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Educação Informal para o Empoderamento e a Autoadvocacia: Modelo Social da Deficiência

CAPÍTULO II: EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: POLÍTICAS E

2.4 Educação Informal para o Empoderamento e a Autoadvocacia: Modelo Social da Deficiência

Até o século passado, a deficiência era definida somente como uma característica biológica e médica, uma condição de limitação do corpo. Atualmente, as pesquisas científicas situam a pessoa com deficiência dentro de um contexto cultural e social, em que ficam em evidência as barreiras do ambiente (OLIVER, 1990; FERREIRA, 2004; MARTINS, FONTES, BERG, 2012). A nova abordagem não considera a deficiência como uma „tragédia pessoal‟ (OLIVER, 1990), mas analisa a ordem social em que a deficiência está inserida bem como os processos de normatização que classificam e limitam o desenvolvimento pessoal e social dessas pessoas.

Com base no modelo social da deficiência, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) reconhece o conceito „deficiência‟ como em evolução, por ser resultado da interação das pessoas com deficiência com o ambiente, onde se situam as maiores barreiras físicas e atitudinais, impeditivas de uma participação mais efetiva dessas pessoas em igualdade de condições às demais pessoas. A deficiência é configurada, portanto, como algo relacional, superando a visão que a situava apenas nas pessoas com deficiência, em suas características pessoais-individuais.

Desse modo, ao adotar a Convenção na condição de texto constitucional, através do Decreto 6.949/2009, o Brasil aliou-se ao movimento internacional de pessoas com deficiência, que se contrapunha ao modelo médico hegemônico, denunciando o tom limitador e incapacitante com o qual definia as pessoas com deficiência, inclusive no ambiente educacional. O texto defende a pessoa com deficiência como sujeito de direitos, valorizando sua voz de forma a garantir o lema “nada sobre nós sem nós” e visibilizando-a nos diversos espaços sociais, como critérios de empoderamento e autoadvocacia para a inserção social, educacional e no mercado de trabalho.

A perspectiva do modelo social, além de valorizar o indivíduo, tem a preocupação de estimular as habilidades de cada sujeito, assim como possibilitar uma maior troca de experiências no processo de aprendizagem formal e informal.

Por influência das determinações da Convenção, a nova Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde-CIFIS (OMS, 2011) passa a definir a deficiência a partir do modelo „biológico-psíquico-social‟. O conceito de deficiência foi associado à funcionalidade do corpo, então, definidos, pela Organização Mundial de Saúde, “funcionalidade e deficiência como a interação dinâmica entre problemas de saúde e fatores contextuais”.

É importante destacar que, no Brasil, o modelo social da deficiência vem sendo adotado nas medidas políticas para inclusão socioeducacional do grupo de pessoas com deficiência. Para tanto, a educação formal e informal vem sendo um caminho para a aprendizagem sobre os novos valores que estão relacionados com as mudanças ambientais e atitudinais acerca das pessoas com deficiência. O modelo social da deficiência se articula com os princípios do empoderamento e do movimento de autoadvocacia, uma vez que situa a pessoa com deficiência dentro de contextos culturais e não responsabiliza a pessoa pela sua deficiência. Isso quer dizer que o empoderamento e autoadvocacia não são somente uma expressão individual, mas depende de diversos contextos.

Alseni, pessoa com baixa visão, e Everton, um rapaz surdo, tiveram a oportunidade de estudar a Convenção (ONU, 2006) e perceberem sua deficiência como uma condição social, a partir da sua formação no Projeto de Extensão Pró-Líder. Trago, a seguir, informações acerca deste projeto educacional:

Projeto de Extensão Universitária Pró-Líder

O Projeto de Extensão Pró-Líder: promovendo a autoadvocacia de jovens com deficiência, criado em parceria com a UFPB-DHP e o Centro SUVAG da Paraíba, teve como objetivo preparar jovens com deficiência para atuarem como autoadvogados na promoção e defesa de seus direitos, com base na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU 2006, 2008). Esse projeto foi iniciado em agosto de 2008, durou um ano e dois meses e foi campo de estudo da dissertação de Soares (2010), que analisou os fatores que promovem a autoadvocacia na vida de jovens com deficiência.

