• Nenhum resultado encontrado

Década de 1990: Introdução da Inclusão nas Diretrizes Educacionais

CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: POLÍTICAS E

2.2 Década de 1990: Introdução da Inclusão nas Diretrizes Educacionais

A última década do século XX caracterizou-se como o palco dos anseios para o grupo social de pessoas com deficiência no cenário brasileiro, a partir do impacto das diretrizes internacionais para a emergência e consolidação de bases legais, no que se refere à atenção à garantia da educação básica nas escolas regulares. As conquistas no campo legislativo com especificações para as pessoas com deficiência nesses últimos anos (BRASIL: 1988, 1996, 2000, 2004, 2008, 2011)vêm sendo fundamentais para a discussão sobre as práticas de ensino que estão sendo realizadas nas escolas regulares, bem como os serviços de AEE ofertados através das Salas de Recursos Multifuncionais-SRM. O fato de existir uma grande distância entre a positivação dos DH para as pessoas com deficiência e a sua efetivação torna necessário o conhecimento empírico das práticas educacionais, para que sejam „denunciadas‟ formas de violação do direito à educação para pessoas com deficiência nas escolas regulares ou, ao contrário, para dar destaque às práticas de ensino que possibilitam o empoderamento e a autoadvocacia das pessoas com deficiência, a partir da garantia de seus direitos socioeducacionais.

As políticas de inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular vêm provocando um crescimento quantitativo de estudantes nas escolas a cada ano. O Censo Escolar MEC/INEP de 2012 registra o número de 820.433 estudantes com deficiência nas classes comuns, isto significa que houve um aumento de 9,1% no número de matrículas de estudantes com deficiência se comparado ao ano de 2011. A educação superior chegou a ter um crescimento de 900% no ingresso de estudantes com deficiência, uma vez que no começo da década passada as instituições de ensino superior-IES registravam 2 mil estudantes com

deficiência, chegando em 2010 a identificar 20 mil estudantes de graduação com deficiência (BRASIL/CENSO, 2012). No entanto, esta estatística não contempla estudantes com deficiência intelectual, pois no Brasil ainda são casos isolados de pessoas com deficiência intelectual que conseguem driblar as barreiras para ingressar em cursos superiores, como no caso do estudante com Síndrome de Down – Kallil Assis Tavares, de 21 anos – que foi aprovado no curso de geografia da Universidade Federal de Goiás.

Em termos legislativos e quantitativos (nas matrículas), podemos afirmar que esta é a Era da Inclusão. A cobrança das diretrizes nacionais vem sendo, então, para a mudança nas práticas educativas que sejam desfavoráveis ao acesso e à permanência de pessoas com deficiência. Ao mesmo tempo em que as matrículas ampliaram as estatísticas de estudantes com deficiência no sistema de ensino regular, o número de professores/as que receberam algum tipo de formação na área de educação especial ainda é bastante reduzido, se for considerado o número de docentes atuantes no país que é de aproximadamente mais de dois milhões na escola básica regular (CENSO, 2012). As formações específicas ainda são direcionadas somente aos docentes do AEE, não existindo de maneira transversal nos cursos de licenciatura, apesar de já haver especificações para a introdução da disciplina de Libras e Educação Especial no currículo desses cursos (BRASIL, 2002).

Nessa mesma direção, de acordo com a Resolução CNE/CP n° 1/2002, que estabelece Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores/as da Educação Básica, cabe às universidades organizarem um currículo que contemple conhecimentos relativos à área de educação especial. O Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (BRASIL, 2003) foi também um relevante projeto nacional ao disseminar através de uma “política de multiplicação” princípios para a formação docente considerando a diversidade de estudantes (SOARES, 2010b).

