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Contribuições das Organizações Não Governamentais na Trajetória Educacional de Pessoas com

CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: POLÍTICAS E

2.1 Contribuições das Organizações Não Governamentais na Trajetória Educacional de Pessoas com

A escola regular brasileira foi moldada e configurada como espaço privilegiado de saber direcionado aos filhos das elites brasileiras. A reivindicação da educação como universal, gratuita e pública é recente, assim como o movimento nacional para inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular. No final do século XX, com a democratização do ensino a partir da adoção dos princípios dos DH, por determinação das agências internacionais o governo brasileiro reconheceu legalmente a necessidade de diminuição da desigualdade de acesso e permanência de sujeitos na escola (LIMA, 2009). O texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva reconhece que na escola existem “processos normativos de distinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, estruturantes do modelo tradicional de educação escolar” (BRASIL, 2008, p. 6) e esses são elementos que separam e hierarquizam estudantes, uns tornam-se privilegiados e outros desprivilegiados no ambiente escolar.

Por causa da marca da deficiência, o grupo social de pessoas com deficiência foi classificado culturalmente como incapaz de aprender e de se desenvolver junto com as demais pessoas na escola regular (FERREIRA, 2006; SOARES, 2010), havendo, portanto, uma demarcação do espaço escolar: um lugar (formal) para estudantes sem deficiência, diferente do lugar (informal) para aqueles identificados com deficiência. Dessa forma, por um longo período histórico, as pessoas com deficiência foram excluídas das escolas de ensino regular, em razão da deficiência. Fora do sistema regular de ensino, pessoas com deficiência e seus familiares começaram a organizar um sistema de educação paralelo ao sistema oficial com a criação de instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. A educação era então pautada no atendimento clínico terapêutico, com a necessidade de diagnóstico para direcionar práticas escolares.

Glat (1984, 1985) ressalta que, nesse contexto, a Educação Especial absorveu elementos da área da Psicologia especificamente com o enfoque na teoria comportamental. A educação direcionada às pessoas com deficiência nas instituições especializadas era baseada no controle e modificação do comportamento, organizada em atendimentos educacionais

especializados substitutivos ao ensino comum (BRASIL, 2008). Essas instituições especializadas organizavam o atendimento a partir de terapias individuais, com profissionais da Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia e Psicopedagogia. A área de educação escolar tinha pouca ênfase, pois não era considerada importante ou mesmo possível, principalmente para pessoas com deficiência intelectuais ou sensoriais. Quando a educação escolar era fornecida através da educação especial, esta era focada na alfabetização, sem maiores expectativas de desenvolvimento. Apenas na década de 1970 houve uma preocupação maior com o tipo de educação fornecida às pessoas com deficiência e, com isso, um crescimento quantitativo de instituições de Educação Especial em todo o país (GLAT; FERNANDES, 2005).

As primeiras instituições especializadas surgiram no país ainda no século XIX, no período imperial com a construção do Instituto dos Meninos Cegos, Instituto Benjamin Constant e o Instituto dos Surdos-Mudos. Mais tarde, em 1926, é fundado o Instituto Pestalozzi, para o atendimento de pessoas com deficiência intelectual, e, em 1954, surge no Rio de Janeiro a primeira APAE-Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Pela importância histórica e social da APAE, ela passou a ser vista como uma das instituições brasileiras de maior representatividade no que se refere ao atendimento educacional (e principalmente de reabilitação) direcionado às pessoas com deficiência, sendo escolhida, por isso, também como campo deste estudo. A seguir apresento um quadro com informações relevantes acerca do trabalho desenvolvido por esta instituição:

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE):

Caracteriza-se por ser uma organização social, cujo objetivo principal é promover a atenção integral à pessoa com deficiência, e constitui uma grande rede constituída por pais, amigos, pessoas com deficiência, voluntários, profissionais e instituições parceiras – públicas e privadas – para a promoção e defesa dos direitos de cidadania das pessoas com deficiência e a sua inclusão social. Atualmente, o Movimento congrega a Fenapaes - Federação Nacional das Apaes, 23 Federações das Apaes nos Estados e mais de duas mil Apaes distribuídas em todo o País, que propiciam atenção integral a cerca de 250.000 pessoas com deficiência. É o maior movimento social do Brasil e do mundo, na sua área de atuação.

