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A IMPORTÂNCIA DO ALCANCE DE UM JUSTO EQUILÍBRIO DE I NTERESSES NO ÂMBITO DA IMPUTAÇÃO DE DANOS CAUSADOS NO M ERCADO DE C APITAIS , EM

NOMEADAMENTE OS CONTRIBUTOS DA CULPA IN CONTRAHENDO DE TERCEIRO E A TEORIA PURA DA CONFIANÇA NO ÂMBITO DO DIREITO DA IMPUTAÇÃO DE

3.8 A IMPORTÂNCIA DO ALCANCE DE UM JUSTO EQUILÍBRIO DE I NTERESSES NO ÂMBITO DA IMPUTAÇÃO DE DANOS CAUSADOS NO M ERCADO DE C APITAIS , EM

CONCRETO A QUESTÃO DA DISTRIBUIÇÃO DO RISCO

Uma vez delineados os fundamentos para a construção de uma responsabilidade razoável das agências de notação de risco perante terceiros investidores, importa tecer uma nota final focada em alguns problemas avulsos de responsabilidade que podem, tipicamente, colocar-se. Referimo-nos a questões em torno (i) da limitação da responsabilidade civil das agências de notação de risco; (ii) da culpa do lesado (no caso, do investidor); e (iii) dos limites da obrigação de indemnizar. Estas questões poderão ter, naturalmente, um tratamento diferente consoante a âncora dogmática em que assente a responsabilidade civil das agências de notação de risco.

Ora, conforme já fomos destacando ao longo deste nosso estudo, a responsabilidade civil das agências de rating não pode ser levada ao ponto de subverter a distribuição do risco das decisões económicas de quem atuas nos mais diversos mercados.

Assim, CARNEIRO DA FRADA421 sublinha, com particular relevância, que “não é legítimo comprimir-se desmesuradamente a liberdade e a autonomia privada das agências de notação de risco (expondo-as a um risco excessivo de terem de indemnizar), nem esquecer-se que o princípio da auto-responsabilidade informativa é um correspetivo também da autonomia dos investidores, que os onera”.

Pelo que importará procurar um “justo meio” para que a responsabilidade das agências de rating seja proporcionada e equilibrada.

421 Cfr. CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de Notação de Risco (Rating),

p. 61, destacando que a responsabilidade das agências de rating não pode constituir um “seguro” dos investidores que os preserve de prejuízos enquanto o mercado for – como certamente há-de ser sempre – um espaço de liberdade, habilidade ou aptidão pessoal e sorte / contingência.

Na busca deste equilíbrio, deparamo-nos, imediatamente, com o problema da limitação da responsabilidade civil das agências de notação de risco. Não raras vezes, cientes de que a sua atividade se afigura como potencialmente danosa aos interesses de terceiros, as agências de notação de risco divulgam disclaimers onde, entre outros aspetos, procuram limitar – e, no limite, excluir – a sua responsabilidade perante terceiros por danos ou prejuízos resultantes da publicação dos seus ratings. Veja-se, a título de exemplo, o disclaimer que a Fitch publica no seu website:

“Ratings do not comment on the adequacy of market price, the suitability of any investment, loan or security for a particular investor (including without limitation, any accounting and/or regulatory treatment), or the tax-exempt nature or taxability of payments made in respect of any investment, loan or security. Fitch is not an adviser to any party and is not providing to any party any financial advice, or any legal, auditing, accounting, appraisal, valuation or actuarial services. A rating should not be viewed as replacement for such advice or services. Fitch does not have any fiduciary relationship with any issuer or its agents, the user of a rating or any other party. The use of any rating is entirely at the users’ own risk”. (sublinhado nosso)

É que as agências de rating argumentam, frequentemente, que emitem simples opiniões e prognósticos, não levando a cabo serviços de aconselhamento de investimento nem se fazendo asserções sobre factos, disso advertindo, com mais do que suficiente publicitação, os destinatários dos ratings que conhecem e invocam as notações produzidas. Por outro lado, ninguém duvidará que os ratings emitidos pelas agências de notação de risco são capazes de condicionar comportamentos e investimentos de diversos sujeitos, já que as notações se dirigem aos atores do mercado de capitais, visando a disponibilização de informações para fins de investimento.

Perguntar-se-á, por isso, qual a validade destes disclaimers de limitação de responsabilidade levados a cabo pelas agências de notação de risco e qual a sua influência no reconhecimento de uma obrigação de indemnizar que onere as agências de rating.

