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CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: POLÍTICAS E

4.1 Dimensão Global

4.1.1 Contexto Econômico e Social

O Brasil e o Canadá caracterizam-se distintamente em seus modelos econômicos, governamentais e culturais. O Brasil é definido como um país em desenvolvimento em que a maioria da população não tem a garantia de direitos básicos como educação, saúde, transporte, moradia, emprego, alimentação, saneamento básico. Ao contrário, o Canadá é considerado um país de Primeiro Mundo, com uma economia equilibrada, e um sistema educacional entre os primeiros lugares no ranking mundial, além da garantia dos direitos básicos que contribui para a qualidade de vida da população.

Chang (2004) afirma que os países ditos „desenvolvidos‟ são assim chamados porque tem um plano consolidado de políticas que contemplam as áreas da indústria, comércio e tecnologia. Dessa forma, países como o Canadá se destacam pelo seu mercado, produção, importação e padrão de vida. O Canadá se caracteriza pela economia industrial urbanizada com índices de valorização maior para produtos relacionados ao petróleo, gás, urânio e energia elétrica.

O Brasil, país em desenvolvimento, caracteriza-se pela sua expansão econômica, assim como por ser um país de grande exportação de produtos agropecuários e minerais. É um país que se destaca por ser uma das maiores economias mundiais, no entanto, a distribuição entre a população ainda é bastante desigual. A quantidade de impostos pagos pelos contribuintes brasileiros chegou, recentemente, à marca de R$ 1 trilhão da arrecadação total (YAZBEK, 2013). Apesar do alto número de imposto arrecadado, a redistribuição através dos serviços sociais ainda é insuficiente para garantir uma vida com qualidade à população, que carece de serviços básicos em áreas fundamentais como saúde, educação, moradia, alimentação, transporte e saneamento básico.

No Brasil, a desigualdade na distribuição de renda é um agravante que impede ainda mais o desenvolvimento socioeducacional de pessoas com deficiência. Os direitos humanos básicos não atingem a maior parte da população, o que intensifica aquela população caracterizada pela deficiência, gerando um ciclo de impossibilidades em outras áreas da vida, uma vez que diminui as chances dessas pessoas conseguirem concluir a educação básica, ingressarem no ensino superior ou serem empregadas. As pessoas com deficiência se tornam ainda mais vulnerabilizadas se comparadas às sem deficiência, porque a maioria delas carrega o estigma, associado ao de deficiência, de pertencimento às classes populares.

A Organização Mundial da Saúde, em 1989, já alertava para a “associação entre deficiência e pobreza, uma vez que em países subdesenvolvidos o percentual de deficientes chega a ser 15% maior quando comparado com os desenvolvidos” (NERI, 2003, p. 105 in CAIADO, 2009). Isso quer dizer que a pobreza gera deficiência, assim como a deficiência intensifica a pobreza. Em países desenvolvidos, como o Canadá, os direitos básicos de vida são garantidos à população e, portanto, atinge famílias que têm pessoas com deficiência, as quais passam a ter acesso a serviços de saúde, educação, moradia, transporte, empregabilidade, entre outros.

Com a agenda de metas dos financiamentos internacionais, nos últimos anos, o governo federal brasileiro tem investido em programas de transferência direta de renda, como, por exemplo, o Programa Bolsa Família72, que tem beneficiado as famílias que estão na linha de extrema pobreza. Este programa é parte do Plano Brasil sem Miséria que foca inclusão e acesso a serviços públicos àquela população caracterizada pelo baixo padrão de vida e com renda per capita inferior a um salário mínimo. O Programa Bolsa Família tem três eixos principais: (1) alívio imediato da pobreza; (2) reforço no acesso a direitos sociais básicos

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(educação, saúde e assistência social); e (3) desenvolvimento de programas complementares com o foco na diminuição da vulnerabilidade social das famílias que estão em situação de pobreza.

