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CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: POLÍTICAS E

4.2 Dimensão Coletivo-Local

4.2.1 Cultura Local

O Brasil, pela sua extensão territorial e diversidade cultural, demarca diferentemente as oportunidades de vida para pessoas com deficiência, a depender da região em que está inserida: em geral, há uma discrepância entre as condições de vida das pessoas que residem no Sul em comparação ao Nordeste brasileiro. Os dados dessa pesquisa ilustram essas diferenças: Alseni, mulher deficiente pobre que nasceu no interior paraibano, lugar com risco de seca, sem chances de progresso econômico e com uma educação pública precária, com muita luta teve que deixar sua família e vir “tentar a sorte” na capital, ao ir morar no Instituto dos Cegos, e, assim, ter a oportunidade de ter uma formação. Já Mariana, jovem com deficiência intelectual, nascida na capital paulista em uma família rica, teve todas as facilidades no acesso à educação e outros serviços que corroboraram para o seu desenvolvimento integral.

Apesar de o Canadá também possuir uma vasta extensão territorial e diversidade cultural, além de ser demarcado por províncias, cada uma com suas normas e formas de governo, não há tanta disparidade nas condições de vida da população em geral e, consequentemente, das pessoas com deficiência. Dessa forma, o lugar onde as pessoas com deficiência residem é determinante para ter ou não acesso a serviços como, por exemplo,

educação, saúde, emprego, moradia, transporte. As pessoas com deficiência que foram entrevistadas que residem em diferentes lugares como Vancouver, Ottawa, Victoria, relataram similaridades nos seus processos sociais e educacionais, bem como acesso a projetos governamentais que favorecem, por exemplo: moradia assistida, inserção no mercado de trabalho, conhecimento de direitos, importantes ferramentas para o desenvolvimento individual da autoadvocacia.

Segundo Ré, Scheneider e Rambo (2012, p. 7), as pessoas são formadas pelos meios sociais em que elas vivem, isto é, a interação do indivíduo com a sociedade, e vice-versa, é responsável pela criação de “concepções subjetivas, que acabam por influenciar ideias e atos em determinados contextos”. Em outras palavras, o lugar também é um local de conflito, desigualdade e poder sobre os sujeitos. As diferenças globais entre o Brasil e o Canadá influenciam a cultura local que de maneiras distintas regulam a vida de pessoas com deficiência, embora em alguns momentos as ações, relações subjetivas e discursos sociais sobre este grupo se aproximem e se assemelhem, como foi possível constatar, por exemplo, nos relatos de discriminação que as pessoas com deficiência participantes sofreram na educação regular.

Os dados mostram que o aparato político-legal extenso, como no caso do Brasil, não significa a garantia de uma cultura de respeito aos direitos humanos, havendo uma grande discrepância entre o legal e o real: a lei brasileira garante a presença do intérprete de libras na universidade, porém, na realidade da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a quantidade de intérpretes (3) não é suficiente para suprir a demanda dos estudantes surdos, assim como Everton teve que ir ao Ministério Público reivindicar o direito de ter um intérprete na sua formação superior; a lei garante que pessoas com deficiência têm direito de ir e vir, no entanto, não há acessibilidade nos transportes públicos e nas calçadas; a Política de Educação Inclusiva garante que o estudante com deficiência seja atendido no contra-turno, porém muitos alunos não possuem condições financeiras de retornar à escola e deixam de receber o atendimento. Além de não haver, muitas vezes, a efetividade dos serviços por parte do Governo, em geral a população entende que a inclusão acontece de maneira vertical (depende unicamente dos órgãos governamentais) e se isenta desse compromisso, como cidadão.

Mesmo o Canadá não possuindo uma vasta legislação que trate e fiscalize o cumprimento dos direitos das pessoas com deficiência, práticas cotidianas em favor do direito do outro acontecem corriqueiramente através da população e do próprio Governo, que assumem a responsabilidade no desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva. Não há uma lei que obrigue a matrícula de crianças com deficiência na escola regular, no entanto,

grande parte dessas crianças está na escola; as pessoas com deficiência têm acesso à informação a partir de projetos governamentais; há investimento em acessibilidade nas ruas, instalações públicas e transportes. A cultura de respeito à cidadania provém do alto investimento que o Governo faz na educação (baixos níveis de analfabetismo e universalização da educação formal) e em campanhas de conscientização, através das mídias, em que os direitos humanos são disseminados como direitos de todos, atingindo o grupo de pessoas com deficiência.

Pressupõe-se que países como o Brasil almejam chegar ao patamar de qualidade de vida de países como o Canadá, em que a população em geral tem a garantia de uma vida com dignidade. O Canadá é um país que, por ser desenvolvido, não está isento de sofrer mudanças estruturais, como na atual crise que afeta os Estados Unidos e alguns países europeus e que interferem diretamente na vida „local‟. Brasil e Canadá, portanto, estão sujeitos às exigências do modelo de industrialização globalizada, que regula a economia, assim como as formas de viver que são baseadas na produção e no consumo.

Segundo Woodward (2012), as transformações globais econômicas, como as mudanças dos padrões de produção, consumo e classes sociais impactam mudanças nas identidades. No entanto, a variável econômica não é o único centro regulador das identidades, pois dependendo de cada contexto há uma pluralidade de centros que tem força determinante para emancipação de um grupo social ou para seu declínio. Para a autora, não é somente os órgãos governamentais que têm poder sobre a sociedade, mas a sociedade, na sua multiplicidade, é que tem a maior força reguladora. Isto explica porque pessoas com deficiência de classes sociais e locais distintos podem se posicionar diferentemente, exercer diferentes papéis ou ser discriminadas/favorecidas. O processo de empoderamento e autoadvocacia nasce, então, de situações adversas e a cultura é o local onde a força individual e grupal é medida, determinante e interativa, sendo um processo particular e não estático em cada contexto de vida de pessoas com deficiência.