Fazendo parte dessa rede de APAE, existe a APAE do Distrito Federal (DF), que possui uma proposta pedagógica considerada referência nacional na área da educação profissional de pessoas com deficiência intelectual ou múltipla. Na sede de Brasília (campo de pesquisa do presente estudo) destacam-se os seguintes programas9:

(a) Serviço de Atendimento Multiprofissional (SAM): através de uma equipe de profissionais de

várias especialidades, o SAM realiza a avaliação inicial de todas as pessoas com deficiência que ingressam para atendimento na associação.

(b) Programa de Educação Profissional e Trabalho (EPT): é o maior programa de atendimento da

APAE-DF. Visa preparar o aprendiz para seu ingresso no mundo do trabalho através de três etapas:

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iniciação para o trabalho, qualificação profissional e colocação no Trabalho.

(c) Programa Acadêmico (PA): visa disponibilizar e desenvolver conhecimentos acadêmicos que

não foram oferecidos ou não foram bem assimilados durante a vida escolar do aprendiz, mas que são importantes para sua inserção no mundo do trabalho ou mesmo para sua autonomia pessoal, tais como a linguagem, o raciocínio lógico/matemático e o desenvolvimento das chamadas inteligências múltiplas.

(d) Recursos Humanos Organizacionais: O RH Organizacional entra em contato e conscientiza

empresas a oferecer postos de trabalho para pessoas com deficiência intelectual; conduz e orienta aprendizes indicados ao trabalho para entrevistas de emprego; acompanha e assessora aprendizes recém-colocados no trabalho para que consigam se adaptar e garantir seu espaço profissional; orienta empresas e equipes profissionais em como lidar e oferecer acessibilidade a pessoas com deficiência intelectual, dentre outros.

(e) Programa de Atendimento Sócio-Ocupacional (PAS): este programa apresenta-se como

alternativa de atendimento para as pessoas com deficiência em processo de envelhecimento e/ou mais comprometidas intelectualmente. O Programa tem por objetivo desenvolver a autonomia e a independência da população selecionada para as atividades da vida diária e vida prática. Dentro de uma casa modelo, e por meio do exercício adequado de atividades cotidianas, os aprendizes desenvolvem áreas como higiene e aparência pessoal, cuidados com a saúde, atitudes sociais, organização do lar, atividades na cozinha e trabalhos manuais.

A APAE/DF possui uma parceria com a Universidade de Brasília – UNB para a realização do projeto de qualificação profissional nas áreas de higienização, conservação e pequenos reparos de bens culturais (livros e documentos), por meio da cessão de espaço e acervo da Biblioteca Central do Estudante (BCE) e alimentação de aprendizes envolvidos. Este projeto tornou-se um dos campos de pesquisa do nosso estudo, pela relevância acadêmica, profissional e social que possui na inserção de pessoas com deficiência em órgãos públicos de destaque no país como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado Federal, a Câmara dos Deputados etc.

A história da APAE revela a sua atuação institucional no investimento em programas educacionais, incluindo programas com o foco na formação profissional, os quais permitem às pessoas com deficiência intelectual fazerem estágios remunerados ou adquirirem uma ocupação. Pelo seu longo histórico de contribuição social, a APAE hoje busca adequar-se às políticas de inclusão socioeducacional do governo. Uma das coordenadoras do STF de Brasília, que participa do projeto profissionalizante da APAE articulado à UNB, destaca a relevância de oportunizar as pessoas com deficiência a inserção no campo profissional através de projetos pedagógicos:

É muito bom trabalhar com eles, eles são excelentes profissionais... Eu acho que este projeto dá cidadania para essas pessoas, pois eles passam a ter carteira assinada, e tem os mesmos direitos do que qualquer outro trabalhador! De toda a equipe, existem apenas dois que não são independentes, que dependem da família para trazer etc. Mas os demais vêm sozinhos, andam de ônibus. Eles sabem se virar, eles fazem a história deles (Márcia, coordenadora)10.