Cremos que a afirmação unilateral de uma exclusão da responsabilidade civil por parte das agências de rating não poderá afastar diretamente a responsabilidade heteronomamente fundada422, nos moldes descritos neste estudo. Até porque, se a

422 Assim, CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de Notação de Risco (Rating),

responsabilidade destes agentes se fundar, por hipótese, na violação de deveres de boa fé

in contrahendo ou na infundada frustração de expectativas legitimamente criadas, as

referidas alegações de limitação ou exclusão de responsabilidade não estão aptas para afastar diretamente as exigências impostas, que radicam, aliás, no direito objetivo.

Com isto não se pretende afirmar que as agências de notação de risco respondem de forma indiscriminada perante todos os terceiros potencialmente afetados. Aliás, estes

disclaimers fazem, de facto, sentido atendendo à legítima preocupação destes agentes

financeiros em limitar a sua responsabilidade perante terceiros, devido à abstrata quantidade imensa de potenciais afetados. Apenas pretendemos deixar claro que constituída uma situação de responsabilidade fundada no direito objetivo – seja nos deveres impostos ex boda fide, seja na tutela da confiança legitimamente criada – as cláusulas de limitação de responsabilidade não poderão diretamente operar423.

Com efeito, a vontade de exclusão da responsabilidade distingue-se claramente da exclusão de uma situação de confiança ou da exclusão da sujeição a deveres in

contrahendo. Por isso, a vontade de operar as exclusões de responsabilidade só pode bulir

indiretamente com as situações de confiança ou com os deveres ex bona fide. É que, por exemplo, o Tatbestand de confiança não é diretamente atingido por esta vontade de exclusão, podendo manter-se, dado que a notação de risco foi, não obstante, emitida.

Por isso, se a responsabilidade for concebida ao abrigo da teoria pura da confiança, então a exclusão da indemnização terá de versar, diretamente, sobre a eliminação de uma situação de confiança. Por outro lado, se se quiser ancorar a responsabilidade das agências de rating nos deveres in contrahendo, então, quer a exclusão de tais deveres, quer a exclusão da responsabilidade pela sua violação, estão sujeitas a um controlo do conteúdo dos negócios que dispõem sobre consequências jurídicas da própria conduta, mesmo se não negocial424.

No mais, esta vontade de limitação da responsabilidade – admitida no ordenamento jurídico português a abrigo do princípio da autonomia privada, plasmado

423 Vide, no mesmo sentido, RICARDO FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de Risco

perante os Investidores, pp. 39-40, argumentando, porém que apenas as partes do contrato poderão

estabelecer os limites às respetivas responsabilidades, e não impor essas limitações a terceiros alheios ao acordo, uma vez que tal hipótese violaria o princípio da relatividade dos contratos.

424 Cfr, CARNEIRO DA FRADA, CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de

no artigo 405.º do CC e por argumento a contrario do artigo 809.º do CC425 - gerará, apenas, o efeito pretendido no âmbito contratual, inter partes, por haver limites quanto à sua eficácia perante terceiros, desde logo decorrentes do princípio da relatividade dos contratos426.

No mais, no ordenamento jurídico nacional, também o Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de outubro (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais) se traduz num dos limites à eficácia destas cláusulas, no âmbito da exclusão da responsabilidade por violação de deveres contratuais de prestar em caso de culpa grave ou de dolo, porquanto o seu artigo 18.º, al. c) dispõe que são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave427.

Para além desta questão em torno da limitação da responsabilidade, que apenas poderá operar, conforme se viu, em moldes particularmente restritivos, deverá chamar-se a atenção para a questão da culpa do lesado (cfr. artigo 570.º do CC), de forma a procurarmos um justo, equilibrado e proporcional equilíbrio dogmático em torno da responsabilidade civil das agências de rating.

É que não devemos olvidar que na construção desta responsabilidade há que tomar em devida conta o descuido e a desatenção dos investidores ou, até, a sua voluntária exposição ao risco típico dos mercados.

Assim, dispõe o artigo 570.º do CC que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída (n.º 1), sendo que se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar (n.º 2).