Este projeto se inseriu no âmbito da ação da Organização Internacional Leonard Cheshire Disability que iniciou o Young Voices Internacional Project (Projeto Internacional Vozes de Jovens) em 2006, com o mesmo objetivo, mas envolvendo países da África e da Ásia.

Segundo Alseni, ter acesso a esse projeto foi fundamental para a ruptura com o estado de opressão e silenciamento em que antes ela se encontrava:

Para ter consciência dos meus direitos, a participação junto ao Pró-Líder foi fundamental. O Pró-Líder ajudou a me reconhecer. Pra entender que eu exercia a autoadvocacia, eu nunca tinha pensado sobre isso antes. O Pró-Líder me fez perceber isso. Eu já tinha mais ou menos a ideia porque eu convivo com pessoas cegas. Mas isso começou a ficar mais forte depois da minha entrada no Pró-Líder, e ai eu comecei a olhar a pessoa com qualquer deficiência como pessoas com direitos (Alseni, deficiência visual).

Na experiência com o Pró-Líder, Alseni teve a oportunidade de conviver com pessoas com outras deficiências, como surdos e pessoas com deficiência intelectual. O Pró-líder foi intencionalmente criado com o intuito de fortalecer a identidade das pessoas com deficiência de João Pessoa e favorecer o processo de empoderamento dos jovens. A criação de grupos com a finalidade direta para a autoadvocacia é relevante, pois possibilita o planejamento de situações de aprendizagem, o compartilhamento de diferentes pontos de vista, o desenvolvimento de competências e ajuda a solucionar problemas pessoais e da comunidade envolvida. O grupo também é importante para o estudo dos direitos, uma vez que envolve o conhecimento, o esclarecimento e a discussão dos participantes sobre os direitos humanos. As escolas, universidades, organizações não governamentais ou a própria comunidade podem ser ambientes favoráveis à criação de grupos de autoadvocacia que incluam em suas agendas

educacionais reivindicatórias as necessidades locais, assim como as vozes das pessoas com deficiência. Com base na sua experiência no Pró-líder, Alseni define autoadvocacia como:

O direito de você conviver de acordo com meus próprios critérios, conceitos, seguindo algo que faz sentido para minha vida. É um direito. Direito de ser cidadão, como qualquer pessoa (Alseni, deficiência visual).

A estudante se sente uma pessoa autoadvogada, porque é independente e consegue realizar suas:

Obrigações do dia a dia, aceito desafios e consigo superá-los, conheço os direitos dos cidadãos de um modo geral. Eu sou uma pessoa independente, eu tenho independência intelectual, eu tenho independência na minha vida

(Alseni, deficiência visual).

Everton, que foi colega de Alseni durante a formação do Pró-Líder, conta a importância de hoje ser um autoadvogado e saber de seus direitos:

Eu conheço sim os meus direitos e os das pessoas com deficiência. Conheço direito sobre a inclusão, sobre a obrigatoriedade das Libras. É preciso acabar o preconceito e viverem todos na harmonia. Tenho direito a intérprete, a Libras. O surdo tem o direito a estar incluído e a comunicação com os ouvintes. Eu passei a conhecer sobre os meus direitos através do Conselho que participo e também do Pró-Líder. Lá eu conheci pessoas com várias deficiências e eu aprendi bastante. Eles ensinaram também como os jovens lutar pelos seus direitos. É muito importante porque muda a vida do jovem, abre a mente, você passa a conhecer mais coisas. Hoje eu não apenas conheço os meus direitos como eu também luto por eles. Sempre que tem eventos que a gente não concorda, eu vou ao Ministério Público, abro um processo para os meus direitos.

(...)

Eu tenho autoadvocacia em minha vida, eu pego o ônibus sozinho, eu estudo sozinho, eu organizo as coisas em casa sozinho. Trabalho também no computador, pesquisando coisas. Várias coisas importantes para o meu estudo, eu pesquiso sozinho. Eu consigo várias coisas sozinho, e a deficiência não tem problema nenhum, é normal (Everton, deficiência auditiva).

