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C IVIL DAS A GÊNCIAS DE N OTAÇÃO DE R ISCO , EM ESPECIAL A I NSUFICIÊNCIA DE C ERTOS INSTITUTOS E REGIMES PARTICULARES

À semelhança de outros ordenamentos jurídicos, também o nosso Código Civil não ficou imune a uma delimitação expressa do dever de indemnizar reconduzida a um fundamento de natureza obrigacional ou delitual161. Com efeito, os danos causados e a correspondente responsabilidade civil poderão encontrar o seu fundamento num contrato, um negócio jurídico, ou fora dele: por isto, distingue-se a responsabilidade civil contratual ou obrigacional da responsabilidade civil extracontratual ou delitual. Na primeira, a razão última para a responsabilidade resulta sempre de vínculos criados por uma vontade autónomo-privada, sendo de ajuizar, por isso, o resultado danoso em função dessa vontade privada; na segunda, trata-se de avalisar condutas ilícitas, ou seja, desconformes com a lei162.

Assim, a responsabilidade obrigacional aparece inserida na matéria do não cumprimento das obrigações referentes ao contrato (arts. 790º e ss do CC) e a responsabilidade delitual, por seu turno, ocupa o seu lugar entre as fontes das obrigações, sendo precisamente a última destas (arts. 483º e ss)163. A responsabilidade obrigacional

161 Trata-se de um fenómeno a que a doutrina tem chamada de “bipolarização dogmática da

responsabilidade civil em torno do contrato e do delito”. Cfr. CARLOS COSTA PINA, Dever de

Informação e Responsabilidade pelo Prospecto no Mercado Primário de Valores Mobiliários, p. 138.

162 Cfr. HEINRICH HÖRSTER, Esboço Esquemático sobre a Responsabilidade Civil de Acordo com as

Regras do Código Civil, in Estudos em Comemoração do 10º Aniversário da Licenciatura em Direito da

Universidade do Minho, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 326-327. Com esta última afirmação não pretendemos dar a entender que estamos no âmbito de uma distinção entre responsabilidade legal e negocial que, de resto, não faria sentido, uma vez que o dever de responder é sempre legal. Mesmo nos casos de vínculos assumidos negocialmente, a sua validade e eficácia não são intrínsecas ao ato negocial em si mesmo, mas decorrem antes da própria lei. Contudo, verifica-se que o que está na base da responsabilidade obrigacional é a valoração positiva efetuada pelo ordenamento jurídico em relação à estipulação dispositiva e autónoma de interesses efetuada pelas partes através de um negócio jurídico.

163 Para uma completa análise do instituto da Responsabilidade Civil, cfr., com mais referências, ANTÓNIO

MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, vol. II (Direito das Obrigações), tomo III (Gestão de Negócios, Enriquecimento sem Causa, Responsabilidade Civil), Coimbra, Almedina, 2010, pp. 285 e ss; LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I (Introdução. Da constituição das Obrigações), Coimbra, Almedina, 12º Ed., 2015, pp. 253 e ss; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em

Geral, vol. I, 10º Ed., Coimbra, Almedina, 2012, pp. 518 e ss; e ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12º Ed., Coimbra, Almedina, 2011, pp. 517 e ss.

resulta da violação de um Direito de crédito ou obrigação em sentido técnico e a responsabilidade delitual resulta da violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais, ou seja, de deveres de conduta impostos a todas as pessoas e que correspondem aos Direitos absolutos164, ou até de certos atos que, embora lícitos, produzem danos a outrem.

Recorrendo, então, a MENEZES LEITÃO165, a diferença entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade obrigacional é que, enquanto a responsabilidade delitual surge como consequência da violação de Direitos absolutos, que aparecem assim desligados de qualquer relação inter-subjetiva previamente existente entre lesante e lesado166, a responsabilidade obrigacional pressupõe a existência de uma relação inter- subjetiva, que primariamente atribuía ao lesado um Direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica.