Em 2008, o Ministério da Educação publica a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que tem como objetivo principal assegurar a inclusão escolar de alunos/alunas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação orientando os sistemas de ensino. Essa política determina a oferta do AEE na escola regular desde a educação infantil até à educação superior, bem como a formação e contratação de profissionais da educação especial: professores/as e intérpretes de Libras, cuidadores, docentes com formação específica para o AEE, técnicos em escrita Braille, entre outros. Além dessas especificações da atual política de educação especial, o governo aprovou diversas diretrizes conforme mostra o quadro a seguir:

Lei de Acessibilidade (Lei nº10.098/2000)

Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade para as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

Plano Nacional de Educação – (Lei n° 10.172/2001)

Nos primeiros cinco anos de vigência deste plano foi proposto redimensionar conforme as necessidades de EcD, incrementando, se necessário, as classes especiais, salas de recursos e outras alternativas pedagógicas recomendadas, de forma a favorecer e apoiar a integração dos educandos com necessidades especiais em classes comuns, fornecendo-lhes o apoio adicional de que precisam.

Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica (Resolução 02/2001)

Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.

Lei de Libras (Lei n° 10.436/02) Reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.

Portaria n° 2.678/02 Aprova as diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todos os níveis e modalidades de ensino através de instrutores, intérprete e professores de Libras.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos – Parecer CNE/CP 8/2012

Recomenda a adoção curricular dos princípios dos direitos humanos na formação docentes e na comunidade escolar em prol de uma cultura que valorize a igualdade de direitos e a diversidade humana na sala de aula.

QUADRO 4: Determinações para a inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular

brasileiro.

O impacto das diretrizes vem trazendo modificações no ambiente escolar. O AEE no sistema de ensino regular é definido pela Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008):

O atendimento educacional especializado identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou

suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência

na escola e fora dela (BRASIL, 2008, p. 16).

A política determina ainda que o AEE deve disponibilizar programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva, entre outros serviços e recursos que apoiem a inclusão de estudantes com deficiência na sala de aula regular. Para tanto, a inclusão desses estudantes deve ser planejada desde a Educação Infantil até à Educação Superior.

O AEE na forma como vem sendo configurado no ensino regular merece ser analisado nas experiências de estudantes com deficiência que tiveram acesso a esse tipo de serviço educacional. Alseni e Williams trazem uma impressão positiva ao cursar parte de sua formação básica numa escola regular:

Quando sai do Instituto dos Cegos, fui estudar em escola regular pública, onde fiz do sexto ao nono ano, mas o ensino médio, eu estudei em uma escola privada. Terminei o ensino médio com 19 anos... Sempre fui uma aluna dedicada e nunca repeti nenhum ano de estudo, concluí todas as séries normalmente sem interromper (Alseni, deficiência visual).

Eu estudei em escola especial, até o 5º ano, no Instituto dos Cegos e depois eu fui mandado para uma escola regular. Eu estudei um ano em escola particular e depois foi tudo em escola pública. Mesmo estudando em escola regular, eu ainda recebia o apoio do Instituto dos Cegos. Em toda minha vida educacional, quem me deu apoio maior foi o Instituto dos Cegos. Se eu não tivesse o suporte deles, teria sido bem mais complicado. Eles traduziam os materiais para Braille e também davam um certo reforço (...) Eu gostava mais da escola regular porque eu nunca quis ser um aluno que, por ter deficiência, tinha que estudar em uma escola especial, em um local separado das outras pessoas, isso não me trazia um sentimento bom. Eu acho que se tem que haver inclusão, a gente tem que estar inserido junto com todos os outros alunos. Na escola regular eu conseguia ter amigos, as pessoas me ajudavam muito, eu nunca tive preconceito. As pessoas eram amigas e abertas (Williams, deficiência visual).

Alseni não encontrou dificuldades para ser incluída na escola regular e considera que foi uma conquista do seu grupo social na efetividade do direito à educação regular, uma vez que foi esse direito que a possibilitou chegar ao ensino superior. O fato de ter frequentado a escola especial nos anos iniciais de estudo e posteriormente ter formação na escola regular, permitiu a Williams fazer um comparativo entre essas duas realidades. Ele adquiriu consciência do estigma que as instituições especiais carregam ao ser um espaço direcionado somente a essas pessoas, o que reforça os estereótipos e o modelo médico da deficiência.