Everton tem 23 anos, é surdo e homossexual. Sua mãe é intérprete de Libras e trabalha em três escolas, além de interpretar em vários eventos e palestras em que ele participa. O pai é comerciante e dono de uma loja de ferramentas e construção. O estudante afirma que contou com a família também para aprender a ter autonomia e vida independente. Hoje ele se sente um jovem autoadvogado em razão da aprendizagem no Pró-Líder e dentro de casa:

Eu também me considero um autoadvogado, pois eu luto pela minha vida, pelos direitos, eu reclamo pelos meus direitos, por exemplo: Eu tenho muita

parceria com outras etnias então eu tenho essa troca, para mim tanto faz se são gays, se são negros, mas eu gosto da união. Nós lutamos pelos direitos juntos, por uma vida melhor. Eu quero mostrar que eu sou surdo, tenho deficiência, mas também tenho responsabilidade (Everton, deficiência auditiva).

Em virtude da formação para se tornar autoadvogado, Everton atualmente participa de diversos movimentos sociais na Paraíba. O estudante destaca que sua luta, além de incluir o grupo de pessoas surdas e pessoas com deficiência, é uma luta interseccional, por envolver outras categorias como orientação sexual, movimento negro e movimento estudantil, o que representa um avanço nas lutas, por abranger um maior espectro dos que visam justiça social e igualdade:

Eu trabalho de forma voluntária em Conselhos e Associações, lutando pelo direito das pessoas com deficiência. Eu participo do Conselho Municipal da Juventude, Esporte e Lazer da prefeitura de João Pessoa e do Estado da Paraíba e eu gosto do Conselho, gosto de estar lutando pelos direitos, gosto de estar em palestras, gosto dos projetos, eu acho muito importante.

(...)

Eu fico muito feliz porque há mais ou menos cinco anos eu tenho acesso a projetos, congressos, então eu estou sempre aprendendo. Antes não tinha surdos então eu agora assumi essa responsabilidade. Minha vontade é lutar. Eu aceitei porque eu penso que participando do Conselho Estadual da Paraíba eu penso em um futuro. Através dele, a gente luta contra o preconceito. Eu penso até em ser presidente desse conselho. Eu sou o único surdo e luto pela vida de todos. Esse ano eu fui eleito para delegado estadual do Conselho e nossa função é lutar pelos direitos de todos. Tem a juventude negra, tem homossexuais, tem pessoas da cultura, tem também pessoas que são estudantes superiores e então é ótima essa parceria com eles (Everton, deficiência auditiva).

A Convenção (ONU, 2006, p. 20-21) traz, no seu Capítulo 8, a importância da Conscientização das pessoas com deficiência e da população sobre os direitos do grupo de pessoas com deficiência. Os Estados-Membros, dentre estes o Brasil, devem assumir o compromisso de “conscientizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência”, conforme Everton já vem contribuindo junto aos órgãos de que faz parte. A Convenção também tem como propósito combater estereótipos, preconceitos e práticas negativas relacionadas às pessoas com deficiência em todas as esferas da vida. Os projetos sociais, como o Pró-Líder, fazem parte das determinações da Convenção no incentivo à promoção de “programas de formação em sensibilização a respeito das pessoas com deficiência e sobre os direitos das pessoas com deficiência”.

Thiago é também um jovem com deficiência que destaca a importância de saber sobre seus direitos para lutar por eles:

Eu conheço alguns direitos das pessoas com deficiência, como direito de ter férias, direito de maternidade, direito de votar, de ir ao cinema, de ir no shopping, direito de namorar, de ir no parque... ah, essas coisas assim. Eu conheço os meus direitos e eu também os pratico, eu já voto, tenho título de eleitor e faço isso sozinho (Thiago, deficiência intelectual).

O reconhecimento do exercício dos direitos civis pelas pessoas com deficiência, como Thiago menciona, foi uma grande conquista da Convenção, pois contribui para a participação social: como abrir uma conta bancária, comprar uma casa em seu próprio nome, contrair matrimônio, ter licença para dirigir, assim como ter a responsabilidade sobre as escolhas dos cargos políticos por meio do direito ao voto. Essas conquistas, apesar de já ser um direito garantido para a maioria da população antes mesmo da Convenção, para as pessoas com deficiência representa uma condição atual que favorece a autoadvocacia, porque permite tomar formalmente decisões particulares e coletivas. No âmbito legal, reconhecer o exercício dos direitos civis de pessoas com deficiência significa reconhecê-las como pessoas (não como deficientes) e como cidadãs.