O governo brasileiro garante ainda, desde 1993, o Benefício de Prestação Continuada- BPC73 para pessoas com deficiência com renda inferior a um quarto do salário mínimo, benefício de assistência social que é pago mensalmente às famílias que têm pessoas com deficiência. Alseni, pessoa com baixa visão, afirma que o BPC foi a fonte de renda que garantiu seu sustento e progresso nos estudos. A sua permanência na universidade dependeu desse apoio financeiro. Por ser de família de baixa renda, foi através desse salário mensal que ela pôde adquirir os materiais de estudo e tecnologias assistidas fundamentais para sua formação no curso de Pedagogia. A autonomia financeira de Alseni, conseguida através do Benefício, permitiu à estudante atingir níveis mais elevados de estudo e ocupar status social mais privilegiado para a população em geral, como ter um diploma em nível superior e ser aprovada em concurso público.

A garantia dos direitos humanos básicos às pessoas com deficiência, através de programas de transferência de renda direta do BPC, das cotas para empregabilidade e ingresso no ensino superior, como ações governamentais, tem favorecido o empoderamento e a autoadvocacia, uma vez que a autonomia financeira abre oportunidades diversas para escolhas de vida e investimento profissional ou ocupacional. O Canadá, mesmo sendo um país desenvolvido, também tem políticas próprias para garantir às pessoas com deficiência uma renda mensal ou uma ocupação que lhes garanta um pagamento. O governo canadense fornece mensalmente uma bolsa-auxílio para as pessoas com deficiência, que pode ser associada ao salário, caso a pessoa com deficiência esteja empregada e não receba mais do que o teto mínimo estabelecido pelo país. O benefício em razão da deficiência também pode ser cumulado com uma bolsa que o Governo oferece para os estudantes que estão no ensino superior e não podem arcar com suas despesas. Além desses benefícios, o Governo oferece auxílio moradia para as pessoas com deficiência que desejem morar longe de seus familiares ou responsáveis, criando oportunidades para que elas possam romper com a dependência financeira e emocional familiar.

As políticas de incentivos financeiros para o grupo de pessoas com deficiência, independentemente das características de desenvolvimento de cada país, são importantes

73 Mais informações em: <http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/beneficio-bpc > Acesso em 20 de maio de 2014.

porque combatem a história de exclusão e invisibilidade relacionadas às pessoas com deficiência (SOARES, 2010) e que impediram a esse grupo atingir níveis econômicos e status sociais mais altos. Embora pareçam políticas de caráter assistencialista, os governos brasileiro e canadense, na verdade, estão oportunizando formas equitativas de acessos a bens simbólicos e materiais às pessoas com deficiência que, mesmo residentes em países desenvolvidos, ainda nos dias atuais encontram barreiras para exercerem a autonomia e empoderamento nas diferentes áreas da vida.

Em países pobres ou em desenvolvimento, a inclusão social de pessoas com deficiência está submetida aos serviços precários, por exemplo, nas políticas de acessibilidade nos transportes públicos no Brasil: Que tipo de inclusão é feita se o lugar reivindicado funciona precariamente? A população sofre com os altos preços de passagens, superlotações nos ônibus e metrôs, horários de congestionamento, sucateamento dos transportes (entre outros problemas), além da falta de acessibilidade nas ruas e nos próprios transportes públicos. Ora, como efetivar uma política inclusiva nessas condições? Essa mesma realidade pode ser refletida a partir das reivindicações sobre as condições fornecidas nas escolas públicas brasileiras, que ainda não têm o investimento necessário para fornecer à população em geral uma educação pública, universal, gratuita, inclusiva e de qualidade – como determina a LDB 9.394/96. As pessoas com deficiência, ao serem matriculadas em escolas públicas, passam a vivenciar de forma ainda mais acentuada os problemas que o sistema de ensino carrega nas suas condições atuais.

