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Conhecimento de Si, Identidade Própria e Eliminação dos Rótulos

CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: POLÍTICAS E

4.3 Dimensão da Experiência individual de Empoderamento e Autoadvocacia

4.3.2. Conhecimento de Si, Identidade Própria e Eliminação dos Rótulos

A participação de pessoas com deficiência em grupos que estimulam o protagonismo como, por exemplo, no Brasil (Pró-líder na UFPB, o Carpe Diem em São Paulo, o Programa de Emprego Apoiado da APAE-Brasília), e no Canadá (People First, Inclusion BC e Steps Fowards), constituem-se como uma oportunidade de elas adquirirem competências individuais-grupais para conhecer a história de seu grupo social e sua própria história, reforçar sua identidade e desconstruir os estereótipos e preconceitos acerca de sua identidade para a eliminação de rótulos incapacitantes e limitadores que se perpetuam até os dias atuais em relação às pessoas com deficiência.

Segundo Glat e Fellows (1999 apud GLAT, 2004), a autoadvocacia desenvolve-se primeiro com a eliminação de rótulos da própria pessoa com deficiência sobre ela mesma, em que ela aprende a se ver como uma pessoa capaz, encorajada e determinada. O modelo social da deficiência é evidenciado quando a pessoa se enxerga além da deficiência e da visão patológica sobre seu desenvolvimento sociocognitivo, contra os rótulos usados para classificar, hierarquizar e diminuir as pessoas com deficiência nas relações sociais. Quando a pessoa com deficiência contextualiza a sua história em arranjos culturais, ela reconhece seu valor intrínseco e reivindica a garantia dos direitos humanos para o seu grupo.

Nessa direção, Soares (2010, p. 67), ao desenvolver o Projeto de Extensão Pró-Líder (UFPB), encontrou inúmeros fatores que compõem a base do processo de autoadvocacia e

empoderamento de pessoas com deficiência, sendo o conhecimento de si, associado à construção de uma identidade coletiva, um dos principais fatores:

(a) romper com a condição do assujeitamento ao mesmo tempo em que fomenta a ressignificação de si próprio, seu estar no mundo, e a construção da identidade de grupo social que ultrapassa os limites da própria diferença; (b) conhecimento do outro; (c) convívio contínuo e regular com pessoas de diversos contextos sociais; (d) compreensão do valor de si mesmo; (e) aprendizagem sobre direitos; (f) autonomia e independência; e (h) valorização das habilidades.

Everton e Alseni, ambos tiveram a oportunidade de adquirirem conhecimento de si, reforçarem sua identidade própria e eliminarem os rótulos sobre a deficiência a partir das atividades desenvolvidas no âmbito do Projeto Pró-Líder. Este conhecimento foi decisivo na vida deles porque houve uma ruptura: da falta de reflexão sobre seu estado de assujeitamento e vulnerabilidade para a consciência sobre a relação do grupo de pessoas com deficiência com a sociedade. O projeto envolvia pessoas com diferentes tipos de deficiência, bem como pessoas sem deficiência. Nesse contexto, as diferentes pessoas participantes tiveram a oportunidade de conhecer a diversidade do grupo e isso foi enriquecedor à medida que o processo de empoderamento e autoadvocacia de cada um envolveu a diversidade entre as próprias pessoas com deficiência, desmistificando a concepção da deficiência, como uma „entidade homogênea‟ (FERREIRA, 2006).

No Canadá, Janne e Richards, ao liderarem o PeopleFirst, engajaram-se em conhecer sobre seu grupo social e adquirirem consciência crítica acerca de si e sobre suas vivências. O diálogo e a troca de experiências no grupo foram fundamentais para a convivência regular entre jovens com deficiência intelectual, que, entre as deficiências, são as mais rotuladas como incapazes (JUNIOR, 2010).

Dessa forma, o conhecimento de si para a eliminação de rótulos é um processo que permite as pessoas com deficiência intelectual desafiarem as regras sociais e exigirem oportunidade de desenvolvimento integral assim como as demais pessoas. A formação do People First traduz a importância social dessa organização canadense que nasceu das pautas das pessoas com deficiência representadas pelas suas próprias vozes, sem que precisassem da autorização e tutela de pessoas sem deficiência na formação de sua consciência própria.

Ashley e David (canadenses) adquiriram a consciência sobre si através da interação com instituições sociais como universidades e o mercado de trabalho. Essas oportunidades de desenvolvimento pessoal-profissional os fizeram refletir sobre suas vidas e o peso de suas

decisões inclusive sobre a vida de outras pessoas: quando David admitiu que tem consciência da sua responsabilidade social, ao conscientizar os empregados sobre o valor das pessoas com deficiência, e Clement, ao pensar como David, quando diz que se sente satisfeito ao contribuir socialmente na transformação da mente das pessoas.

A escola regular oportunizou a Williams e a Everton (brasileiros) repensarem sobre sua identidade: “eu gostava mais da escola regular porque eu nunca quis ser um aluno que, por causa da deficiência, tinha que estudar em uma escola especial, em um local separado das outras pessoas, isso me trazia um sentimento bom” (Williams, deficiência intelectual), “só especial não! Como vou conviver com os ouvintes?” (Everton, surdo). Segundo Pinto (1998), a formação de consciência é quando o indivíduo consegue se perceber com outros indivíduos: aqui Everton e Williams percebiam as diferenciações em relação a sua identidade, a partir das normas da educação regular (outros: sem deficiência) e educação especial (eles: com deficiência). Thiago, jovem brasileiro, também vivenciou na escola regular conflitos em relação a sua identidade e isso o despertou para uma consciência sobre si ao reivindicar o direito de “ser diferente” e ser respeitado.

O processo de empoderamento e autoadvocacia extrapola a dimensão individual. É uma troca coletiva de aprendizado mútuo, conforme visto nas experiências dos jovens brasileiros e canadenses. Paulo Freire (1997) usa o termo conscientização como um processo em que as pessoas oprimidas passam a compreender as raízes de sua opressão e, assim, fazem o movimento contrário, o de libertação. As pessoas com deficiência brasileiras e canadenses, que tiveram acesso a projetos de formação para a autoadvocacia ou situações nas quais elas puderam refletir sobre sua condição social, perceberam o que elas têm em comum e diferente com o seu grupo social e fora dele. Passaram a questionar a legitimidade do tratamento inferiorizado, reivindicando o lugar de vez e voz. Essas experiências foram enriquecedoras na vida dessas pessoas, à medida que elas adquiriram uma consciência da sua Identidade Própria, autoafirmando-se na busca por transformação de si e dos outros, como disseram Bia Paiva (brasileira) e Carol (canadense), ao se orgulharem por serem mulheres com deficiência intelectual e reivindicarem o direito de voz na família e na sociedade.