Galvão (2013) destaca a importância do ato de educar para a convivência social, cidadania e tomada de consciência política. A educação intencional, voltada para os direitos das pessoas com deficiência (através do Pró-Líder e do Carpe Diem), ou não intencional, nas relações cotidianas (nas situações familiares, com amigos ou relações escolares), possibilitou a Everton, Alseni e Thiago uma posição de empoderamento e autoadvocacia, base para suas escolhas de vida e participação ativa nas relações sociais – como a fala de Thiago: na importância dele exercer o direito de votar; e na reivindicação de Everton: ao atuar na condição de delegado no Conselho Estadual. Galvão (2013, p. 3) destaca ainda que a educação escolar (intencional) para a cidadania pretende então fazer com que cada pessoa torne-se:

Um agente de transformação. Isso exige uma reflexão que possibilite compreender as raízes históricas da situação de miséria e exclusão em que vive boa parte da população. A formação política, que tem no universo escolar um espaço privilegiado, deve propor caminhos para mudar as situações de opressão. Muito embora outros segmentos participem dessa formação, como a família ou os meios de comunicação, não haverá democracia substancial se inexistir essa responsabilidade propiciada, sobretudo, pelo ambiente escolar.

Já Bia Paiva, que recebeu uma educação para a cidadania na Associação Carpe Diem, destaca a importância de ter conhecido seus direitos em palestras que ela mesma passou a proferir junto à Associação, o que evidencia a relevância de as próprias pessoas com deficiência defenderem seus direitos, como ratifica a Convenção da ONU (2006):

Eu passei a conhecer os meus direitos através das palestras que eu vou dar, que eu assisto, que eu escuto. O Carpe também me ajuda muito nesse sentido. Eles falam muito sobre isso. Em todos os grupos que eu fiz lá dentro do Carpe, eles sempre falam um pouquinho da Lei de Cotas, que a empresa tem que pagar e tem que ter pelo menos umas 2 ou 3 pessoas com deficiência senão eles tem que pagar uma multa (Bia Paiva, deficiência intelectual).

Através da formação pelo Carpe Diem, Bia Paiva desenvolveu os quatro componentes fundamentais para sujeitos autoadvogados: (1) conhecimento de si mesmo; (2) conhecimento dos direitos; (3) comunicação; e (4) liderança (DAVIDW et al., 2003, p.5):

O grupo cidadania também. A gente estava cansado das pessoas falarem por a gente e nós não termos voz própria. Então a gente teve a ideia de montar um grupo para representar a instituição. O projeto leva o nome de jovens protagonistas e começou a aparecer palestras para a gente ir falando. Isso foi crescendo e ganhando um volume maior, foi aumentando as viagens e os convites. Esse grupo é organizado para a gente ter voz e lutar pelos nossos direitos como cidadãos, independente da deficiência (Bia Paiva, deficiência intelectual).

Conhecimento de si e Conhecimento de direitos são vistos como os fundamentos da autoadvocacia, porque tornam-se necessários para que a pessoa com deficiência compreenda a si antes que possa dizer aos outros o que eles querem: no caso de Bia, ela pôde, nas atividades no Carpe Diem, conhecer suas preferências, seus gostos e praticar escolhas, assim como se relacionar com pessoas que também têm deficiência. O seu conhecimento pessoal associou-se ao conhecimento sobre os seus direitos, uma vez que ela hoje profere palestra para que outras pessoas aprendam sobre as leis nacionais e possam autoadvogar-se também – o ato de comunicar sobre o conhecimento de si e seus direitos já revela o terceiro componente para a autoadvocacia que é a Comunicação. Bia passa informação (às pessoas com deficiência e também pessoas sem deficiência) para resolução de problemas de forma individual e em situação de grupo.

Bia e suas colegas que fazem o trabalho no Carpe Diem tornaram-se “instrutoras de

autoadvogados”, portanto, criadoras de um currículo de autoadvocacia, em que os objetivos

educacionais fundamentais são: conhecer si e conhecer seus direitos, conhecimentos que se tornam, portanto, “ferramentas de auto-defesa” (DAVIDW et al., 2003, p. 5).