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Esse depoimento é da coordenadora geral do setor do Supremo Tribunal Federal (STF), onde as pessoas com

deficiência intelectual trabalham, e foi colhido através do grupo focal realizado no próprio STF, no dia 14 de fevereiro de 2014.

Segundo a coordenadora, além de contribuir para o empoderamento das pessoas com deficiência, o projeto vem contribuindo para sua aprendizagem na troca de experiência com pessoas com deficiência e isso tem sido de extrema importância na humanização do trabalho no tribunal, além da ênfase que ela dá ao processo de capacitação das pessoas com deficiência que chegam, por causa do trabalho na APAE, preparados para exercer uma ocupação. A coordenadora destaca que, em ano anterior, durante um congresso no STF, ela teve a oportunidade de apresentar o projeto para a plateia e, após isso, recebeu vários contatos de pessoas que queriam adotar essa estratégia de inserção ocupacional em outros tribunais brasileiros, o que representa a recepção positiva dos colegas com o projeto de inclusão no trabalho e incentivo a sua multiplicação.

A APAE de João Pessoa também vem desenvolvendo um importante trabalho para com as pessoas com deficiência que residem no município ou em lugares vizinhos. Esta instituição desenvolve diversos programas educacionais inclusive com o foco na inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, através de um Programa de Emprego Apoiado. Francisco, um jovem com deficiência intelectual que trabalha em uma empresa na cidade de João Pessoa, destaca a relevância do contato que teve com a APAE:

Com 15 anos, minha mãe me tirou da FUNAD11porque não estava tendo mais resultado. Ela me falou da APAE. Minha mãe foi lá, eu fiz uma nova triagem, e estudei na APAE e, por lá, eu consegui o passe livre pra andar de ônibus. Até hoje eu estudo na APAE. Com 23 anos, a APAE que arrumou o emprego para mim. Eu tinha feito um curso profissionalizante na APAE, que nos ensinava como agir e se comportar em um ambiente de trabalho, e quando eu aprendi isso tudo (que durou 3 meses), eles disseram que eu estava pronto pra trabalhar (Francisco, deficiência intelectual)12.

Na fala de Francisco, destaca-se que, apesar de ele já ter uma postura de pessoa autoadvogada no acesso a cursos profissionalizantes que lhe permitiram estar empregado e se desenvolver no trabalho, é possível destacar que ainda assim a instituição especial (Apae) é que foi responsável por dizer o momento em que Francisco estava pronto para o trabalho. Isso vai contra o lema “nada sobre nós sem nós”, base do movimento de autoadvocacia, em que as pessoas com deficiência é que devem falar sobre elas e dizer sobre o que são ou não capazes de realizar. As instituições especializadas, ao mesmo tempo em que contribuem com

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A FUNAD é um centro de atenção básica que tem por objetivo habilitar, reabilitar, profissionalizar e inserir no mercado de trabalho, pessoas com deficiência, bem como desenvolver programas de prevenção e capacitação de recursos humanos. A fundação também é responsável por gerenciar as ações de educação especial no estado da Paraíba. Mais informações em:

<http://www.funad.pb.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=62&Itemid=103 >.

12 Esse depoimento foi colhido por meio de entrevista individual na Universidade Federal da Paraíba, no dia 23 de abril de 2014.

o ingresso no mercado de trabalho, ainda possuem um controle muito forte sobre a vida dessas pessoas nas escolhas de vida e ocupacionais.

Resende (s/d) destaca a importância de pessoas com deficiência terem a oportunidade de serem incluídas no mercado de trabalho. O trabalho na sociedade industrial é um dos elementos fundamentais para o desenvolvimento social e, ao mesmo tempo, também contribui para a formação pessoal, pois influencia para a elevação da autoestima, o exercício da cidadania, a autonomia financeira e o desenvolvimento de competências com a prática na função. A autora enfatiza ainda que, para que o trabalho se torne a extensão da vida de pessoas com deficiência, é preciso começar com a ruptura dos modelos tradicionais de incapacidades atribuídos aos sujeitos com deficiência e disseminados nos estabelecimentos de ensino, como nas escolas regulares, pois isso impede que essas pessoas aprendam habilidades necessárias para serem empregadas. É por causa justamente das ações de exclusões e negligência cotidiana que sofrem as pessoas com deficiência que o trabalho de instituições como a APAE ganha destaque, ao permitir às pessoas com deficiência terem uma opção de desenvolvimento educacional e laboral.