Ora, a conclusão será a de que, baseando-se a responsabilidade civil das agências de notação de risco numa infração de deveres por partes destas, a culpa do lesado

425 Cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 3.ª edição, Almedina, 2005, p. 277. 426 Neste sentido, RICARDO FALCÃO, Da Responsabilidade das Agências de Notação de Risco perante

os Investidores, pp. 39-40; e CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de Notação de Risco (Rating), p. 62.

427 Vide, em geral sobre o estudo das cláusulas contratuais gerais, PINTO MONTEIRO, Cláusulas de

(investidor) não exclui, necessariamente, a responsabilidade pois, nos termos do n.º 1 do artigo 570.º do CC, carece de ser ponderada com a do lesante (agência de rating).

Por outro lado, se se ancorar a responsabilidade civil das agências de rating no enquadramento dogmático da responsabilidade pela confiança, então a culpa do lesado, isto é, a falta de justificação para a confiança (a tal precipitação, desatenção, etc., dos investidores) excluiu, regra geral, a responsabilidade, por ausência dos seus pressupostos de aplicação.

Por fim, e em terceiro lugar, chame-se a atenção para a questão do dano a considerar, à luz dos limites da obrigação de indemnizar.

Por um lado, caso a responsabilidade civil se funde na culpa in contrahendo, então deve o intérprete focar-se no teor do dever pré-contratual violado, abrangendo-se todos os prejuízos produzidos pela respetiva infração, nos moldes usais de uma causalidade na responsabilidade por factos ilícitos428. Por outro lado, caso o dano seja indemnizável na perspetiva da tutela da confiança, então a indemnização terá por referência apenas o investimento de confiança realizado e frustrado, nunca o ultrapassando. Por exemplo, do ponto de vista da confiança, resulta implícito que, como limite à indemnização, num

rating de emissão, a indemnização total devida pelas agências de notação de risco aos

investidores não seja superior ao valor global da emissão.

O ponto a reter será, pois, que tanto numa situação de responsabilidade civil por

culpa in contrahendo, como numa situação de responsabilidade pura pela frustração da

confiança, a indemnização não poderá ser dirigida à colocação do investidor na situação correspondente àquilo em que acreditou (situação equivalente à aquisição efetiva de um produto com a notação de risco efetivamente atribuída). Retenha-se, pois, que o rating mais não é do que uma informação: e só uma garantia negocial de qualidades abre as portas a uma indemnização substitutiva de uma coisa com as qualidades garantidas429.

Tudo isto para se concluir que a responsabilidade das agências de notação de risco não serve para indemnizar decisões de investimento prejudiciais: tememos que, para estas

428 Assim, CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de Notação de Risco (Rating),

p. 65, destacando que nem a culpa in contrahendo, nem a doutrina da confiança se dirigem a colocar o sujeito na situação correspondente àquilo em que acreditou (isto é, na posição equivalente à aquisição efetiva de um produto com a notação de risco atribuída, superior à merecida).

429 Cfr. CALVÃO DA SILVA, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, 1990, pp. 200 e ss. e 250 e

decisões, embrulhadas numa voluntária exposição ao risco do mercado, o Direito não tenha, e bem, forma de as indemnizar globalmente. Assim, a responsabilidade das agências de rating estende-se, apenas, à parcela do prejuízo efetivamente ocasionada pelo

rating deficiente. Por isso, o relevante é determinar em que medida é que a conduta das

agências de notação de risco contribuiu realmente para o prejuízo do investidor.

Ora, esta causalidade430 permite, naturalmente, moderar o quantum respondeatur em caso de negligência das agências de notação de risco, contendo a responsabilidade dentro dos necessários limites proporcionais e justos.

Chegados a este ponto, é tempo de terminar, procedendo-se a uma síntese conclusiva.

Reitere-se, portanto, que é incontornável a grande importância assumida pelos relatórios de notação de risco no âmbito do mercado de capitais e das decisões dos investidores. Mas a questão da responsabilização das agências de rating perante os investidores / entidades notadas terá de respeitar limites razoáveis, evitando-se uma responsabilidade ilimitada. Desde logo, devemos abordar com particular cuidado a questão da aceitação da possibilidade de a obrigação de indemnizar derivar de condutas praticadas com culpa leve, o que expõe os responsáveis a um intolerável risco de expirais indemnizatórias de grandes dimensões e inaceitáveis pelo Direito, por colocarem em causa a sobrevivência da eficiência do mercado de ratings.