O nosso Código tratou separadamente estas duas categorias de responsabilidade, sem prejuízo de ter sujeitado a obrigação de indemnização delas resultante a um regime unitário (art. 562º e ss CC). Ainda que o nosso legislador tenha adotado uma orientação que tende a consagrar uma certa coincidência de regimes entre estas duas responsabilidades, mantém-se, porém, diferenças entre os dois regimes aplicáveis, entre as quais: presume-se a culpa na responsabilidade obrigacional (art. 799º, nº1 CC), mas não na delitual (art. 483º, nº1 CC)167; a responsabilidade delitual tem prazos de prescrição mais curtos (art. 498º CC), enquanto a responsabilidade obrigacional é sujeita aos prazos de prescrição gerais das obrigações (arts. 309º e ss CC); a responsabilidade obrigacional por facto de terceiro não depende do pressuposto da comissão, requisito estabelecido para a responsabilidade delitual (art. 500º CC), dispensando-se naquela uma relação de subordinação ou dependência entre o devedor e o auxiliar (art. 800º CC); em caso de pluralidade passiva, na responsabilidade delitual o regime aplicável é o da solidariedade (art. 497º e 507º CC), ao invés do que sucede na responsabilidade obrigacional, onde tal só acontecerá se a obrigação incumprida já tivesse natureza solidária (art. 513º CC); a

164 No que à responsabilidade delitual diz respeito, o artigo 483º, nº1 imputa os danos ao agente que, com

dolo ou mera culpa, violar uma das duas modalidades de ilicitude aí previstas: um Direito subjetivo ou uma norma destinada a proteger interesses alheios (normas de proteção).

165 Cfr. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, p. 256.

166 Cfr. CARLOS COSTA PINA, Dever de Informação e Responsabilidade pelo Prospecto no Mercado

Primário de Valores Mobiliários, p. 139, arguindo que, de facto, é diferente o escopo da proteção conferida

pelas normas relativas à responsabilidade obrigacional e delitual, porquanto nesta está em causa a tutela conferida aos lesados contra determinados factos lesivos praticados por outrem no âmbito do relacionamento meramente acidental e ocasional diretamente derivado da convivência social.

167 Ainda que na responsabilidade delitual alguns preceitos consagrem presunções de culpabilidade, como

possibilidade de graduação equitativa da indemnização, quando haja mera culpa do lesado, está apenas consagrada na lei para a responsabilidade delitual (art. 494º CC), mesmo que fundada no risco (art. 499º), não devendo considerar-se extensiva à responsabilidade obrigacional onde se afigura pouco de acordo com as legítimas expectativas do contraente lesado168; entre algumas outras menores diferenças169.

Ora, neste quadro legislativo nacional, cumpre destacar que não existe uma disposição legal idêntica à prevista no artigo 10º CVM (responsabilidade dos auditores), que responsabilize de forma expressa os autores de relatórios de notação de risco perante os terceiros que se movimentam nos mercados financeiros.

Também já concluímos que o Direito comunitário não fornece uma resposta adequada para esta problemática. Aliás, é o próprio Regulamento n.º 462/2013 que prevê, no seu Considerando 35, que “os Estados-Membros deverão poder manter regimes nacionais de responsabilidade civil mais favoráveis aos investidores ou emitentes ou que não se baseiem na violação do Regulamento (CE) n.º 1060/2009”170.

Seguindo de perto os estudos de CARNEIRO DA FRADA, cumpre perguntar: “O que diz a este propósito a teoria geral do direito comum? Quais são os meios de tutela privada perante o problema das notações de risco”?171 Debruçar-nos-emos, então, na questão da responsabilidade civil das agências de notação de risco quer perante os emitentes, quer perante os investidores, face às coordenadas do nosso ordenamento jurídico nacional172.

E, de facto, para lá das iniciativas de índole regulatória ou de supervisão a que já fizemos referência, a efetivação da responsabilidade civil das agências de rating perante os emitentes e perante os investidores será uma das melhores formas de se disciplinar a

168 Assim, com mais referências, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, p. 544.

169 Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, vol. II (Direito das

Obrigações), tomo III (Gestão de Negócios, Enriquecimento sem Causa, Responsabilidade Civil), pp. 391 e ss.

170 Cfr. UWE BLAUROCK, Control and Responsability of Credit Rating Agencies, p. 17, sustentando que

“In addition to rules under supervisory laws, the legal and commercial environment is decisively determined by civil-law liability risks. Since specific liability norms are lacking, recourse must be had to general claims under capital market and civil laws in all legal systems.”

