuma interpretação científica é pura, uma vez que o/a pesquisador/a tem total influência na escolha dos sujeitos e na legitimação dos resultados. A pesquisa qualitativa busca, então, romper com o círculo protetor que separava pesquisador/a e pesquisado/a, admitindo a contaminação dos valores e referenciais pessoais dos sujeitos falantes. Diante dessa situação, a ênfase está no significado real da Ciência e no seu poder de influenciar a realidade. Segundo Japiassu (1979), o pesquisador contemporâneo saiu de sua ficção neutralista e, com ele, também as Ciências. Hoje, mais do que nunca, o racional se mescla ao inconsciente, assim como o coletivo ao individual, como partes que compõem a mesma matriz.

Os estudos sobre cultura a partir da perspectiva dos Estudos Culturais provieram do período de instabilidade do pós-guerra, da herança das análises arnoldianas sobre a „alta‟ cultura e dos desafios das Ciências Sociais, das inquietações teórico-epistemológicas que sofreram os/as pesquisadores/as pós-modernos. No século XX, com a nova perspectiva de Ciência, os pesquisadores/as, inquietos com o positivismo científico e dogmatismo na concepção de verdade no campo das Ciências Humanas e Sociais, passam a incluir em suas investigações aquilo que é visto de forma banal no cotidiano popular e, até então, ilegítimo cientificamente, assim como esclarece Costa:

Os EC vão surgir em meio às movimentações de certos grupos sociais que buscam se apropriar de instrumentais, ferramentas conceituais [...], repudiando aqueles que se interpõem, ao longo dos séculos, aos anseios por uma cultura pautada por oportunidades democráticas, assentada na educação de livre acesso (COSTA, 2003, p.37).

Dessa forma, uma nova postura investigativa passa a criticar o cientificismo de grupos dominantes, tomando forma a partir de um grupo de intelectuais de esquerda do Centre for

Contemporary Cultural Studies (CCCS), que buscavam um modelo alternativo de mudança

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É justamente neste novo modo de fazer pesquisa que o presente estudo busca inspiração científica, perspectivando suas análises em uma educação para pessoas com deficiência a partir de experiências de empoderamento e autoadvocacia em seus distintos contextos de vida. Essa abordagem é baseada na literatura sobre os Estudos Culturais (MATTELART, NEVEU, 2004; JOHNSON, 2006; COSTA, 2002), que problematiza a visão de cultura como decorrente de uma „alta‟ cultura, de elementos herdados historicamente e legitimados como cultural-global, contrapondo-se à derivação de cultura popular apenas pelo

seu „estado negativo‟ como uma incultura, por não se familiarizar com a cultura dominante. Nesse contexto teórico que toma as diferentes organizações culturais nas suas manifestações genuínas, é possível perceber que as pessoas com deficiência, para além de suas características biológicas, fazem parte de um referencial cultural multifacetado, por serem sujeitos ativos, construtores de relações sociais próprias. Sendo assim, o espaço científico dos EC é o lugar apropriado para a reflexão sobre esse tema, haja vista assumir seu papel de Ciência compromissada com a democratização, com as diferenças e com a crítica à marginalização das culturas antes denominadas subalternas.

Sardar e Van Loon (apud COSTA, 2003) apontam cinco características fundamentais das pesquisas no campo dos EC: (1) expressam a relação entre poder e práticas culturais; (2) buscam reconciliar a divisão entre objeto e sujeito, na quebra da fronteira ilusória; (3) baseiam-se na intervenção e na crítica produzida na própria análise, ao mesmo tempo em que se preocupam com a investigação e o ato científico; (4) estudam a cultura em sua complexidade no interior das práticas sociopolíticas e; (5) assumem um compromisso político na ação científica.

Assumindo esse lugar nas ciências, algumas pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB vêm se comprometendo com os estudos sobre as pessoas com deficiência, a partir da perspectiva teórico-metodológica dos Estudos Culturais da Educação (Linha 5, do PPGE/UFPB: SOARES, 2010; SOARES 2010b; FARIAS, 2011; DANTAS, 2011; ARAÚJO, 2011; SILVA, 2012; SOUZA, 2012; LIMA, 2012; LACET, 2012; PORTO, 2014). Estas pesquisas, que buscam dar visibilidade à deficiência a partir das inquietações dos EC, diferem das discussões do campo da Educação Especial, uma vez que se preocupam com a desestabilização da normatização dos valores culturais, com os usos da linguagem, com a construção das identidades e a naturalização das relações sociais e reproduções de estereótipos e estigmas a respeito de grupos sociais, como os das pessoas com deficiência.

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in(ex)cluídas nos sistemas educacionais. Daí a busca, enquanto pesquisadora, por esta área de conhecimento, que permite novas reflexões, sobretudo ao estabelecer articulações com o movimento mundial da autoadvocacia, o qual busca questionar as relações de poder que assujeitam, marcam e invisibilizam pessoas com deficiência residentes no Brasil e no Canadá. Contrário a isto, este estudo busca no referencial sobre empoderamento e autoadvocacia articulado aos EC comprometer-se com uma nova perspectiva de vida para esse grupo, na qual as suas diferenças sejam reconhecidas como valiosas e não como um problema, limitação ou falta (SOARES, 2010).

Para tanto, a deficiência, pela ótica dos EC, é vista como construto histórico-social de um corpo que, superando a ótica médica, realiza produção cultural, assim como suas definições, que são feitas com base em representações sociais. Segundo Woodward (2012), o corpo é um dos componentes que estabelecem diferenciações entre as pessoas e serve de base para as definições identitárias. O modelo médico da deficiência é um modelo que deve ser questionado pelas suas implicações e naturalizações nas relações de poder, porque condenam as pessoas pela sua deficiência a viverem à margem da sociedade, silenciadas e tuteladas pelas pessoas ditas „normais‟, sem deficiência.

Para entender esse princípio, é fundamental uma análise adequada das categorias identidade e diferença (WOODWARD, 2012; SILVA 2009, 2000; JODELET, 1998, JOHNSON, 1998), embora os grupos partilhem dos aspectos comuns da cultura na vida cotidiana. A representação de uma identidade nacional, brasileira e canadense, também é uma categoria de análise importante, porque traz implicações para as experiências de pessoas com deficiência nas suas noções de pertencimento, no „sentir-se parte‟ daquele arranjo cultural mais global.

A identidade de pessoa com deficiência é, então, relacional porque depende da identidade de pessoas sem deficiência para existir, precisa de algo diferente/semelhante fora dela para se (re)afirmar. Para Woodward (2012), a identidade só existe por causa da diferença, sendo a identidade nacional marcada pela fronteira imaginária também responsável pela separação entre os povos e as culturas. Dessa forma, a construção da identidade é tanto simbólica – do indivíduo para consigo mesmo, como se representa – como baseada num sistema social – global, em que as representações mais gerais como, por exemplo, gênero, raça-etnia, deficiência e localidade são marcas que definem lugares a grupos sociais.

Imagem

Figura 1: Esquema para a Organização e Análise dos Dados de Pesquisa
FIGURA 2: TRANSVERSALIDADE DA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NOS NÍVEIS DE ENSINO BRASILEIRO
FIGURA 3: ESQUEMA REPRESENTATIVO DO SISTEMA DE EDUCAÇÃO CANADENSE

Referências

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