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Na rota do fogo : especulação imobiliária em São Paulo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

RODRIGO DANTAS BASTOS

NA ROTA DO FOGO:

ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA EM SÃO PAULO

CAMPINAS 2018

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RODRIGO DANTAS BASTOS

NA ROTA DO FOGO:

ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA EM SÃO PAULO

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

Orientadora: ARLETE MOYSÉS RODRIGUES

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO

RODRIGO DANTAS BASTOS, E ORIENTADA PELA

PROFª LIVRE DOCENTE ARLETE MOYSÉS RODRIGUES

CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos Trabalhos de Defesa de Tese composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 26 de Março de 2018, considerou o candidato Rodrigo Dantas Bastos aprovado.

Professora Livre Docente Arlete Moyses Rodrigues - Presidente

Professor Dr. Wagner de Melo Romão

Professora Dra. Mariana de Azevedo Barretto Fix

Professora Dra. Isabel Aparecida Pinto Alvarez

Professor Dr. Everaldo Santos Melazzo

A Ata de Defesa, assinada pelos Membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a professora Arlete Moysés por sua paciência, dedicação, cuidado e amizade ao longo desses anos de aprendizado e de orientação.

Agradeço também os professores Wagner Romão, Mariana Fix, Everaldo Melazzo, Isabel Alvarez, Jesus Ranieri e Airton Leite.

Também a todos e todas que passaram pelos colóquios do LACAM – o Laboratório da Casa da professora Arlete Moysés.

Àqueles que fizeram uma leitura atenta e generosa, em especial Sandro Barbosa e Thiago Tenório.

Aos amigos, amigas e familiares que me apoiaram e que entenderam as minhas dificuldades ao longo deste percurso. Em especial Luiz Madio, Helio Wicher Neto e Peterson Pessoa.

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“Talvez não se tenha reparado que o fogo é muito mais um ser social do que um ser natural.” (Gastón Bachelard, A psicanálise do fogo, 1999, pg. 15)

“É evidente que as melhorias (improvements) das cidades, que acompanham o progresso da riqueza e são realizadas mediante a demolição de bairros mal construídos, a construção de palácios para bancos, grandes casas comerciais etc., a ampliação das avenidas para o tráfego comercial e de carruagens de luxo, a introdução de linhas de bondes urbanos etc., expulsam os pobres para refúgios cada vez piores e mais superlotados. Por outro lado, qualquer um sabe que o alto preço das moradias está na razão inversa de sua qualidade e que as minas da miséria são exploradas por especuladores imobiliários com lucros maiores e custos menores do que jamais o foram as de Potosi.” (Karl Marx, O capital, Livro I, cap. 23, 2013, pg. 732).

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RESUMO

Esta tese, ao descrever o fogo como uma das formas pelas quais se dá a despossessão em São Paulo, analisa as implicações deste processo para o capital que investe na cidade e defende que o aumento excepcional e generalizado dos preços dos imóveis urbanos (2009-2014) foi um reflexo da elevação do patamar mínimo da renda absoluta urbana – ou renda absoluta nacional de monopólio excepcional na produção do espaço urbano. O período que corresponde a esta elevação é identificado como uma fase de superespeculação imobiliária, que pode ser identificada a partir do ano de 2009, passa a mostrar sinais de esgotamento em 2012 e se estende até 2014. Embora esta elevação apresente-se de imediato na forma monetária e quantitativa dos preços, corresponde a um aumento qualitativo dos poderes de monopólio dos proprietários jurídicos em ofertar e dispor de seus imóveis urbanos para as atividades da construção. Este incremento das rendas urbanas e dos poderes da propriedade imobiliária criou as condições para uma transferência de valor aos proprietários jurídicos de imóveis, que, excepcionalmente nesta fase de febre especulativa, estiveram em posição de praticar preços de monopólio de modo generalizado no mercado imobiliário nacional. Considerando a particularidade histórica e geográfica do regime jurídico da propriedade imobiliária no Brasil – não absolutizado no território nacional como ocorre nos países do Norte – argumenta-se que o aumento das rendas urbanas teve como um de seus efeitos uma intensificação da insegurança da posse da moradia informal. Em São Paulo, foi possível verificar este aumento da insegurança da posse sobretudo no conjunto de favelas classificadas sob risco de incêndio pelo Programa Municipal de Prevenção contra Incêndios em Assentamentos Precários (PREVIN). Verificou-se que nestas favelas não existe a perspectiva de futura legitimação da posse efetiva pelo Estado, uma vez que esses territórios são excluídos das ações institucionais de regularização fundiária de interesse social que poderiam converter seus posseiros em proprietários jurídicos. Nestes lugares, uma tecnologia política de controle do espaço urbano militarizado – também chamada de securitização urbana ou novo urbanismo militar – utiliza-se da guerra ao crime semi-organizado ou desorganizado do tráfico varejista de drogas para legitimar as violências da despossessão. Na expansão geográfica da propriedade jurídica da terra e dos imóveis urbanos, os circuitos financeiros da acumulação de capital com a especulação imobiliária em São Paulo pressupõem a continuidade da assim chamada acumulação primitiva, neste caso especificamente baseada na rapinagem e na violência contra legítimos possuidores de moradias autoconstruídas em territórios sob disputa em cidades do Sul Global. O fogo, deste modo, passa a ser descrito não apenas enquanto um elemento da natureza, mas como uma prática social que, no caso das favelas incendiadas, implica táticas e estratégias de punição que recaem sobre os condenados da terra urbana, castigos que operam em paralelo com técnicas de exercício de poder na promoção de uma violência urbicida direcionada contra a população de parcelas do espaço em que as rendas urbanas são altamente capitalizadas. Por fim, conclui-se que o aumento do poder de monopólio da propriedade imobiliária capitalista redimensionou o poder da classe social dos proprietários fundiários e sua representação política, tanto na sociedade civil como nas instituições do Estado.

Palavras-chave: Incêndios; Sociologia urbana – São Paulo (SP); Política urbana; Direito urbanístico.

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ABSTRACT

This thesis describes fire as one of the ways in which dispossession takes place in São Paulo, analyzes the implications of this process for the capital that invests in the city and argues that the exceptional and generalized increase of real estate prices in Brazil (2009-2014) was a reflection of absolute urban ground rent minimum level elevation – or absolute national ground rent exceptional monopoly in the production of urban space. The period that corresponds to this elevation is described as a phase of real estate super-speculation, which can be identified since the year 2009, shows signs of exhaustion in 2012 and extends until 2014. Although this increase immediately presents itself in the monetary and quantitative form of prices, it corresponds to a qualitative increase of legal owners monopoly powers to offer and dispose of their urban properties for construction activities. This increase in urban ground rent and in the powers of real estate ownership created the conditions for a transfer of value to legal real estate owners, who, exceptionally at this stage of speculative fever, were able to practice monopoly prices in a general way in the national real estate market. Considering the historical and geographical particularity of the real estate property legal regime in Brazil – not absolutized over national territory as it occurs in countries and cities of the North – it is argued that this exceptional increase of urban rent has determined a tendency of increasing insecurity of tenure in informal settlements. In São Paulo, it was possible to verify this intensification of insecurity of tenure especially in the favelas (slums) classified as fire risk by the Municipal Program for Fire Prevention in Precarious Settlements (PREVIN). It was verified that in these favelas there is no prospect of future legitimation of land ownership by the State, since these territories are excluded from institutional actions that could turn possessors into legal owners. In these places, a political technology of militarized urban space - also called urban securitization or new military urbanism - uses the war against semi-organized and disorganized drug trafficking retailer to legitimize violence towards dispossession. In the geographical expansion of legal ownership of urban land, the financial circuits of capital accumulation with real estate speculation in São Paulo presuppose the continuity of the so-called primitive accumulation, in this case specifically based on plunder and violence against homeowners in territories under dispute in cities of the Global South. Fire is thus described not only as an element of nature, but as a social practice which, in the case of slums, entails tactics and strategies of punishment that fall on the condemned of urban land, punishments operating in parallel with techniques of exercise of power in the promotion of urbicide violence against parcels of urban space whose rents are highly capitalized. Finally, it is concluded that the increase in monopoly powers of capitalist urban property has reshaped the power of land owners social class and their political representation, both in civil society and in State institutions.