171 MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Sociedades E Notação do Risco (Rating) – A Proteção dos

Investidores, p. 319.

172 A questão da responsabilidade criminal das agências de notação de risco não será, neste estudo,

abordada. Cfr., para um estudo do tema e convocando o artigo 379.º CVM e a Diretiva n.º 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 203, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação do mercado, RICARDO FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de

atividade de notação de risco173. Nas sábias e pertinentes palavras de HEINRCH HÖRSTER, “a responsabilidade, ou melhor: a consciência de responder pelos actos que vierem a ser praticados por virtude da inclusão das suas consequências na livre decisão de agir, limita a liberdade do agente, no sentido de evitar voluntarismos (irresponsáveis) e abusos de poder”174.

Conforme já referimos, a responsabilidade civil das agências de notação de risco desdobra-se em dois planos principais: perante os emitentes, quando estes ou os seus produtos ou instrumentos financeiros tenham constituído o objeto de uma notação de risco incorreta – tipicamente um underrating – e daí tenham fluído prejuízos para esses mesmos emitentes; e perante os investidores, quando estes, fundados numa notação de risco (indevida ou desmesuradamente) favorável (overrating), concedam crédito à entidade notada ou tomem decisões de investimento (nomeadamente, decisões de subscrição e compra de valores mobiliários) ou de não desinvestimento (nomeadamente, mediante a alienação de valores mobiliários) que não teriam tomado não fosse determinado relatório de notação de risco, vindo a sofrer prejuízos.

Deve notar-se que os sujeitos lesados podem ser bastante doversos: desde os credores de emitentes alvo de notação, até aos aforradores individuais ou institucionais (que compraram produtos financeiros arriscados ou tóxicos), passando pelos parceiros de negócio e pelos sócios sobrevindos ou supérstites (por causa do rating incorreto). Por isso, a construção da responsabilidade civil terá de espelhar esta multiplicidade de

173 Cfr., quanto ao problema da responsabilização de gatekeepers e quanto à negação das teorias

catastrofísticas relativas às consequências da responsabilidade deste tipo de agentes no seio dos mercados financeiros, com mais referências relevantes, MANUEL SÁ MARTINS, Responsabilidade Civil das

Agências de Notação de Risco por Informações Prestadas aos Investidores, pp. 14-17 (p. 16); e RICARDO

FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de Risco perante os Investidores, pp. 23-25, debruçando-se, no ordenamento jurídico norte-americano, sobre o importante Dodd-Frank Wall Street

Reform and Consumer Protection Act (2010), o qual prevê expressamente a possibilidade dos investidores

demandarem as agências de rating na eventualidade de estas não levarem a cabo, de forma consciente ou negligente, uma investigação razoável dos factos sujeitos a análise.

174 EINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português. Teoria Geral do Direito

Civil, reimpressão, Coimbra, Almedina, 2012, p. 70; Cfr., ainda, sobre a relevância ex ante e ex post da

responsabilidade civil, CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil. Responsabilidade Civil – O Método do

Caso, 2.ª reimp., Coimbra, Almedina, 2011, pp. 64 ss. Este reconhecimento de situações de

responsabilidade civil por comportamentos dolosos ou negligentes do informante no âmbito dos mercados financeiros afigura-se como um verdadeiro “factor imprescindível da funcionalidade desses mercados e sectores e adequado à sua especial sensibilidade”, recordado as pertinentes palavras de CARNEIRO DA FRADA, Uma «Terceira Via» no Direito da Responsabilidade Civil?, Coimbra, Almedina, 1997, p. 75.

Vide, ainda, RICHARD JENNINGS, HAROLD MARSCH, JR., JOHN C. COFFEE JR. e JOEL

SELIGMAN, Securities Regulation: Cases and Materials, 8.ª edição, Nova Iorque, Foundation Press, 1998, p. 924, onde é afirmado que “Although there are multiple forces that drive our disclosure system, the risk of liability is one of the most significant, and it motivates independent gatekeepers to test and, if necessary, challenge the issuer’s proposed disclosure”.

cenários possíveis, mobilizando-se várias modalidades de responsabilidade e fundamentos.