Por outro lado, ressalvamos casos em que é premente a tutela ressarcitória favorável aos investidores, para os quais consideramos que o nosso ordenamento jurídico nacional é capaz de dar respostas satisfatórias, através de institutos como a

430 Cfr. CARNEIRO DA FRADA, A Responsabilidade Civil das Agências de Notação de Risco (Rating),

p. 66, com mais referências, para uma análise da causalidade inerente à determinação da medida da responsabilidade civil das agências de notação de risco – que, de resto, em muito ultrapassaria o objeto deste nosso estudo -, destacando que a medida da responsabilidade será produto de um juízo jurídico- normativo, que passa pela determinação das esferas de risco dos intervenientes do mercado de capitais. Assim, alguns advogam um sistema em que os montantes indemnizatórios estejam a forfait indexados ao valor da empresa notada, ou ao valor global da emissão de certo instrumento financeiro, ou a um múltiplo dos honorários pagos pelos emitentes, dividindo-se, depois, esses montantes pelo número de títulos de investimento para apurar o montante máximo de indemnização a que em direito cada investidor. Desta forma, contém-se a responsabilidade civil das agências de rating dentro de limites aceitáveis, favorecendo- se a segurança no momento do apuramento do dano relevante. Por outro lado, numa perspetiva de concausalidade, mais arriscada para as agências de notação de risco, favorecer-se-ia o ponto de vista de uma justiça individualizadora.

responsabilidade pela confiança, a culpa in contrahendo, ou a proibição de condutas abusivas431.

É, pois, possível contruir, segundo cremos, mediante os referentes expostos, um regime de responsabilidade civil das agências de rating razoável e equilibrado. Apesar deste enquadramento dogmático se apresentar como particularmente complexo e árduo, por convocar uma panóplia diversificada de elementos jurídicos, afigura-se viável uma convergência em torno de algumas soluções plausíveis, como as que precedementemnte tentamos encontrar.

Fulcral será o entendimento das patentes limitações oferecidas pelas tutelas contratual e delitual, no âmbito do direito conflitual português, sendo necessário que a construção da responsabilidade civil das agências de notação de risco ensaie outras vias, nomeadamente no âmbito da terceira via de responsabilidade civil. Tentamos, a este respeito, contribuir de forma singela para a discussão do enquadramento dogmático da responsabilidade civil das agências de notação de risco face ao ordenamento jurídico português, procurando-se um justo equilíbrio entre todos os interesses em jogo.

Por fim, pretendemos sublinhar que, tratando-se de uma realidade de reconhecida natureza transfronteiriça, cujo raio de ação acaba por tocar vários ordenamentos jurídicos diferentes, parece-nos que as medidas no quadro da disciplina comunitária, ainda que louváveis, poderiam dar uma resposta mais satisfatória quanto à questão da tutela dos investidores perante ratings inexatos. Ainda que reconheçamos a dificuldade da missão que aqui convocamos, muito devido à falta de um conjunto de princípios harmonizados de Direito Civil no contexto europeu, cremos ser fundamental que que a legislação comunitária harmonize as consequências legais que a lei liga às deficiências da informação divulgada no mercado de capitais, sobretudo face à atual equivocidade dos diversos preceitos comunitários no que toca à relevância indemnizatória em benefício de terceiros investidores ou aos seus termos.

431 De facto, de forma absolutamente relevante, parece assistir inteira razão a CARNEIRO DA FRADA,

Sociedades E Notação do Risco (Rating) – A Proteção dos Investidores, p. 323, ao sustentar-se que,

considerando a insatisfatória resposta dos diversos preceitos comunitários no que toca à relevância indemnizatória em benefício de terceiros investidores ou aos seus termos e, sobretudo, tendo presente o facto de as agências de notação de risco operarem muito para além dos espaços nacionais ou regionais, só estes modelos e princípios – designadamente ao abrigo da terceira via de responsabilidade civil – parecem ser capazes de vencer as respetivas fronteiras.

Com efeito, o nível de proteção dos investidores, instrumento necessário para a prossecução da eficiência destes mercados, não deverá divergir no âmbito da União Europeia, tendo especialmente em conta que a criação de um mercado único de capitais é um dos grandes objetivos da política comunitária432.

432 Cfr. MARGARIDA AZEVEDO DE ALMEIDA, A Responsabilidade Civil perante os Investidores por

Realização Defeituosa de Relatórios de Auditoria, Recomendações de Investimento e Relatórios de Notação de Risco, p. 31.

CONCLUSÃO