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LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 01: Incêndio destrói construções em Paraisópolis, na Vila Andrade, zona sul de São Paulo (10.set.2012). Foto: Diogo Moreira/Frame/AE

IMAGEM 02: Operários trabalham em obras do programa Minha Casa Minha Vida no complexo São Vicente, em Mauá, Região Metropolitana de São Paulo (04.ago.2012). Foto: Leonardo Wen / Folha Imagem

IMAGEM 03: Foto aérea do Google Maps em que estão identificados os registros de ocorrência de incêndio em favelas de São Paulo e as variações do índice FIPEZAP por bairro, no período de 2005 a 2014 (blog fogonobarraco).

IMAGEM 04: Foto aérea do Google Maps com identificação das favelas “Piolho”, “Comando” e “Buraco Quente”, localizadas entre a Avenida Roberto Marinho e o Aeroporto de Congonhas (blog fogonobarraco).

IMAGEM 05: Fotografia de incêndio na favela do Piolho, CMI-SP, em 08/09/2014. IMAGEM 06: Fotografia de incêndio na favela do Piolho, CMI-SP, em 08/09/2014. IMAGEM 07: Fotografia do hidrante, instalado a pedido dos agentes comunitários do PREVIN, sem água no momento do incêndio na favela do Piolho, CMI-SP, em 08/09/2014.

IMAGEM 08: Cena extraída do Trailer do documentário “Limpam com fogo”.

IMAGEM 09: Deusa Fides, que na mitologia romana simboliza a confiança, a promessa ou a garantia dada pela palavra.

IMAGEM 10: Roma, extensão do grande incêndio de 64 d.c. IMAGEM 11: Roma, extensão do grande incêndio de 64 d.c. IMAGEM 12: Gravura do grande incêndio de Londres, 1666. IMAGEM 13: Extensão do grande incêndio de Londres, 1666.

IMAGEM 14: Mapa com a extensão do Grande Incêndio de Chicago (1871) IMAGEM 15: Fotografia de Chicago alguns dias após o Grande Incêndio (1871) IMAGEM 16: Cartaz de chamada para reunião no segundo dos três dias (8, 9 e 10 de outubro) do Grande Incêndio de Chicago (1871).

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LISTA DE TABELAS

TABELA 01: Variação do Índice FIPE-ZAP para vendas de imóveis residenciais em São Paulo (jan/2008 a out/2017).

TABELA 02: Dados do Corpo de Bombeiros sobre os incêndios em favelas, de 1993 a 2010, extraídos da pesquisa de Ana Paula Bruno (2012).

TABELA 03: Registros de ocorrência de incêndios em favelas – Dados CPI, 2012. TABELA 04: Causas diretas dos incêndios em favelas de São Paulo. Dados do Corpo de Bombeiros (Bruno, 2012).

TABELA 05: Favelas incendiadas por localização – centro expandido, operações urbanas consorciadas e entorno das marginais (Bruno, 2012).

TABELA 06: Assentamentos do PREVIN (Ciclos 1, 2, 3 e 4). Relatório de Acompanhamento de 03/09/2012 do Plano de Implantação do Programa de Prevenção a Incêndios em Assentamentos Precários (PREVIN) nas Subprefeituras. TABELA 07: Lista de Votação – Instalação da CPI dos incêndios na Câmara Municipal de São Paulo

TABELA 08: Quadro explicativo das diferentes rendas fundiárias urbanas de acordo com a conceituação de Samuel Jaramillo González (2009).

TABELA 08: Terminologia resumida dos desastres – Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDC)

TABELA 09: Totais anuais de precipitação total (mm). Dados da estação de São Paulo, Mirante de Santana (2005-2015). Fonte: www.inmet.gov.br

TABELA 10: Matriz 01 – Espaço como categoria chave, significados possíveis (Harvey, 2006b).

TABELA 11: Matriz 02 – Matriz espacial para as categorias do sistema teórico marxiano (Harvey, 2006b).

TABELA 12: Matriz 03 – Matriz espacial para a especulação imobiliária em São Paulo, elaborada a partir de Harvey (2006b).

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 01: Variação do Índice FIPE-ZAP para vendas de imóveis residenciais em São Paulo – 229,98% (jan/2008 a out/2017)

GRÁFICO 02: Dados do Corpo de Bombeiros sobre os incêndios em favelas de 1993 a 2010 extraídos da pesquisa de Ana Paula Bruno (2012).

GRÁFICO 03: Dados anuais de precipitação (mm). Mirante de Santana, São Paulo (2005-2015).

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SUMÁRIO

Introdução ... 15

1. Os incêndios em favelas de São Paulo ... 29

1.1. Fogo no barraco ... 35

1.2. O Programa Municipal de Prevenção contra Incêndios (PREVIN) ... 48

1.3. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal ... 53

1.4. A classificação e a hierarquização das instituições de Defesa Civil ... 56

1.5. Clima e risco de incêndio ... 61

1.6. Incêndios e valorização ... 66

2. A renda da terra na produção do espaço urbano ... 68

2.1. Preço, valor e renda da terra ... 69

2.2. Espaço: lógica e ontologia ... 73

2.3. Rendas urbanas e especulação imobiliária ... 81

2.4. Capital fictício, lucros fictícios e rendas urbanas ... 90

2.5. O capital a juros e os sistemas nacionais de crédito habitacional e imobiliário... 92

2.6. Estoques imobiliários ... 101

2.7. Os ciclos da capitalização da renda da terra urbana no Brasil ... 104

3. Os direitos de posse e de propriedade da terra e dos imóveis em São Paulo ... 113

3.1. Posse, fogo e propriedade na Lei de Terras de 1850 ... 113

3.2. O urbanismo contra o fogo ... 117

3.3. Legal e ilegal ... 124

3.4. Economicismo e juridicismo ... 128

3.5. Regularização fundiária de interesse social ... 129

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4. O fogo como tecnologia política: guerra, castigo e recompensa ... 140

4.1. O fogo mitológico: o suplício de Prometeu ... 141

4.2. O fogo na história das cidades ... 146

4.3. O fogo e a guerra na colonização de São Paulo ... 155

4.4. O fogo na favela como crime e como castigo ... 164

4.5. O fogo como desastre na favela: doutrina do shock ... 168

4.6. Do suplício pelo fogo à sanção normalizadora das remoções ... 170

4.7. Urbicídio: militarização e securitização ... 172

Conclusões ... 178 Referências Bibliográficas ... 188      

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IMAGEM 01: Incêndio destrói construções em Paraisópolis, na Vila Andrade, zona sul de São Paulo (10.set.2012). Foto: Diogo Moreira/Frame/AE

IMAGEM 02: Operários trabalham em obras do programa Minha Casa Minha Vida no complexo São Vicente, em Mauá, Região Metropolitana de São Paulo (04.ago.2012). Foto: Leonardo Wen / Folha Imagem

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INTRODUÇÃO

Esta tese é o resultado de uma pesquisa sobre os incêndios em favelas de São Paulo como uma das formas da despossessão1 (Harvey, 2005) no período que se

passou a considerar uma fase de superespeculação imobiliária2, identificada com um boom excepcional e generalizado nos preços praticados no mercado imobiliário nacional, sobretudo entre os anos de 2009 a 2014.