Por outro lado, vale destacar que o empoderamento pregado em países industrializados, como no caso do Brasil, muitas vezes, confunde-se com a autonomia num contexto particular e meritocrático, em que sujeitos competem entre si em uma suposta igualdade de oportunidades e em que todos teriam as mesmas chances de adquirir sucesso e status profissional. Beresford (2013) afirma que esta é uma definição limitada e muito longe da interpretação emancipatória do empoderamento.

Dessa forma, a luta pelo empoderamento deve estar aliada à contextualização do indivíduo no ambiente e nas relações sociais de que ele faz parte, uma vez que “empowerment tornou-se o local fundamental de lutas sobre a natureza e a finalidade dos políticos, da política, dos serviços, de identidade e de intervenção profissional” (BERESFORD, 2013, p. 5). E, portanto, a referência a que determinado tipo de empoderamento está sendo reivindicado tem a ver com os significados sociais e é importante reconhecer o seu potencial regulador, bem como libertador, também numa dimensão global. Em outras palavras, apesar do empoderamento ser uma característica particular, ela é fruto da intervenção coletiva em que o sujeito [com deficiência] está inserido, de modo que o tornar-se empoderado/a tem a ver diretamente com o fim que se pretende: que pode ter relação com a emancipação do sujeito ou para intensificar ainda mais o controle individual.

Além de oportunizar a inserção social de jovens com deficiência através do mercado de trabalho, a APAE também vem colaborando com atividades do dia a dia, uma vez que

estimula as pessoas com deficiência a terem autonomia em atividades do cotidiano que são aparentemente simples, mas que, quando não aprendidas, contribuem mais ainda para segregar esse grupo social, conforme Francisco novamente enfatiza:

Eu cresci muito na APAE porque as pessoas lá sabem educar bem os alunos, nos tratam bem, nos incentivam a andar com nossas própria s pernas, tira o nosso medo de se virar, de pegar um ônibus sozinho, de fazer a minha vontade. Eles quebram a ideia de que se eu quiser ir a uma praia ou a um cinema, eu preciso de alguém da minha família. Eles nos ajudam a tirar esse medo e nos motivam a conseguir um emprego, a ter um dinheiro, a ter o nosso próprio canto (Francisco, deficiência intelectual).

O trabalho da APAE é direcionado somente às pessoas com deficiência intelectual, pois a instituição historicamente foi desenvolvida para atender a esse público que estava excluído de todos os segmentos sociais e que, por isso, os familiares e amigos chegaram à conclusão que era relevante a criação de um espaço comum para reabilitação e também para aprendizagem e recreação dessas crianças, jovens e adultos. Historicamente as instituições se caracterizaram pela segregação das pessoas com deficiência e como lugar em que elas eram cortadas da sociedade. Com o advento do paradigma da inclusão, algumas instituições têm se preocupado em oferecer um suporte para a inclusão social desse grupo, como na experiência de Francisco, em que ele admite ter aprendido a ser uma pessoa com autonomia nas atividades do dia a dia. Essa educação com finalidade de garantir a independência e quebra do medo da pessoa com deficiência, é indispensável para a vivência do processo de empoderamento.

As demais instituições especiais brasileiras também foram construídas com base no tipo de deficiência, isto é, as pessoas eram separadas institucionalmente a partir da identificação do tipo de deficiência e, assim, podiam receber o atendimento tido como apropriado. Para as pessoas cegas, por exemplo, a primeira escola especial foi criada ainda no Brasil imperial, em 1854, sendo responsável por construir materiais para a leitura e escrita em Braille. Nesse mesmo ano, a escola foi nomeada de Instituto dos Meninos Cegos e, com a República, passou a ser chamada de Instituto Benjamin Constant, única instituição brasileira a atender as pessoas cegas no Brasil até o ano de 1926, quase um século depois (SANTOS, 2007).