O componente final para autoadvocacia é a liderança, que permite que a pessoa mova-se da autoadvocacia individual para a defesa de outros grupos de indivíduos com interesses comuns. Everton é um dos participantes desta pesquisa que exerce maior liderança, uma vez que o estudante busca estar inserido em diversos grupos de protagonismo. O estudante busca associar as lutas de diferentes movimentos para aprender sobre seus próprios pontos fortes e necessidades e como expressar-se na luta pela justiça social. A própria inserção de Everton na luta pelos seus direitos o ajuda a desenvolver habilidades de defesa e adquirir uma comunicação eficaz a seu respeito (WILLIAMS, SHOULTZ, apud DAVIDW et al., 2003). Davidw et al. associam como o conhecimento de si, dos seus direitos e a comunicação auxiliam na liderança de sujeitos autoadvogados:

Como indivíduos passam a conhecer a si mesmos e aos seus direitos e comunicar esse conhecimento de forma eficaz, eles podem trabalhar com os outros e falar sobre os seus desejos e necessidades coletivas através de organizações, encontros comunitários e fóruns políticos. Exercer o componente liderança da estrutura conceitual não é necessário para se tornar um autoadvogado bem-sucedido. A liderança envolve uma consciência das necessidades comuns e desejos dos outros, trabalhar com os outros, grupos dinâmicos e responsabilidades (DAVIDW et al., 2003, p. 4).

O livreto de pesquisas The Arc (1992 apud DAVIDW et al., 2003p. 10)destaca que a formação de grupos com a intencionalidade de desenvolver competências para a autoadvocacia deve “criar regras de tomada de decisões, eleger posições de liderança, ampliar a adesão por meio de apresentações, tornar-se envolvido com instituições de caridade e do governo local e formar rede com outros grupos de autoadvocacia”. A criação de redes locais e globais é fundamental para que as pessoas com deficiência tenham consciência acerca dos problemas que acontecem onde vivem, de como podem intervir para a transformação de sua realidade e realidade dos outros, atitude que enfoca uma posição de cidadania. Bia Paiva aprendeu no Carpe Diem a olhar para as relações sociais com empatia e exigir a efetivação de seus direitos e aqueles direitos que são para o bem-comum:

Também tem o direito de ter acessibilidade no trabalho, por exemplo, um deficiente físico precisa de uma rampa, o surdo precisa de um material de Libras, será que essa empresa oferece? Só que nunca se pensou na deficiência intelectual, engraçado isso, porque eles pensam muito no auditivo, no físico, no visual, mas nunca pensam em como é dado acessibilidade à pessoa com deficiência intelectual. Assim como as outras deficiências, nós também queremos ter um mundo mais acessível para nós. É um direito nosso. É o direito de você querer ser atuante, ser humano igual a todos os outros, tendo a sua deficiência como uma qualidade, como uma

coisa normal que aconteça com qualquer pessoa. Nós estamos cansados desse preconceito que muitas vezes é por falta de informação ou de não querer (Bia Paiva, deficiência intelectual).

Baseada na ideia de que a autoadvocacia é uma característica coletivo-individual, ao exigir seus direitos, as pessoas com deficiência estão lutando por um mundo mais inclusivo e acessível para todos e não só para elas. Quando se garante a acessibilidade arquitetônica, por exemplo, melhora-se a vida tanto de pessoas com deficiência que têm dificuldade de locomoção como de outras pessoas que não têm deficiência, mas que se beneficiarão com as mudanças no ambiente, como idosos, mulheres grávidas, pessoas carregando sacolas, entre outras. Bia, como representante da Associação Carpe Diem, defende a acessibilidade intelectual que seria a forma de facilitar qualquer que seja a comunicação e informação para que se tornem inteligíveis para pessoas com deficiência intelectual. Em razão dessa ideia, os jovens com deficiência, participantes do Carpe Diem, produziram um material intitulado

“Mude o seu falar que eu mudo o meu ouvir”, que teve por objetivo apresentar depoimentos de pessoas com deficiência intelectual sobre experiências de barreiras na comunicação inacessível. O livro contesta o padrão de sociedade projetado para as pessoas sem deficiência, o qual dificulta a comunicação, locomação, aprendizagem, socialização e participação das pessoas com deficiência intelectual que, por essa razão, precisam estar sempre acompanhadas.

Nessa direção, há no Brasil, desde o ano 2000, uma Lei com determinações para a acessibilidade – Lei n° 10.098/00 – que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida (que não são pessoas com deficiência, mas que têm dificuldade de locomoção). Essa Lei foi