Esta elevação extraordinária dos preços dos imóveis urbanos, como será exposto a partir do Capítulo 02, é o reflexo do incremento da renda absoluta urbana (Jaramillo González, 2009), ou renda absoluta nacional de monopólio excepcional (Carcanholo, 2013) dos imóveis urbanos, que corresponde aos poderes excepcionais de monopólio dos proprietários em ofertar e dispor de suas propriedades para as atividades da construção no território nacional. Ao longo da tese, argumenta-se que este aumento excepcional da renda absoluta urbana produziu efeitos no sentido de uma intensificação da insegurança da posse da moradia informal, observável, sobretudo no caso de São Paulo, no conjunto de favelas classificadas sob risco de incêndio pelo Programa Municipal de Prevenção contra Incêndios em                                                                                                                

1 Ou desapropriação da propriedade privada do trabalhador. Optei aqui por chamar despossessão

(expressão contida nas traduções de David Harvey para o termo em inglês dispossession) ou

destituição da posse considerando que na legislação brasileira e na linguagem jurídica adota-se uma

diferenciação entre posse e propriedade: a propriedade da casa, da terra e dos demais imóveis se transmite mediante a transferência dos títulos jurídicos registrados em Cartórios de Registro de Imóveis. Por este motivo a legislação do Direito positivo que orienta as decisões do Poder Judiciário no Estado brasileiro não reconhece a ocupação como forma de propriedade; não se requer habitar para ser considerado proprietário, mas obter o título jurídico alienável (matrícula ou transcrição) registrado no cartório competente. O posseiro, habitante ou morador é aquele que tem direito sobre a posse do espaço; o direito de propriedade é obtido somente pelo registro de um titulo jurídico reconhecido pelas instituições do Estado.

2 Considera-se nesta tese o período de elevação abrupta nos preços dos imóveis urbanos como uma

fase de superespeculação (também identificada como um boom imobiliário excepcional, que corresponde a uma ‘valorização imobiliária’ generalizada) para se referir aos anos de 2009 a 2014, em que se registrou uma variação média superior a 200% nos preços de venda de imóveis residenciais em São Paulo, de acordo com os dados da FIPE-ZAP (estes dados serão melhor abordados mais adiante).

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Assentamentos Precários (PREVIN). Este aumento das rendas urbanas, como se argumenta nas conclusões, implica também um aumento do poder da classe social dos proprietários jurídicos de imóveis (os proprietários fundiários), com reflexos na sua representação política na sociedade civil e nas instituições do Estado.

O fogo, como destacou Bachelard (1999), é muito mais um ser social do que um ser natural. Diferente da água das chuvas, inundações e enchentes, o fogo dos incêndios pode ser provocado por meio de atos incendiários criminosos, conduta tipificada pela legislação penal. Mas se a recorrência desses incêndios em favelas3

do município de São Paulo comunica-se de algum modo com a temporalidade e a espacialidade desta fase de superespeculação imobiliária, explicar estas conexões implica traçar a sua economia política.

***

A recorrência de atos incendiários em favelas de São Paulo nesta fase de superespeculação imobiliária levantava a questão da relação entre a distribuição geográfica desses incêndios no território do município e a ‘valorização imobiliária’4 das propriedades urbanas neste período. Esta questão foi lançada em imagens e mapas em setembro de 2012 no blog colaborativo fogo no barraco5, que inicialmente atingiu forte repercussão na internet e nas redes sociais. A plataforma digital oferecia a possibilidade de sobrepor, a partir da base de informações georreferenciada do Google Maps, duas camadas (layers) de dados: uma delas marca os pontos de localização geográfica de registros de ocorrência de incêndio                                                                                                                

3 Estas favelas são classificadas como assentamentos informais, precários ou subnormais (este

último pela denominação do IBGE), mas importa aqui não apenas a nomeação institucional do lugar, definida pela informalidade de sua construção, edificação, propriedade, posse e urbanização, mas inclusive pela sua condição e estigma de gueto, espaço de exclusão social ou enclave no espaço urbano (Wacquant, 1993).

4 A precisão teórica a respeito do uso da expressão valorização imobiliária será problematizada a

partir do Capítulo 2, em que serão indicadas as diferenças conceituais entre o valor, os preços e a renda da terra urbana. Nesta fase da exposição adota-se aqui a expressão ainda entre aspas.

5 O projeto fogo no barraco foi um blog colaborativo que reuniu informações e denúncias sobre

incêndios ocorridos em favelas e construções informais na Grande São Paulo. Foi disponibilizado um mapa interativo da Região Metropolitana de São Paulo, em que era possível sobrepor ‘camadas’ (layers) que informavam a localização dos incêndios ocorridos, a localização das favelas existentes e a localização dos bairros com maior ‘valorização imobiliária’.

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em barracos e favelas; a outra, apresenta os dados divulgados pela FIPE-ZAP (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas e ZAP imóveis) de variação de preço do metro quadrado dos imóveis residenciais por distrito do Município de São Paulo. O trabalho colaborativo de coleta de dados e de aperfeiçoamento da plataforma prometido pelos realizadores, no entanto, não seguiu o impulso inicial que o animou até ser removido da web em 2016.

IMAGEM 03: Mapa dos incêndios em SP (2005 – 2014). Fonte: Blog Fogo no barraco. In: http://fogonobarraco.laboratorio.us/

A correlação entre esses incêndios e o aumento dos preços dos imóveis seria também aventada nos debates da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de São Paulo especificamente instituída em março de 2012 para tratar da questão dos incêndios em favelas. Em dezembro deste mesmo ano, o relatório final da CPI concluiu, contudo, pela ausência de nexos entre interesses imobiliários e as ocorrências de incêndios em favelas.

Esses incêndios, que se somavam a remoções e despejos forçados no mesmo período, foram frequentemente associados à especulação imobiliária. Mas o que vem a ser esta chamada especulação imobiliária? Partiu-se da compreensão de que

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a capitalização da renda da terra urbana no Brasil, observada empiricamente a partir das novas formas de intermediação financeira do mercado imobiliário brasileiro, tornava a propriedade de imóveis cada vez mais um ativo financeiro, processo que tende a se intensificar na medida em que aumenta a circulação de capital a juros pelo mercado de terras (Harvey, 2013a). A ampliação do sistema de crédito vinha acompanhada de uma escalada dos preços do imobiliário, recolocando alguns outros conflitos sociais pelo espaço, como a segregação, a periferização, a verticalização, a sobrecarga da infraestrutura pública, entre outros.