Um exemplo pessoal de vivência em uma instituição para cegos foi dado por Alseni, uma jovem pedagoga e com baixa visão desde a infância, que teve que deixar a cidade do interior em que morava com a família para viver na capital paraibana no Instituto dos Cegos. Ela relata que sua decisão de vir morar no Instituto possibilitou-lhe ter acesso à educação

integral e hoje estar formada no ensino superior, mesmo com toda a dificuldade de convencimento do pai, que resistiu em permitir que a mesma vivesse longe da família:

Na verdade, eu nem fui educada pela minha família. Eu morei na instituição e, portanto, minha principal influência não foi da minha família, mas foi da instituição. O meu pai não queria que eu viesse pra João Pessoa , mas estimulada pelos meus tios, que também tinham deficiência e que também tinham tido acesso à escola, minha mãe lutou muito para que meu pai deixasse. São seis tios cegos e apenas os homens (4) tiveram acesso, mas mulheres não tiveram acesso e casaram no interior e ficaram por lá mesmo. Eu fui a única mulher com deficiência em minha família que tive acesso à educação (Alseni, deficiência visual)13.

Ser a única mulher com deficiência da sua cidade a ter acesso à educação e aos estudos superiores são dados que merecem atenção, uma vez que a categoria gênero associada à deficiência (e no caso de Alseni, a condição socioeconômica e geográfica) intensificaram as barreiras sociais de exclusão e segregação e duplicaram sua vulnerabilidade (FARIAS, 2011). Todavia, a jovem não esconde o quanto foi difícil „abrir mão‟ da convivência da família para ter que ir para uma instituição especializada, aspecto que a fez amadurecer cedo e ter que aprender a tomar decisões e fazer escolhas sozinha. Morar na instituição foi tanto um ponto positivo na vida de Alseni – pois permitiu a jovem seguir em estudos superiores – quanto um ponto negativo, uma vez que a estudante teve que abdicar da convivência familiar e social.

Por outro lado, a história de Williams, jovem cego que nasceu na cidade de João Pessoa, revela que o estereótipo intrínseco à deficiência e todos os sentimentos que ela acarreta para os familiares, de medo, proteção demasiada, insegurança, vão além da questão de gênero e atingem a todos: homens e mulheres. Foi justamente a sua condição de deficiente que trouxe para a sua mãe o medo de levá-lo à escola, privando-o de um direito fundamental, como o jovem explica em sua fala:

Quando eu era criança minha mãe me protegia muito e é por isso que eu só vim entrar na escola com sete anos de idade, quase oito anos. Eu entrei atrasado porque ela tinha medo, não sabia que existia escola especial e que você poderia se adaptar em qualquer escola também. Precisou vir uma assistente social pra conversar com ela e então me levaram para o Instituto dos Cegos. Foi lá que eu comecei a querer me virar mais sozinho, quando eu comecei a fazer aula lá no Instituto dos Cegos. Eles ensinam as pessoas a não ter medo dos obstáculos. Foi lá que eles me ensinaram a andar de ônibus, a perguntar quando não souber... eles me estimularam, me orientaram e isto tirou o meu medo (Williams, deficiência intelectual)14.

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O depoimento de Alseni foi colhido por meio de entrevista individual durante o percurso de mestrado, na

Universidade Federal da Paraíba, no dia 20 de março de 2011.

14 O depoimento de Williams foi colhido por meio de entrevista individual no Tribunal de Justiça da Paraíba local em que o jovem trabalha – no dia 30 de abril de 2014.

As instituições surgiram como um lugar de proteção das pessoas com deficiência. Na fala de Williams, assim como mostrado anteriormente na fala de Francisco (aluno da Apae), a instituição especial teve um papel fundamental para a inclusão social e o empoderamento individual, como Williams enfatiza, foi a instituição que colaborou para a perda do medo de conviver com as outras pessoas e vencer obstáculos no cotidiano. Hoje, Williams é um jovem autoadvogado, que passou recentemente no vestibular para o curso de jornalismo, trabalha no Tribunal de Justiça do Estado e é um militante dos direitos do seu grupo social.

Mariana também destaca o papel fundamental das instituições especiais em sua vida e para seu protagonismo. Filha de família abastada, residente na capital paulista, adulta, com