Apesar de estar na escola regular, Alseni e Williams contam que receberam o apoio do Instituto dos Cegos para a transcrição do material de estudo em Braille e, assim, garantiram sua acessibilidade curricular. Eles revelam que, na época, ainda não havia as SRM com a disponibilização de máquinas para a transcrição em Braille nas escolas que frequentavam. Então, quanto a estes serviços, a escola regular era carente. Quando foi bolsista do Observatório Nacional da Educação Especial-ONEESP, já na graduação em Pedagogia, Alseni conta que viu mudança em termos de disponibilização de materiais e de acessibilidade para estudantes cegos ou com baixa visão nas escolas regulares brasileiras, avanço considerável, se comparado à sua época. No entanto, ambos os estudantes alertam que ainda

há muitas barreiras (políticas, administrativas, pedagógicas e culturais) para que, de fato, o AEE na escola comum contribua na formação escolar de estudantes com deficiência e faça o trabalho com êxito, como o que receberam no apoio itinerante do Instituto dos Cegos junto às escolas regulares em que estudaram.

Assim como Alseni e Williams, Robson também recebeu suporte do Instituto dos Cegos:

Eu sempre estudei em escola pública. Inicialmente em Bananeiras. A partir de 2008, quando eu estava no 8º ano, eu vim estudar em João Pessoa, mas sempre em escola pública. Aqui eu tive o suporte do Instituto dos Cegos. No interior, eu era como ouvinte. A professora explanando o assunto e eu prestando atenção e assim eu assimilava o assunto. Na véspera da prova, colegas liam o questionário para prova, daí eu assimilava todo o questionário e a questão que caísse na prova estava totalmente decorada na cabeça. Eu só fazia prova oral (Robson, deficiência visual)18.

Robson, durante sua formação na educação básica, recebeu apoio dos colegas que eram preocupados com sua aprendizagem e, assim, encontraram junto com o estudante estratégias para tornar o estudo da prova acessível a ele. Essa relação de apoio mútuo entre Robson e os colegas faz parte de um modelo de aprendizagem cooperativo (RIBEIRO, 2006), em que docentes e estudantes compreendem a aprendizagem como um processo dinâmico e de troca de experiência. A aprendizagem cooperativa pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento da autoadvocacia, pois permite que os sujeitos aprendam entre si e aprendam sobre eles próprios, ao apoiarem-se. Segundo Beresford (2013), muitas das competências da autoadvocacia a nível individual são aprendidas a partir da socialização com um grupo e apoio mútuo dos colegas – com ou sem deficiência.

Para Ribeiro (idem, p. 2), o desafio da escola é ensinar os estudantes atitudes que possibilitem a mudança de valores, para que a sociedade se torne mais justa, livre e democrática para todos/as. Com isso, o microambiente escolar e outros espaços sociais tornam-se lugares fundamentais para a mudança de atitudes nas relações estabelecidas entre os estudantes e a comunidade escolar, em direção ao desenvolvimento de competências que contribuam para a intervenção social. Para isso, Aguado (2000 apud Ribeiro, 2006) traz o conceito de Aprendizagem Cooperativa como princípio fundamental para uma transformação local e (possibilidade) global:

18 Depoimento colhido por meio de entrevista individual, realizada na Universidade Federal da Paraíba no dia 13 de agosto de 2013.

A Aprendizagem Cooperativa sendo uma estratégia de ensino baseada na interação social, e que consiste na estruturação dos objetivos de modo a que a organização da aula crie pautas de socialização positivas face às pautas clássicas do tipo competitivo, apresenta-se como uma alternativa eficaz ao ensino tradicional baseado fundamentalmente em formas de aprendizagem individual e/ou competitiva (AGUADO, 2000 apud RIBEIRO, 2006, p.?).