No mesmo dia em que a imprensa noticiava mais um caso de incêndio em favela no município de São Paulo, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) divulgava a inédita marca atingida pelo setor imobiliário em estoque de terras. De acordo com o informe publicado pela CBIC em sua página na internet, em 11 de setembro de 2012, estes estoques já passavam a funcionar não apenas como insumo na produção imobiliária, mas também enquanto ativos financeiros das empresas capitalizadas6:

o estoque acumulado do setor atingiu R$ 209,4 bilhões (incluindo permutas). Esses ativos podem ser vistos como uma forma de aumentar o caixa, em casos de extrema necessidade. De acordo com fonte que preferiu não se identificar, Tenda, PDG e Rossi estão no grupo de incorporadores que tem vendido terrenos7.

O projeto “fogo no barraco”8 fazia a cartografia deste fogo cruzado: sobrepunha a localização dos incêndios com o mapa da ‘valorização imobiliária’ em bairros e regiões do município. À primeira vista, os incêndios aparentemente coincidiam com os espaços da ‘valorização’ mais expressiva dos imóveis, muitas vezes onde havia projetos de obras públicas e/ou de promotores imobiliários no entorno. O primeiro destes casos a ser investigado pelo Ministério Público foi o incêndio da favela do Piolho, na Rua Sonia Ribeiro, Zona Sul de São Paulo. De acordo com a portaria que instaurou a investigação pelo GAECO (Grupo Especial de Combate ao Crime                                                                                                                

6 Topalov define os promoteurs immobiliers (promotores imobiliários) como “agentes sociais que

fazem a gestão de um capital imobiliário de circulação pela fase de transformação da mercadoria habitação” (Topalov, 1974: 15).

7 Disponível em :

http://www.cbic.org.br/sala-de-imprensa/noticia/construtoras-mantem-r-209-bilhoes-de-terrenos-em-estoque Câmara Brasileira da Industria da Construção, publicado em 11 de setembro de 2012.

8 Até 2016, quando foi removido da web, o blog esteve disponível em:

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Organizado), havia indícios de que o incêndio fora “criminoso” e podia estar relacionado “com interesses da especulação imobiliária”9. Além dos incêndios, um

primeiro mapeamento promovido pelo Observatório das Remoções10 apontou

aumento expressivo dos casos de despejos forçados principalmente de populações que vivem em assentamento informais, favelas, cortiços, etc. Mas, afinal, o que exatamente é a especulação imobiliária? Ou, formulado de outro modo, como e sobre o que se especula com o imobiliário? Se a capitalização da renda da terra urbana tem tornado a propriedade imobiliária cada vez mais um ativo financeiro, o fundamento destes ativos – o que dá lastro aos títulos de direitos abstratos, convertíveis e circuláveis – são as terras e as formas de renda que se pode obter com elas (Harvey, 2013a). Um caminho, portanto, foi observar a movimentação dos negócios e dos preços da terra urbana. Além de Harvey, autores como Lipietz (1982) e Topalov (1974) também ofereciam referenciais de apoio teórico para entender regularidades no funcionamento da renda da propriedade da terra e sua relação com o processo de urbanização, ainda que de um ponto de vista dos países do Norte (Santos, 2010). Ainda assim, se a teoria da renda não oferece uma explicação geral sobre os usos e os preços da terra urbana (Harvey, 2013a), como explicar que as cidades brasileiras tenham se tornado mais caras em tão pouco tempo, de modo tão acelerado?

A pesquisa desenvolvida no mestrado11 observou que, a partir de março de 2009, o programa de crédito habitacional Minha Casa Minha Vida12 solucionava o problema

                                                                                                               

9 Disponível em:

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/09/11/gaeco-investiga-se-incendio-em-favela-de-sao-paulo-foi-tentativa-de-homicidio.htm

10 Iniciativa dos laboratórios de pesquisa da FAU/USP LabHab e LabCidade, em parceira com a

Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o SAJU da Faculdade de Direito da USP, o Escritório Modelo da PUC SP, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e movimentos de moradia como a CMP, a UMM e a FLM. As informações sobre estas remoções são coletadas com base em informações divulgadas na imprensa e mediante denúncias.

11 Dissertação de mestrado defendida no Departamento de Sociologia da Unicamp, intitulada

“Economia política do imobiliário: o programa Minha Casa Minha Vida e o preço da terra urbana no Brasil”, em 30 de março de 2012, sob orientação da Professora Arlete Moysés Rodrigues.

12 O programa Minha Casa Minha Vida subsidia as prestações conforme a faixa salarial das famílias.

O subsídio para a demanda pública até 3 salários mínimos chegou a 95% do valor total dos contratos na fase 2 do programa, proveniente de recursos do Orçamento Geral da União. Ainda assim estes contratos representam apenas uma parte do programa, que também financia outras faixas salariais com outras condições de juros e subsídios.

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da “demanda efetiva”13, ou “solvabilidade da demanda” (Ribeiro, 1997) para os lançamentos de promotores imobiliários com ações e títulos comercializados nas bolsas de valores. Esta solução funcionou para aquecer o mercado da promoção imobiliária em um primeiro momento – em um segundo momento também, pois houve a segunda fase do programa, lançada em dezembro de 2010. Neste intervalo de tempo, houve uma alta extraordinária nos preços da terra e dos imóveis urbanos, que estiveram de algum modo ligadas ao consumo produtivo na formação e na mobilização de estoques fundiários.

Por reflexo da elevação dos preços da terra urbana para a construção, a segunda fase do programa (Minha Casa Minha Vida 2, com investimentos programados até 2014) ampliou não apenas o contingente de consumidores mas também o preço-limite das unidades comercializadas no âmbito do programa entre o agente financeiro (Caixa Econômica Federal) e os mutuários14. Acirrar ainda mais esta tendência significaria expandir novamente o crédito ao consumo ou revisar as condições atuais de contratação, “atualizando” o valor dos contratos e ampliando mais uma vez as faixas salariais que regulamentam o acesso aos benefícios15.

                                                                                                               

13 Em economia política, a questão da “demanda efetiva” é tratada inicialmente por Say, que se

destaca por sua análise do processo produtivo na determinação da demanda. Esta produção é entendida enquanto criação de utilidade, em uma teoria do valor-utilidade que estabelece o principio da soberania do consumidor e atribui à demanda a responsabilidade por todo o equilíbrio econômico (Tapinos, 1983). A consideração de que a produção gera a sua própria demanda, de que oferta e demanda regulam os preços sob uma tendência geral de equilíbrio econômico, ficou conhecida como lei de Say. Em Marx, o preço de uma mercadoria será determinado não pela oferta e procura, mas deverá encontrar seu fundamento na efetividade das condições gerais da produção. Estas condições, sob o modo de produção capitalista, tendem a crises e rupturas e não ao equilíbrio econômico. A evolução da oferta e a demanda podem influenciar no preço, podem fazer com que o preço tenha uma flutuação, mas esta flutuação no entanto ocorre em torno de um eixo, constituído pelo valor (Salama & Valier, 1978). Isto é o que se poderia chamar de determinação tendencial da oferta e da procura pelo valor.