Naturalmente, será na responsabilidade contratual (no caso dos solicited ratings) e na responsabilidade por factos ilícitos (no caso dos unsolicited ratings) e dos respetivos pressupostos que principalmente nos debruçaremos, “dado o carácter restritivo e a necessidade de justificação especial que tem de assinalar-se à responsabilidade pelo risco ou por conduta lícita.”175

Note-se, com particular atenção, que a procura pelos fundamentos responsabilizantes com base num rating incorreto enfrenta sérias dificuldades, uma vez que a proposta de uma classificação de rating está longe de constituir uma pura declaração de facto, mas antes um mero prognóstico quanto à capacidade e disponibilidade futuras de um determinado devedor satisfazer as suas obrigações176.

Nas importantes palavras de UWE BLAUROCK177, “even if, owing to their subtle classification and standardised semi-objectivity, the publication of grades gives rise to the impression that facts are being dealt with, an appraisal of future developments is given, in which, due to its very nature, a subjective element is present. Therefore, first and foremost, an expression of opinion is made, which cannot be categorised ex ante as “right” or “wrong”. Furthermore, CRAs continually refer to this in their disclaimers in order to delimit the recipients’ expectations right from the very beginning”.

Por isso, um rating não pode ser tipo como incorreto – e, portanto, como facto lesivo para o investidor – apenas devido ao facto de ser considerado improcedente ex post. E, consequentemente, as agências de notação de risco não podem ser consideradas civilmente responsáveis pelo simples facto de a sua previsão de risco acabar por se manifestar a posteriori incorreta. No entanto, haverá lugar a responsabilidade civil quando se considerar que a agência de notação de risco, contrariamente às suas obrigações, nomeadamente as estabelecidas em sede da legislação comunitária

175 Cfr. CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de Notação de Risco (Rating),

p. 24, destacando que a nossa ordem jurídica se apresenta, consabidamente, muito restritiva, sendo exemplo paradigmático o disposto no artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil.

176 Cfr. RICARDO FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de Risco perante os

Investidores, p. 23 comparando as notações de risco com as peças de teor jornalístico: “à semelhança do

jornalista que recolhe informações , analisa-as e depois publica o texto jornalístico, também o processo de notação se inicia pela recolha de informação com origem nas mais diversas fontes, para posteriormente ser analisar e, de seguida, sintetizada num rating que mais não é do que a publicação de uma opinião da agência de notação sobre o risco de crédito inerente ao objeto analisado”.

mencionada, baseou o seu rating em fontes de informação incompletas ou injustificadas ou não prosseguiu o seu procedimento e prognóstico adequadamente, tornando o rating indevidamente favorável178.

Neste contexto, apenas será constituída uma situação de responsabilidade quando o erro no processo de rating se repercutir no resultado do rating. E, de facto, encontra-se aqui um dos aspetos nevrálgicos do regime de responsabilidade civil das agências de notação de risco: será muito difícil aos investidores ou entidades lesadas descortinarem a existência de um erro no processo de notação de risco que se repercutiu no rating publicado, devido ao facto de os métodos e algoritmos usados por estas agências não serem facilmente apreendidos pelo comum investidor.

A questão do ónus da prova assume, desta forma, contornos absolutamente determinantes: quanto a ela já nos pronunciamos, parecendo-nos que este ónus só poderá competir aos investidores ou entidades lesadas, ainda que com todas as dificuldades daqui inerentes.

Ainda a título genérico, recordamos que é particularmente relevante destrinçar o caso de a notação de risco ter sido solicitada ou não, isto é, contratualizada ou não contratualizada. Tratando-se de uma notação de risco contratualizada, quanto à responsabilidade civil das agências de notação de risco perante o credor lesado (que poderá ser um emitente/entidade ou um investidor), naturalmente, aplica-se o regime do contrato, quer no que toca aos procedimentos de notação, quer naquilo que diz respeito a uma responsabilidade por não cumprimento, nos termos dos artigos 798.º e seguintes do Código Civil179.