É nesse contexto que Ribeiro considera importante a implementação da Aprendizagem Cooperativa na sala de aula, porque, por meio do desenvolvimento de atitudes cooperativas, o/a aluno/a pode desenvolver aprendizagens significativas de conteúdos científicos, ao mesmo tempo em que é estimulado ao desenvolvimento de competências sociais. Para ilustrar esse aspecto, trazemos a experiência de Everton, um estudante surdo do curso superior de Design, para quem, durante sua formação na educação básica, era importante sua interação com estudantes ouvintes, assim como a troca de experiências no processo de aprendizagem. Para ele, isso era algo positivo para ambas as culturas – ouvinte e surda:

Na minha opinião é importante demais a inclusão, porque existe o conhecimento, essa união entre surdos e ouvintes. Então, tem o aluno ouvinte e também tem o professor que ensina e é muito importante essa troca de informação. Só especial, não! Você vai conviver como com os ouvintes? A gente precisa dessa interação, dessa experiência, onde eu ensino para os ouvintes e eles também me ensinam. Eu gosto de estudar e de ficar captando o que os ouvintes estão falando. Eles me ajudam e eu ajudo eles e assim a gente está sempre adquirindo essa experiência nessa união. Preconceito não! (Everton, deficiência auditiva)19.

Everton estudou em escola regular e conta que sempre recebeu apoio pedagógico para que fosse garantida a acessibilidade curricular, o que contribuiu para ele não ser reprovado na educação básica. Essa interação de Everton com colegas com e, principalmente, sem deficiência, foi imprescindível para a sua autoadvocacia, na medida em que colaborou para a eliminação de rótulos ao seu respeito e de seu grupo social e para o fortalecimento de sua identidade pessoal (GLAT, 2004), ao não se sentir excluído, mas parte da cultura escolar e, consequentemente, da comunidade. Ao mesmo tempo, ele revela que precisou aprender a Língua Portuguesa para fazer parte da cultura ouvinte e, assim, conseguir se desenvolver na escola regular:

Eu sempre fui um bom aluno, pois eu sempre recebi apoio pedagógico e nunca repeti nenhum ano escolar. Se eu tivesse dúvidas, eu perguntava ao professor e ele respondia para mim. O intérprete traduzia. Com a ajuda do intérprete, eu também consegui aprender o Português e hoje eu consigo ler algumas coisas. Os textos eram traduzidos em Libras e em Português. O

19

Esse depoimento foi colhido por meio de entrevista individual durante o meu curso de mestrado, no dia 17 de

Português é muito importante para a gente desenvolver. Para mim, tanto o Português quanto a Libras é igual (Everton, deficiência auditiva).

Por outro lado, Dorziat (1999) considera importante atentar para que as práticas pedagógicas do ensino regular não se tornem aprendizagem compulsória para os surdos, a partir de uma visão de normalidade e adaptação social, que é contrária ao ideal de valorização das diferenças e respeito à cultura de cada grupo social. As práticas pedagógicas na escola regular devem, portanto, buscar alternativas para não enquadrar o/a estudante surdo/a à norma clínica, em que a pessoa deve tornar-se o mais próximo possível ouvinte, isto é, apropriar-se da cultura do outro em detrimento da sua própria. Isso inclui a atenção ao uso da linguagem dominante (aqui a Língua Portuguesa), para que esta não se torne instrumento de anulação da linguagem materna de alguns grupos de surdos.

Merece destaque, no relato de Everton, ele não ter o direito da interpretação em Libras na escola regular privada, porque a escola não disponibilizou intérprete, e, por essa razão, ele teve que optar pelo ensino público:

Na escola particular, só havia eu de surdo e o resto dos alunos eram ouvintes e minha mãe teve que pagar um intérprete para estar dentro da sala de aula comigo. Na escola pública, o intérprete era garantido pelo governo e ficava comigo dentro da sala regular junto com os ouvintes. Mas na escola particular o ensino era mais difícil e eu tinha que estudar muito para aprender. A gente tinha mais ganho: os textos, a tradução era traduzido em Português e Libras, enquanto que, na escola pública, foi mais leve e mais fácil para mim (Everton, deficiência auditiva).