Por outro lado, em países desenvolvidos como o Canadá, em que a população não sofre com questões de direitos humanos básicos, será que garantir os direitos à maioria sem deficiência significa garanti-los à minoria com deficiência? Pessoas com deficiência têm as mesmas chances que as pessoas sem deficiência de participarem da cidadania e exercerem direitos?

O histórico de vida das pessoas com deficiência, como, por exemplo, os relatos de Richards (residente no Canadá) e Alseni (brasileira), demonstram que o fato de terem sido „arrancados‟ da convivência da família e viverem isolados numa instituição especial por causa da deficiência é uma realidade específica do grupo de pessoas com deficiência. Apesar de, no caso de Alseni, a instituição especial ter contribuído para seu empoderamento e, consequentemente, para seu desenvolvimento educacional e profissional, o fato de ela ser pessoa com deficiência foi decisivo para não ter tido o direito à educação em sua cidade, restando-lhe a única „opção‟ de viver numa instituição, se quisesse ter acesso à educação.

A voz de Janne, presidente do People First, evidencia que na condição de pessoa com deficiência: “preferia muito mais estar perto da minha família do que morar em uma escola especial ou alguma coisa deste tipo” (Janne, deficiência intelectual). O „corte‟ social das pessoas com deficiência da sociedade é uma norma quase que universal nas práticas mundiais desde as sociedades primitivas (JANNUZZI, 2004) e essa bagagem histórica, muitas vezes, camuflada, é que impede que pessoas com deficiências se desenvolvam nas diferentes áreas da vida (na escola, na família, nas relações afetivas, profissionais etc.) nos diferentes países. Assim, independentemente da condição socioeconômica de cada país, a deficiência é uma marca cultura inferiorizada e responsável pelo tratamento diferenciado, discriminatório e preconceituoso.

O controle do Estado sobre a vida das pessoas com deficiência, através das normas políticas, legislativas e culturais, é decisivo para que as instituições sociais, como a escola, a família, o próprio grupo social e cada pessoa com deficiência, regulem sua vida de acordo com a expectativa social sobre elas. Isso quer dizer que muitas pessoas com deficiência vivem de forma limitada e segregativa por causa das relações de poder que, muitas vezes, impedem- nas de ser empoderadas e autoadvogadas, mesmo que algumas pessoas em diversos momentos sejam resilientes como Janne vem sendo ao longo de sua vida.

A diferenciação no tratamento com as pessoas com deficiência, bem como a fronteira espacial e interpessoal entre pessoas com e sem deficiência, tem a ver com a identidade, nos seus jogos de diferenças e similaridades. Nesse caso, a identidade só se constitui, isto é, só existe, porque há as diferenças humanas. No entanto, as diferenças são demarcadas dentro de um quadro de valores culturais, em que umas são vistas como mais importantes que outras, dependentes do lugar e do tempo histórico, uma vez que a identidade é fluída e instável (WOODWARD, 2012).

Nesse caso, as culturas canadense e brasileira se aproximam e são similares, quando as pessoas com deficiência são inferiorizadas pelo tratamento discriminatório em razão da deficiência. Podemos observar isso na experiência de Richards, que teve que morar desde os oitos anos num Group home, longe do convívio da família, e Francisco, que só teve a oportunidade de se inserir no mercado de trabalho quando a instituição APAE interveio e o adequou as exigências da empresa, o que era para ser um direito fundamental de Francisco uma vez que a empregabilidade e independência financeira são direitos humanos que devem atingir a todos.

Vale destacar que aquilo que é uma conquista social para as pessoas com deficiência que vivem na realidade de um país em desenvolvimento como o Brasil ou superação para

aquelas que residem no Canadá pode variar, pois o rompimento de barreiras tradicionalmente postas é intrinsecamente dependente de um contexto particular, não podendo ser, portanto, medido ou comparado. A exigência, em qualquer que seja a realidade econômica e política, é que pessoas com deficiência tenham seus direitos humanos garantidos e sejam combatidas qualquer prática de violência ou que firam sua dignidade enquanto pessoa.