178 Assim, UWE BLAUROCK, Control and Responsability of Credit Rating Agencies, p. 17.

179 Assim, RICARDO FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de Risco perante os

Investidores, p. 28, ressalvando que não se poderá invocar o artigo 485.º CC para isentar a agência de

notação de risco de responsabilidade, porquanto o seu n.º 2 estabelece que a obrigação de indemnizar os danos existe quando haja o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação”, podendo este dever jurídico ser imposto por lei ou encontrar a sua fonte num contrato. Neste sentido, também, MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Sociedades E Notação do Risco (Rating) – A Proteção dos Investidores, p. 319. Note-se, no entanto, que mesmo nestes casos de notações de risco solicitadas/contratualizadas, a responsabilidade contratual capta de forma muito limitada a tutela dos investidores afetados por uma notação de risco incorreta. Com efeito, assume, neste contexto, particular relevância o programa obrigacional voluntariamente assumido pelas partes no âmbito da sua autonomia privada: mas, note-se, os contratos de subscrição de publicações ou de assinatura de serviços eletrónicos, que disponibilizam informação sobre notações de risco a entidades que atuam no mercado de capitais, cingem-se tipicamente a facultar o acesso a estes suportes informativos (cingem-se, por exemplo, à entrega das respetivas publicações de rating). E, portanto, não havendo, tipicamente, promessas de elaboração diligente de notações de risco, nem deveres de aconselhamento convencionados, e sendo os investidores meros titulares formais da compra das publicações especializadas ou dos contratos de prestação de serviços de informação,

Neste estudo, interessa-nos a análise da proteção dos investidores e dos emitentes180, destacando-se que, no caso dos investidores (e, até, dos emitentes), na maior parte dos casos não terão qualquer vínculo que os ligue à notação de risco, pelo que as suas decisões de investimento não se encontrarão abrangidas pelo âmbito dos contratos que eventualmente existam entre as agências de rating e as sociedades objeto de notação.

Com efeito, e conforme já tivemos oportunidade de sublinhar, a atividade de notação de risco nem sempre tem origem numa solicitação (notação de risco solicitada) por parte da entidade que pretende ser objeto de notação (notação de risco de entidades públicas ou privadas) ou do emitente que visa obter uma avaliação do risco de crédito associado aos valores mobiliários por si emitidos (notação de risco de valores mobiliários representativos de dívida simples ou estruturados).

A este respeito, CARNEIRO DA FRADA181 alerta que, mesmo na ausência de um contrato entre investidor e agência de rating, as notações inexatas, que geraram investimentos ruinosos, podem ter sido o resultado da infração das regras comunitárias atrás referidas.

Note-se que, reconhecendo-se maior fragilidade às notações de risco não solicitadas, conforme já sublinhámos, visto a informação recolhida pelas agências de

rating ser apenas aquela que é de domínio público, os investidores deverão ser

devidamente alertados para a circunstância de uma dada notação não ter sido solicitada de modo a terem este fator em consideração no momento da tomada de decisões de investimento. Aliás, é o próprio código de conduta da IOSCO que prevê que as agências de notação devem identificar os ratings não solicitados e divulgar as suas políticas e procedimentos relativamente a esta prática: “For each rating, the CRA should disclose whether the issuer participated in the rating process. Each rating not initiated at the request of the issuer should be identified as such. A CRA should also disclose its policies and procedures regarding unsolicited ratings”.

a responsabilidade contratual assume-se como particularmente limitativa, no que à tutela ressarcitória diz respeito. Para além disto, estes contratos encontram também dificuldades em figurarem como base adequada de responsabilização devido ao seu carácter indeterminado e ao número potencialmente muito vasto de investidores. Importa, pois, continuar a explorar outras vias de responsabilização das agências de

rating perante terceiros para encontrar fundamentos que permitam estender a responsabilidade para lá do

perímetro traçado pelo acordo de vontade dos sujeitos no contrato.

180 Cfr., quanto à responsabilidade civil das agências de notação de risco perante os emitentes, UWE

BLAUROCK, Control and Responsability of Credit Rating Agencies, pp. 18 e ss.

181 Cfr. MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Sociedades E Notação do Risco (Rating) – A Proteção dos

No entanto, será particularmente relevante sublinhar que, também nos casos onde esteja em causa uma notação de risco solicitada por um emitente, e portanto, independentemente da existência ou não de um contrato, quer as notações solicitadas, quer as notações não solicitadas poderão ter por objeto as mesmas realidades e influenciar praticamente do mesmo modo o comportamento de terceiros, nomeadamente dos investidores que confiam na notação para determinar as suas condutas, mesmo que não a tenham contratualizado182.

Não obstante, importa destacar – e, de resto, prevenir o leitor – de que certos