14 Com o Minha Casa Minha Vida 2, no final de 2010, foi revisado, no âmbito do Conselho Gestor do

Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) o preço de contratação para o financiamento das unidades produzidas pelo programa. Unidades negociadas a 80 mil passaram para um teto de 130 mil reais, enquanto as negociadas a 130 mil passaram a 170 mil reais.

15 A Caixa Econômica Federal firma contratos de mútuo no âmbito do programa em que as condições

de segurança da posse trazem garantias especiais às instituições financeiras em caso de insolvência. Estes contratos preveem expressamente a possibilidade de despejos extrajudiciais por falta de pagamento, reservando a propriedade dos ativos físicos (dos imóveis construídos com os recursos do programa) até a quitação total da dívida. Em outras palavras, os imóveis do programa podem ser retomados pela CEF e transferidos a outros mutuários – que precisam terminar de pagar as prestações para se tornarem, ao final, proprietários dos títulos que conferem direitos a suas casas.

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Depois do crash financeiro de setembro de 2008 (que seguiu uma onda de despejos forçados nos EUA entre 2006 e 2007, principalmente nos bairros de população mais pobre em cidades do sul dos EUA, quando muitos devedores insolventes do mercado de hipotecas foram despejados de seus imóveis de moradia), e de uma série de disjunções e irrupções em diferentes países (Irlanda, Espanha, Grécia, etc.), começavam a aparecer sinais de desaceleração da economia mundial. As projeções oficiais do Fundo Monetário Internacional – FMI para o crescimento em 2012 já sofriam queda e eram estimadas em 3,5%. Em julho, a previsão que era de 4,1% caiu para 3,9%, e continuou a recuar16. De acordo com o relatório concluído

em 06 Julho de 2012, as explicações para esta desaceleração deveriam buscar respostas na economia da China, sobretudo nas repercussões (spillover effects) da baixa do investimento no mercado imobiliário chinês17 (Ahuja & Myrvoda, 2012). Autores como Harvey (2011), Arantes (2012) e outros ressaltam que o crescimento econômico chinês das últimas décadas dependeu em larga escala da acelerada urbanização ocorrida no país – que veio acompanhada de transformações significativas no mercado de bens e títulos imobiliários e precedida de uma lenta e gradual reforma agrária nas décadas de 80 e 90 (Nabuco, 2013; Dwyer, 2012; Qian, 2002).

Harvey (2011), na esteira de Henri Lefebvre (1969), destaca-se pela posição especial que confere ao mercado imobiliário e ao desenvolvimento urbano na organização espacial e nas crises do capitalismo. Uma das contribuições de Harvey a este respeito é o que ele chama de um estudo sobre a movimentação geográfica dos “fluxos de capital”, em especial a correlação que estes fluxos estabelecem com a produção capitalista do espaço (Harvey, 2011). No caso do Brasil, esta reorganização dos fluxos de capital promovida a partir da crise financeira mundial de 2008 atingiu de modo específico o mercado de terras. Ainda em 2012, analistas apontavam que o ritmo de crescimento da promoção imobiliária vinha caindo depois                                                                                                                

16 Em reunião do Banco de Compensações Internacionais (BCI), realizada na Basiléia em 2012, o

presidente chinês Hu Jintao, a respeito da desaceleração da economia chinesa, disse que “a economia mundial está hoje em lenta recuperação e ainda existem fatores desestabilizantes e incertezas. O impacto da crise ainda está longe de terminar”. In:

http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,bcs-veem-economia-global-perto-da-recessao,126139,0.htm.

17 In: Articles IV Consultation, The Spillover Effects of a Downturn on China’s Real State Investment,

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de alguns anos de euforia no mercado imobiliário brasileiro, de uma alta generalizada nos preços dos imóveis urbanos e de uma significativa mobilização da força de trabalho empregada nos canteiros de obras sobretudo a partir de 2009. Esta desaceleração podia ser notada, por exemplo, com a diminuição do crescimento nos números gerais de lançamentos de novos imóveis e com a relativa estabilização nos preços, mas ainda estava longe de indicar crise ou estagnação no setor. A aceleração e a euforia iniciais eram aos poucos substituídas por certa precaução: se os anos de 2005, 2006 e 2007 foram notáveis pela escalada de investimentos, o ano de 2012 já se notabilizou pelo excesso de capital concentrado e centralizado.

Rafael Menin, então diretor executivo de produção da MRV18, em declaração à Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), reclamava ainda em setembro de 2012 que “a atualização da faixa de preços do 'Minha Casa, Minha Vida' não aconteceu". Um novo aumento no preço limite das unidades do programa significaria uma possibilidade não somente de alargar o campo de possíveis consumidores mas também de reduzir os riscos de inadimplência. Ainda assim, a empresa – que se notabilizou por ser a maior construtora do programa – continuou a crescer, porém menos. "Nos últimos anos, crescemos três dígitos, então, de fato, diminuímos o ritmo, mas não paramos de crescer"19.

No dia 27 de setembro de 2012, o Ministério das Cidades enviava ao Conselho Curador do FGTS20 proposta de revisão das regras no financiamento habitacional do Minha Casa Minha Vida, com novos investimentos do FGTS e do Orçamento Geral da União. As mudanças anunciadas seguiam justamente a direção de flexibilizar as normas de contratação, alargando os benefícios em juros e subsídios ao segmento classificado como “classe média”21. Direcionadas a uma suposta “nova classe

                                                                                                               

18 O nome MRV é formado pelas iniciais dos nomes dos sócios da empresa, criada em 1979, Mário

Lúcio Pinheiro Menin, Rubens Menin Teixeira de Souza e Vega Engenharia Ltda.

19 In:

http://www.cbic.org.br/sala-de-imprensa/noticia/construtoras-mantem-r-209-bilhoes-de-terrenos-em-estoque

20 As regras de financiamento habitacional do programa Minha Casa Minha Vida são decididas no

âmbito do Conselho Gestor do FGTS (a maior parte dos recursos financeiros mobilizados nas operações da Caixa Economia Federal são provenientes deste fundo).

21 In:

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média”22 (Pochmann, 2012), nestas mudanças o Estado intervinha como mediador na liberalização, na capacidade de romper ou ultrapassar as barreiras para o livre fluxo de capital por meio do acesso ao crédito de consumo pessoal (Carcanholo & Sabadini, 2009).

Em entrevista ao jornal A Folha de São Paulo, o ex-presidente do SECOVI-SP, João Crestana, disse a respeito:

Está começando a ficar difícil utilizar o programa, porque a classe média subiu de patamar. Ou você retira a classe média, o que é uma temeridade, ou ajusta para que possa atender mais gente. O governo está muito sensível a isso.23

Esta sensibilidade de que fala Crestana também pôde ser percebida no programa governamental da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE, ligado à Presidência da República), chamado Vozes da Classe Média24, lançado alguns dias antes, em 20 de setembro de 2012.

Contudo, a partir de 2013 com o fim do ciclo de baixa dos juros, é dado início a um período de contração do crédito e redução de investimentos, que culmina no ajuste fiscal de 2015, com reflexos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no Programa MCMV, cortes que inicialmente representaram em torno de 25 bilhões de reais (de um total de 69 bilhões), dos quais 6,9 bilhões se referiam às linhas de crédito subsidiado do programa habitacional. A decisão do conselho gestor do FGTS, em maio de 2015, no sentido de reduzir o teto dos financiamentos de 750 mil para 400 mil reais, também era uma forte indicação desta tendência. Em 2015, embora houvesse sinais de início de um ciclo de redução dos preços de comercialização dos produtos imobiliários, os agentes do mercado (corretores, gestores de vendas) não necessariamente caracterizavam as novas vendas a preços reduzidos como “desvalorização”, mas como descontos e preços promocionais, de “saldões”, “feirões”, “liquidações” e “queimas de estoque”, um preço que é reduzido considerando apenas o custo de “armazenamento” do estoque.

                                                                                                               

22 Pochmann argumenta que as melhorias no rendimento salarial dos trabalhadores não modificaram

a estrutura de classes no Brasil; o trabalho assalariado continua na base da pirâmide social e sua participação na renda nacional não aumentou, ao contrário, proporcionalmente foi reduzida frente aos rendimentos da propriedade (Pochmann, 2012).

23 In:

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1158671-minha-casa-minha-vida-muda-para-atingir-classe-media.shtml

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Organizações patronais do setor da construção e da incorporação imobiliária passaram a alertar a partir de 2014 para um quadro de perda de postos de trabalho. Neste período, o Sindicato da Indústria da Construção Civil (SINDUSCON) manifestou expectativas quanto ao lançamento de uma terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, sob o argumento de que a expansão do crédito ao consumo seria necessária para manter e mesmo para expandir os patamares da demanda efetiva por unidades construídas, considerando a “capacidade adquirida” pelas empresas do setor em ofertar produtos imobiliários no mercado.

Além da perda dos postos formais no setor, resultado de um número maior de demissões em relação a contratações, destacam-se ainda situações características de superexploração e de precarização das condições de trabalho da construção no setor imobiliário. Vale ressaltar a decisão da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), de 23 de dezembro de 2014, que acatou pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), promovida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), e suspendeu a publicação da chamada “Lista Suja” do Trabalho Escravo (Portaria Interministerial n. 2/2011), que recomendava o veto à concessão de crédito público por instituições da administração federal a empresas autuadas e condenadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego por infrações administrativas relativas a condições análogas ao trabalho escravo. Empresas do setor que terceirizam as atividades da construção, como a MRV por exemplo, já haviam sido condenadas e conseguiram liberar financiamentos mediante decisões liminares em outras instâncias antes da decisão do STF.

Neste sentido, esta pesquisa se orientou em torno do objetivo geral de pesquisar os sentidos desta chamada superespeculação imobiliária em São Paulo. Este objetivo requereu, por um lado, um estudo mais amplo sobre o mercado imobiliário brasileiro, suas recentes transformações (Fix, 2011) e o novo aparato regulatório do Estado que interliga o habitacional, o imobiliário e o financeiro (Royer, 2009). Este olhar poderia iluminar as conexões existentes entre os circuitos financeiros e os circuitos de produção do ambiente construído nas cidades. Neste ponto, uma hipótese que se quis inicialmente investigar era de que o recente boom imobiliário iniciado em 2009 estava relacionado com o movimento dos fluxos de capital nos negócios com a terra urbana e suas consequências na oferta e na demanda da construção, da incorporação, do parcelamento, da retenção especulativa dos estoques imobiliários,

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assim como de linhas de crédito, etc. As políticas públicas (monetárias e fiscais) de ampliação do crédito público subsidiado ao consumo pessoal da habitação, como o Programa Minha Casa Minha Vida, criavam condições para a realização destes investimentos, induzindo um aquecimento do mercado interno não apenas mediante o endividamento do trabalho assalariado e do Estado, mas também à custa de transformações do espaço urbano e do ambiente construído.

Outro ponto de observação privilegiado foi o Estado, a forma política da sociedade capitalista (Hirsh, 2010), nos seus papéis desempenhados no processo de urbanização capitalista e na regulação25 do direito de uso e de construção no solo

urbano (Topalov, 1974, Harvey, 1985, Lojkine, 1997; Maricato, 2009; Rodrigues, 2011). Sobre a regulação do Estado brasileiro, foi feito um levantamento da legislação existente com base nas informações divulgadas nos sites oficiais, nas esferas federal, estadual e municipal. No Município de São Paulo, por exemplo, projeto de lei enviado à Câmara Municipal em 2012 propunha alterações na lei específica que regula o uso e a ocupação do solo, mais especificamente nas zonas especiais classificadas como ZEIS – zonas especiais de interesse social. Dentre as modificações estavam a revisão das faixas salariais dos beneficiários e os índices e parâmetros construtivos. A tendência da proposta do Executivo municipal era flexibilizar as regras de verticalização nas áreas vazias aptas à construção, com isso aumentando o aproveitamento dos terrenos estocados nas periferias. A verticalização, a depender da localização no espaço urbano, pode gerar um conjunto de outros problemas de sobrecarga na infraestrutura e na demanda por outros serviços urbanos à custa dos fundos públicos do Estado e/ou dos fundos semi-públicos compostos de recursos extraídos diretamente da classe trabalhadora (Oliveira, 1998).

                                                                                                               

25 Hirsch (2010) utiliza um conceito ampliado de regulação; ao incluir a teoria materialista do Estado,

argumenta, resolve um “buraco cego” frequentemente criticado na teoria da regulação. Nesta perspectiva, “o processo de acumulação de capital está sempre inscrito na regulação, e tem no

Estado o seu centro institucional, mesmo que a sua função e a sua importância variem historicamente em correspondência com o regime de acumulação e o modo de regulação respectivos. E, simultaneamente, a regulação depende do curso e do desenvolvimento do processo de acumulação. As ideias que consideram a economia como sendo dirigida pela “política” – ou vice-versa - , são por isso fundamentalmente falsas. ‘Acumulação’ e ‘regulação’ formam uma unidade determinada pelas respectivas práticas sociais e possuem dinâmicas próprias; elas formam assim uma unidade contraditória” (Hirsch, 2010: 110).

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Esta pesquisa esteve voltada também ao objetivo de fazer uma revisão bibliográfica da obra de David Harvey, seus textos mais recentes e em especial seus trabalhos sobre a questão da renda da terra. Importava aqui resgatar também leituras da sociologia urbana marxista e de textos específicos a respeito da teoria da renda da terra para o caso específico das terras de uso urbano. O ponto de chegada deste objetivo da pesquisa foi encontrado na obra do economista colombiano Samuel Jaramillo González (2009; 2011), que, escrevendo de um ponto de vista da América Latina, parte dos pressupostos de uma “Teoria do Valor Trabalho Abstrato” para propor uma teoria da renda do solo urbano. Na visão de Harvey (2011), a renda da terra ajuda não apenas na análise e descrição do circuito da distribuição dos rendimentos obtidos na produção capitalista do espaço, mas também fornece material teórico para problematizar as transformações na organização espacial das cidades no capitalismo.

Por uma opção metodológica, não foram realizadas entrevistas individuais como estratégia de pesquisa. Esta opção se explica em parte pelo objetivo geral desta investigação, que se propôs a relacionar uma questão aparentemente local e específica com a totalidade da produção e reprodução do espaço urbano, articulada em suas múltiplas escalas. De outra parte, devido ao método de pesquisa adotado, foram concentrados esforços na utilização do recurso à abstração teórica26 como modo de descrever as determinações mais gerais do fenômeno estudado.

O aumento das despossessões na fase de superespeculação imobiliária, à primeira vista, aparece como produto de ações específicas de indivíduos especuladores, ligados direta ou indiretamente ao ramo imobiliário, sujeitos estes que personificam as figuras do capitalista e do proprietário de imóvel. Nesta tese, contudo, este fenômeno foi analisado não a partir de um individualismo metodológico centrado em identificar e descrever os agentes dessas despossessões, mas enquanto parte                                                                                                                

26 A justificativa de Marx (2013) para o recurso à abstração teórica na análise das formas econômicas

pode ser lida no Prefácio da Primeira Edição de O Capital, Livro I. “A forma de valor, cuja figura acabada é a forma-dinheiro, é muito simples e desprovida de conteúdo. Não obstante, o espírito humano tem procurado elucidá-la em vão há mais de 2 mil anos, ao mesmo tempo em que obteve êxito, ainda que aproximado, na análise das formas muito mais complexas e plenas de conteúdo. Por quê? Porque é mais fácil estudar o corpo desenvolvido do que a célula que o compõe. Além disso, na análise das formas econômicas não podemos nos servir de microscópio nem de reagentes químicos. A força da abstração deve substituir-se a ambos. Para a sociedade burguesa, porém, a forma-mercadoria do produto do trabalho, ou a forma de valor da forma-mercadoria, constitui a forma econômica celular. Para o leigo, a análise desse objeto parece se perder em vãs sutilezas. Trata-se, com efeito, de sutilezas, mas do mesmo tipo daquelas que interessam à anatomia micrológica” (Marx, 2013: 78).

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integrante do processo geral de produção e reprodução do espaço urbano numa perspectiva que considerou a especificidade da apropriação de mais-valor nas formas de renda da terra urbana e os efeitos desta especulação imobiliária excepcional no território do município de São Paulo.

Neste sentido, o primeiro Capítulo aborda a questão dos incêndios em favelas de São Paulo no período identificado como superespeculação imobiliária, em especial entre os anos 2009 e 2014. Esta descrição inicial apresenta os dados produzidos por Bruno (2012), com base sobretudo em registros do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com o objetivo de identificar possíveis correlações com o aumento especulativo dos preços dos imóveis urbanos. O capítulo também trata das favelas incendiadas que fizeram parte do Programa Municipal de Prevenção contra Incêndios em Assentamentos Precários (PREVIN) e do modo como esta questão foi abordada de diferentes pontos de vista na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que transcorreu no ano de 2012 na Câmara Municipal de São Paulo.

O segundo Capítulo apresenta os pressupostos da teoria da renda da terra adotados para a análise da produção do espaço urbano e, a partir deles, problematiza o período identificado como superespeculação imobiliária. A hipótese central é que a elevação abrupta dos preços dos imóveis identificada a partir de 2009 está fundada em uma elevação generalizada do patamar mínimo da renda absoluta urbana (Jaramillo González, 2009), ou renda absoluta nacional de monopólio excepcional (Carcanholo, 2013), elevação esta que proporcionou uma transferência de valor para os proprietários jurídicos de imóveis, que estiveram em condições de praticar preços de monopólio em um contexto de excessiva concentração de capital fictício (Carcanholo e Nakatani, 2015) centralizado no complexo financeiro-imobiliário (Aalberts, 2016a; Rolnik, 2015).

O terceiro Capítulo se concentra na verificação do fenômeno dos incêndios urbanos na história geográfica dos direitos de posse e de propriedade de terras e imóveis urbanos no Brasil e particularmente em São Paulo. Este histórico tem como ponto de partida a Lei de Terras devolutas de 1850 e segue até a Medida Provisória 759/2016, convertida na Lei Federal 13.465/2017, para apontar os limites e as possibilidades das medidas jurídicas e urbanísticas do Estado capitalista no que diz

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respeito à regulação dos poderes dos proprietários em disponibilizar suas terras e imóveis urbanos para as atividades da construção.

O quarto e último Capítulo aprofunda a hipótese central deste trabalho ao identificar o fundamento histórico e geográfico dos poderes de monopólio dos proprietários jurídicos na continuidade das práticas de acumulação primitiva, ou acumulação por despossessão (Harvey, 2005), que desde a colonização de São Paulo são baseadas direta ou indiretamente no saque e na violência contra os legítimos possuidores da terra. As remoções que se utilizam dos incêndios como tática de guerra contra os direitos de posse dos moradores de favelas cuja presença é deslegitimada, são identificadas como um urbicídio (Graham, 2016), isto é, uma eliminação em cidades do Sul Global de formas de uso e ocupação do solo de determinados grupos populacionais localizadas em parcelas do espaço urbano em que as rendas fundiárias são altamente capitalizadas.

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1. OS INCÊNDIOS EM FAVELAS DE SÃO PAULO

De março a dezembro de 2012, a questão dos incêndios em favelas foi objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal de São Paulo. Ao longo dos trabalhos desta comissão, movimentos sociais de moradia, associações e representantes de moradores de favelas atingidas por incêndios denunciaram não apenas a destruição e o terror provocados pela recorrência desses incêndios, mas sobretudo os conflitos com as instituições e agentes municipais em torno das modalidades de apoio, assistência e atendimento habitacional aos atingidos, bem como as ameaças e violências contra a segurança da posse dos moradores desses lugares. No discurso desses movimentos sociais, de ativistas políticos e de representantes de moradores, esta insegurança da posse estaria ligada, direta ou indiretamente, à intensa especulação imobiliária por que passava a cidade de São Paulo naqueles anos, representada pelo aumento extraordinário dos preços dos imóveis, favorecendo a aprovação e implementação de projetos imobiliários e obras públicas, ou mesmo cumprindo um papel higienista de eliminar a presença de determinadas favelas do espaço urbano.

No documentário “Limpam com fogo”27, imagens e relatos de atingidos e desabrigados por esses incêndios contam histórias de lugares e pessoas que tiveram suas casas e identidades28 consumidas pelo fogo. Os realizadores do documentário, que inicialmente pesquisavam denúncias de compra de votos para as eleições proporcionais de vereadores municipais em favelas da cidade, relataram publicamente diversas ameaças sofridas no sentido de intimidar e constranger a

                                                                                                               

27 Num cinema documentário produzido via financiamento coletivo, os realizadores do filme traçam

uma narrativa que conta essa história por meio de imagens e depoimentos de moradores, acadêmicos, políticos, vereadores, pesquisadores, jornalistas, representantes de movimentos sociais, etc.

28 Os boletins de ocorrência registrados pela Policia Civil tornam-se inventários de documentos de

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equipe de filmagem nas atividades de coleta de imagens e relatos dos moradores a respeito dessas ocorrências de incêndios.

No Morro do Piolho29, relatos e denúncias de ações deliberadas de grupos armados

não fardados impediam atingidos de acessar suas casas, de tentar recuperar ou salvar pessoas e bens, ou mesmo na tentativa desesperada de apagar o fogo; interrupções no abastecimento de água devido ao racionamento inviabilizavam as ações de combate ao fogo pelo Corpo de Bombeiros; falhas nos hidrantes instalados no âmbito do programa municipal de prevenção e combate a incêndios em favelas (PREVIN30) dificultavam ou impediam os zeladores comunitários, a brigada de

incêndio local e os bombeiros de agir contra o incêndio.

IMAGEM 04: Foto aérea do Google Maps com identificação das favelas do Piolho, Comando e Buraco Quente, entre a Avenida Roberto Marinho e o Aeroporto de Congonhas. Fonte: Blog Fogo no

barraco. In: http://fogonobarraco.laboratorio.us/                                                                                                                

29 O Morro do Piolho está na área de abrangência da Operação Urbana Água Espraiada e interfere

parcialmente com o projeto de implantação da estação “Brooklin Paulista” do traçado do Monotrilho (Linha 17-Ouro do Metro de São Paulo), que interliga a região do Morumbi (linha amarela), o Campo Belo (linha lilás), o Aeroporto de Congonhas até o Jabaquara (linha azul).

30 O Programa de Prevenção contra Incêndios em favelas do Município de São Paulo será abordado

com mais detalhes mais adiante.

Buraco   Quente   Piolho  

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IMAGEM 05: Fotografia de incêndio na favela do Piolho, CMI-SP, em 08/09/2014. Fonte: http://www.midiaindependente.org/pt/red/2014/09/535489.shtml

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Fonte: http://www.midiaindependente.org/pt/red/2014/09/535489.shtml

IMAGEM 07: Fotografia do hidrante, instalado a pedido dos agentes comunitários do PREVIN, que estava sem água no momento do incêndio na favela do Piolho, CMI-SP, em 08/09/2014.

Fonte:http://www.midiaindependente.org/pt/red/2014/09/535489.shtml

Na favela do Moinho31, último enclave remanescente na região central da cidade, o documentário retrata ainda episódios e discursos a respeito da implosão dos escombros do antigo Moinho Fluminense que funcionava no local, executada por uma demolidora contratada em regime de emergência pela Prefeitura de São Paulo no dia 01 de janeiro de 2012. Representantes da associação de moradores relataram que esta demolição teria sido uma ação velada para “ocultação de cadáveres” soterrados após um dos incêndios no local.

Estas e outras muitas ameaças que não vinham apenas do risco de incêndio, mas da incerteza sobre um conjunto de violências que fizeram de muitas dessas favelas                                                                                                                

31 A favela do moinho é a única favela incluída no PREVIN localizada na região central da cidade de

São Paulo, sob o viaduto Orlando Murgel, no bairro do Bom Retiro. A área é objeto de disputa judicial pela posse e propriedade da terra e de suas construções. A associação de moradores contestou judicialmente a reintegração da posse do local utilizando o instituto da usucapião como matéria de defesa considerando que o tempo da ocupação confere direitos legítimos aos posseiros para reivindicar o reconhecimento da propriedade jurídica da terra. A ocupação existe há mais de 30 anos.

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incendiadas cenários de guerra urbana e de generalização do medo, atingindo aos poucos e pacientemente a resistência dos moradores, quando não resultando em despossessão.

IMAGEM 08: Extraída do trailer do documentário “Limpam com fogo”. Fonte: In: https://www.youtube.com/watch?v=I5YpqOjsHw4

O documentário ainda mostra um pouco do que foi a CPI dos incêndios na Câmara Municipal de SP, que concluiu pela ausência de nexos entre os “interesses imobiliários” alegados nas reivindicações e a recorrência de incêndios, baseada em relatórios inconclusivos da: (i) Polícia Civil e Científica; do (ii) Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo32; e da (iii) Coordenadoria de Defesa Civil do Município de São Paulo.

O relatório final da CPI atribuiu a recorrência de incêndios desastrosos em favelas de São Paulo a fatores da natureza e eventos climáticos extremos como a baixa umidade do ar e a falta de chuvas, assim como a fatores relacionados à vulnerabilidade ambiental e à precariedade das condições edilícias e urbanísticas das construções.

                                                                                                               

32 Particularmente em São Paulo, o Corpo de Bombeiros é ainda subordinado à Policia Militar, ao

contrário de todos os outros Estado do país exceto o Paraná, apesar dos movimentos pró autonomia dos Bombeiros e, no caso do Estado de São Paulo, da proposta de emenda constitucional de autoria do Deputado Estadual Cel. Telhada (PSDB).

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Nesse aspecto atentamos para os relatos dos três principais agentes, ou seja, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil (Coordenação). Pela documentação apresentada e pelas oitivas realizadas, nosso entendimento, mesmo que de forma não totalmente conclusiva, pois reconhecemos que carece de mais elementos para um entendimento cabal da questão, é de que as ocorrências aconteceram em razão de uma somatória de fatores, como, por exemplo, o clima (calor), a baixa umidade, a falta de chuva, a sobrecarga de energia em instalações elétricas precárias, uso de botijões de gás e principalmente a madeira, largamente utilizada nas construções, materiais de fácil combustão.” (…)

“Entendemos também que não se pode falar em incêndio criminoso, motivado por interesses imobiliários, pois até o presente momento não há nada que comprove, nem tão pouco indique tal motivação. Muito pelo contrário, o que verificou-se é que na maioria das ocorrências, as áreas atingidas não são de alta valorização imobiliária. (Trecho do Relatório final da CPI dos incêndios. Volume V do Processo RDP 08-006/2012, Volume V, fls. 811).

Na fala dos vereadores municipais entrevistados para o filme, aqueles que votaram pela aprovação do relatório da comissão não necessariamente negavam o direito à moradia, mas argumentavam no sentido de deslegitimar a posse na favela sob risco de incêndio e justificar a necessidade de remoção, remanejamento ou reassentamento da população que reside nessas áreas. A negativa não era precisamente contra o direito à moradia, mas contra o exercício deste direito nessas localizações.

Contudo, esta conclusão do relatório, que descarta a hipótese de ações incendiárias motivadas por interesses de agentes do setor imobiliário, não foi aprovada por unanimidade pelos membros da CPI. O relatório contou com o voto em separado de apenas um dos membros da comissão, a vereadora Juliana Cardoso (PT). Os argumentos contra a conclusão do relatório apoiavam-se em dados a respeito da ‘valorização imobiliária’ nas localizações com maior frequência de incêndios em favelas.

Dos últimos incêndios que ocorreram neste ano, nove foram em áreas que aumentaram seus valores pelo mercado imobiliário. Segundo a Fundação de Pesquisas Econômicas- FIPE, a região de Ermelino Matarazzo, zona leste da capital, foi a campeã de valorização do metro quadrado de apartamentos entre janeiro de 2008 e novembro de 2011. É naquela região que está localizada a favela de São Miguel Paulista. Outra favela localizada em área com grande valorização é a favela Comunidade de Vila Prudente, incendiada em agosto de 2012. Ela localiza-se ao lado de um grande Shopping Center e muito próxima de um grande terminal de transporte coletivo a ser inaugurado brevemente. Em situação semelhante estão a favela do Morro do Piolho, em Campo Belo e Favela Moinho na região central. As favelas Alba e Buraco Negro também estão na rota do mercado imobiliário. Curiosamente, áreas que possuem mais favelas, são as que tem menor incidências de incêndios. Na zona sul da Cidade de São Paulo, nos distritos do Capão Redondo, Grajaú, Jardim Ângela e Campo Limpo, áreas que aglomeram 21% das favelas da capital, não ocorreu nenhum incêndio. E, através do mesmo estudo da FIPE já citado anteriormente, verificamos que a região do Grajaú

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