Este relato nos faz refletir sobre a Política Nacional de Educação Especial, que deveria atingir todo o ensino, seja ele público ou privado, conforme determina a LDB (BRASIL, 1996). A falta de monitoramento e punição, como no caso de Everton, contribui para que a negligência e a violação dos direitos das pessoas com deficiência perpetuem-se nos sistemas de ensino privado. O fato de a família de Everton ter quer pagar pela acessibilidade vai contra as diretrizes estabelecidas no decreto 5.296/04 que, em seu artigo 24, enfatiza ser responsabilidade dos estabelecimentos de ensino, em todos os níveis e modalidades, coibir qualquer forma de discriminação, isso inclui a discriminação material, quando não há acessibilidade.

A falta de acessibilidade não ocorre apenas nas escolas privadas, mas também nas escolas públicas, onde, apesar da obrigatoriedade das salas de recursos multifuncionais, não há adaptação curricular, o processo de ensino-aprendizagem ocorre com base no protótipo de alunos tidos como “normais” (GONZALES, 2008) e a postura dos professores contribui ainda mais para que estudantes com deficiência sejam prejudicados e não tenham acesso a uma

educação de qualidade na mesma proporção que os demais alunos. Apesar da obrigatoriedade legal, ainda há uma grande discrepância com a prática cotidiana que ocorre nas salas de aula, como revelam os depoimentos de Robson e Williams:

Eu reprovei 5 vezes e tinha professores que não tinham sensibilidade. Não tinha um meio de ajuda e eu me dei mal! Eu considero que me reprovaram, eu não me reprovei. Eu colocava a resposta certa na questão errada. Os professores não tinham esse entendimento e até chegou ao ponto de uma das professoras me chamar de burro no meio de todo mundo na sala de aula. Os meus colegas riram de mim (Robson deficiência visual).

Quando eu comecei no ensino médio, eu senti muita dificuldade, pois os professores não estão preparados para receber os alunos. As escolas falam muito em inclusão, mas quando você chega lá não é realmente o que eles dizem. É muito desafio, não é fácil. Você vê, muitas vezes, um professor virar para o quadro, escrever e esquecer que tem uma pessoa cega na sala. Falando bem honestamente, os professores, muitas vezes, me davam notas a mais só pra ficar livre de mim. Pelo lado de ter socialização, a escola regular foi bem melhor, mas a questão do lado pedagógico ainda deixa a desejar. Eu tive muitos desafios, pois principalmente em matérias de cálculo, os professores usavam muito o quadro e não sabiam como passar pra mim e eu tinha muita dificuldade (Williams, deficiência visual).

Tanto Robson quanto Williams adquiriu uma consciência da violação de seus direitos. Robson afirma “eu considero que me reprovaram eu não me reprovei”, reconhecendo que as barreiras educacionais se sobressaíram à sua competência individual uma vez que sua reprovação não representa o seu mérito, mas a incapacidade da escola de garantir o direito a uma educação de qualidade. Williams percebe a “vantagem” que lhe foi dada através das notas atribuídas pelo professor, sem que ele fizesse qualquer tipo de avaliação. Admitir isto é uma consciência acerca da não garantia do direito à aprendizagem. Os dois estudantes, ao comunicarem nesta pesquisa esses momentos vivenciados durante a formação na educação básica, revelam uma postura de autoadvogado, uma vez que a consciência dos direitos e a comunicação são princípios deste movimento (GLAT, 2004; DAVIDW et al., 2003).

Ao contrário das experiências negativas de Robson e Williams no ensino regular público, e de Everton no ensino regular privado, Alseni afirma que ter se formado no Ensino Médio numa instituição privada foi fundamental, principalmente porque o ensino lhe possibilitou a aprovação no vestibular. Além de ela ter encontrado uma equipe pedagógica que a apoiava e fornecia a acessibilidade necessária para a sua permanência na escola: