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NOMEADAMENTE OS CONTRIBUTOS DA CULPA IN CONTRAHENDO DE TERCEIRO E A TEORIA PURA DA CONFIANÇA NO ÂMBITO DO DIREITO DA IMPUTAÇÃO DE

7 S ÍNTESE C ONCLUSIVA

1.ª

A notação de risco consiste na avaliação padronizada, feita por uma entidade independente – a agência de rating – sobre a capacidade de um emitente de instrumentos financeiros representativos de dívida para satisfazer as suas obrigações futuras na respetiva data de vencimento (issuer rating) ou sobre o risco de não recebimento atempado do capital e respetivos juros associados a um instrumento de dívida (issue

rating ou debt rating).

2.ª

O resultado desta avaliação (avaliação sobre o risco de crédito) traduz-se numa classificação espelhada num relatório de notação de risco de crédito, cuja avaliação é feita através de um sistema de classificação padronizado.

3.ª

Assim, a avaliação sobre o risco de crédito subjacente aos relatórios de notação de risco não constitui uma previsão de (in)cumprimento ou recomendação de investimento, antes sendo qualificada como uma simples opinião sobre o risco de crédito, traduzida por um juízo sobre factos que foram submetidos à apreciação da agência de notação de risco (juízo sobre a capacidade dos emitentes para o cumprimento das suas obrigações ou sobre a solvência de um instrumento financeiro).

4.ª

Por isso, o relatório de notação de risco distingue-se, claramente, de outras figuras como as recomendações de investimento ou os relatórios de auditoria.

5.ª

No entanto, tratando-se de opiniões emitidas a título profissional, os ratings são capazes de orientar a tomada de decisão dos investidores e de condicionar países inteiros.

6.ª

A atividade de notação de risco pode ter amparado numa relação contratual (solicited

ratings), em que o emitente contrata os seus serviços, ou pode ser espontânea, de livre

iniciativa da agência de rating (unsolicited ratings). 7.ª

As agências de rating assumem-se como verdadeiros intermediários que agregam e sistematizam informação sobre o nível de crédito de um emitente ou instrumento de dívida, com especial enfoque no mercado de dívida pública ou privada pelo que, através da promoção de tomas de decisões de investimento mais esclarecidas, estes agentes financeiros assumem um decisivo papel de fomento da eficiência, liquidez, estabilidade e equidade dos mercados financeiros.

8.ª

Assim, a notação de risco assume uma função “transformadora” da informação, uma vez que a partir da análise de uma vasta panóplia de informações relativas ao objeto cujo risco se pretende aferir, e com recurso a procedimentos e metodologias testadas e consistentemente aplicadas, procura descortinar qual o nível de risco em causa, traduzindo-o numa indicação (“notação” significa, precisamente, marca ou sinal) – correspondente a investment grade (risco mais reduzido) ou a speculative grade ou non-

investment grade (risco mais elevado – high yield ou junk), compreensível e interpretável

pelos investidores.

9.ª

Em face do papel central de grande protagonismo que as agências de rating desempenham no mercado de capitais, são muitos os perigos e as consequências prejudiciais resultantes de notações de risco inexatas.

10.ª

Referimo-nos ao (risco de) dano, provocado na esfera jurídica de emitentes e investidores, resultante de uma informação incorreta dada ao mercado, porventura à luz de uma conduta que configure uma manipulação do mercado, abuso de informação ou outros tipos de condutas reprováveis ou fraudulentas por parte das agências de rating.

11.ª

O problema da responsabilidade civil das agências de notação de risco pode colocar-se em dois planos: perante as entidades notadas (emitentes) e perante os investidores, distinguindo-se, sempre, as situações de ratings solicitados e de ratings não solicitados.

12.ª

No âmbito do quadro legislativo nacional, cumpre destacar que não existe uma disposição legal que responsabilize de forma expressa os autores de relatórios de notação de risco perante os terceiros que se movimentam nos mercados financeiros.

13.ª

O Direito comunitário também não fornece uma resposta adequada para a problemática da responsabilidade civil das agências de rating. Aliás, é o próprio Regulamento n.º 462/2013 que prevê, no seu Considerando 35, que “os Estados-Membros deverão poder manter regimes nacionais de responsabilidade civil mais favoráveis aos investidores ou emitentes ou que não se baseiem na violação do Regulamento (CE) n.º 1060/2009”.

14.ª

O tema da responsabilidade civil das agências de notação de risco terá, então, de encontrar o seu enquadramento dogmático no âmbito da teoria geral do Direito comum, nomeadamente através dos institutos da responsabilidade civil contratual, extracontratual, abuso do direito, contrato com eficácia de proteção de terceiros ou terceira via da responsabilidade civil.

15.ª

A responsabilidade civil das agências de notação de risco perante as entidades notadas, em caso de ratings solicitados encontra a sua sede dogmática no âmbito da responsabilidade civil contratual, nos termos dos artigos 798.º e seguintes do Código Civil.

16.ª

Já quanto à responsabilidade civil das agências de notação de risco perante as entidades notadas, em caso de ratings não solicitados, o apelo ao contrato não é possível para

responsabilizar estes agentes financeiros: assim, o emitente terá de recorrer ao direito delitual a fim de obter o ressarcimento dos danos sofridos.

17.ª

Neste seguimento, o instituto do abuso do direito será relevante para a ressarcimento dos danos causados mediante atuações dolosas, que violem o mínimo ético juridicamente exigível a todos (atos emulativos). Tratam-se de hipóteses de notações de risco consabidamente falsas ou emitidas mediante o consciente e flagrante desprezo pelos interesses do emitente.

18.ª

Mais delicada será, todavia, a responsabilidade para além destes casos especiais, indiscutíveis, situados na órbita da conduta dolosa.

19.ª

Fora dos casos que representam atos emulativos e que se enquadram na tutela do artigo 334.º do Código Civil, a tutela delitual apresenta-se como particularmente restritiva para o ressarcimento dos danos causados a emitentes por notações de risco inexatas.

20.ª

Os artigos 484.ª e 485.ª do Código Civil não se revelam aptos a tutelarem os casos em análise.

21.ª

É que, mesmo não constituindo meras asserções de facto, os ratings justificam um regime de responsabilidade mais gravoso, atendendo ao protagonismo que assumem no âmbito dos mercados de capitais.

22.ª

Para a ativação da tutela delitual, o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil exige uma situação de lesão de direitos de outrem ou a violação de disposições de proteção (estas últimas, com um alcance, como se percebe, sempre circunscrito).

23.ª

A tutela delitual do direito à honra (tutela do crédito, do bom nome e da reputação) será a melhor forma de se ressarcir os danos causados às entidades emitentes pelas notações de risco negligentemente inexatas das agências de rating, ainda que a ilicitude tenha de se conceber de forma adequadamente restritiva (juízo de inequívoca ilicitude).

24.ª

Por outro lado, a responsabilidade civil das agências de notação de risco face àqueles que tomaram decisões de investimento (os investidores) com base numa notação de risco incorreta não encontrará amparo na responsabilidade civil contratual. Com efeito, o contrato celebrado entre agências de notação de risco e emitentes, na relatividade dos seus efeitos, está longe de abarcar e proteger convenientemente o conjunto dos investidores que merecem ser tutelados.

25.ª

O contrato com eficácia de proteção para terceiros tem um alcance limitado para esta odisseia, devido à falta de alinhamento dos interesses dos sujeitos, que depõe contra uma generalização de soluções contratualistas. Na realidade, as agências de rating não assumem, contratualmente, qualquer risco face a terceiros investidores: de facto, a vontade, se não se quiser entrar no domínio da fantasia, também limita a tutela contratual.

26.ª

O instituto da responsabilidade pelo prospeto poderá ser útil para a tutela dos investidores, mas apenas colherá alguma utilidade para as situações de notações de risco solicitadas que se incluam em prospetos, sendo a aplicação analógica das regras do CVM, fora do conteúdo que tipicamente e primariamente lhe cabe, à partida muito problemática.

27.ª

A responsabilidade civil delitual traduz-se, também, num âmbito e alcance bastante limitado para tutelar, devidamente, os investidores lesados. Encontramo-nos, pois, no domínio da problemática dos danos puramente patrimoniais.

28.ª

O instituto do abuso do direito, em face de atuações dolosas que configurem atos emulativos, poderá tutelar os investidores, mas apenas em termos particularmente muito restritos, uma vez que o artigo 334.º do Código Civil envolve requisitos qualificados, quer quanto à conduta, quer quanto à culpa das agências de rating.

29.ª

Assim, os terceiros investidores apresentam-se como menos protegidos, quando comparados com os emitentes. Estes gozam, de facto, de uma tutela mais fácil e generosa contra danos negligentes do que os investidores, atendendo às modalidades de responsabilidade civil anteriormente (responsabilidade contratual e delitual), o que pode originar desvios de postura por parte das agências de rating.

30.ª

Por isso, a construção da responsabilidade das agências de notação de risco terá, pois, de ensaiar outras vias, fora dos tradicionais campos do contrato e do delito.

31.ª

Estando preenchidos os respetivos pressupostos, poder-se-á convocar os institutos da

culpa in contrahendo ou da responsabilidade pela confiança (em informações inexatas),

falando-se, a este propósito, de uma ampla e promissora terceira via de responsabilidade civil, que se posiciona de modo a ocupar o espaço dogmático deixado entre os modelos aquiliano e obrigacional.

32.ª

A culpa in contrahendo representa uma exigência dos ditames da boa fé e funda-se na violação de deveres de cuidado e consideração que, não constituindo obrigações em sentido técnico, nem radicando na autonomia privada negocial, carecem de ser convenientemente apurados e consentem gradações diversas.

33.ª

Afirmar-se-ão, sobretudo, face a entidades ou categorias, devidamente identificadas ou identificáveis, de investidores que as agências de notação de risco pudessem antever

virem muito provavelmente a influenciar, ao ponto de lhes tornar exigível uma conduta cuidadosa.

34.ª

Assim, tenderá a haver responsabilidade das agências de rating perante os investidores quando as notações de risco incidirem, ao menos, sobre projetos negocias concertos, perante conjuntos ou categorias de investidores prefiguráveis por estes agentes financeiros, cujas decisões possam antever virem a ser provavelmente influenciadas pela notação de risco a emitir.

35.ª

Por isso, compreende-se que esta responsabilidade in contrahendo se tenda a concentrar- se mais nas hipóteses de ratings solicitados, que visam propósitos e finalidades específicos: quer quando a solicitação deriva de uma conduta voluntariamente empreendida pelo emitente, quer nos casos em que resulta do cumprimento de exigências legais (nomeadamente, tratando-se de ratings regulamentares ou obrigatórios).

36.ª

Por outro lado, a responsabilidade pela confiança poderá, também, contribuir significativamente para a tutela dos investidores: na responsabilidade civil pela teoria pura da confiança, o investidor tem de provar os pressupostos da proteção da confiança, a começar, nomeadamente, pela frustração das expectativas que experimentou e que constitui, naturalmente, a base desta responsabilidade, fixando-se o dano indemnizável por via do investimento de confiança realizado.

37.ª

Mas, ainda neste quadrante dogmático, as notações de risco não solicitadas por ninguém, nem endereçadas a um particular efeito no mercado de capitais, geram expectativas demasiado inespecíficas para fundarem uma obrigação de indemnizar.

38.ª

É o equilíbrio entre as duas frentes da responsabilidade – perante os emitentes e perante os investidores – que assegura, idealmente, as condições para a adoção de condutas conscienciosas, rigorosamente objetivas e neuras, das agências de notação de risco, de modo a evitar, portanto, ratings indevidamente emitidos.